Capítulo 86- Ao nascer do sol
Olá, pessoal. Mais um capítulo de corações em jogo postado. Espero que gostem e comentem. Os erros serão corrigidos depois. Beijos. Obrigada por tudo.
ANNE
Tinha nevado a noite inteira, e o ar parecia tão denso que quando entrava pelos pulmões, o peito ardia por conta da friagem. A rua estava toda coberta por uma camada de gelo grossa que entupia as portas das casas, e caminhar por ela era quase como tentar cumprir uma maratona de muitos quilômetros.
Na cozinha de seu apartamento Anne preparava um café de manhã especial. Não estavam comemorando nada, e nem era uma data festiva, ela apenas queria mimar um pouco seu marido que se preparava para uma das cirurgias mais importantes da sua vida.
Nos últimos dias, Gilbert vinha vivendo sobre uma crescente tensão. Ele não vinha dormido bem, e intensificara suas horas de exercícios para tentar aliviar o nervosismo e a preocupação extrema a respeito do procedimento que seria realizado durante a cirurgia, mas, o que funcionara tão bem no passado como válvula de escape, naquele momento específico quase não tinha surtido nenhuma efeito positivo, mas, pelo menos, o tirara um pouco de casa, principalmente do seu escritório, onde ele se trancava e passava boa parte do dia.
Anne poderia ter ficado zangada por tanta dedicação ao trabalho, quando pouco se falaram naqueles dias, mas ela deixara o seu ciúmes e carência guardados em uma caixinha dentro de si, para apoiar Gilbert que estava vivendo sob as pressões de sua profissão que vinha cobrando quase tudo dele, por isso, exigências domésticas ou sentimentais não combinavam com aquele cenário que pedia muita atenção e compreensão por parte dela, pois ser esposa de um médico requeria uma dose a mais de paciência, de sorrisos quando o humor amanhecia péssimo, de palavras doces quando tudo o que se desejava era falar os piores desaforos do mundo, e de apoio incondicional mesmo quando se sentia que havia divergências de pensamentos. Ela estava aprendendo rápido a se adaptar a vida que escolhera com seu marido, e mesmo que alguns vezes fosse difícil e até frustrante, ela sabia que valia a pena, e ela não desejava outro caminho para si mesma.
Apesar de seus dias extremamente ocupados, Gilbert nunca deixava de perguntar como tinha sido seu dia no trabalho, ele reservava os horários das refeições para ouvi-la falando sobre os bebês, sobre os seus planos para quando ele nascessem e como a cada dia ela os sentia se desenvolvendo em seu ventre, ficando cada vez maiores e mais fortes. Nesses momentos, as feições de Gilbert pareciam mais suaves, e não havia aquela ansiedade e angústia que acordavam com ele, assim que seu marido levantava da cama, e que o acompanhava durante suas corridas matinais, e permanecia a seu lado o dia todo, como um cão de guarda que não deixava que ele relaxasse, e Anne entendia que todo aquele interrogatório ao qual ele a submetia durante o café ou o jantar era uma forma de Gilbert trazer um pouco da despreocupação e normalidade à sua vida até que toda aquela agitação que o desestabilizava dentro de si passasse.
Seus momentos com ele durante aquele período também haviam se modificado. Ela estava acostumada a tê-lo para si todas as noites, e abdicar dele por conta da profissão não estava sendo fácil, e por isso, ela tivera que exercitar um outro tipo de virtude além da paciência, e isso se chamava abstinência de Gilbert Blythe.
Como era uma viciada em fazer amor com seu marido, ela tivera que fazer seu corpo entender que estavam passando por um momento que exigia total dedicação de Gilbert em outra área que não era o relacionamento a dois. Não faltava desejo ou paixão entre os dois, pois isso era algo que nunca se acabava. Era como se vivessem em seu sangue, e entrassem em combustão quando eles se tocavam, mas naqueles dias, por mais que Gilbert deixasse claro seu desejo por ela, Anne preferia deixá-lo descansar o mais que pudesse, porque era disso que ele precisava no momento , e não das noites tórridas que sempre partilharam desde o início do namoro. Ele sempre estava exausto quando vinha para cama, e ela não tinha coragem de exigir sua atenção para isso também, por mais que sentisse falta dos toques dele e da maneira como se conectavam através do ato de amor.
Contudo, se não havia carícias mais ousadas ou uma entrega total aos prazeres dos sentidos, pelo menos carinho não faltava quando estavam na cama. Gilbert sempre lhe dava um beijo longo antes de dormir, entrelaçava seus dedos nos dela, tocava em sua barriga de um jeito que a fazia sentir o quanto aqueles bebês significavam na vida dele, e depois dormiam abraçados até de manhã. Era por causa dessas pequenas coisas que ela não se sentia tão longe da realidade de Gilbert como se sentira no passado. Naquele tempo, quando ele estava em um caso difícil, e acabava dedicando mais horas a estudos do problema, ela se sentia excluída, deixada de fora, como se tivesse sido uma menina má e merecesse ser punida por isso. Faltava-lhe maturidade para entender que a vida de ambos não se resumia a quatro paredes, e que em determinados momentos outras coisas deveriam ser levadas em conta e priorizadas em favor de um bem maior. Depois de conviver seu dia a dia com ele, e observar o quanto a profissão exigia de seu tempo e de sua vida, ela via com outros olhos toda essa situação, e agora como esposa dele cabia-lhe a tarefa de facilitar as coisas para ele, e não tornar ainda mais árdua o seu papel de cirurgião.
Anne terminou o café, colocou cada item na bandeja que Gilbert mais gostava, e levou tudo para o quarto onde ele ainda descansava, pois suas consultas na parte da manhã tinham sido adiadas para uma outra data, e assim, ele não precisaria se levantar e ir para o hospital no horário costumeiro. Era um procedimento padrão onde Gilbert trabalhava, pois eles se preocupavam com a sanidade mental de seus profissionais, e entendiam que quando necessitavam se empenhar com mais afinco em uma operação complicada, consequentemente precisariam de mais tempo para se prepararem para tal situação, e por isso, Anne se sentia grata por passar algumas horas com Gilbert e cuidar dele naquele dia em que todas as apostas naquele caso já haviam sido lançadas.
Um beijo suave nos lábios de Gilbert o fez despertar quase que imediatamente, e Anne observou com ternura ele se sentar na cabeceira da cama como os cabelos cacheados em um total bagunça, e os olhos castanhos piscarem várias vezes até que a compreensão de onde estavam chegasse até o seu cérebro.
