Capítulo 1.
Faltando pouco para eu completar meu décimo nono ano de vida, meus amigos resolveram que eu estava deprimido. Provavelmente porque eu nunca saía de casa, passava horas na cama, jogava o mesmo jogo repetidas vezes, raramente praticava esportes, e dedicava grande parte do meu tempo estudando e ouvindo música.
— Acorda, my baby. — ouço a voz grave de Niki bem próxima ao meu ouvido, me lembrando que o fim de semana havia passado e, com ele, se foi minha coragem de levantar da cama.
— Eu não faria isso, sai daí logo.— abro os olhos, vendo Heeseung encostado na porta do quarto, repreendendo Niki. — O final de semana se foi, Jay, levanta.
Eu odiava segunda-feira.
Nunca fui mal aluno, mas também não era considerado o Einstein da classe. Talvez o segundo, porque minhas notas eram ótimas graças a Lee Heeseung.
Heeseung, um ano mais velho que eu, era uma máquina de resolver equações. Assim que terminou os estudos, deixou seus pais em Seul e comprou um apartamento em Busan. Heeseung sempre foi um ótimo conselheiro. Ele é daquele tipo de pessoa que tenta ajudar com metáforas. Gosta de opinar na minha vida, e eu realmente não me importo. Suas palavras são como meu livro guia da vida.
Dividimos o apartamento, que está em seu nome, com mais duas pessoas: Sunghoon, que está na minha classe, e nosso pequeno-grande Niki.
Depois de lançar um olhar mortal para meu caçula favorito, empurro as cobertas e saio para fazer minha higiene matinal, acompanhado por Heeseung, que iria para a cozinha, e Niki logo atrás.
Depois de pronto, vou para a cozinha sem arrumar a cama, e só aí percebo que, quando levantei, Sunghoon não estava na sua cama. Nosso apartamento era grande, porém, só havia dois quartos. Sunghoon era meu companheiro de quarto.
Niki deveria ficar com Heeseung. Ele era o mais paciente de nós. Não que, às vezes, eu não tivesse vontade de jogar Sunghoon pela janela, mas deixar ambos juntos era sinal de perigo. Como no dia em que cheguei em casa e levei uma queda enorme, pois o chão estava todo molhado e escorregadio, enquanto Niki enxugava debaixo da pia da cozinha e Sunghoon dormia no pequeno sofá da sala.
A sala era espaçosa e dividida pelo balcão da cozinha, mas havia uma enorme cortina preta que servia de "parede", e que deixamos aberta quando temos visitas, que, no caso, são raras. Depois da cozinha, havia um corredor com quatro portas brancas, duas de cada lado. Nossos quartos eram um de frente para o outro, seguido pelo banheiro enorme e, ao fundo, uma porta para um quarto que usávamos como porão — só tinha tralhas nossas.
Já sentado à mesa, vendo Niki distraído no celular, pergunto a Heeseung onde está Sunghoon.
— Eu sabia que sentiria minha falta! — diz Sunghoon, abrindo a porta da frente com um guarda-chuva e sacolas nas mãos.
Levanto-me imediatamente para ajudá-lo com as sacolas, enquanto ele fecha a porta e deixa o guarda-chuva no canto da sala.
— É, Niki foi quem me acordou. — falo, colocando as sacolas no balcão.
Sunghoon se senta à mesa e sacode a cabeça em uma tentativa de secar os cabelos úmidos por conta do chuvisco que pegou na padaria. Ele já estava com o uniforme da escola.
— Imagino! — ele sorri.
Depois que Heeseung coloca o café na mesa, Niki, também de uniforme escolar, me ajuda a organizar os salgados e bolinhos. Logo nos juntamos para o café da manhã, como sempre fazíamos.
Sunghoon, Niki e eu íamos para a escola de bicicleta, já que não era muito longe. Mas, em dias chuvosos, preferíamos sempre caminhar com nossos guarda-chuvas enormes. Hoje era um desses dias.
Heeseung saía alguns minutos depois para seu emprego de meio período no departamento de RH de um hospital não muito distante. Era algo temporário, pois aguardava a resposta da Escola de Artes de Busan, onde queria dar aulas de música.
