✿»PRÓLOGO • PROLOGUE«✿
Começa assim.
Família grande,
Família pequena.
Começa assim.
Gente que adota criança,
Gente que adota jovem.
Começa assim.
Família de um lado,
Família de outro.
Começa...
Começa e não termina,
Começa e não se acaba mais,
Começa e não tem fim,
Começa e já até me esqueci.
Tudo começou e
Eu continuei aqui,
No mesmo lugar.
Sem trilha para partir.
Começa assim.
[1.289 palavras]
Paris, França «
Se bem me recordava, era primavera quando o conheci.
Resquícios de inverno ainda estavam por toda parte, as poças d'água pintavam as ruas de Paris enquanto os carteiros pedalavam pelas calçadas em busca de chegarem aos seus destinos sem atrasos.
Ele me encarava sem pudor, não parecia se incomodar por me analisar assim – mesmo na posição que me encontro socialmente – e tampouco escondia suas feições espontâneas.
Aquele rapaz me intimidava de tal forma que também não me importava com os olhares sobre nós.
Talvez fosse a coragem ou a falta de vergonha com o que sou acostumada, já que fui criada com mais cinco irmãos antigamente.
Este homem de vestes formais e chapéu extravagante me olhava numa mistura de uma misteriosa nostalgia familiarizada com um indecifrável aspecto de solidão. Intocável e distante ele se afastou sumindo na multidão.
31 de março de 1889.
Hoje é a inauguração da maior torre de comunicação do mundo, a Torre Eiffel. Eu e mais duas irmãs estávamos ansiosas observando de longe as milhares de pessoas curiosas para a cerimônia da abertura após o ganho do concurso e a celebração do centenário.
Durou poucas horas e a felicidade estampada nos rostos era nítido até para os recém-chegados à cidade. Estávamos livres.
A Revolução Francesa marcou nossa história, nossas vidas e nos fez livres para desfrutarmos da glória dessas pessoas a quem lutaram um dia por nossos direitos.
— Irmã Coleman, o que fisgaste vossa atenção? — questionou a noviça Gaillard com a expressão preocupada, ela uniu suas grossas sobrancelhas numa tentativa de me convencer a contá-la.
Nossa outra acompanhante esperava pela resposta também, sempre reservada e tímida, a irmã Fay sorria involuntariamente enquanto abraçava seu teço rente ao peito.
Eu voltei a procurar por aquele senhor, por aquele olhar. Lembrava-me que vestia nobres tecidos e usava um enorme chapéu de penas escuras, porém todos de sua espécie trajavam da mesma forma e de várias cores diferentes possíveis.
Era inútil continuar o procurando.
— Nada que possas preocupastes. Vamos, devem estar a nos esperar. — respondo guiando-as pelas mãos até o orfanato.
— A madre Laurent ficará muito desapontada se não nos ver pelo salão principal desta noite, virão convidados importantes...? — ria falando pelos cotovelos. — Annie, acha que é sobre as crianças? — indagou novamente parando de súbito o andar do trio, aflita para pensar e correr ao mesmo tempo.
Elas trocaram olhares cúmplices. Amavam as meninas tanto quanto tinham vontade de terminar seus votos à Igreja Católica, mas sabiam que o lugar já vinha trazendo problemas a saúde de todos, aquilo teria consequências das quais a madre superiora tentava a custo omitir.
O orfanato Magnólia seria fechada? Para onde as garotinhas iriam se isso acontecesse?
Pensamentos como esses provavelmente rodavam as mentes destas noviças até chegarem em seu destino. Magnólia quando era viva fora uma jovem freira, e serva do Senhor, que decidiu trilhar sua vida na redenção de seus pecados, ajudando os mais necessitados e combatendo as injustiças, profetizando a palavra de Deus e compartilhando a paz entre os mais pobres.
Ela tivera uma morte tranquila e indolor, morrera aos 90 anos dormindo dentro da casa paroquial e ali construíram o famoso casarão. Visitado por prestigiados homens da elite, o lugar dispunha de três andares e mais de 500 quartos requintados, o número de banheiros é dobrado e há mais três salões, dentre eles estão a área de danças e lazer, área de refeições e a entrada.
O gigantesco espaço afora é destinado a natureza, um belo chafariz com duas estátuas de anjinhos presenteado pelo prefeito eleito e uma ponte branca de tijolo dividindo o pequeno lago.