-Que horas são? - ele perguntou bocejando.
- Dez horas. - Anne respondeu, continuando a observar Gilbert completamente hipnotizada por aquele rosto de traços tão incrivelmente harmonizados.
- Tudo isso? Por que não me acordou antes? Perdi minha corrida da manhã. - Ele disse parecendo aborrecido por algo tão banal, mas, Anne compreendia que era por conta da tensão.
- Você precisava descansar e eu desliguei o alarme do relógio justamente para que você não acordasse tão cedo. Achei que o dia de hoje exigisse mais horas na cama. - Ela respondeu sentando-se na cabaceira ao lado dele. Além do mais, a quantidade de neve lá fora tornaria sua corrida inviável. Portanto, Dr, Blythe, aquiete seu coração e tome o café que lhe preparei. - Ela disse como se fosse uma mãe zelosa cuidando de sua cria. Ela viu o olhar de Gilbert pousar sobre a bandeja caprichada do café da manhã que ela depusera sobre a cama, e depois fixá-los em seu rosto surpresos, e então ele disse:
- Amor, você preparou tudo isso para mim?
- Sim. Eu pensei que você merecia ser mimado pelo menos uma vez na vida.
- Vem cá. - Ele disse, puxando-a de encontro ao peito e deixando seus rostos próximos um do outro. - Muito obrigado por se preocupar comigo dessa maneira. Você não sabe o quanto significa para mim que você esteja do meu lado nesse momento. Todos esses dias foram tensos demais para mim, e quero me desculpar por não ter tem dado a devida atenção
- Eu entendo, Gil. De verdade. Não se preocupe com nada. A única coisa que desejo é que tudo corra bem, e que você consiga o resultado esperado. - Gilbert contornou com o polegar a linha de seus lábios e disse:
- Você é incrível, sabia? Quem sabe depois que isso tudo passar, a gente não possa fazer outra viagem. Você acha que gostaria disso?
- Eu iria amar. Tenho pensado nisso desde que voltamos do Havaí. - Anne respondeu brincando com uma mecha que estava maior atrás da orelha de Gilbert.
- E pra onde você gostaria de ir? - ele perguntou com seus dedos nos cabelos de Anne, massageando sua nuca até fazer Anne suspirar e responder:
- Qualquer lugar no mundo seria um oásis perto do que temos vivido nesses dias. - Ela disse isso sem pensar, se xingando logo em seguida ao ver o olhar de culpa que Gilbert lhe lançou
- Isso tudo tem sido duro para você também, não é? Peço que me perdoe, pois não queria deixá-la aborrecida com minha obsessão pelo trabalho.
- Eu não estou aborrecida, amor. Eu entendi a importância do que está fazendo. Não vou negar que sinto falta do marido apaixonado e divertido, mas eu sei o quanto tem se esforçado e lutado por esse caso. Não se sinta culpado por querer salvar uma vida. - Ela colocou as mãos no ombro dele como forma de apoio e Gilbert cobriu a mão dela com a dele.
- Está querendo me dizer que me tornei um chato? - ele disse de um jeito divertido que fez Anne rir.
- Um. só um pouquinho. - Ela juntou o dedo indicador com o polegar para exemplificar o que disse, e Gilbert torceu o nariz quando falou:
- Quando fala assim me faz parecer um velho.
- Você não é velho, amor. Pelo contrário. Está cada vez mais atraente. - Ela olhou sugestivamente para Gilbert que balançou a cabeça como se desgostasse do que ela dissera.
- Agora entendi. Você só quer tirar proveito desse corpo masculino aqui. - Ele disse com um gesto fingido que fez Anne responder.
- Nunca provoque uma grávida, meu amor. E você já está me provocando demais com esse peito nu à mostra desse jeito. - Ela passou o dedo devagar pela pele do peito de Gilbert. Ele estreitou o abraço e a fez se deitar no travesseiro com seu corpo quase cobrindo o dela, e disse:
- Você é que está toda provocante com essa camisola transparente. Se soubesse o que está em minha mente justamente neste instante. - O olhar dele intenso sobre ela a fez arfar e perguntar:
- Por que não me diz? Adoraria saber o que se passa na mente brilhante e misteriosa do Dr. Blythe.
- Não vou contar- ele disse maroto.
- Por que não? - Anne insistiu. Ela estava adorando as provocações. Fazia tempo que não jogavam assim.
- Porque se eu te contar vai deixar de ser mistério, e quero que continue assim por um tempo ainda. - Ele desceu os lábios até a face de Anne e plantou um beijo em sua bochecha.
- Isso é muita maldade, Dr. Blythe. Não vai dar nem uma prévia para sua esposa sobre onde andam seus pensamentos?
- Não consegue imaginar? - ele perguntou olhando significativamente para Anne, que respondeu fingindo não saber do que ele falava, mas, vendo naquele rosto tão conhecido e tão amado a mesma necessidade que ela sentia naquele momento;
- Não faço a menor ideia.
- Mentirosa! - e então, Gilbert atacou seus lábios, deixando Anne perceber que ela não estava sozinha em sua carência por ele. O casal se separou quando começaram a sentir que o ar lhes faltava, mas, ainda insatisfeitos pelo ato não consumado da maneira como desejavam.
- Como eu queria ter mais tempo para amar você como você merece. - Ele disse colando sua testa na de Anne.
- Eu te disse que entendo, amor. Você tem coisas mais importantes em mente no momento.
- Nada é mais importante para mim do que você e os bebês. Nunca se esqueça disso, e sei que negligenciei nosso relacionamento nos últimos dias, e assumo minha culpa por isso. Porém, isso não quer dizer que te ame menos ou que me importe menos com vocês. - Ele desceu a cabeça, deu um beijo no ventre de Anne e voltou a encostar sua testa na dela.
- Eu sei de tudo isso, já disse para não se preocupar.
- Eu não quero que aconteça com a gente o mesmo de quando fui para a Alemanha.
- Eu não sou mais aquela garota estúpida e arrogante que achava que o seu mundo deveria girar em torno do meu. - Ela disse fazendo um carinho na nuca de Gilbert.
- Você não era estúpida e arrogante. Nunca te vi assim, você era minha namorada e merecia mais respeito pelos seus sentimentos. Eu ignorei suas vontades, levando somente em conta o que eu queria.