Eu admirava tanto ele por conta de ser sempre tão decidido. Essa era uma tecla em que eu batia várias vezes ao dia. Estava no meu último ano escolar e ainda não sabia o que fazer depois disso. Não deveria, mas esses pensamentos me atormentavam todos os dias — e Heeseung sabia disso.
Enquanto finalizava o café na minha xícara, chequei as horas no celular e observei chegar duas mensagens da minha mãe.
— Jay, quando eu chegar, vamos ao mercado. — o mais velho entre nós disse. — Vai estar ocupado?
Nego com a cabeça e bloqueio o celular, colocando-o no bolso. Na escola, eu poderia ver as mensagens rotineiras da minha mãe. Ergo meus olhos e percebo os três me encarando. Niki desvia o olhar para Sunghoon, que se levanta.
— A gente te espera lá embaixo. Não demora e dá tempo de você arrumar sua cama. — Sunghoon diz, ajeitando sua cadeira, enquanto Niki se junta a ele.
Ok, eles estavam agindo estranho.
— Qual é? A bagunça de hoje é sua e do Niki, não se esqueça. — lembro-o de que hoje é o dia deles dois lavarem as louças.
Eles pegam suas coisas, acenam para Heeseung e saem.
Heeseung se levanta e começa a retirar as louças da mesa. Eu faço o mesmo. Já sabia que ele queria ter uma conversa em particular comigo, e suspeitava que os garotos soubessem do motivo.
Ele ficou em silêncio até organizar as louças na pia. Aproveitei o momento e fui arrumar minha cama e pegar minhas coisas.
Ao voltar para a sala, o vejo sentado no sofá.
— Desenrola, cara, eu já tô atrasado. — sento ao seu lado e ele ergue uma sobrancelha.
— Sugiro que você ainda não falou com sua mãe. — ele diz, me fazendo criar uma pequena confusão mental.
Atordoado, tiro o celular do bolso e procuro as mensagens.
Só havia um "Bom dia, filho! Preciso conversar com você." e, em seguida, um emoji de coração.
— Você sabe do que se trata? — lhe mostro a mensagem.
Antes que ele pudesse responder, a porta à nossa frente é aberta com brutalidade, revelando Sunoo sorrindo, puxando Niki, que segurava a maçaneta.
— Estamos atrasados! Sunoo e eu temos teste hoje...
— Bom dia, Heeseung e Jay! — Sunoo nos cumprimenta.
Sorrio em sua direção, me levantando e ignorando a cara azeda do caçula.
— Bom dia, Sunoo! Tenha um bom teste. — Hee diz. — Depois conversamos, Jay.
Com mil borboletas na mente e decidido a ligar para minha mãe assim que terminar meu primeiro horário de aula, pego meu guarda-chuva e saio do apartamento.
Seguindo Niki e Sunoo, descemos as escadas e encontramos Sunghoon na recepção, conversando com a mãe de Sunoo.
Sunoo é filho dos donos do prédio em que moramos. Foi através dele que conhecemos Niki, que vinha visitá-lo quase sempre.
— Bom dia, senhora Kim! — tento ser o mais educado possível, fazendo uma reverência para a mulher do outro lado do balcão, que sorria de qualquer bobeira que Sunghoon pudesse ter dito.
— Bom dia, menino Jay. — Ela me dá o mesmo sorriso fofo que seu filho herdou. — Melhor irem logo.
Seguimos até a escola. Sunghoon e os dois mais novos sempre conversavam sobre assuntos aleatórios, enquanto tentavam se proteger da chuva fraca que caía em nossos enormes guarda-chuvas pretos. Meu silêncio era considerado comum para eles, mas minha mente estava presa aos vários motivos pelos quais minha mãe poderia querer falar comigo. Comunicar meus amigos primeiro talvez não fosse algo bom.
Ela havia voltado para Seattle, onde cresci até completar nove anos.
Os carros passavam por nós em alta velocidade, vez ou outra fazendo a água das poças subir com agressividade. Estávamos numa calçada estreita, então formamos uma fila para caminhar. Sunoo ia na frente, seguido por Niki e Sunghoon, que se virou para mim.
