Capítulo 32- Flertando com o perigo
Olá, estou postando mais um capítulo. Beijos. Espero pelos comentários.
ANNE
O verão estava quase no fim, e a brisa fresca de outono começava a envolver a atmosfera de Green Gables dando um ar mais aconchegante aquela tarde de domingo , fazendo com que Anne se lembrasse do Central Park em Nova Iorque para onde ela sempre fugia quando queria paz e sossego.
As árvores naquela época ficavam praticamente desprovida de folhas, e seus ramos nus ao invés de encher a cidade de melancolia, parecia que destacavam seu charme natural, atraindo mais e mais turistas.
Em Avonlea tudo parecia encantado. O cheiro das folhas que cobriam o chão, o sol suave que não queimava tanto a pele, e a friagem que chegava com a noite, fazendo com que famílias inteiras se reunissem ao redor da lareira para tomar um bom chocolate quente ou apenas apreciar a companhia um do outro fazia daquela estação uma das mais esperadas do ano.
Anne gostava do outono, embora amasse a primavera e achasse o inverno apenas tolerável. Ela detestava caminhar na neve, e sentir a umidade do ar molhar o seu cabelo dando-lhe a sensação de que nunca estava aquecida o suficiente. E também não apreciava nem um pouco o vento cortante que lhe queimava o rosto e deixava seu nariz vermelho e sensível. Mas, mesmo não sendo fã da estação, não podia deixar de admitir que a neve sempre deixava a atmosfera mais romântica, o branco sobre o telhado das casas e as gotas de orvalho congeladas nas árvores eram um prato cheio para os poetas de plantão. Ela própria se sentia inspirada, mesmo vivendo sua vida louca em Nova Iorque, ela sempre encontrava tempo para um boa xícara de chá que ajudava a esquentar suas noites geladas.
Mas não era sobre as peculiaridades de cada estação que sua mente divagava naquele momento. Havia dois problemas que estavam tirando seu sossego naquele dia. O primeiro era que Josie Pye não aparecera na igreja naquele domingo, e algo lhe dizia que havia alguma coisa errada.
Se fosse qualquer outra pessoa que não tivesse comparecido ao culto ela não se preocuparia, mas desde que eram crianças, Josie não perdia um só domingo, e de todas as amigas ela era a única que levava tão a sério o sermão do pastor quanto levava a leitura do evangelho.
Então, o fato de ela não ter comparecido naquele domingo em especial estava lhe preocupando além da conta. Anne tentara falar com ela nas vezes em que alguma oportunidade se apresentara, mas Josie fugiu dela e evitara qualquer aproximação da ruivinha como se pressentisse sobre o que ela queria lhe falar.
Mas Anne não ia desistir fácil, era teimosa e determinada, e quando metia algo na cabeça ninguém conseguia tirar. Por isso, ela decidira que se Maomé não ia a Montanha, a Montanha iria até Maomé, e faria uma visitinha de cortesia a Josie naquele mesmo dia.
Se sua tia Amélia estivesse ali, com certeza diria que Anne era intrometida demais para o seu próprio bem, mas, Anne simplesmente não conseguia dar as costas para uma amiga em apuros, mesmo que tivesse que colocar sua própria segurança em risco. Ela sabia que não era uma super heroína, e que poderia se machucar no processo, mas a vida lhe ensinara que quando não se arriscava, tinha -se a tendência de não sair do lugar, e as melhores coisa que conseguira para si mesma fora porque não dera muito ouvidos ao seu bom senso, e Gilbert Blythe estava ali para provar essas palavras.
Ao pensar em Gilbert, ela se lembrou qual era seu segundo problema. Gilbert andava tão estranho naqueles dias, e embora ela o tivesse questionado sobre isso várias vezes, e ele simplesmente culpara o trabalho excessivo no hospital, Anne não conseguia acreditar que fosse somente isso. Seu coração lhe dizia que ele estava lhe escondendo algo, e isso a incomodava em demasia.