- Vamos esquecer isso. Não faz sentido falarmos sobre algo que já passou. Eu fiz as pazes com o passado. Você é um médico incrível, e o seu trabalho é muito importante para o mundo. Eu sinto muito orgulho de você, e seus filhos sentirão também quando puderem te conhecer. - Anne disse beijando-o com carinho. Eles se abraçaram saboreando os poucos minutos de cumplicidade que estavam tendo naquela semana, o que lhes fazia falta imensamente.
- Obrigado por suas palavras, meu amor. A importância delas nesse momento em minha vida é imensa. - A voz dele parecia emocionada, e quando Anne se afastou do abraço e olhou para o rosto de Gilbert, ela notou que seus olhos estavam marejados.
- Eu estou apenas dizendo a verdade. E quero que saiba que tem meu apoio incondicional. Vai dar tudo certo. - Ela o beijou no rosto, e Gilbert a olhou meio incerto ao dizer:
- Será mesmo, Anne? Tenho tanto medo de fracassar mais uma vez. - Ele abaixou a cabeça, e naquele momento Anne percebeu o tamanho de seu dilema.
- Vai dar tudo certo sim, e você nunca fracassou como não vai fracassar dessa vez. O que aconteceu com Sarah não foi sua culpa. - Ela o abraçou pela cintura e ouviu Gilbert suspirar antes de dizer:
- E se algo acontecer? E se eu não conseguir salvar a vida desse garoto? - esse era o maior medo de Gilbert, e Anne podia entender perfeitamente como ele se sentia, mas, ela tinha que fazer o seu papel de esposa e apoiá-lo até o final.
- Então, você vai saber que fez o seu melhor, e depois virá para casa onde terá sua esposa loucamente apaixonada por você para te dar todo o amor do mundo.
- Você não existe, sabia?
- Eu existo sim, e estou aqui e nunca mais vou sair da sua vida. Agora que tal você comer todo o café que te preparei? Tem até aquele creme holandês que você gosta. - Ela disse com um sorriso.
- Você me acompanha? - ele também sorriu.
- É claro. Acha que eu ia deixar você comer tudo isso sozinho? Seus bebês são gulosos. Dr, Blythe.
E assim, eles se serviram e comeram o café da manhã juntos, mas, o que mais deixou Anne satisfeita foi ver o sorriso de volta ao rosto de seu marido, e isso sim era algo que não tinha preço.
GILBERT
A cirurgia que Gilbert deveria realizar estava marcada para às três da tarde, porém seu turno no hospital naquele dia começaria à uma hora, por isso, ele aproveitou o horário da manhã para ficar com Anne, já que em todos aqueles dias, ele não tivera tempo de cuidar dela como gostaria, e isso o fazia se sentir mais culpado do que ele desejaria.
Sua esposa dissera que entendia o compromisso que ele tinha com o trabalho, e isso para ele era um grande avanço em relação ao passado quando seu relacionamento oscilara várias vezes por conta de sua profissão. Anne tinha mesmo amadurecido bastante durante aquele tempo, e isso o deixara aliviado e orgulhoso dela ao mesmo tempo. Ele tivera medo que ela acabasse se irritando com seus plantões constante, os horários tardios em que às vezes ele tinha que voltar para casa, os fins de semana em que ele passava trancado em seu escritório estudando e aprendendo sobre novos tratamentos.
No entanto, ela vinha se comportando de maneira bastante adulta que o surpreendera de primeira. Ela sempre estava esperando por ele a qualquer horário que ele voltasse para casa, com o jantar pronto, ou um lanche reforçado. Ela também lhe enviava mensagens carinhosas durante o dia com uma foto sua e de sua barriga cada vez mais linda, dizendo que daquela forma os bebês estavam lhe enviando o seu amor, e por muitas vezes, ele acabava se emocionando ao olhar para imagem de sua mulher maravilhosa e seus filhos gêmeos que se desenvolviam dentro dela, sabendo que ali estava sua força e motivação para não desistir de nada e ter sempre esperanças. Era nesses momentos também que ele fazia uma pausa para respirar, se reconectar com seus ideais médicos, e não deixar que a dureza ou a realidade crua da profissão tirasse seu prazer de fazer o que fazia e por isso também, Anne tinha um papel fundamental.
Ela nunca permitia que ele se esquecesse porque decidira ser médico, e como seu trabalho era essencial para a sociedade, mesmo quando poucos sucessos eram alcançados. A vida diária de um médico dentro de um hospital não lhe dava muitas chances para vacilar, duvidar, ou deixar para mais tarde suas decisões a respeito de um paciente. Tudo tinha que ser estabelecido rapidamente, pois o tempo no relógio passava em um piscar de olhos, e a vida de um ser humano muitas vezes dependia de um segundo e de um decisão bem tomada, portanto, ele precisava ter em mente que as soluções deveriam ser práticas e conscientes, e que se um erro fosse cometido, muito poderia estar em risco ou perder-se para sempre, e por esta razão, a única coisa que poderia fazer era traçar um plano e rezar para que desse certo. Assim, Anne também o lembrava de que se caso algo não ocorresse da maneira como fora determinada, ele deveria ter em mente que fizera o melhor possível , e que se condenar por um resultado negativo não consertava nada, e nem o ajudaria na próxima vez que tivesse que fazer novamente a mesma coisa. Então, eram nessas palavras que ele tentava se agarrar para não deixar que sua experiência negativa com Sarah tirasse o seu foco do que deveria ser feito.
Perder a amiga daquela forma brutal causara mais feridas e cicatrizes do que ele poderia ter imaginado. Abalara sua confiança na medicina assim como abalara a sua fé em si mesmo, e era essa a razão pela qual ele temia a cirurgia que realizaria naquele dia. Ele não duvidava de sua capacidade de operar, pois já fizera aquilo várias vezes antes e se saíra relativamente bem na maioria dos casos. O que o preocupava era o depois, como ele reagiria se a cirurgia não fosse cem por cento eficaz, e o garoto acabasse perecendo como acontecera com Sarah, pois ele se conhecia o suficiente para saber que não suportaria mais uma dose de culpa e frustração. As pessoas do lado de fora não entendiam o que a perda de um paciente significava para um médico. Elas simplesmente acreditavam que por eles conviverem com morte vinte quatro horas por dia, suas emoções e sentimentos já não eram mais abalados pela morte de alguém, e que isso se tornava tão comum com o tempo, que eles viam aquilo como algo corriqueiro, mas era apenas uma opinião malformada.