Ultrapassando alguns hectares, havia uma cerca metálica criada para dividir os “dois mundos”. Eu não compreendia essa analogia tão bem quanto à mdre Laurent, mas não iria contestá-la, confiava e tenho fé em todas as decisões requisitadas por ela.
— Vite! Vite! (Rápido! Rápido!) — diziam as outras freiras, se apressando para trazerem todas as trezentas crianças até o hall.
Excluindo nós, o trio de mulheres ensopadas de suor, o restante vestia-se como se o próprio Papa viria visitá-los. Eu desconfiei, assim como ambas as irmãs em meu tiracolo, andando rapidamente aos seus quartinhos e voltando usando os hábitos no corpo.
A mão da irmã Fay ainda apertava nervosa o pequenino teço envolta de seu pescoço, Gaillard respirava fundo na vã ilusão de não transparecer o mesmo sentimento. Eu parecia a mais imune de todas, sorrindo sutilmente a quem encarasse. Logo, dois homens adentraram o recinto, o ar se dissipou como um nó preso na garganta, eu mal acreditava no que meus olhos viam.
Seria alguém idêntico?
Seria ele próprio?
Uma leve coincidência, talvez?
— Boa noite cavalheiros, permita-me apresentá-los. Irmãs e senhoritas, estes são os senhores Languedoc-Roussillon e Montmorency, os novos proprietários do orfanato Magnólia. — dissera a madre superiora, Laurent, com seu indomável senso de seriedade e calmaria.
Burburinhos açoitaram desfazendo o tal nó que instalara-se repentinamente. Nós, as três noviças atrasadas, trocamos olhares e murmúrios amedrontadas, quando a madre voltou a falar nenhum som se opôs a sua melodiosa voz autoritária.
— Bonne nuit belles dames (Boa noite belas damas), com todo respeito, claro! — pronunciou um deles ao retirar seu chapéu mostrando-as o quão loiro, pálido e jovem, o misterioso senhor conseguia demonstrar com apenas um singelo sorriso. — Como se dispusera a contar vossa querida madre Laurent, seremos os novos donos desse terreno. Já que nossa própria família criaste desde o início iremos prosseguir com os desejos de nossos antepassados em relação a estrutura e economia do casarão, não se preocupem com essas insignificâncias.
Após esse discurso, as demais freiras sorriram aliviadas junto das crianças, estavam esperançosas pelo auxílio daqueles nobres, enquanto eu, Fay e Gaillard trocávamos confidências de algo errado nesses ilustres convidados.
— Creio que estejam a falar a verdade, não vejo o porquê de estarmos alarmadas. Eles próprios não já nos disseram que nos ajudariam? — cochichou Fay com o semblante inquieto.
Nós a olhamos surpresas por conversar tão abertamente.
— Eles falam tão lindamente... — sussurrou Gaillard suspirando.
— Eles podem proferir quantas palavras difíceis quiserem, eu não acredito que estejam a falar a verdade. Desconfio que não venham nos ajudar, mas sim o contrário. — respondo convicta.
Meus devaneios me levaram para o jardim Champ de Mars (Campo de Marte), onde vira aquele olhar de esmeraldas, aquele olhar estranho e apaziguador daquele homem misterioso, que agora estava a minha frente observando-me discretamente.
— Sejam muito bem-vindos senhores Languedoc-Roussillon e Montmorency! — falara uma das irmãs mais velhas, braço direito da madre e conselheira das garotas, a irmã La Villa.
— Ah, por favor. Se não for incômodo, podem me chamar de Julian. — disse Languedoc-Roussilon.
O simpático e o único, dentre os dois homens, que ainda conversava com todos. O calado e esquisito amigo analisava o perímetro cuidadosamente, eu podia vê-lo me encarar de relance e sorrir descaradamente.
— Louis, se não for incômodo. — disse o outro, somente.
Assim como a madre, as irmãs ficaram encantadas, eu não compreendia nada do que se passou ali, nem mesmo por que a madre Laurent teria feito essa celebração a somente dois simples homens.
O que teriam de tão especial?
O que escondiam de tão importante?
Eu não entendia, não conseguia entender, mas sabia que algo podre cheirava no meio disso e eu descobriria.
E foi assim… que eu acordei.
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