— Qual foi? — ele parou por um instante, me obrigando a parar também.
— Sabe o que aconteceu? — pergunto. Ele se vira e volta a caminhar, me obrigando a segui-lo.
Avisto o grande muro da escola e a praça em frente, totalmente vazia, o que indicava o quão atrasados estávamos.
— Droga! — Niki diz lá na frente. — Aquele cara vai comer nosso rabo, Sunoo.
O professor de matemática realmente não simpatizava com Niki, e como Sunoo não desgrudava dele, também acabou virando alvo.
[...]
— Alô, Mãe? — pressiono o aparelho contra meu ouvido, sentado na pia do banheiro após minhas três primeiras aulas terminarem.
Ouço um suspiro, o tipo que ela sempre solta quando está prestes a me dar um sermão. Droga, que merda eu fiz agora?
— Oi, filho. Está na escola? — sua voz quebra o silêncio que já me atormentava.
— Sim, acabei de finalizar minha terceira aula do dia. — surpreendo-me com minha cautela. — A senhora disse na mensa...
— Jay, eu não queria lhe contar isso por telefone... — ela pausa. — Mas você sabe que estou em um relacionamento com o Chan, e... estou receosa de te contar tudo, mas não posso esperar mais. Chan me pediu em casamento quando descobriu que eu estava esperando um filho dele, e eu aceitei.
O silêncio volta, mas dessa vez me atinge como uma onda.
Eu me viro, encostando o corpo na parede e erguendo as pernas sobre a pia. Encosto a cabeça e encaro meu reflexo no espelho à minha esquerda, sem reação.
Um dos alunos entra no banheiro, mas vai direto para uma das cabines, ignorando minha presença.
— Jay, você não vai falar nada?
— Mãe... e que... — é a única coisa que consigo balbuciar, sentindo um pequeno ódio crescer dentro de mim.
— Filho, eu quero que você volte para Seattle. Sei que não se dá bem com Chan, mas peço que dê uma chance a ele.— um soluço escapa, e percebo que ela estava chorando. Sei o quanto isso é difícil para ela.
Minha mãe tinha o direito de recomeçar sua vida. Sei que sofreu bastante quando recebeu a notícia da morte do meu pai e passou um bom tempo deprimida, mas ela havia conseguido um bom emprego em Seattle.
Respirei fundo e fiz a melhor coisa que sabia fazer: fugir do assunto.
— Mãe, eu preciso ir agora. — Desci da pia e ajeitei minhas madeixas negras no espelho. — Depois conversamos com calma.
Eu estava sendo um grande idiota, mas o que eu podia fazer? Meu raciocínio não estava funcionando direito.
— Tudo bem, se cuida, meu filho. Jay, eu... — ela sussurra, mas eu a interrompo imediatamente.
— Tchau, mãe! — Encerrei a chamada, guardando o celular no bolso do meu jeans.
Ouço o barulho da porta da cabine se abrindo. Rapidamente, saio dali e vou diretamente para o refeitório.
Segui pelo corredor vazio repleto de armários azuis, e ao entrar no refeitório, meus ouvidos foram bombardeados por várias vozes diferentes. A maioria dos alunos se sentava em grupos, e pude ver Niki acenando da mesa onde estavam Sunghoon, Sunoo e Hanabi.
Me apressei em pegar minha bandeja e escolhi um sanduíche, suco de uva, batatas fritas e um bolinho de arroz.
— Que lanche sem graça! — Hanabi me cumprimenta da melhor forma possível, a japonesa de cabelos longos e negros, sorrindo. Provavelmente estava zombando do contraste que o bolinho de arroz causava ali.
Só no momento em que me sento ao lado de Sunoo e lanço um sorriso falso para a nossa única amiga, noto madeixas azuis entre os fios negros do cabelo dela.
— Não critique meu bolinho de arroz. Não aceito críticas de quem anda por aí estragando o cabelo com tintas cafonas. — falo, mordendo o bolinho. Meus dois companheiros de apartamento me investigam com o olhar.
Hanabi começa a rir alto demais, chamando a atenção das pessoas nas mesas ao redor.