A morte de uma paciente para um médico se assemelhava a perda de um amigo ou mesmo um parente, pois os elos que se formavam com a convivência diária ou as consultas semanais ou mensais eram fortes, por isso, quando o tratamento fracassava ou o seu falecimento era inevitável, a dor era a mesma, ele apenas se tornava peritos em escondê-las, pois lhe era ensinado que um médico não devia em hipótese alguma demonstrar fraqueza e seus reais sentimentos diante de um caso ou sua credibilidade seria seriamente arruinada, pois um paciente não queria a compaixão de seu médico, o que desejava era ter a segurança de que poderia confiar que ele faria o melhor para curá-lo, e que também lhe diria a verdade, pois mais difícil que isso pudesse ser, portanto, um médico vulnerável nunca seria bem visto ou digno de confiança. Era um lado cruel de sua profissão, e até mesmo insensível, pois um médico também era um ser humano, mas, não deixava de ter coerência essa forma de pensar.
Por isso, era em sua esposa e em seus filhos que estavam a caminho que ele recarregava suas energias, e se lembrava que ela sempre estaria de braços abertos para ele, mesmo que ele tivesse tido o pior de seus dias. Assim, naquela manhã ele reservara para compensar um pouco sua ausência dos últimos dias, prometendo que teriam momentos melhores, assim, que ele pudesse equilibrar melhor seus dias no trabalho.
Anne lhe preparara um delicioso café da manhã que ele dividira com ela, e depois ficaram deitados na cama abraçados, trocando carinhos, e como não podia deixar de ser, eles também falaram muito sobre John e Sarah, seus filhinhos que em breve abririam seus olhos para esse mundo, e trariam ainda mais luz para a vida de seus pais. Eles eram como dois talismãs que lhe traziam sorte desde o momento em que foram concebidos, e Gilbert estava ansioso para o dia em que finamente poderia embalá-los em seus braços e colocá-los para dormir. Sua esposa lhe dizia que ele deveria ter paciência, e que tudo ocorreria a seu tempo, mas, se ele tivesse controle desse tempo do qual ela falava, ele o faria passar tão rápido para que em um piscar de olhos seus bebezinhos finalmente nascessem, mas, ele também sabia que isso era ansiedade de pai de primeira viagem, porque, ele também adorava acompanhar o desenvolvimento deles dia a dia, vê-los crescer devagar no ventre de Anne e sentir seus coraçõezinhos baterem forte toda vez que ele acompanhava Anne em suas consultas mensais com Gabriela, e isso era outra coisa da qual não abria mão.
Gilbert olhou no relógio que marcava meio dia e viu que era hora de se preparar. Assim, ele deixou Anne meio adormecida na cama, e foi para o banheiro onde tomou um banho rápido, vestiu suas roupas brancas médicas, foi para a cozinha onde preparou um lanche rápido, pois tomara café tarde naquele dia e não estava com fome. Logo depois, ele fora para o quarto dar uma olhada em Anne e se despedir, pois gostava de chegar no hospital pelo menos quinze minutos antes de seu turno começar, porque assim tinha tempo para tomar um cafezinho, ajeitar suas coisas, dar uma olhada no relatório dos pacientes a quem iria consultar antes de mergulhar de cabeça no seu dia relativamente cheio.
Assim que entrou, seus lábios se curvaram em um sorriso terno ao ver Anne abraçando sua barriga. Ela fazia isso o tempo todo, como se criasse uma barreira de proteção em torno dos bebês que ninguém poderia quebrar. Era lindo ver seu instinto maternal tão aguçado, e ele nunca pensara que seria assim no momento em que ela lhe dissera que queria ter um filho com ele.
Anne tinha mudado a partir do instante em que soubera que estava grávida. Ela deixara de lado outras preocupações para viver aquele momento intensamente como sua prioridade principal, e Gilbert podia ver o quanto ela estava se dedicando a se tornar a mãe perfeita, que para ele ela já era, só pela forma como se preocupava em cuidar de seus dois cristaizinhos ainda dentro de sua barriga.
- Amor, eu estou indo para o trabalho. - Ele a sacudiu de leve, esperando que ela abrisse os olhos para que pudesse se despedir dela adequadamente. Logo, os olhos azuis brilhantes dela se fixaram no castanho caramelo dos dele, e Anne disse com a voz pesada de sono:
- Já está na hora de você ir?- ele se sentou ao lado dela na cama e respondeu:
- Sim, o trânsito a essa hora é pesado, e você sabe que detesto chegar atrasado.
- Está bem. - Ela disse mansamente, e olhando para aquele rosto lindo, Gilbert não conseguia se mover. Era como se ficar com ela era a coisa mais certa a se fazer, mesmo sabendo que havia uma grande responsabilidade esperando por ele no hospital. Era uma sensação que o fazia oscilar entre ter que ir e desejar poder ficar, porque ali estava todo o amor e toda paz que ele precisava para o seu coração naquele momento.
- O que foi, amor? Ainda está nervoso sobre a cirurgia? - ela perguntou, segurando na mão dele ao notar seu olhar fixo no rosto dela e sua expressão aflita.
- Um pouco, mas vai passar, eu prometo. - Gilbert disse, se aproximando dela e dando-lhe um beijo na testa.
- Querido, lembre-se do que eu te disse, o que quer que aconteça, eu vou estar a seu lado. - Ele levou a mão dela aos lábios e disse:
- Eu sei, e te agradeço muito por isso. Estou tentando ser otimista tanto quanto você, mas, ainda sinto um certo receio do que virá depois.
- Do que de fato tem medo, meu amor? - Anne perguntou, e ele percebeu que ela estava preocupada e quase praguejou em voz alta. Ele tinha que se lembrar de que Anne estava grávida de gêmeos, e por isso situações de tensão deveriam ser evitadas, e ele não estava ajudando em nada deixando-a preocupada com ele daquele jeito.
- São receios bobos que vão passar logo, desculpe-me por deixa-la preocupada. Procure descansar, assim que a cirurgia terminar, eu te ligo. - Ele disse se levantando e deixando um beijo suave nos lábios dela.
- Você promete?
- Sim, meu amor. Agora preciso ir. - Ele tocou a barriga de Anne om carinho e falou como se os bebês pudessem ouvi-lo:- Olá, meus cristaizinhos. O papai está indo para o trabalho, e espero que vocês cuidem bem da mamãe até eu voltar. Eu amo vocês dois. - Gilbert plantou um beijo no ventre de Anne, e antes de sair deu uma última olhada para ela que lhe sorriu como se desejasse sorte.