O pior de tudo era que não conseguia sequer imaginar o que poderia ser. No início pensara que talvez tivesse algo a ver com ela e até perguntara a ele em um dia em que estavam jantando juntos na fazenda de Gilbert.
- Amor, posso te fazer uma pergunta?
- Claro. – ele dissera sorrindo enquanto segurava a mão dela sobre a mesa.
- Você se arrepende de estar namorando comigo? - ela foi direto ao ponto, pois detestava rodeios ou meias palavras.
- Ficou maluca? Você é tudo o que sempre quis. De onde tirou isso? - ele perguntara surpreso.
- Você tem agido tão estranho. Às vezes está aqui, mas parece que seu pensamento viaja para outro lugar. É como se me olhasse e não me visse. – Anne disse com o olhar cheio de mágoa.
- Querida, me perdoe. Não quis deixá-la infeliz. Eu tenho tido muitos problemas no trabalho, alguns casos difíceis que estão me deixando preocupado, mas é só isso. - Anne olhou para ele com o ar ainda empurrado, o que fez Gilbert puxá-la para seu colo, e dizer antes de beijá-la;
- Eu te amo. Nunca duvide do quanto. – E assim seus lábios roçaram os dela, fazendo Anne baixar a guarda e se entregar de vez. Seus braços rodearam o pescoço de Gilbert e ele a levou até o quarto onde provou com suas carícias intensas o quanto tinha sido sincero.
Anne conseguia compreender que ele sendo o cirurgião responsável que era, e apaixonado pela profissão, acabava se envolvendo mais do que deveria com seus pacientes. Mas, tinha algo naquela história que não a deixava completamente convencida de que casos de difíceis solução fossem a única pedra no sapato de Gilbert, só não sabia ainda o que era, mas iria descobrir com certeza.
Ela acabou de lavar os pratos do almoço, e guardou-os no armário de louça de Marilla. Depois deu um jeito na própria aparência, pegou a bolsa, as chaves do carro de Matthew e saiu.
Anne estava dirigindo com mais frequência agora que estava em Green Gables, mas não era algo que realmente apreciasse. Porém, com Matthew ainda convalescente e Jerry abarrotado de trabalho, ela resolveu que ficaria mais independente se ela própria dirigisse o carro ao invés de pedir para que alguém o fizesse por ela.
Por isso, foi até o centro de Avonlea, onde Josie morava com o marido. Não gostava de aparecer sem ser convidada, mas naquele caso, não tinha escolha. Ela pensava que o elemento surpresa era a melhor arma, porém não tinha certeza que Josie iria gostar dela aparecer em sua casa sem nenhum aviso, mesmo assim, Anne queria fazer o que achava certo e disso ela não abria mão.
Ela chegou em frente à casa de Josie e estacionou seu carro. A casa parecia estar deserta, pois não se via nem uma alma viva nos arredores. Será que Josie tinha saído? Bem, tentaria a sorte sem mesmo saber se seria bem sucedida. Anne tocou a campainha e pareceu uma eternidade até que alguém viesse atender. Uma empregada de vestido engomado recebeu Anne, e pediu que ela esperasse na sala, pois Josie estava descansando no quarto e logo desceria. Quinze minutos depois, Josie apareceu. Ela desceu as escadas parecendo nervosa, embora tentasse passar para Anne a imagem da socialite fútil e despreocupada.
- Anne, querida. Que surpresa! Você não avisou que vinha. - ela beijou a ruivinha em ambas as faces, e Anne observou que apesar da fingida calma, as mãos dela tremiam.
- Oi, Josie. Desculpe-me aparecer sem avisar, mas eu estava na cidade e resolvi te fazer uma visita. Você não foi a igreja hoje. Eu fiquei preocupada. - Anne disse observando Josie atentamente. A garota pareceu ficar incomodada, se remexeu um pouco na poltrona, seu olhar se desviou de Anne e ela apertou as mãos nervosa. Depois tentou se recompor e disse com um sorriso forçado:
- Eu estava apenas um pouco indisposta, você não devia ter se incomodado. - o ar tenso dela fez Anne perguntar:
- Josie, o que está acontecendo? Não quer me contar?