— Menos escândalo, Hana! — Sunghoon, que estava ao lado da japonesa, a repreendeu.
— Não é você que gosta de ser o centro das atenções? — diz Niki, sorrindo travesso. Sunghoon começa a rir ainda mais alto que Hanabi. — Tenho muitos seguidores, admito! — Niki faz uma pose estranha, imitando Sunghoon.
— Eu tenho vergonha de andar com vocês, sério. — Sunoo diz, apoiando o braço na mesa e deitando o rosto sobre ele em seguida.
— Vamos mudar de escola. — sussurrei pra ele, que concorda com a cabeça.
Enquanto termino minhas batatas, eles continuam conversando entre si. Nada de novo, os mesmos assuntos sobre os alunos da escola, a viagem se aproximando, videogames...
— Vocês viram o gato que está sondando o chão podre dessa fuck escola? — Hana pergunta, e vejo apenas Sunoo concordar.
Um misto de confusão contorna minha mente, e antes que eu possa perguntar, Niki interfere:
— Vi um garoto com o professor de matemática. Foi estranho, o professor estava sendo muito gentil com ele. — Ele parecia pensativo. — Nem reclamou do nosso atraso.
— Possivelmente rico. — Sunoo diz, ainda com a cabeça sobre os braços. — O sapato dele era mais caro do que todas as mobílias desse refeitório.
Vejo Niki e Hana concordarem com a cabeça ao mesmo tempo. A sincronia deles era engraçada.
— Que ele não se junte ao babaca do Seojoon, e tá tudo bem. Seria só mais um pé no saco.
— Não vi essa praga hoje. — Sunghoon varre o local com o olhar, à procura do projeto de encrenca da escola.
Projeto no qual eu saí no tapa algumas semanas atrás. Mas não me orgulho de dizer isso.
[...]
— O que você achou disso? — Heeseung pergunta, empurrando o carrinho cheio de compras, enquanto eu vou pegando as coisas das prateleiras.
Ele se referia à conversa que tive com minha mãe.
— Por que ela ligou pra você antes?
— Por que você sempre responde com outra pergunta? — ele diz, pegando os biscoitos da minha mão.
O mercado mais próximo de nossa casa era sempre muito movimentado, mas, graças ao universo, não estávamos no horário de pico.
— Eu não vou, cara! — o encarei. — Não tivemos uma longa conversa, eu fugi do assun...
Incapaz de terminar e nervoso com a reação de Heeseung, apenas o olhei assustado quando ele usou as mãos para cobrir minha boca e me puxou até ficarmos agachados perto do carrinho. Ele se esforçava para ouvir uma conversa no corredor ao lado.
— O que foi? — sussurrei, sentindo um nervosismo sem saber o motivo. A expressão no rosto de Heeseung era confusa e séria ao mesmo tempo.
Tentei ouvir também, mas, de repente, as vozes começaram a ficar distantes.
Uns quinze segundos se passaram e Heeseung me ajudou a levantar. Ele olhava na direção do caixa, e quando segui seu olhar, avistei dois caras, possivelmente da nossa idade, mas estavam de costas. A única coisa que conseguíamos ver eram suas roupas pretas e os sapatos de couro caríssimo de uma marca conhecida.
Depois que pegaram suas compras — apenas duas sacolas —, saíram do local. Desviei meu olhar para Heeseung e me aproximei do carrinho.
— O que foi isso? Você conhece eles? Mexeram com você? — disparei as perguntas, e ele negou.
— Acho que já vi um deles... talvez tenha sido impressão minha — ele disse.
Algo estava estranho. Ele colocou as mãos nos bolsos da jaqueta verde e começou a balançar o corpo, desviando o olhar para a entrada do mercado de vez em quando.
— Heeseung, eu te conheço! Alguém está te incomodando? — parei em sua frente.
— Não, depois conversamos sobre isso. — Ele pegou o carrinho e foi em direção à área dos produtos de beleza, e eu logo o segui.
Enquanto ele pagava com o cartão, comecei a lembrar da conversa que tive com minha mãe.
— Heeseung, eu não quero voltar para Seattle. — falei enquanto dividia o peso das sacolas com ele.