Desta forma ele foi para o hospital, dirigindo com todo cuidado em meio a um trânsito caótico ao qual já estava acostumado. Como no outro dia, os carros se moviam lentamente em uma fila enorme, mas Gilbert não se importou. Ele estava aéreo demais para prestar atenção no trânsito pesado, e na verdade até gostou da lentidão daquele dia, pois assim lhe dava mais tempo para pensar, se acalmar, e colocar todas as suas estratégias de procedimento durante a cirurgia em ordem dentro de sua cabeça.
Após quarenta minutos de engarrafamento, ele conseguiu chegar ao trabalho dez minutos adiantados, e foi direto para o seu consultório, onde alguns minutos depois Gabriela apareceu para falar com ele.
- Boa tarde, Gilbert. Preparado para o grande momento, Dr. Blythe.
- Espero que sim. - Gabriela notou a insegurança em sua voz e disse:
- Você vai tirar isso de letra. Não é nada do que já não tenha feito antes.
- Parece que todo mundo tem fé em mim, menos eu mesmo. - Gilbert deu um longo suspiro e Gabriela disse:
-Todo mundo tem fé em você porque sabem do que é capaz, Gilbert. Não entendo porque parece tão desmotivado.
- Não estou desmotivado, só preocupado. Eu sei que posso fazer essa cirurgia, o que me deixa um tanto pensativo é se esse procedimento será suficiente para que esse garoto tenha uma vida normal depois.- ele passou as mãos pelos cabelos, se serviu de um copo de água gelada e voltou para perto de Gabriela.
- Terá que ser paciente e esperar pelos resultados posteriores. Você assim como eu sabe que não existem garantias exatas. Tudo o que fazemos são tentativas que podem dar certo ou não.
- Eu sei que está certa, mas, ainda não consigo agir sem me lembrar da Sarah.
- Você sabe que não teve culpa. O problema dela era mais complicado e de difícil solução. Você fez o que podia, mas, o corpo dela decidiu o contrário.
- Anne me disse a mesma coisa. - Gilbert disse fixando o olhar na água restante de seu copo, a qual balançou por um tempo enquanto sua mente pensativa não o deixava sossegar.
- Bem, esse é o melhor apoio que você poderia ter. Deveria acreditar mais em sua esposa, Dr. Blythe. - Gabriela disse sorrindo.
- Eu acredito. Se não fosse por ela, eu já teria desistido da profissão faz tempo.
- Teria feito uma grande bobagem. Todo mundo sabe da sua grande vocação para medicina. Perfeccionismo exagerado não faz nada bem, Dr. Blythe. Todos nós temos dúvidas em determinadas situações de nossas vidas, mas, isso não quer dizer que temos que desistir de fazer aquilo que amamos. - Gabriela disse olhando para Gilbert que sorriu ao ouvir-lhe aquelas palavras que tinha escutado de seu pai tantas vezes na infância.
- Vou tentar me lembrar disso mais vezes.
- Acho bom. - Gabriela disse antes de sair e deixar Gilbert sozinho novamente.
Depois da conversa que tivera com Gabriela, o tempo pareceu voar e logo o horário da cirurgia chegou. Gilbert realizou todos os procedimentos que um médico deveria fazer antes de uma operação, como se vestir com roupas apropriadas, lavar e desinfetar as mãos, e então, ele caminhou pelo corredor que o levava até a sala onde o paciente já o aguardava devidamente preparado previamente por sua equipe. Neste pequeno espaço de tempo, ele encontrou Denise que agia totalmente profissional naquele dia, sem piadinhas ou palavras constrangedoras que o deixavam na defensiva, o que o deixou extremamente aliviado, pois não estava em condições de aturar qualquer palavra de mau gosto que ela quisesse usar naquele dia.
- Boa sorte, Dr. Blythe. Espero sinceramente que tudo corra bem na cirurgia. Vou dar um pouco de apoio aos pais do garoto, pois parecem estar extremamente nervosos. Eu volto a falar com você no final da cirurgia.
- Está bem, e obrigado.- Assim, Gilbert continuou andando pelo corredor, e antes que entrasse na sala destinada a cirurgia, um sinal do celular chamou sua atenção, e ele parou um instante para verificar o conteúdo da mensagem, e um grande sorriso brotou em seu rosto quando ele viu que Anne tinha mandado uma foto, com a barriga de fora onde ela escreveu uma mensagem que dizia: ""Boa sorte, papai, nós te amamos". No mesmo instante ele enviou outra mensagem dizendo: "E eu amo vocês".
Ele ainda estava sorrindo quanto desligou o celular e colocou a máscara de proteção que deveria ser usada durante a cirurgia, e pela primeira vez em dias, ele sentiu que tudo correria bem.
GILBERT E ANNE
Anne andava dentro do apartamento de um lado para outro. Suas pernas doíam e sua barriga parecia pesar mais do que o normal, mas nada conseguia acalmá-la. Ela estava preocupada com Gilbert, pois o jeito que ele tinha saído para o trabalho não a convencera nem um pouco de que ele estava bem, e gostaria muito de falar com ele, mas, Anne sabia que não seria possível, pois naquele exato momento ele estava entrando na sala de cirurgia, por isso tivera a ideia de mandar a foto com a mensagem como se fosse o bebês quem a tivessem enviado, apenas para que ele soubesse que seu pensamento estava com ele, e que por isso, seu marido não devia se sentir sozinho.
Anne esperava que aquilo bastasse para que ele se sentisse seguro para realizar aquela cirurgia com toda a dedicação e preocupação que ele realizara todas as outras em sua vida. Ela somente desejava encontrar algo que também a acalmasse, pois seus nervos pareciam piorar a cada segundo.
Sentindo que não suportaria passar por aquelas horas de tensão sem que morresse de aflição, Anne mandou uma mensagem para Cole convidando-o pra vir para sua casa, pois ela não queria ficar sozinha, e se tinha uma pessoa que podia distrai-la era Cole, porque sempre que estavam juntos, ela se sentia completamente relaxada, e ela sempre dizia para Gilbert que Cole era seu antidoto contra o estresse, por isso, ela usava e abusava da companhia do amigo que nunca a desapontara em todo o tempo que se conheciam.
Ela enviou a mensagem, e logo veio a resposta. Cole pediu que ela esperasse por ele, pois já estava a caminho. De fato, pouco tempo depois, ele surgiu em sua casa parecendo preocupado e a abraçou assim que Anne abriu a porta.
