Capítulo 26.
O céu nublado daquela manhã deixava o clima ainda mais monótono enquanto eu, Sunoo, Niki, Hanabi e Sunghoon esperávamos a sirene tocar ainda na praça em frente à escola. O ar frio parecia entrar direto pelos meus ossos, e a cicatriz ainda recente na minha testa latejava de leve por conta do frio — cortesia do incidente idiota com Sunghoon e seu travesseiro assassino.
Eu estava distraído, tentando ignorar o tédio, ou tentando fugir de meus pensamentos, quando Hanabi se inclinou subitamente na minha direção e, sem qualquer aviso, deu um peteleco bem no curativo da minha testa.
— Ai! — exclamei, levando a mão automaticamente ao local. — Qual é o seu problema?!
— Olha ali. — Ela nem se deu ao trabalho de pedir desculpas, apenas apontou com o queixo para a rua.
Segui seu olhar, ainda massageando minha testa, e vi a Mercedes azul se aproximando lentamente. A pintura impecável reluzia mesmo sob o céu cinzento, cada curva do carro parecendo uma provocação silenciosa. O motor quase não fazia barulho enquanto o veículo deslizava pela rua, elegante e intimidador.
— Ah, olha só... — murmurou Sunoo ao meu lado, arqueando uma sobrancelha. — Então talvez Jungwon não mude de escola, afinal.
Antes que eu pudesse responder, as janelas do carro começaram a descer automaticamente. O vidro escuro revelou o interior luxuoso, e eu revirei os olhos ao notar como Sunghoon parecia fascinado olhando para o carro. Ele estava praticamente hipnotizado, com a boca ligeiramente aberta, como se tivesse acabado de ver algo saído de um filme de ação.
— Você vai babar aí mesmo, Sunghoon? — provoquei, mas ele nem registrou minha existência naquele momento.
Minha atenção voltou para o carro, e foi aí que o vi. Jungwon estava no banco do passageiro, o rosto sério, os olhos fixos no painel como se estivesse analisando alguma coisa muito importante. Diferente da imagem sorridente que eu me acostumei a ver dele, hoje ele parecia... Concentrado demais.
Ao lado dele, Jake, o motorista, exibia um sorriso descontraído enquanto dava um empurrão amigável no ombro de Jungwon. Parecia casual, mas ao mesmo tempo carregava uma familiaridade.
Jake disse algo que não conseguimos ouvir, mas Jungwon não reagiu. Ele apenas manteve aquele semblante fechado, como se estivesse em outro mundo.
— Esse cara tem um sorriso irritante — comentei em voz baixa, mais para mim mesmo, mas Sunoo me ouviu e riu.
— Achei que você gostasse de gente com sorrisos bonitos, Jay.
Eu apenas bufei, ignorando a provocação.
Jake saiu do carro com a mesma atitude confiante de sempre, os passos firmes e tranquilos enquanto dava a volta até o lado do passageiro. Cada movimento parecia calculado, como se ele soubesse exatamente o impacto que causava. Quando abriu a porta para Jungwon, fez isso com um gesto quase teatral, como se fosse o protagonista de um daqueles dramas cheios de clichês românticos.
Sunghoon soltou um suspiro audível, claramente impressionado com a cena.
— Sério? — revirei os olhos, cruzando os braços. — Você tá mesmo achando isso legal?
— O cara abriu a porta pra ele, Jay! — Sunghoon exclamou, como se fosse a coisa mais inacreditável do mundo. — Isso é cavalheirismo nível outro planeta.
— Ah, por favor — retruquei com um tom de desdém. — Jake não deve ser tudo isso. Se fosse, Heeseung não ficaria daquele jeito sempre que vê ele.
Niki, que até então estava quieto, assentiu em aprovação ao meu comentário.
— Concordo com você, Jay. Heeseung quase vira uma fera quando o nome desse cara aparece.
— Do que vocês estão falando? — perguntou Hanabi, franzindo o cenho enquanto olhava de mim para Niki.
— Nada demais — murmurei, tentando desconversar, embora o nome de Heeseung ainda ecoasse na minha cabeça.
Antes que Hanabi pudesse insistir, Jake inclinou a cabeça para dentro do carro, aparentemente percebendo que Jungwon ainda não havia se movido.
— Seus amigos estão esperando por você — disse ele com um sorriso divertido, antes de completar: — E Jay também.
Meu coração deu um salto estranho ao ouvir meu nome sair daquela boca. Eu fingi que não me importava, mas algo no tom provocador dele me deixou desconfortável. Jungwon, por outro lado, apenas levantou o rosto devagar, o olhar indecifrável antes de finalmente descer do carro sem dizer uma palavra.
Eu sabia que havia algo estranho naquele garoto desde o início. O que exatamente, ainda era um mistério. E, pelo jeito, Jake fazia parte dessa confusão.
Jungwon parou ao lado de Jake, o rosto ainda sério, mas com uma expressão que parecia distante, como se algo tivesse prendido a atenção dele. Seus olhos se fixaram em um ponto específico, além da praça onde estávamos.
Curioso, segui seu olhar até encontrar o que ele encarava: Seojoon e os dois idiotas que sempre seguiam ele, parecendo mais seguranças particulares do que colegas de escola. Eles estavam encostados na parede perto do portão, rindo de algo que provavelmente não era engraçado para ninguém além deles mesmos.
Jungwon inclinou levemente a cabeça na direção de Jake e murmurou, com a voz baixa, mas audível o suficiente para que eu e os outros ouvíssemos:
— Aquele é o cara que tá me atrapalhando.
Automaticamente, o grupo de amigos, incluindo eu, virou a cabeça na direção indicada. Seojoon percebeu que estava sendo observado, seu sorriso sumindo enquanto sua expressão endurecia. Ele devolveu o olhar com uma mistura de arrogância e desafio, mas não moveu um músculo.
Jake riu, um som descontraído, como se a situação toda fosse apenas uma piada para ele.
— Aquilo? — disse ele com desdém. — E você ainda não quebrou a cara dele?
Jungwon revirou os olhos, claramente sem paciência para o comentário.
— Quer que eu quebre pra você? — Jake perguntou com um sorriso despreocupado, cruzando os braços como se estivesse realmente considerando a ideia.