Ele suspirou.
— Sua mãe pediu para eu tentar te convencer... — notei seu olhar culpado. — Ela está grávida e precisa de apoio.
— Mas e nossa casa em Seul? Temos um lar aqui na Coreia, ela não precisava mudar de país. — disse, sentindo seu olhar triste sobre mim. — Vai fazer quase dez anos que perdi meu pai, e eu ainda sinto a dor queimando no peito... Ela disse que só iria resolver assuntos do processo, arranjou um emprego e isso já faz um ano.
— Ela disse que colocou a casa à venda. — Esse foi o estopim, parecia pior do que eu imaginava.
O combinado era passar um mês com Heeseung até que minha mãe voltasse de Seattle. Um ano e meio se passou, e eu sabia que isso iria acontecer desde o momento em que disse que ajudaria Heeseung com o valor do apartamento, no mesmo dia em que ela contou que estava saindo com Chan.
Ela queria recomeçar, eu entendo. Não sou contra a felicidade da minha mãe. Mas de uma coisa eu tenho certeza: eu não irei para Seattle.
— Ah, é? — foi a única coisa que consegui dizer, e Heeseung confirmou com a cabeça.
Depois de um trajeto silencioso, Heeseung e eu entramos no apartamento com nossas sacolas. Sunghoon, que estava deitado no sofá, se levantou rapidamente para ajudar e pegou as sacolas de Hee. Colocamos tudo no balcão e nos jogamos os três no sofá quentinho.
— Façam o favor de tirar os casacos sujos, por favor — Sunghoon reclamou, se espreguiçando.
— Onde está Niki? — Heeseung perguntou, se levantando. Sunghoon apontou para o quarto sem muito interesse. — Dormindo?
— Hm... — ele hesitou. — Ele não deve estar dormindo, mas está... bem.
Sunghoon fez uma careta enquanto tentava encontrar as palavras certas, e Heeseung me olhou, esperando respostas.
— Eu sei lá — respondi ao seu olhar confuso. — Niki, vem cá! — gritei.
Depois de tirar meu casaco e deixá-lo jogado no sofá, segui em direção ao quarto de Heeseung com ele logo atrás.
Ao abrir a porta, a última coisa que eu esperava ver era Niki derramando lágrimas, deitado no colo de Sunoo, que estava sentado na cama do mais novo.
Niki rapidamente seca suas lágrimas, e Sunoo também exibe um semblante triste, nada comparado ao seu humor diário, o que me deixou preocupado.
— Sunoo, o que houve com ele? — Heeseung pergunta, aproximando-se dos dois, enquanto eu permaneço na porta, sem saber o que fazer.
O mais velho senta ao lado de Sunoo. Sinto duas batidinhas em meu ombro e vejo Sunghoon pedindo passagem com um copo de água, que concedo imediatamente.
— Ele não disse...
— Foi o Seojoon? Ele mexeu com vocês? — pergunto para Sunoo, já percebendo que Niki não iria abrir a boca.
Mas, para minha surpresa, Niki respondeu.
— Você vai embora! — seu tom foi acusatório e cheio de dor. Seu olhar baixo pousou em mim, e apenas Heeseung parecia mais surpreso do que eu naquele quarto.
— Do que você tá falando? Eu tô aqui, não tô? — voltei a me escorar na parede ao lado da porta.
— Você sabe do que eu tô falando... — ele disse, ainda deitado com a cabeça no colo de Sunoo, que começou a acariciar seus cabelos negros.
Perdido como sempre, minha cabeça transbordava confusão, e, em um clique, pude entender toda a cena: Niki chorava pela minha possível partida. Ele não queria que eu voltasse para Seattle.
Em um pedido silencioso para ficar a sós com ele, vi todos deixarem o quarto. Niki se sentou na cama com o copo de água que Sunghoon havia lhe entregado, junto a um comprimido.
Seus olhos não deixavam de encarar o copo de vidro em suas mãos.
— O que foi isso, cara? — quebrei o silêncio.
— Você vai com ela? — Niki, assim como eu, tinha o costume de responder uma pergunta com outra.