- Oi, querida. Algum problema com os bebês?
- Não. Na verdade, estou preocupada com o Gilbert. Ele tem uma cirurgia importante hoje, e não parecia muito bem quando saiu. - Ela explicou levando o amigo até a sala onde ambos se sentaram juntos no sofá.
-É a cirurgia daquele garoto do qual você me falou outro dia?
- Sim. Você sabe como isso o afeta diretamente, O caso de Sarah ainda não foi superado totalmente, embora Gilbert não me fale mais sobre ele. Nessas últimos semanas, ele não dormiu nada bem e teve algumas noites nas quais ele teve alguns pesadelos. – Anne disse fitando Cole com preocupação.
- Ele ainda se fecha sobre esse assunto? - Cole perguntou ainda segurando a mão dela.
- Na maior parte do tempo, ele se fecha sobre muitas coisas. Não falo de sentimentos ou pensamentos bons, pois esses ele faz questão de compartilhar comigo. Porém, quando se trata de maus momentos, ele os guarda para si. É como se as palavras do padre na alegria e na tristeza não fizesse muito sentido para ele. - Anne suspirou alto o que fez Cole perguntar:
- O que quer dizer exatamente com isso?
- Eu quero dizer que as alegrias são compartilhadas, mas, as tristezas são guardadas a sete chaves, como se eu não merecesse saber delas.
- Anne, você sabe que não é isso. Talvez, ele queira apenas te poupar por conta da sua gravidez. E você também tem que entender que Gilbert sempre foi mais reservado em relação a certas coisas, e isso não se muda de repente. Não duvide dele, meu amor. Gilbert jamais faria algo para te magoar.
- Acredite, eu sei. E não estou realmente chateada sobre o assunto. Eu estou é preocupada com o meu marido que parece estar sofrendo, e não me deixa ajudá-lo.- seus olhos ficaram tristes, e Cole sentindo seu estado de ânimo disse:
- Quando ele voltar para casa hoje, converse sobre isso com ele, pois se esse assunto está te incomodando, eu acho que você deveria deixá-lo as claras. Não permita que algo assim deixe uma mágoa entre vocês. O casamento consiste em muitas coisas e uma delas é a confiança mútua, portanto, não permita que essa característica introspetiva do Gilbert abra uma brecha entre vocês que com o tempo poderia se tornar um abismo. A ruina de um relacionamento, na maioria dos casos começa exatamente desse jeito. Ser sincero e acabar com qualquer dúvida que se possa ter em relação ao seu parceiro é fundamental.
- Obrigada, Cole, pelo conselho. Você é sempre sensato e agradeço aos céus por tê-lo como amigo. - Anne abraçou Cole com o carinho que tinha por ele por anos de amizade.
- Estou sempre a sua disposição, você sabe. E como estão meus sobrinhos? - ele perguntou rodeando os ombros de Anne com seus braços.
- Eles estão crescendo a cada dia. Gilbert está tão encantado com essa gravidez que dorme todas as noites com suas mãos sobre minha barriga. - Anne disse sorrindo com ternura ao se lembrar da cena que sempre acontecia justamente quando ela não tinha uma câmera por perto. Ela ainda queria registrar esse momento para que no futuro ela e Gilbert pudessem se lembrar de cada momento lindo durante sua gravidez.
- Eu imagino o quanto essa gestação tem significado para ele em relação a você. - Cole comentou.
- Sim, ele me trata como feita de porcelana, e confesso que me sinto uma princesa com tantos cuidados. - Anne confessou colocando sua cabeça no ombro de Cole.
- Você tirou a sorte grande quando casou com esse homem. Qualquer outro não teria a mesma paciência ou cuidado. Eu conheço poucos homens como ele. Gilbert Blythe é um em um milhão.
- Você está certo. A família tem um significado de peso para Gilbert. Perder a mãe tão cedo e depois o pai o deixou extremamente carente nessa área, e acredito que com a chegada dos bebês, ele poderá finalmente ter tudo o que desejava.
- Não se esqueça de se incluir nessa relação familiar. Sem você não creio que seria a mesma coisa. - Cole ajeitou os cabelos enquanto Anne pensava no que ele acabara de lhe dizer.
- Você tem razão. Sem ele um pedaço também ficaria faltando em mim. - Anne disse concordando com o amigo.
- Você está se sentindo fisicamente bem? Por que não saímos um pouco desse apartamento e respiramos ar puro? Não te faz nada bem ficar preocupada desse jeito e trancada aqui. - O rapaz sugeriu.
- Tem razão, Cole. Acho que um passeio em sua companhia me faria bem. - Anne disse já se levantando da poltrona onde estava sentada.
- Vamos descer e andar um pouco no calçadão do Central Park. O sol não está muito forte, mas, pelo menos derreteu um pouco da neve nas ruas. Podemos nos sentar ao ar livre e conversar? O que acha?
- É uma excelente ideia, Cole.
Em poucos minutos, devidamente agasalhados, Cole e Anne estavam do lado de fora do apartamento, e ela notou que outras pessoas tinham tido a mesma ideia que eles, e caminhavam tranquilas pelas ruas curtindo um pouco do sol de inverno que tinha ficado desaparecido por muitos dias, tornando uma tarefa difícil poder passar algumas horas de liberdade fora das paredes de suas casas.
Anne olhou para o celular, e viu que marcavam quatro horas, e pelos seus cálculos, Gilbert estava em trabalho cirúrgico por pelo menos uma hora, e continuaria assim pelas duas horas seguintes, se nada se complicasse durante o procedimento.
- O que você tanto olha nesse celular, Anne? -Cole perguntou notando sua inquietação.
- Nada, eu apenas estava pensando que faz uma hora que a cirurgia começou, e Gilbert me disse que duraria pelo menos três horas.
- Eu te trago aqui fora para tentar esquecer um pouco desse assunto, e você continua ligado nele. Por favor, me dá o seu celular.
- Cole.- Anne protestou e ia dizer que já não era uma menininha para ser repreendida daquele jeito, mas, o olhar grave no rosto de Cole lhe provou que ele não estava brincando, por isso, ela lhe entregou o celular e o rapaz o desligou no mesmo instante.
- Assim, está melhor. - Ele disse, devolvendo o celular para Anne e segurando em seu braço para que caminhassem pela calçada tranquilamente.