O ar ao redor pareceu ficar mais tenso. Niki soltou um "Uau..." abafado, enquanto Hanabi olhava de um para o outro, incrédula com a cena que se desenrolava diante dela.
Sunghoon, que geralmente só se importava com assuntos triviais, deu um passo para frente, os olhos arregalados.
— Estão falando sério?
— Acho que sim — murmurei, ainda tentando processar o que tinha acabado de ouvir.
Jungwon deu um meio sorriso, mas havia algo perigoso no brilho dos olhos dele quando respondeu para Jake:
— Eu resolvo do meu jeito.
O silêncio que se seguiu foi quase palpável. Jake ainda sorria de forma descontraída, mas o clima estava longe de ser confortável. Seojoon continuava em seu canto, fingindo que não tinha notado os olhares, mas era claro que ele estava atento.
Foi Sunoo quem finalmente quebrou o silêncio:
— Eu pensei que você ia sair da escola — comentou, com a voz leve, mas carregada de uma curiosidade genuína.
Jungwon, que até então mantinha uma postura firme e séria, baixou a cabeça ligeiramente. Seus ombros relaxaram, e ele segurou as alças da mochila com ambas as mãos, de um jeito que me lembrou uma criança tentando parecer corajosa em seu primeiro dia de aula. A imagem era... fofa, para dizer o mínimo.
— Não vou sair — disse ele, a voz suave, quase hesitante.
Sunoo piscou algumas vezes, surpreso com a simplicidade da resposta, mas não insistiu. Eu, por outro lado, não consegui ignorar o contraste gritante entre o Jungwon de segundos atrás, e essa versão quase tímida que agora segurava a mochila como se ela fosse um escudo.
— Que bom, então — Sunoo comentou sorrindo.
— Que história é essa? Porque vocês não me contam nada? — Hanabi cruzou os braços.
Eu estava tão perdido em meus próprios pensamentos que não percebi que estava encarando Jungwon por tempo demais. Não consegui evitar. Algo nele tinha mudado desde o beijo, e a lembrança do olhar vermelho, quase sobrenatural, ainda me assombrava. Agora, olhando para ele, era óbvio que estava usando lentes. Ele parecia mais... "normal", se é que se pode dizer isso, mas ainda assim havia algo estranho naquele olhar, como se ele estivesse em algum lugar distante, longe de todos nós.
A sirene tocou, alertando que era hora de correr para a aula. Meu pensamento foi interrompido de forma abrupta, e eu quase dei um pulo com o som estridente. No mesmo instante, Jake se aproximou de Jungwon, inclinando-se ligeiramente para sussurrar algo em seu ouvido. A atitude parecia casual, mas havia algo na forma como ele falava que me chamou atenção. Jungwon, por sua vez, olhou para mim, mas foi só por um segundo. Seu olhar era breve, quase tímido, e algo em mim se apertou, como se Jake estivesse falando de mim.
— Eu vou buscar você depois, Jungwon. — A voz de Jake foi clara e direta, e ele disse isso em um tom que não deixava margem para contestação. — Vamos naquele lugar, ok?
Jungwon apenas assentiu com a cabeça, sem dizer uma palavra. O gesto foi simples, mas a maneira como ele fez isso parecia... submissa, como se estivesse apenas aceitando o que Jake tinha dito sem questionar. O sorriso tranquilo de Jake contrasta com a expressão de Jungwon, que agora parecia estar dentro de seus próprios pensamentos, um pouco distante.
Antes que eu pudesse me aprofundar ainda mais em minhas observações, a voz de Sunghoon me tirou do transe:
— Vamos, Jay! Se a gente não correr, vamos perder a aula! — Ele estava impaciente, os olhos fixos em mim, como se eu fosse o último a perceber a urgência da situação.
Eu mal consegui prestar atenção na aula. Minha mente estava a quilômetros de distância, vagando entre pensamentos e perguntas não respondidas. O som da voz do professor, misturado com o murmúrio dos colegas, parecia distante, como se estivesse em outro mundo.
Era como se a imagem daquilo que eu tinha visto naquela ponte, o olho dele, vermelho como fogo, ainda estivesse queimando na minha mente. Toda vez que tentava me concentrar, a cena voltava, a sensação de seus lábios, seus suspiros. Eu me sentia estúpido por me preocupar tanto com isso, mas não conseguia evitar. O fato de Jungwon não ter falado nada sobre aquele momento só aumentava a agonia dentro de mim. Ele parecia querer esquecer, como se nunca tivesse acontecido, e isso me deixava inseguro.
Eu não sabia o que fazer com esse turbilhão de perguntas. Meu dedo deslizou de forma automática pela tela do celular, sem pensar muito no que estava fazendo, até que a imagem apareceu — aquela foto do corrimão da ponte, com a escrita. Era a única pista, a única coisa que parecia me conectar a ele de novo. Será que ele tinha sido o responsável por escrever aquilo? Eu queria tanto perguntar, mas algo me impedia.
Talvez fosse medo. Medo da resposta que eu pudesse ouvir. Medo de que ele me dissesse que não era nada demais, que aquele momento não significava nada, que tudo o que eu estava sentindo era só uma invenção minha, uma interpretação errada. E, talvez, ele quisesse apagar tudo o que aconteceu entre a gente, esquecer o beijo, esquecer a ponte, esquecer a confusão que eu estava me tornando por causa disso. A verdade é que eu não sabia como agir em relação a isso, e, pior, não sabia como agir com ele depois de tudo.
O pior de tudo era que o que eu sentia por Jungwon, de alguma forma, não tinha desaparecido. Eu ainda queria saber sobre os olhos dele. O que tinha acontecido com el Por que aquele brilho estranho, quase sobrenatural apareceu? Eu não conseguia tirar essas perguntas da minha cabeça.
Eu queria perguntar para ele, mas não sabia como. Não queria parecer maluco ou obsessivo. Queria poder contar aos meus amigos, mas isso significaria admitir que eu sabia sobre algo que nem Jungwon parecia querer revelar. Eu já estava em um território perigoso, onde as palavras não eram suficientes para exprimir o que eu sentia, mas ao mesmo tempo, não podia ficar quieto para sempre. Algo precisava ser dito, e logo.
Por fim, eu apenas suspirei e enfiei o celular de volta na mochila. Minha mente ainda estava cheia de perguntas sem resposta. Como poderia continuar em paz com todas essas dúvidas? Eu queria descobrir a verdade, mas talvez a verdade fosse algo que eu não estivesse pronto para ouvir. E isso, por si só, era o que mais me atormentava.