— Niki, ela é minha mãe. — disse, sentando ao seu lado e pegando o comprimido de sua mão. — Mas eu não quero voltar pra lá. Eu tenho tudo aqui, mas você sabe...
— Eu não quero que você vá. — ele disse, e pude notar as lágrimas sinceras que insistiam em cair de seus olhos. — Somos como uma família aqui. Você pode visitá-la por alguns dias...
— Tudo bem. Eu já havia conversado com Hee mais cedo. Eu também não quero ir. — suspirei, entregando o remédio a ele, que o tomou junto com a água. — Eu não garanto nada, mas vou fazer o possível para não morar no mesmo lugar que Chan tá legal?
Ele assentiu com a cabeça e deixou um sorriso triste escapar.
[...]
Seguir a mesma rotina há anos faz com que, às vezes, eu ache que estou tendo um déjà vu. Mesmo não fazendo tanto tempo que moro com os caras, já me adaptei a essa rotina de passar a maior parte do meu tempo com eles. Toda a galera da escola sabe que dividimos o apartamento, graças à enorme popularidade de Sunghoon.
Mas, como nem tudo é perfeito, quando Niki passou a dividir o apartamento conosco, ele passou a ser alvo de Seojoon. Sempre que possível, Seojoon implicava com Niki por dividir apartamento com garotos e por Sunghoon ser bissexual. Até então, Niki nunca havia dado bola para Seojoon, até o dia em que o garoto começou a implicar com Sunoo no meio do pátio e Niki saiu em sua defesa.
Foi um grande dia. Niki possivelmente levaria uma grande surra... Mas Deus me enviou para o local na hora, e, no final das contas, eu que saí no tapa com Seojoon.
É mole? Pelo menos Hana, Sunghoon e outros alunos interferiram na briga antes que algum professor pudesse nos ver naquele estado deplorável.
Desde aquele dia, Seojoon ainda não pisou na escola, mas já o vi duas vezes rodeando a praça que fica em frente ao prédio.
— Vamos, gato, caminhe! — Sinto duas mãos empurrarem minhas costas. — Estou com fome, fome, fome.
Hana, Sunghoon e eu seguimos para o refeitório, mas Hana estava muito apressada, o que era estranho, até o momento em que Sunghoon a entregou.
— Ele quer ver o novato, não liga. — ele segue ao meu lado.
Agora faz sentido.
— Não nos faça passar vergonha, por favor. Ele nem deve ser tão bonito assim. — digo, virando-me para ela, que me mostra a língua. — E se continuar agindo como uma criança, ele nem vai olhar na sua cara.
Sunghoon começa a rir.
— Tá mais fácil ele se apaixonar por esse ratinho perdido dessa maneira. Já viu ele?
— Você já viu ele, por acaso? — Hana questiona, logo passando à nossa frente.
— Tô começando a me preocupar. Ele é bonito? — pergunto.
Os dois concordaram imediatamente.
Oh, Inferno!
— Eu sou mais bonito, parem com isso! — disse, entrando no refeitório cheio de alunos, sendo seguido pelos dois.
O local estava cheio, como sempre. Deixei meus olhos vagarem pelo ambiente.
Mas não foi Niki acenando ao lado de Sunoo, na mesa de sempre, nem a mulher que servia a comida, nem Seojoon sentado em uma mesa com várias garotas falando alto que tirou minha atenção.
Foi o pequeno ser sentado em uma mesa distante, parecia um pontinho no meio do nada, moletom cinza, calça jeans azul, cabelos negros tão bem penteados e o olhar amedrontado que ele me lançou enquanto bebia algo de uma garrafa preta.
Ok, o novato é bonitinho.
Depois de me recompor, segui para a mesa com meu lanche e os dois grudes de sempre.
— Viu como ele é bonitinho? — Hana sussurra, mas metade das pessoas ali sabiam que ela estava falando dele, já que não parava de encará-lo.
Lancei um novo olhar para a mesa do novato e dei de ombros. O garoto só tinha a garrafa em mãos e nada para comer. Estranho.
— Sunoo tentou falar com ele. — diz Niki. Pude ver os olhos de Hanabi brilharem.