Eles fizeram um percurso de dez minutos, e depois encontraram um banco para se sentarem, pois Anne começou a reclamar de dor nas costas. Desta forma, ambos começaram a observar o movimento das pessoas passando por eles calmamente, até que Cole quebrou o silêncio dizendo:
- Sabe, eu fiquei pensando na conversa que tivemos outro dia quando você me perguntou se eu não pensava em ter filhos.
- É mesmo? - Anne perguntou extremamente interessada nas palavras de seu amigo.
- Sim, e depois daquele dia eu comecei a fazer algumas pesquisas sobre adoção, e encontrei várias instituições interessantes onde eles trabalham com adoções de bebês. - Ele disse cruzando as pernas e se virando para encarar Anne.
- E isso te interessou?
- Bastante. Mas ainda não tenho uma ideia formada a respeito. - Ele disse afastando uma mecha de cabelo da testa.
- Eu acho que seria maravilhoso se você se decidisse por adotar um bebê. Você seria um pai maravilhoso, Cole.
- Não fantasie nada nessa sua cabecinha, Shirley. Eu disse que estou pensando e não que iria fazer.
- Bem creio que só de estar pensando em fazer algo assim já é meio caminho andado. - Anne disse, entendendo os receios do amigo sobre tal questão. Cole sempre amara ser livre, não ter amarras em lugar nenhum, porque assim poderia ir e vir quando quisesse, e uma criança mudaria todo o seu estilo de vida e ele teria que encarar uma nova rotina que se encaixasse com a realidade de uma criança, e ela não sabia o quanto de sua vida atual ele estaria disposto a abrir mão.
- Vou pesquisar mais sobre isso, e depois te digo se mudei de opinião ou não.
- Tudo bem, mas, espero que se decida pela opção "Sim", pois saiba que não é somente você que deseja muito ser tio. - Anne disse com sua mão apoiada no ombro de Cole.
- Prometo que seu adotar um bebê você além de tia, também será a madrinha.
- Eu vou cobrar essa promessa, Cole Mackenzie pode esperar. - Eles gargalharam ao mesmo tempo, e um movimento de uma cabeça fez Anne, congelar. A poucos metros deles, um rapaz encostado em uma árvore não tirava os olhos deles, fazendo Anne se virar para Cole e dizer em voz baixa:
- Você está vendo aquele rapaz? - Cole olhou na direção que ela apontava e respondeu;
- Sim, por que?
- Não parece que está nos vigiando?
- Anne, não comece com suas paranoias de novo. A mim ele parece apenas um rapaz normal apreciando esse dia ao ar livre como nós.
- Acho que você está certo. Desde que eu soube que Peter Bells está solto, eu o tenho visto em todos os lugares. - Anne disse sentindo-se aflita ao se lembrar de tudo o que aquele canalha tinha feito para tê-la em suas mãos.
- Já falou isso para o Gilbert?
- Eu tentei durante essa semana, mas, ele andava tão nervoso por conta da cirurgia que decidi deixar para depois. Eu não quis acrescentar mais preocupações à lista dele.- Anne disse acariciando sua barriga.
- Assim que puder, conte a ele. Não é bom que você guarde esse tipo de coisa para você principalmente neste estado de gestação. - Ela assentiu e depois ficou em silêncio com seus pensamentos voando de volta a Gilbert e a cirurgia.
- Você não consegue se desligar mesmo de Gilbert, não é? – Cole perguntou examinando-lhe as feições.
- Desculpe-me. Você sabe que não sei lidar muito bem com a ansiedade.
- Quer ir ao hospital? Pelos meus cálculos a cirurgia termina em uma hora. Temos tempo suficiente para chegarmos lá. Acho que Gilbert ficaria contente de te ver depois de momentos tão estressantes.
- Obrigada, Cole. Você é o melhor amigo do mundo. Podemos ir agora mesmo se quiser. - Anne disse com os olhos brilhando de animação. Aquela era a melhor ideia que Cole havia tido. Ela não aguentaria ficar esperando por notícias, e ir ao hospital lhe daria a oportunidade de ver seu marido de perto e saber se ele estava mesmo bem, e se precisava de seu apoio caso as notícias não fossem tão boas.
A viagem até o hospital foi tranquila, pois diferentemente do tráfego de manhã, as ruas àquela hora estavam curiosamente calmas, e esse fato ajudou a Anne acalmar um pouco a ansiedade por chegarem logo ao seu destino. Assim, que pisaram no hospital, eles foram direto a recepção perguntar sobre a cirurgia na qual Gilbert estava participando. Foi-lhes informado que a operação estava quase no fim, e que o Dr. Blythe estaria liberado em poucos minutos. Por esta razão, ambos se sentaram em uma poltrona e ficaram esperando, enquanto Anne começava a estalar os dedos da mão direita em sinal de tensão extrema.
- Anne, você por aqui? - a ruivinha ouviu alguém dizer, e ao se virar, ela viu Daniel, e então respondeu:
- Eu vim ver o Gilbert. Ele me disse que a cirurgia que ele faria iria terminar agora. - Anne disse se levantando da poltrona.
- Ah, creio que está realmente no fim. - Daniel disse, e naquele momento, a porta da emergência se abriu e Gilbert saiu por ela, deixando Anne surpresa ao vê-lo conversando animadamente com Denise. A mão dela estava no ombro dele, e Gilbert ria descontraidamente sobre algo que ela dizia. De repente, Anne sentiu tudo rodar, sua vista ficou escura e ela somente ouviu Cole gritando seu nome, e então mais nada.
Depois de algum tempo, ela abriu os olhos e se viu em uma sala com um litro de soro espetado em seu braço. Gilbert estava sentado ao seu lado e segurava sua mão. No momento em que ele percebeu que ela tinha aberto os olhos, suas feições se iluminaram, e ele disse com seus lindos olhos castanhos preocupados.
- Graças a Deus, você acordou. - Ele deu-lhe um beijo no rosto e Anne perguntou:
- O que aconteceu?
- Você desmaiou, não se lembra? Denise disse que sua pressão baixou. Aposto que nãos e alimentou direito, não é? E por que veio até aqui, amor? - ele perguntou acariciando os cabelos dela.
- Eu queria ver como você estava, e Cole me trouxe porque eu estava tensa demais e não conseguia parar de me preocupar com você. – Ela observou o rosto dele que parecia cansado pelas longas horas que ficara operando, e perguntou:- Como foi a cirurgia?
- Correu tudo bem. Agora temos que esperar alguns dias e fazer novos exames para ver se o problema foi eliminado, e quais serão os procedimentos a partir daí.