A sirene soou com o habitual tom estridente, anunciando o intervalo, e eu já sabia que, para mim, seria um daqueles momentos que mais mexiam comigo. A sala estava se esvaziando rapidamente, com Sunghoon e Hanabi saindo apressados, trocando algumas palavras baixas entre si. Sunghoon lançou um olhar para mim, mais uma vez com aquele sorriso que me fazia sentir como se ele estivesse sempre um passo à frente, sempre pronto para me tirar da minha própria cabeça.
— Vai ficar aqui sozinho? — ele perguntou, com um tom de leve preocupação.
— Vou dormir um pouco, só um tempinho, — respondi, esticando-me no banco e puxando minha mochila em busca de algo para distrair minha mente. — Me traz uma fruta depois?
Ele apenas assentiu e saiu com Hanabi, as portas da sala se fechando atrás deles, deixando-me em um silêncio quase absoluto. O som do corredor estava distante, abafado pelo isolamento da sala vazia. Não sabia se isso me deixava mais confortável ou mais inquieto.
Com as mãos cruzadas atrás da cabeça, olhei ao redor, observando os detalhes do ambiente. A sala estava decorada de maneira simples, com algumas cartolinas coloridas nas paredes, provavelmente feitas por alunos mais novos. As janelas, grandes e abertas, deixavam a luz do sol invadir com força, mas de uma maneira suave, como se o dia estivesse pedindo um momento de pausa.
Foi então que meu celular vibrou na mochila. Peguei-o novamente e uma nova mensagem apareceu na tela.
Heeseung: "Oi, Jay. Vou encontrar vocês no cinema depois, tá? Se cuida."
Eu sorri involuntariamente, tocando na tela para responder.
Jay: "Ok, vou avisar os caras.Até logo."
Desliguei o celular e coloquei-o de volta na mochila. Minhas mãos estavam inquietas, então peguei um lápis e um pedaço de papel que estava dentro da pasta. Não sabia muito bem o que queria fazer, mas algo dentro de mim pedia para dar vazão aos pensamentos que estavam fervilhando.
Com o lápis entre os dedos, comecei a desenhar. Não era nada muito elaborado, mas fui esboçando um girassol. Tentei fazer o contorno com o máximo de cuidado possível, aproveitando a calma do momento. O desenho foi tomando forma, e eu estava surpreso com a maneira como as pétalas saíam do papel com um toque leve e fluido, como se realmente quisessem se abrir para o mundo.
Depois de alguns minutos, me vi olhando para aquele desenho com uma sensação estranha. O girassol parecia simbolizar algo que eu não conseguia explicar. Era como se ele tivesse crescido ali, diante de mim, como uma metáfora, uma imagem quase dolorosa de algo que eu queria, mas não poderia ter.
Coloquei o lápis de lado e, instintivamente, escrevi uma frase logo abaixo do desenho, uma que não pensei muito antes de colocar no papel:
"Amor não correspondido é como um girassol que nunca verá o sol."
A frase saiu sem que eu planejasse, mas, à medida que a via ali, era como se tivesse falado algo que eu vinha carregando por tanto tempo sem perceber. O girassol, com sua natureza de buscar a luz, parecia um reflexo de mim mesmo, buscando algo que talvez nunca pudesse alcançar.
Suspirei, olhando para o desenho. Fiquei ali por um momento, apenas absorvendo as palavras e a imagem diante de mim.
O som de uma respiração soou atrás de mim de forma suave, quase imperceptível, mas o suficiente para me fazer arrepiar dos pés à cabeça. Por um segundo, achei que fosse apenas minha imaginação, o eco de pensamentos bagunçados tomando forma. Mas então a voz veio, baixa e quase provocante:
— Quem não corresponde seus sentimentos?
Eu congelei. O lápis caiu da minha mão, rolando pelo chão da sala. Meu coração disparou, batendo tão rápido que quase me faltou o ar. Virei-me bruscamente, como se tivesse levado um choque, e ali estava Jungwon, perto demais, os olhos fixos em mim com uma mistura de curiosidade e surpresa.
Minha cabeça deu uma leve pontada com o movimento brusco, e minha respiração saiu irregular. Eu me senti completamente vulnerável, como se ele tivesse acabado de ler a frase que eu tinha escrito — e talvez tivesse mesmo.
— Droga, Jungwon! — exclamei, ainda tentando recuperar o fôlego.
Ele deu um passo para trás, visivelmente assustado com a minha reação. Seus olhos, que normalmente tinham aquela calma enigmática, agora pareciam um pouco inseguros. Ele passou a mão pelos cabelos, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas.
— Desculpa — disse ele, hesitante. — Não queria te assustar.
Havia um silêncio estranho entre nós. Eu queria dizer algo para aliviar a tensão, mas minha mente estava um caos. Então, para minha surpresa, Jungwon levantou a mão, revelando uma maçã vermelha que segurava com certo nervosismo. Ele hesitou por um instante antes de estendê-la na minha direção.
— Sunghoon pediu para eu trazer isso pra você.
Eu pisquei, ainda tentando entender a situação. A presença dele ali, o tom inesperadamente suave da voz, a maçã brilhante na mão... Tudo parecia surreal. Peguei a fruta com cuidado, nossos dedos quase se tocando por um breve segundo.
— Obrigado — murmurei, tentando não parecer tão desconfortável quanto me sentia.
Um pensamento aleatório invadiu minha mente por um segundo: " E se a maçã estiver envenenada?" Sacudi a cabeça na esperança de me livrar do pensamento.
Jungwon assentiu, mas não fez menção de ir embora. Parecia que ele queria dizer algo, mas não sabia como começar. Eu não sabia o que era mais desconcertante: a proximidade inesperada depois de afastá-lo na frente dos nossos amigos, lembrar que já nos beijamos ou o silêncio que se seguiu.
Minha voz saiu antes que eu pudesse pensar:
— O que você quer?
Imediatamente me arrependi do tom pouco amigável. Parecia rude, defensivo, e não era essa a intenção. Jungwon franziu levemente a testa, mas logo relaxou, como se estivesse acostumado com perguntas diretas.