— Ele não me respondeu. — Sunoo diz, fazendo bico.
— Que mal educado. — digo, dando mais atenção ao meu suco de abacaxi.
— Talvez ele seja tímido demais. Eu era assim antes de conhecer vocês. — diz Sunghoon, jogando seu cabelo para trás.
— Eu não acredito nisso. — Hana sussurra.
— Problema seu e, além...
— Chega, chega! Por que estamos falando tanto de um novato que deixou Sunoo no vácuo?
— Eu vou me sentir mal se continuarem com isso. — Sunoo diz, dando de ombros. — Talvez ele não tenha ouvido?
— Será que ele é surdo?
Todos na mesa ficaram pensativos após a hipótese de Niki. No mesmo instante, meu celular tocou, e vi que minha mãe havia enviado dois áudios.
Me apressei em terminar de comer e me despedi deles, dizendo que iria ao banheiro.
Sentei-me na pia da mesma maneira que no dia anterior e procurei as mensagens da minha mãe, mas vi o aluno novato adentrar o local. Me questionei do porquê fiquei totalmente paralisado encarando sua face surpresa.
Sem dizer uma palavra, ele rapidamente colocou no bolso de seus jeans uma caixinha preta e seguiu para uma das cabines.
— Ai, eu mereço! — reclamo.
Que garoto estranho... Pensei na hipótese de ele estar armando uma chacina na escola, mas mais cedo ele parecia tão inocente que descartei essa possibilidade e saí do banheiro sem ouvir os áudios da minha mãe.
[...]
— Dá pra sentir o cheiro do Jungwon daqui — Hana sussurra da mesa ao lado da minha. Minha expressão confusa foi notável, já que ela se apressou em dizer que estava falando do novato.
Sunghoon estava sentado à frente dela, encarando o quadro negro, mas eu vi quando ele negou sorrindo pela nossa amiga não tirar o nome do garoto da boca.
— E que cheiro ele tem? — perguntei, voltando a prestar atenção no meu caderno.
— Cheiro de gente pura! — ela diz sorrindo, seus olhos se fechando totalmente quando suas bochechas os esmagam.
Sunghoon começa a sorrir, e voltamos nosso olhar para ele.
— Qual foi, Príncipe? — ela pergunta, dando ênfase no apelido.
Ele se vira para ela e semicerra os olhos.
— Cheiro de pecado, mocinha. Não vê que ele é apenas uma criança? — diz, voltando-se para o quadro à sua frente.
Estávamos na última aula e, logo, a professora voltou cheia de apostilas em seus braços magricelas. Antes de começar a explicar qual seria nosso próximo trabalho, ouvi Hana resmungar que não era tão velha assim.
— Ele deve ter a idade do Sunoo. Acha que sou velha demais, Sunghoon?
Foi em um tom brincalhão, mas Sunghoon não se virou para nós, e logo a professora chamou a atenção de Hana, que se distraiu com a aula. Percebi que talvez Sunghoon tenha ficado chateado com Hana por algo que eu não havia notado.
Hana era muito esperta e lia as pessoas com facilidade. Eu admirava essa qualidade nela, mas ficava chateado quando me forçava a contar por que não me sentia bem em alguns momentos.
Depois de minutos de uma aula que eu não tinha o menor interesse, mas que sabia que seria tão necessária para mim no futuro, o sinal tocou, avisando que o momento de tortura estava chegando ao fim.
— Foi uma grande aula — a japonesa sorridente diz para quebrar o silêncio estranho enquanto saíamos da sala. — O que achou, Hoon?
Estávamos caminhando lado a lado e Sunghoon respondeu sem sequer olhar para ela.
— Você sabe o que eu achei da aula, Hana.
Não sabia se deveria perguntar somente a um deles sobre o que estava acontecendo. Com certeza seria Sunghoon, mas, ao perceber que ele não iria se abrir nem depois de termos uma discussão saudável, optei pela melhor escolha: perguntar para os dois.
— Ok, o que está acontecendo? — parei de caminhar e me encostei na parede, fazendo-os parar e me encarar, confusos.