- Fico feliz que tudo tenha corrido bem. - Anne disse um tanto tensa ao se lembrar da cena que viu entre Gilbert e Denise. Não tinha sido nada demais, se analisasse bem, mas, havia um sino em sua cabeça tocando incessantemente como se fosse um alerta para que ela tomasse cuidado. Ela tentou abafar a voz em sua mente que não adiava em paz e se concentrou no que seu marido lhe dizia naquele momento.
- Querida, eu adorei que tenha vindo até aqui, mas, eu preferia que tivesse ficado em casa por conta do ambiente estressante que um hospital pode ter para sua condição de grávida. – "Será que foi somente isso mesmo, Dr. Blythe", ela pensou, depois tratou de deixar aquele pensamento absurdo de lado e disse:
- Eu vim até aqui para te dar apoio, e veja só a confusão que eu causei.
- Você não causou confusão nenhuma. Isso poderia ter acontecido com qualquer um. Quer ir para casa agora? - ele perguntou com seu polegar em contato com as bochechas pálidas de Anne.
- Nós podemos? E o Cole? Eu vim com ele.
- Ele ficou até saber notícias suas, e então foi para casa assim que lhe falei que você iria embora comigo, mas, ele prometeu que te ligaria mais tarde.
- Bom, sendo assim, eu quero ir para casa se você não se importa. - Ela disse, tentando não pensar demais no que vira naquele hospital.
- Claro, querida. Vamos para casa agora mesmo.
Gilbert ajudou Anne a ir para o carro andando, pois ela não aceitou quando ele se oferecera para carregá-la no colo. Se Gilbert estranhou sua recusa, ele não disse nada, e assim foram para casa praticamente em silêncio.
Assim que chegaram, Anne tomou um banho enquanto Gilbert preparava o jantar, e logo se sentaram para comerem juntos. Durante a refeição, Gilbert observou Anne com atenção, pensando no que teria acontecido para que ela agisse de maneira estanha aquele dia. Várias vezes quando estavam saindo do hospital, e ele tentara tocá-la, Anne evitara ao máximo ter algum contato com ele, e isso o estava deixando preocupado, pois desde que tinham voltado a namorar, e depois que se casaram, ela nunca evitara um toque seu, pelo contrário. Anne parecia sempre disposta a trocar carinhos com ele, então, Gilbert não entendia o que estava se passando na cabeça dela. Talvez fossem os hormônios da gravidez que estavam influenciando no comportamento de Anne, e tudo o que ele poderia fazer era ter paciência e esperar que aquela fase passasse.
Na hora de dormir, eles se deitaram lado a lado, e Gilbert se aproximou de Anne e a beijou. Ela correspondeu ao beijo, mas, quando ele quis que evoluísse para uma intimidade mais intensa, ela o afastou e disse:
- Hoje não, estou tensa demais. - Mas, na verdade, ela não estava conseguindo se esquecer do sorriso de Gilbert para Denise, e a mão da garota no ombro dele.
- Está bem. - Ele disse parecendo magoado. Assim, ambos se deitaram de lado e acabaram adormecendo. No meio da noite, Anne acordou. E seus olhos pousaram em Gilbert que dormia sem camisa e apenas de cueca. Ela sentiu se desejo por ele se acender, e se sentiu um tola por rejeitar seu marido por conta de um pensamento ciumento bobo. Assim, ela fez um movimento e se deitou sobre ele, tomando os lábios dele com fúria, enquanto ele abria os olhos sem entender o que estava acontecendo.
- Anne, o que...- ele não terminou, pois ela continuou a beijá-lo e depois de um segundo interminável com suas bocas coladas se saboreando quase selvagemente, eles tiveram que se separar e então, Anne disse ofegante:
- Perdoe-me amor. Eu fui uma boba antes. Estou com tantas saudades.
- Está perdoada, desde que me acorde sempre desse jeito. - Gilbert disse sorrindo.
E assim, seus beijos se tornaram urgentes, as mãos corriam por seus corpos sedentas e sem parada. Anne desceu seus lábios pelo peito de Gilbert, enquanto ele a enlaçava pela cintura, fazendo-a entreabrir as pernas pra acomodá-lo melhor, deixando-a ver o tamanho de sua excitação por tantos dias sem um contato mais íntimo além de beijos. Anne também sentia que precisava dele com uma urgência louca, sua intimidade pulsava completamente úmida, fazendo-a desejar seu marido além do que seria considerado algo normal. Porém, entre ela e Gilbert a paixão sempre os levara para bem longe, em um mundo onde a luxúria, a loucura e a necessidade de terem sempre mais um do outro eram o que os guiavam em sua busca incessante pelo prazer selvagem e excitante ao máximo. Mesmo quando ambos pretendiam fazer do amor um ato mais calmo e maleável, acabava se tornando em poucos segundos em um convite para se envolverem mais e mais em seus jogos de sedução e rendição. Por isso, naquela noite, Anne e Gilbert se perderam e se encontraram completamente no corpo um do outro, saboreado cada centímetro de pele, seu sangue fervendo a cada nova carícia, a cada novo movimento, até que fizessem parte um de outro como se um fosse o início e o outro o fim. A união de seus corpos aconteceu no instante em que Anne sentiu que estava quase se queimando viva nas chamas ardentes que Gilbert provocava em seu corpo com lábios e dedos que encontraram todos os seus recantos mais sensíveis sem que ela sequer o instruísse ou guiasse. E então, a explosão de seus sentidos novamente aconteceu, não poupando nada deles, sugando completamente cada energia trocada entre suas peles, e quando Gilbert caiu exausto a seu lado, ela ouviu-o dizer:
- Eu te amo. - E logo em seguida ele adormeceu, enquanto Anne fitava o vazio e pensava, que nada fora diferente na maneira como Gilbert a amara. O sentimento estava lá, o desejo também, e a paixão que os consumira era a mesma desde o início, mas, ainda assim ela se sentia seu coração completamente arrasado, pois algo lhe dizia bem lá no fundo que ela estava perdendo Gilbert, e esse pensamento a fez chorar pelo resto da noite até que o sol nasceu.
-
Notas Finais
E então, o que acharam? Será que o Dr. Blythe está sucumbindo aos encantos da Dra. Denise, ou Anne está imaginando tudo assim como Cole disse que ela imaginou o rapaz observando os dois? Compartilhem suas opiniões. Beijos.
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