— Nada demais. Só... — Ele deu de ombros, desviando o olhar para o papel na mesa. — Você desenha?
Eu segui o olhar dele até o girassol ainda inacabado. O lápis caído no chão parecia testemunha da minha tentativa frustrada de paz. O papel, com a frase que eu tinha escrito impulsivamente, parecia agora gritar para ser lido.
— Nem tanto — respondi, tentando parecer indiferente.
Ele deu um sorriso curto, o tipo que não mostrava os dentes, mas deixava transparecer algo genuíno.
— É bonito — disse, apontando para o girassol. — Meio triste, mas bonito.
Minhas bochechas queimaram, e eu desejei poder esconder o desenho ou apagar a frase. Havia algo desconfortavelmente íntimo em tê-lo ali, perto demais, observando um pedaço da minha confusão interna.
— Valeu — resmunguei, sem jeito.
Jungwon ficou em silêncio, apenas me observando com aquela expressão serena e curiosa que já começava a me deixar desconfortável. Eu desviei o olhar para o desenho do girassol, tentando encontrar algum refúgio para a tensão que se formava no ar entre nós. O lápis continuava caído no chão, mas Jungwon parecia não se importar.
— Eu tenho um girassol também — disse de repente, quebrando o silêncio. Sua voz soou leve, mas carregada de algo que eu não conseguia identificar.
Levantei os olhos, surpreso.
— Sério?
Ele assentiu lentamente, com um sorriso curto.
— Jake me deu — comentou, como se fosse a coisa mais normal do mundo. — Parece com esse aí do seu desenho... meio triste.
Franzi a testa, confuso.
— Triste? Como assim triste?
Jungwon deu de ombros, olhando para o papel como se tentasse traduzir em palavras algo que nem ele sabia explicar direito.
— Sei lá... só parece.
A resposta vaga não ajudou em nada, mas antes que eu pudesse pressioná-lo, ele completou:
— Talvez seja falta de sol — disse com um riso curto, quase sem graça. — O JJ é assim mesmo.
Fiquei ainda mais perdido.
— JJ?
— É o nome do meu girassol — respondeu com naturalidade, como se nomear plantas fosse uma coisa absolutamente comum.
Meu cérebro levou um segundo para processar aquela informação estranha, mas então uma ideia me atingiu em cheio.
— "JJ" de Jake e Jungwon? — falei em voz alta, antes de perceber que talvez fosse melhor ter mantido essa teoria para mim.
Jungwon congelou por um momento, mas logo soltou uma risada abafada, um som que parecia escapar involuntariamente dos lábios dele. Ele se abaixou, pegou o lápis caído e começou a brincar com ele entre os dedos, girando-o habilmente.
— Pode ser de Jay também — disse com um tom leve, sem me encarar diretamente.
Meu coração deu um salto inesperado, e eu senti meu rosto esquentar. A forma casual como ele disse aquilo, sem nem perceber o impacto que tinha causado, me deixou completamente sem palavras.
— Que... — comecei, mas a voz falhou antes que eu pudesse terminar a frase.
Jungwon abriu a boca, como se fosse dizer algo, mas desistiu no último segundo, fechando os lábios em um movimento hesitante. O silêncio que se seguiu parecia pesado demais para caber dentro daquela sala.
Frustrado, cruzei os braços, forçando um tom sério:
— O que você veio fazer aqui de verdade?
Ele apontou com o queixo para a maçã ainda na minha mão e, sem qualquer cerimônia, se sentando em cima de uma mesa.
— Sério? — perguntei, incrédulo com o cinismo dele. — Só isso?
Jungwon ergueu uma sobrancelha, desafiador.
— O que mais você queria que eu dissesse?
Meu estômago revirou de indignação. Ele sabia exatamente do que eu estava falando.
— Nada? — questionei, já um pouco chateado. — Você não tem absolutamente nada pra dizer pra mim?
Ele não respondeu. Apenas ficou ali, me encarando com aqueles olhos insondáveis, como se estivesse esperando algo. A maçã parecia mais pesada na minha mão, então a deixei sobre a mesa com um baque seco, simbolizando minha impaciência.
Levantei-me de uma vez, posicionando-me em frente a Jungwon.
— Se não vai dizer nada, é melhor sair daqui — declarei, a voz firme apesar do nó na garganta.
Ele continuou sentado, mas seus lábios se curvaram em um sorriso suave, o tipo que não dizia se ele achava a situação engraçada ou se estava apenas fingindo controle. Isso me irritou ainda mais.
Eu não sabia o que esperava ouvir, mas qualquer coisa seria melhor do que aquele silêncio provocador que ele insistia em manter.
Jungwon inclinou a cabeça, os olhos ainda fixos em mim.
— O que você quer que eu diga?
A pergunta, feita com uma serenidade quase irritante, me pegou de surpresa. Um calor desagradável subiu pelo meu pescoço, queimando a ponta das minhas orelhas.
— Foi você, não foi? — perguntei, tentando manter a voz firme. — Quem escreveu naquela... coisa da ponte de madeira.
Ele não precisou perguntar do que eu estava falando. Jungwon apenas assentiu, tranquilo demais para alguém que acabara de ser confrontado.
— E o que significa aquilo?
Ele deu de ombros.
— Só uma frase.
Eu ri, sem humor.
— "Só uma frase"? — repeti com escárnio. — Isso é tudo que você tem pra dizer?
Ele não respondeu. Não parecia interessado em se justificar, e isso só fazia minha irritação aumentar. Algo dentro de mim fervia, uma mistura de frustração e curiosidade que eu não sabia como conter.
— Tá, então me explica outra coisa — continuei, cruzando os braços. — Por que o seu olho mudou de cor?
Jungwon arqueou uma sobrancelha, mantendo a expressão cuidadosamente neutra.
— Era uma lente vermelha — respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Eu gosto dessa cor.
A resposta me pegou desprevenido, mas não me convenceu nem por um segundo.
— Lente vermelha? — soltei uma risada seca, balançando a cabeça. — Não foi isso que eu vi.
Ele piscou, confuso.
— Eu vi a lente preta sumir, Jungwon — insisti, sentindo minha garganta apertar. — Não tô ficando louco.
Ele desviou o olhar, fingindo desinteresse.
— Não sei do que você tá falando.
De repente me lembrei de Sunoo ter visto também, quando invadimos a casa dele. — Sunoo também já viu, mas agora ele acredita que era lente porque o idiota aqui confirmou.