Logo após o último grupinho da nossa sala passar por nós, o corredor ficou vazio e eles se aproximaram. Hana deu passos arrastados e colocou as mãos na cintura, ficando bem próxima a mim. Hoon foi para o meu outro lado e se encostou na parede, logo deslizando e sentando no chão. Ele colocou as mãos entre os fios negros, apoiando os cotovelos nos joelhos, e jogou a mochila no chão ao seu lado.
Percebi que meu amigo não estava bem, e isso me fez sentir completamente culpado por não notar antes.
— Diz logo, Hoon! — ela o encorajou. Fiquei focado nele e me sentei ao seu lado, logo abandonando minha mochila no chão sujo da escola.
— Eu acho que...
Ele encarava o chão à nossa frente, mas sua voz morreu quando ouvimos a risada barulhenta de Niki.
Vindo em nossa direção, Niki carregava sua mochila de qualquer jeito, seguido de Sunoo e o tal novato, que sorria para nossos dois amigos. Pareciam tão íntimos os três que eu até senti uma pontada de ciúmes. Baixei o olhar para a versão assustada de Sunghoon e logo segurei sua mão, que estava gelada. Hana bufou em seguida.
— Depois eu falo, tá legal? — ele implorou com os olhos, e a única coisa que consegui fazer foi assentir com a cabeça e me levantar junto com ele.
Enquanto pegávamos nossas mochilas, nossos amigos finalmente estavam perto o suficiente, e a expressão de Hana mudou completamente ao perceber que o novato não havia seguido para a saída.
— O que estão fazendo aqui? — Sunoo questiona.
Sunghoon olha para Hana de maneira desesperada, e nem tive tempo de perguntar o motivo.
— Esperando vocês. Que tipo de pergunta é essa? E cadê o resto dos alunos da sua sala? É o novato? — ela sorri, lançando tantas perguntas ao mesmo tempo.
Ele sorriu timidamente para ela, e eu pude ouvir os batimentos cardíacos dela daqui.
— O pessoal já foi — Sunoo diz.
— O pessoal já foi, nos distraímos enquanto conversávamos com Jungwon — Niki explica, rindo do olhar de "traidor" que lancei para ele. — Ah, Jungwon! — ele parece lembrar de algo — Esses são Jay, Hana e Sunghoon. O Hoon você já deve conhecer, porque ele é muito popular.
Hoon revira os olhos, mas lança um sorriso para o garoto.
— Prazer, me chamo Yang Jungwon! — ele diz, e por um momento eu não pedi para que ele repetisse, porque sua voz era tão boa que me causou uma certa inveja.
— Que voz maravilhosa! — Hana diz.
Os meninos se entreolharam, e pude ver covinhas tão bonitas surgirem no rosto angelical de Jungwon.
— Oh, obrigado! — ele se curva em agradecimento.
— Sim, uma voz muito bonita, mas precisamos ir — Hoon diz, pegando minha mão e me puxando.
— Espera, Hoon — Sunoo o chama, e ele para bruscamente, assustado. — Quem vai deixar Hana hoje?
Tínhamos a tradição de deixar Hana no trabalho de meio período, que não ficava muito longe, e certamente hoje era o meu dia.
— Eu vou sozinha, eles dois precisam conversar!
Hana diz já se retirando, e logo saiu pela porta no fim do corredor. Mas sua fala possivelmente deixou os três nos olhando de maneira estranha, e só então, ao olhar para o novato, percebi que ele estava com o olhar vidrado em nossas mãos, que ainda estavam entrelaçadas.
Meus dois amigos também tinham seus olhares fixos em nossas mãos, e tudo ficou estranho.
— Vocês são um casal? — Jungwon perguntou e logo abriu um sorriso tão bonito que seus olhos se fecharam.
— Eles não são... — Niki foi interrompido por Sunghoon.
— Por que está perguntando isso?
Vi a expressão do garoto se tornar assustada e, sem saber como reagir, fiquei perplexo. Afinal, o tom de Sunghoon não foi nada amigável. Até nossos amigos o olharam estranho.
— Nada, eu só... — o garoto nem terminou de se explicar, porque Sunghoon saiu me puxando com força e logo me tirou do corredor.
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