- Não tem nada acontecendo. – Josie disse e virou o rosto para a porta parecendo assustada, dando a Anne uma visão completa do seu rosto.
Ela percebeu o hematoma escondido por trás da maquiagem elaborada, e ficou horrorizada ao imaginar tudo no que Josie deveria estar passando. Por esta razão, ela tentou falar com delicadeza, tentando não deixar Josie mais nervosa do que já estava.
- Você está apenas se enganando, pensando que vai melhorar porque não vai. Isso que está vivendo é terrível. Precisa fazer alguma coisa. – Anne disse tentando encorajá-la.
- Não sei do que está falando. - Josie tentou desconversar
- Josie, eu sei o que seu marido faz com você. Por que não o denuncia? - Josie levantou da poltrona em um salto e disse agitada.
- Isso não é verdade,
- Josie, eu posso ver o hematoma no seu rosto, vai negar? - a garota levou a mão ao rosto e pareceu tão pouco à vontade que Anne teve pena dela. Depois, ouviu Josie dizer:
- Vá embora, Anne.
- Querida, eu só quero ajudar. - Anne disse com a voz suplicante.
- Por favor, vá embora. - Josie disse parecendo que ia chorar. Anne ainda tentou insistir.
- Josie, você não pode deixar que seu marido continue te machucando desse jeito.
- Eu não posso. Você não entende. – Ela disse andando de um lado para outro desesperada.
- Então me explique para que eu possa entender.
- Se eu o denunciar, ele acaba com a minha família.
- Ele é tão poderoso assim? - Anne quis saber.
- Você nem imagina. – Josie disse com um suspiro desanimado.
- Mas, temos que fazer alguma coisa. Eu tenho amigos influentes, que talvez possam te ajudar.
- Por favor, Anne. Não faça nada. - Josie implorou.
- Mas, eu não posso deixá-la continuar vivendo assim. Você é tão jovem, tem tanta vida pela frente. - Anne disse indignada.
- Está enganada, minha amiga. Eu já estou morta. - Josie disse com uma voz tão vazia que assustou Anne. A ruivinha quis dizer mais alguma coisa, mas Josie a impediu dizendo:
- Por favor, vá embora. Perdeu seu tempo vindo até aqui. – Josie deu as costas a Anne e subiu as escadas com os ombros curvados, como se estivesse exausta além da conta e de suas forças.
Anne não conseguia acreditar que fracassara ao tentar convencer Josie a denunciar o marido. Não era possível que ela preferisse viver naquela prisão, a encontrar uma saída para os seus problemas.
Anne lhe oferecera a liberdade, e ela recusara por medo do que viria acontecer depois. Ela sabia que muitas vítimas de relacionamento abusivo agiam assim por que eram torturadas psicologicamente diariamente, e não era uma tarefa fácil encontrar um caminho fora daquele pesadelo.
Josie não parecia disposta a fazer algo para sair daquela situação Era como se simplesmente tivesse desistido de tudo fora da gaiola dourada que a prendia naquela casa.
Enquanto dirigia de volta a Green Gables, Anne continuava pensando no problema de Josie. Devia ter uma solução e ela a encontraria. Não podia simplesmente ignorar o sofrimento da garota e seguir em frente. Josie merecia uma vida digna como todo mundo, e mesmo que ela não quisesse a ajuda de Anne, ela a daria assim mesmo. Se recusava a ver Josie naquela situação por mais tempo. Ela decidiu que falaria com Gilbert sobre suas preocupações. Quem sabe ele não pudesse ajudá-la com alguma ideia.
Sentindo-se mais confiante-, Anne pisou um pouco mais fundo no acelerador, admirando o final de tarde que parecia se despedir do sol com um beijo.
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