A tranquilidade dele só serviu para me enfurecer mais, quando ele levantou e me deu as costas. Antes que eu pudesse pensar melhor, minhas palavras saíram afiadas:
— Então foi você quem me jogou daquela escada, não foi? Só porque eu descobri o seu segredo idiota. Meus parabéns, Jungwon. Nunca imaginei que você pudesse ser tão baixo. Mesmo com eu não tendo contado isso a ninguém.
A sala ficou em silêncio absoluto. Eu mal tive tempo de registrar o que havia dito antes de perceber o impacto das minhas palavras. Jungwon congelou no lugar por um instante, os ombros rígidos, antes de se virar abruptamente.
Em três passos rápidos, ele estava na minha frente. Antes que eu pudesse reagir, suas mãos agarraram a gola da minha camisa com firmeza, puxando-me para perto.
— Eu jamais faria isso com você — disse entre dentes, a voz baixa e firme, cada palavra carregada de algo que eu não conseguia decifrar.
Seus olhos — aqueles mesmos olhos que eu não conseguia esquecer — estavam fixos nos meus, ardendo com uma intensidade que me deixou sem ar.
— Porque eu não sou um monstro, Jay — acrescentou, com uma seriedade que fez meu estômago revirar.
Minha respiração estava pesada, e por um momento, nenhum de nós se moveu. O calor da raiva que antes queimava em mim agora dava lugar a algo diferente. Algo que me deixava sem saber o que fazer ou dizer.
Ele soltou minha camisa lentamente, como se estivesse lutando contra algo dentro de si. Seu toque desapareceu, mas a sensação permaneceu, queimando minha pele.
Eu estava prestes a perguntar o que ele era afinal, quando a porta rangeu levemente, abrindo-se de forma quase hesitante. Meu corpo ficou tenso, mas relaxei ao reconhecer Jaehyun entrando lentamente, com uma pêra nas mãos.
— E aí? — ele cumprimentou, casual, mas havia uma ponta de desconforto em sua voz, como se tivesse entrado no meio de algo que não deveria.
Ele parou à nossa frente, lançando um olhar curioso entre mim e Jungwon, que ainda estava próximo demais.
— Sunghoon mandou entregar isso pra você — disse Jaehyun, estendendo a fruta.
Peguei a pêra, tentando não rir da situação absurda.
— Uma pêra? — questionei, segurando um sorriso enquanto olhava para Jungwon, que agora desviava o rosto com uma expressão emburrada, os ombros rígidos.
— É... talvez Sunghoon tenha se lembrado que eu não gosto de maçã — comentei em tom despreocupado, balançando a pêra.
Jungwon ficou mortificado. Seus olhos se arregalaram por um breve segundo antes que ele se recompusesse, o rosto ficando vermelho de frustração evidente.
— T-tanto faz — murmurou, virando completamente o rosto.
Jaehyun, ainda parado ali, olhava de um para o outro com a testa franzida, claramente confuso com a dinâmica estranha.
— Vocês dois tão bem? — perguntou, como se tivesse perdido o começo de uma piada interna que ninguém quis explicar pra ele.
Jungwon bufou baixinho, e eu apenas dei de ombros, tentando soar despreocupado.
— Claro. — respondi sorrindo de lado.
Jaehyun riu, sem entender nada, mas aceitou a desculpa.
— Beleza, vou voltar. Eu ia convidar você para uma partida de boliche, mas Sunghoon disse que vocês têm um compromisso. Deixa pra próxima então — disse, acenando casualmente antes de sair pela porta e eu concordar com a cabeça.
Antes que eu pudesse processar completamente a situação bizarra envolvendo Jungwon e a pêra, e quem realmente Sunghoon havia mandado, a porta se escancarou de repente, batendo na parede com um estrondo seco.
— Jay! — Hanabi entrou correndo, os cabelos balançando com a pressa, enquanto Sunghoon surgia logo atrás, visivelmente sem fôlego.
Os dois pararam abruptamente ao nos ver, os olhos de Hanabi se estreitando em pura curiosidade ao fitar Jungwon, que ainda estava parado perto de mim.
— O que você tá fazendo aqui? — perguntou Hanabi diretamente, desconfiada.
Jungwon sorriu daquele jeito casual que sempre me deixava desconfiado, como se tudo fosse apenas uma brincadeira inocente.
— Nada demais — respondeu tranquilamente, encolhendo os ombros. — Já tava de saída.
Antes que Hanabi pudesse pressioná-lo mais, o som dos passos dos outros alunos ecoou pelo corredor, sinalizando que as turmas estavam voltando para as salas. Jungwon olhou para o movimento e aproveitou a deixa.
— Melhor eu ir. Tenho que voltar pra minha sala — disse, ainda sorrindo.
Sem mais explicações, ele se afastou, saindo pela porta com uma calma desconcertante.
Eu apenas observei sua partida sem reagir, preferindo me sentar em meu lugar com um suspiro frustrado. Não havia sentido em tentar entender Jungwon naquele momento — ele sempre deixava mais perguntas do que respostas.
Sunghoon, no entanto, ficou parado próximo à porta por alguns segundos a mais, lançando-me um olhar significativo que eu não conseguia decifrar completamente. Havia algo nos olhos dele, como se quisesse me dizer algo sem palavras.
Decidi ignorar. Não tinha energia para decifrar Jungwon e Sunghoon ao mesmo tempo.
Hanabi, ainda confusa com a estranha interação, se jogou na cadeira ao meu lado.
— O que tá rolando com vocês dois? — perguntou, estreitando os olhos.
— Nada demais — menti com um sorriso forçado, tentando mudar de assunto.
Ela não parecia convencida, mas felizmente não insistiu. Sunghoon finalmente ocupou seu lugar, embora eu soubesse que seus pensamentos ainda estavam longe dali.
☄️
O tempo passou rapidamente, e lá estávamos eu, Niki, Sunoo e Sunghoon sentados em volta de uma mesa na praça de alimentação do shopping. O ar cheirava a batata frita e café recém-preparado, enquanto grupos de pessoas riam e conversavam ao nosso redor.
— Ele tá atrasado — Niki reclamou, batendo os dedos impacientemente na mesa.
— Relaxa, deve ter pegado trânsito ou algo assim — disse Sunoo, tentando ser razoável, embora parecesse ansioso também.
— Ou se perdeu dentro do próprio guarda-roupa — brinquei, arrancando uma risada baixa de Sunghoon, que estava quieto demais desde que chegamos.
Estávamos esperando Heeseung, Niki já tinha uma lista mental de sugestões, todas com explosões e heróis musculosos, enquanto Sunoo claramente queria algo mais tranquilo e Sunghoon só parecia interessado em terminar logo o debate.
Quando finalmente avistamos Heeseung se aproximando, não pude deixar de notar seu cabelo úmido e a jaqueta escura manchada por gotas de chuva.
— Pegou chuva? — perguntei, arqueando uma sobrancelha ao vê-lo passar a mão pelos fios molhados.
— Só um chuvisco... que resolveu virar meu pior inimigo — respondeu Heeseung com um sorriso cansado, sacudindo a jaqueta antes de se sentar ao nosso lado.
— Isso explica porque você tá parecendo um filhote de cachorro perdido — provocou Niki, recebendo um olhar mortal de Heeseung.
— Vai querer um tapa, Niki? — Heeseung ameaçou em tom brincalhão, mas havia diversão em seus olhos.
Sunoo apenas riu, balançando a cabeça.
— Bom, agora que todos estamos aqui — Sunghoon interveio, tentando manter o foco —, que filme vamos assistir?
— Desde que não seja um musical, eu topo — avisei, levantando as mãos em rendição.
Heeseung olhou para mim, com um sorriso debochado.
— Ah, então quer dizer que você ainda tem trauma daquele filme que a Sunoo te obrigou a ver?
— Aquilo não foi um filme, foi uma tortura — retruquei dramaticamente, fazendo Sunoo revirar os olhos.
Rimos juntos, finalmente relaxando enquanto discutíamos nossas opções, o calor das risadas espantando o frio úmido que Heeseung havia trazido com ele.
Escolhemos um filme de ação, o que foi um pequeno milagre, considerando as opiniões divergentes que sempre tínhamos. Decidimos que comeríamos depois do filme, já que ninguém queria carregar pipoca e refrigerante por duas horas. Com os ingressos gratuitos na mão, começamos a nos encaminhar para a fila da sala de cinema.
— Vou ao banheiro — anunciou Sunghoon de repente, já se afastando antes que qualquer um de nós pudesse responder.
Nos encostamos em uma das paredes próximas à entrada, esperando ele voltar. Sunoo estava segurando um copo de refrigerante que comprou de última hora, e Heeseung estava ocupado mexendo no celular. Enquanto isso, Niki reclamava do tamanho da fila, dizendo que deveria ter esperado em casa até os trailers começarem.
Eu estava prestes a responder quando tudo aconteceu rápido demais.
Sunoo, distraído, acabou esbarrando em um cara que vinha na direção contrária. O impacto foi o suficiente para que a bebida dele escorresse diretamente na camiseta branca do desconhecido, manchando o tecido com uma enorme mancha escura.
— Qual é o seu problema? — o cara rosnou, claramente irritado, olhando para a mancha como se fosse uma ofensa pessoal. — Tá cego, por acaso?
Sunoo congelou. Ele ficou pálido, os olhos arregalados como se não soubesse o que fazer ou dizer. Seus dedos buscaram o braço de Niki, segurando-o como se fosse sua âncora.
— Foi sem querer — Niki disse, sem muita emoção, mas antes que pudesse dizer mais alguma coisa, o homem soltou uma risada irônica e disparou:
— Sem querer? Cuida melhor do seu namorado desastrado, então.
Aquilo fez Niki parar. Ele poderia ter respondido mil coisas — todos sabíamos como ele podia ser afiado quando queria —, mas tudo o que saiu da boca dele foi:
— A gente só é amigo.
Eu senti minha testa franzir automaticamente. Heeseung, ao meu lado, deu um passo à frente, claramente percebendo o desconforto de Sunoo, mas antes que qualquer um de nós pudesse intervir, Sunghoon apareceu. Ele surgiu pelo corredor com uma expressão neutra, mas seus olhos captaram a cena em segundos. Ele olhou para o homem, para a mancha na camiseta e depois para Sunoo, que ainda parecia em choque.
— O que tá acontecendo aqui? — perguntou Sunghoon, a voz firme, mas sem elevar o tom.
— O que tá acontecendo é que seu amigo derrubou a bebida dele em mim — o cara rebateu, apontando para a camisa. — Eu não sei o que vocês são — ele disse apontando para Sunoo e Niki — Mas ele vai pagar por isso.
Antes que Sunoo pudesse abrir a boca, Heeseung tentou apaziguar a situação.
— Foi um acidente. Ele não fez por querer.
Sunghoon, porém, deu um passo à frente, posicionando-se entre Sunoo e o homem. Ele olhou diretamente para o desconhecido e disse, com uma calma que parecia calculada:
— Eu vou pagar pela camisa.
O homem riu, incrédulo, mas ainda com raiva.
— Vai mesmo. E rápido, porque—
— Fala mais baixo — cortou Sunghoon, de repente. Seu tom não mudou, mas algo na maneira como ele falou fez o cara hesitar. — Tá assustando ele. Eu vou pagar essa droga, mas você precisa relaxar.
Todos ficamos em silêncio por um momento. Até Heeseung, que parecia pronto para entrar no meio, ficou parado, surpreso com a firmeza de Sunghoon.
Sunghoon então se virou para Sunoo, que ainda segurava o braço de Niki, e perguntou com gentileza:
— Tá tudo bem?
Sunoo concordou rapidamente com a cabeça, sem dizer nada. Apenas soltando o braço de Niki.
— Bom, então vem comigo — Sunghoon disse ao homem, gesticulando para que o seguisse. — Vamos resolver isso agora.
E assim, ele saiu, com o cara logo atrás. Ficamos ali, olhando para a cena, todos meio chocados.
— Eu não esperava isso do Sunghoon — admitiu Heeseung, quebrando o silêncio.
Eu também não. Mas enquanto olhava para Sunoo, ainda visivelmente abalado, percebi que, às vezes, o Sunghoon conseguia ser bem mais perceptivo do que todos imaginávamos.
Sunoo soltou o braço de Niki lentamente, ainda um pouco desconfortável, mas tentando disfarçar. Ele deu alguns passos para o lado, criando uma distância que parecia proposital. Niki não disse nada, mas o ar ao redor dele ficou pesado de repente, como se algo não tivesse sido dito — ou tivesse sido dito demais.
Poucos minutos depois, Sunghoon voltou, com uma expressão tranquila que contrastava com o confronto anterior.
— Resolvido — disse simplesmente, sem entrar em detalhes.
— Obrigado — murmurou Sunoo, baixinho.
Sunghoon apenas acenou com a cabeça, como se aquilo não tivesse importância.
— Vamos? — sugeriu Heeseung, já apontando para a entrada do cinema.
Seguimos juntos para a sala, onde os trailers já começavam a passar na tela. A escuridão dificultava a busca pelos nossos assentos, mas com alguma dificuldade conseguimos finalmente localizá-los no meio da fileira.
— Eu quero sentar entre o Jay e o Sunghoon — declarou Sunoo de repente, surpreendendo todo mundo.
Niki abriu a boca, talvez para protestar, mas não disse nada. Heeseung deu uma risada baixa.
— Isso vai complicar a logística — comentou divertido. — Mas tá bom. Eu vou sentar do outro lado do Jay, porque ele tem medo de filme de ação.
— Eu não tenho medo — retruquei automaticamente, recebendo um olhar cético dele.
— Claro que não — Heeseung debochou, empurrando-me levemente para o assento.
"Quem tem medo de filme de ação?"
Quando todos finalmente se acomodaram, percebi a expressão satisfeita de Sunoo por estar exatamente onde queria, enquanto Niki afundava no banco ao lado, quieto.
O filme começou logo depois, mas eu mal conseguia prestar atenção. Havia algo estranho no ar, uma sensação de desconforto que eu não conseguia ignorar. Talvez fosse a tensão residual do incidente anterior. Ou talvez…
De repente, ouvi uma risada baixa. Familiar demais.
Eu congelei.
Sacudi a cabeça. Não, não podia ser. Ele não estava aqui. Estava ficando paranoico, só isso.
Para me distrair, encostei a cabeça no ombro de Heeseung, que ainda estava um pouco molhado por causa do chuvisco que pegou antes de chegar.
— Você ainda tá com a jaqueta molhada? — perguntei, franzindo o cenho.
— É só um pouco de água, eu tô bem — respondeu Heeseung, sempre casual.
Revirei os olhos, tirando minha própria jaqueta e estendendo para ele.
— Toma.
— Não precisa — ele negou de primeira, mas eu insisti.
— Heeseung, para de bancar o bacana. Só aceita.
Ele me olhou com uma mistura de diversão e rendição antes de finalmente pegar a jaqueta.
— Valeu, mãe — brincou, mas com um sorriso genuíno.
Sunghoon, sentado ao lado de Sunoo, não perdeu a chance.
— Vocês parecem um casal — comentou, sarcástico.
Sunoo suspirou, apoiando o queixo na mão.
— Queria ter alguém assim pra cuidar de mim também.
Niki, ao ouvir aquilo, se afundou ainda mais no banco, a expressão fechada.
Fingi que não vi, mas eu suspeitava de algo. Definitivamente, aquele filme ia ser mais complicado do que eu esperava.
As luzes se acenderam suavemente, sinalizando o fim do filme. Sunoo foi o primeiro a se levantar, ajeitando a roupa com pressa. Ele virou em direção ao corredor, mas então parou abruptamente, os olhos fixos em algo atrás dos assentos.
— O que foi? — perguntei, mas ele não respondeu.
Os outros meninos perceberam também, girando os corpos para olhar na mesma direção que Sunoo. Eu só tive tempo de escutar Heeseung sussurrar ao meu lado:
— Eu sabia.
Com uma mistura de curiosidade e apreensão, segui seu olhar. Foi então que os vi.
Jungwon e Jake estavam sentados na fileira de trás, cada um com um copo semelhante ao que Jungwon sempre usava na escola — aqueles de alumínio com canudos escuros. Jake tinha o braço apoiado despreocupadamente atrás do pescoço de Jungwon, como se aquela cena toda fosse completamente natural.
Meu peito apertou com uma mistura estranha de emoções. Confusão, talvez até um toque de raiva. Jungwon não parecia surpreso por estar sendo observado, mas seu olhar encontrou o meu com uma intensidade que fez meu estômago revirar.
Jake, percebendo a atenção, lentamente tirou o braço de trás do pescoço de Jungwon e se levantou, ajeitando a jaqueta com uma calma irritante. Heeseung, que parecia mais tenso a cada segundo, chamou pelos outros.
— Vamos.
Ele deu alguns passos à frente, mas eu continuei parado, incapaz de desviar o olhar de Jungwon. Havia algo naquele jeito calmo e direto de me encarar que me prendia no lugar.
Heeseung voltou, impaciente, e pegou minha mão, puxando-me suavemente.
— Jay, anda logo.
Antes que eu pudesse reagir, Jake bufou alto, visivelmente irritado.
— Sério Jungwon, dentre eles... — disse, com a voz baixa e carregada de desprezo — ele é o que eu menos gosto.
Ele olhava diretamente para mim.
O desconforto subiu pela minha espinha, mas antes que eu pudesse responder, Heeseung apertou minha mão com firmeza e liderou nossa saída da sala com Niki nos seguindo em silêncio.
As pessoas começaram a se aglomerar nos corredores, e logo estávamos misturados à multidão. Ainda assim, meu coração batia acelerado.
Sunghoon e Sunoo, no entanto, ficaram para trás. Quando olhei de relance antes de virar a esquina, vi os dois parados, aparentemente conversando com Jungwon e Jake.
O ar estava carregado de uma tensão que me deixava inquieto. Mesmo chateado com Jungwon, eu não conseguia ignorar aquela vontade persistente de olhar para ele — uma vontade estúpida, eu diria. Pior ainda, um ciúme irracional queimava no meu peito ao lembrar da forma como ele e Jake pareciam confortáveis juntos.
O que eles tinham afinal?
Heeseung, Niki e eu estávamos parados próximo à entrada do cinema, esperando Sunoo e Sunghoon voltarem. A praça de alimentação estava parcialmente cheia, com o cheiro de fast-food preenchendo o ar. Heeseung bufou impaciente ao avistar os dois finalmente se aproximando — mas não estavam sozinhos. Jake e Jungwon vinham junto.
— Na boa, se ele vier com gracinhas, eu vou socar a cara dele — murmurou Niki ao meu lado, referindo-se obviamente a Jake.
Eu sabia, e Heeseung também, que a raiva de Niki não tinha nada a ver com possíveis "gracinhas" de Jake.
Quando se aproximaram, Jungwon e Jake ficaram em silêncio, com expressões neutras — ou pelo menos tentando parecer assim. O desconforto era palpável, mas Sunoo, sempre tentando apaziguar situações, tomou a iniciativa:
— Ah, então... Jake e Jungwon vão se sentar com a gente na praça de alimentação.
Heeseung ergueu uma sobrancelha e lançou um olhar rápido para mim antes de responder:
— O quê? Mas já estávamos indo embora.
Sunghoon, sempre o mais teimoso, balançou a cabeça imediatamente.
— Nada disso. Lembra que íamos comer aqui?
Eu decidi me meter antes que as coisas ficassem ainda mais insuportáveis:
— Vocês podem aproveitar sozinhos. Eu e Heeseung já estávamos indo mesmo.
Niki, sem hesitar, olhou diretamente para Sunoo e declarou:
— Eu também vou embora.
Jake abriu um sorriso cínico, daqueles que você vê em vilões de filmes ruins.
— Ah, não quero incomodar — disse com falsa simpatia.
A risada que escapou de mim foi completamente involuntária, mas não consegui segurar.
— Claro que não, Jake. A última coisa que você faria é incomodar — rebati com ironia.
O sorriso dele sumiu instantaneamente, e sua expressão ficou sombria, como se eu tivesse acabado de pisar em território perigoso.
Heeseung soltou um suspiro pesado, claramente cansado daquela situação.
— Vamos, Jay — disse simplesmente, colocando a mão no meu ombro.
Eu não precisava de mais nenhum incentivo para sair dali.
Jungwon, de repente, resolveu falar, quebrando o clima tenso com uma voz surpreendentemente calma:
— Não precisam ir embora. Jake e eu já estamos indo.
Jake virou a cabeça para Jungwon, claramente derrotado, como se não pudesse acreditar no que tinha acabado de ouvir.
Sunghoon lançou um olhar suplicante para Heeseung, pedindo silenciosamente que ele fizesse alguma coisa para aliviar o ambiente sufocante. Heeseung bufou, resignado, e disse de forma seca:
— Tanto faz.
Ele seguiu em direção a uma mesa vazia sem olhar para trás. Jake observou a cena por um momento antes de soltar um suspiro pesado e ir atrás, enquanto eu e os outros ficávamos em um constrangimento coletivo apenas indo até eles.
— Relaxa, Heeseung — Jake disse com um sorriso sem graça, tentando parecer descontraído, mas claramente medindo cada palavra. — A última coisa que eu quero é incomodar você.
Heeseung parou ao lado da mesa, apoiando as mãos no encosto de uma cadeira, e lançou um olhar frio para Jake.
— Já entendeu isso? Que bom. Então me diz, o que você tá fazendo aqui?
O silêncio que caiu foi cortante. Niki, Sunoo e eu apenas trocamos olhares discretos, tentando não parecer muito interessados, embora fosse impossível ignorar a tensão crescente entre os dois.
Sunghoon, que aparentemente não conseguia lidar com o clima pesado, abriu a boca e soltou o comentário mais improvável possível:
— Não dá pra acreditar que vocês foram um casal.
Eu quase engasguei, Niki arregalou os olhos, e Sunoo tapou a boca com a mão para não rir nervosamente. Jake ficou imóvel por um segundo, e Heeseung estreitou os olhos para Sunghoon, claramente furioso.
— Sério, Sunghoon? — Heeseung perguntou com a voz carregada de irritação.
— O quê? Só tô dizendo — Sunghoon deu de ombros, tentando se justificar com a expressão mais inocente do mundo. — É que vocês são tão... diferentes.
Jake deu uma risada seca olhando para Jungwon que não expressava nada, mas havia algo sombrio por trás dela.
Heeseung desviou o olhar, claramente incomodado, e puxou a cadeira para se sentar.
Todos se acomodaram ao redor da grande mesa, o som das cadeiras arrastando pelo chão ecoando pela praça de alimentação. Heeseung, com aquele seu sorriso minimalista que raramente aparecia, parecia à vontade, embora eu soubesse que, por dentro, algo se remexia.
Eu me sentei em frente a Jungwon, mas fiz de tudo para não olhar diretamente para ele. O clima ainda estava estranho, e minha cabeça ecoava com a lembrança de como ele estava tão próximo de Jake no cinema e da nossa última conversa. Todos os meus sentidos estavam alertando que ele era um grande idiota.
— E aí, o que vamos pedir? — Sunghoon quebrou o silêncio, pegando o cardápio com um entusiasmo exagerado. — Quero algo bem gorduroso.
— Tanto faz — Heeseung respondeu casualmente, recostando-se na cadeira, mas com um olhar atento que não combinava com o tom relaxado de sua voz.
Jungwon lançou um olhar estranho para Jake, como se tentasse captar alguma mensagem silenciosa. Algo estava claramente errado entre eles, e eu notei isso imediatamente. Jungwon parecia inquieto, a tensão visível em cada movimento seu.
— Já que vão sentar conosco, quero ver todos comendo bem — disse Heeseung de repente, com um sorriso que parecia provocador.
Sunoo franziu o cenho, confuso, enquanto Sunghoon e Niki trocaram olhares rápidos, tentando entender aquela declaração repentina.
Jungwon ficou ainda mais desconfortável e balançou a cabeça discretamente para Jake, como se estivesse avisando para não seguir com aquilo.
— Espera aí — Jungwon perguntou, a voz carregada de dúvida. — Então você também vai comer?
Heeseung manteve o sorriso, seu olhar fixo em Jungwon.
— Claro. Por que não comeria? — respondeu ele de forma quase desafiadora.
A resposta deixou todos em silêncio por um momento. Sunghoon abriu a boca para falar, mas desistiu, visivelmente confuso.
. . .
7k de palavras, espero que tenham gostado.
⚠️: Deixe aqui seu comentário sobre o que tá achando da história, pretendo fazer um edit com as palavras de vocês.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro