Capítulo 100- Garota Extraordinária
Olá, pessoal, Desculpem-me a demora do capítulo. Espero que gostem e me deixem seus comentários. Obrigada por tudo. Beijos.
GILBERT
O líquido vermelho entre seus dedos só podia significar uma coisa. Anne estava ferida, e ele precisava levá-la para o hospital, mas, o choque parecia ter paralisado seus reflexos mais imediatos, pois Gilbert olhava para a mulher em seus braços que não emitia nem um som, pois tinha desmaiado e seu desespero se tornou maior.
Ele nem percebeu que Peter Bells tinha ficado parado no mesmo lugar, com a arma ainda em mãos, porém o cano dela estava virado para o chão enquanto ele próprio observava a cena de Gilbert amparando Anne, como se não acreditasse no que acabara de fazer. Os seguranças do hospital chegaram correndo, pois o barulho do tiro atraíra sua atenção. Peter foi rendido, enquanto a polícia era chamada, e também o socorro para Anne que chegou em menos de cinco minutos devido a gravidade da situação.
Tudo aquilo Gilbert não percebeu, pois seus pensamentos viajavam de Anne para os bebês. Ele sabia que tinha que tomar uma atitude, mas, seu corpo se recusava a reagir, enquanto uma sensação horrível o fazia o pensar que estava perdendo as três pessoas que mais amava naquele mundo. A ambulância foi estacionada bem ao lado de onde Gilbert estava sentado no chão com a cabeça de sua esposa em seu colo. Um enfermeiro se aproximou e disse:
- Dr. Blythe? Precisamos levar sua esposa para o hospital.- Gilbert começou a chorar incapaz de deixar que a tirassem de seus braços, pois era como se a deixasse ir, ele a perderia de vez. Com muito custo, Anne foi colocada na maca dentro da ambulância, e Gilbert foi junto com ela, segurando em sua mão e rezando para que chegassem a tempo. Ele não sabia ainda da gravidade do tiro que ela levara, mas, imaginava que pelo local onde ela fora atingida, o ferimento não era algo simples. O que o preocupava era a palidez excessiva de Anne que parecia piorar a cada segundo, e tinha ainda a vida dos bebês para considerar.
Eles chegaram ao hospital rapidamente, pois felizmente o estacionamento onde a tal fatalidade acontecera ficava bem próximo a recepção principal, assim Anne foi encaminhada para a emergência. Por ser a ginecologista de Anne, Gabriela foi chamada e Daniel veio junto para tentar entender o que tinha acontecido. Quando chegaram a recepção, eles encontraram Gilbert completamente desnorteado, e ele lhes contou tudo o que tinha acontecido.
- Meu Deus, Gilbert. Os bebês!- Gabriela disse sentindo a tensão de seu amigo aumentar. Até aquele momento, ele evitara de pensar muito em seus dois cristaizinhos, que assim como a mãe deles estavam lutando pela vida. Mas, agora, com a realidade sendo cruelmente exposta na sua cara, ele não podia mais ignorar aquilo, e sua dor foi tanta que tornava-se até difícil de respirar.
- Calma, amigo. Vamos fazer de tudo para salvá-la e aos bebês.- Daniel disse ao ver o rosto quase cinzento do amigo piorar a cada segundo.
- Você sabe que teremos que fazer um parto prematuro ou os bebês poderão morrer.- Gilbert assentiu, e ela continuou.- Vou para a sala de emergência agora mesmo.- ela disse deixando Gilbert em companhia de Daniel.
Um minuto depois, um dos médicos que estava cuidando de Anne apareceu e disse a Gilbert:
- Dr. Blythe precisamos de sua experiência nesse caso. Peço que me acompanhe até a sala de cirurgia.- Gilbert olhou para Daniel com os olhos assustados sem saber o que responder. Ele não podia se recusar a ir ver o paciente, pois ele como cirurgião do hospital tinha por obrigação usar de toda sua experiência para salvar a vida de quem quer que fosse. Contudo, a paciente em questão era o amor de sua vida, a mãe de seus filhos , e ele não sabia se tinha controle emocional para participar da cirurgia da retirada da bala da região atingida. Em completa agonia, ele perguntou ao amigo:
- O que eu faço, Daniel?
- Você quer que eu vá em seu lugar? Minha experiência é em cardiologia, mas, trabalhei como cirurgião por muito tempo.
- Não seria permitido, já que o cirurgião principal desse hospital sou eu.- Gilbert disse desolado. Ele confiaria a vida de Anne a Daniel se pudesse, pois conhecia a capacidade e comprometimento do amigo acerca dos pacientes que cuidava, mas, naquele caso, ele sabia que tudo dependia dele, por isso, ele respondeu:
- Vou me preparar.
- Se precisar de suporte, eu estou aqui.- Daniel disse colocando uma mão no ombro de Gilbert como apoio..
- Obrigado.- Foi tudo o que ele disse antes de se encaminhar para a sala de preparação.
Ele vestiu seu jaleco, luvas, máscara e toca, lavou as mãos e rosto com cuidado, enquanto examinava seu próprio reflexo no espelho. Sua expressão estava tão abatida quanto seus olhos se mostravam preocupados. Ele nunca se sentia inseguro antes de uma cirurgia, pois sempre se preparava para cada uma delas com antecedência, mas, para aquela cirurgia, ele não tivera chance de sequer pensar sobre, e dela dependia a vida de sua esposa e filhos, e não podia errar de forma nenhuma. Respirando fundo, ele foi para a sala de cirurgia onde Gabriela já se preparava para fazer o parto dos bebês, e depois levá-los para o berçário especialmente preparado para receber e cuidar de crianças prematuras.
Ela o olhou tristemente ao vê-lo entrar, e disse:
- Ainda bem que está aqui. Anne queria tanto que você participasse do parto.- Gilbert balançou a cabeça, sentindo uma batida em seu coração falhar ao olhar para sua ruivinha tão linda e tão pálida deitada naquela mesa de cirurgia onde ele não esperava vê-la em uma situação tão complicada.
Assim, Gabriela começou seu trabalho, e Gilbert apenas acompanhou todo o processo, com sua garganta apertada e seu peito quase explodindo de apreensão. Os bebês tinham que nascer vivos ou Anne ficara arrasada assim como ele. Tinham sonhado demais com os gêmeos, para perdê-los assim pela estupidez de um psicopata que felizmente fora preso, mas, isso não devolveria a Anne a alegria de viver caso um ou ambos de seus bebês perecessem naquele processo doloroso.
Ele sabia o quanto realizar um parto naquelas condições era perigoso para as crianças, e principalmente para a mãe, mas, Gilbert confiava em Gabriela, e sabia que ela daria o seu melhor para que tanto Anne quanto os bebês ficassem bem. Assim, a médica trabalhou contra o relógio, pois cada segundo perdido era precioso. Anne ainda teria que passar por outra cirurgia delicada, e Gilbert seria o responsável por ela. Dentro de si mesmo, ele estava morrendo de medo, pois ele estava tão nervoso que suas mãos chegavam a tremer, um mal sinal para um cirurgião como ele que sempre tivera firmeza em seus dedos para realizar qualquer cirurgia por mais complicada que fosse. Ele se especializara em casos difíceis, e saber que poderia reverter um quadro considerado impossível em um paciente era o que o estimulava, mas, ele nunca tivera que realizar algo assim em um ente querido, e era a primeira vez que encarava tamanha insegurança.
Ele tentou afastar seu temor, enquanto se concentrava no parto de Anne. Ele queria tanto que ela estivesse consciente para viverem juntos aquele milagre. Gilbert apostava na ciência, e ainda mais em Gabriela que naquele instante estava a ponto de trazer o primeiro filho dele ao mundo. Mais cinco minutos haviam se passado, então Gilbert ouviu um choro fraquinho, e seu coração se acelerou, enquanto seus olhos marejavam de alívio, e alegria.
- Venha até aqui, Dr. Blythe , conhecer seu filho John.- Gabriela disse, e Gilbert se aproximou, e as lágrimas transbordaram quando ele pegou seu bebezinho no colo, e viu a penugem ruiva enroladinha como caracóis no topo da cabecinha pequena. Gilbert verificou que todos os dedinhos dos pés e das mãos eram perfeitos, apenas a cor dos olhos ainda não daria para ver, pois John mantinha-os fechados. Gilbert deu-lhe um beijo carinhoso na testa, e o devolveu para a enfermeira que o levaria para o berçário naquele instante.
Não demorou muito, e um outro choro baixinho se fez ouvir e o coração dele se emocionou, fazendo-o chorar pela segunda vez quando ele pegou Sarah no colo. A penugem dela era castanha assim como o cabelo dele, e não era encaracolada como a de John. Ela era tão pequenininha que Gilbert sentiu vontade de mantê-la em seus braços para sempre. Assim como John, todos os seus dedinhos eram perfeitos e a pele clarinha lembrava muito a de Anne, assim como as duas pintinhas em seu pescoço eram a cópia das de Anne que as tinha no mesmo lugar de seu corpo. Gilbert olhou para Anne totalmente inconscientes, e teve vontade de chorar ainda mais. Seus dois bebezinhos tinham acabado de vir ao mundo, e ela não pudera participar do nascimento de nenhum dos dois.
- Agora é com você, meu amigo.- Gabriela disse, assim que terminou de cuidar de Anne.- Eu vou realizar todos os exames que preciso nos recém nascidos, e espero que você tenha também uma cirurgia de sucesso. – Gilbert apenas a olhou agradecido, pois falar naquelas condições era impossível. Ele seguiu com os olhos seus dois bebês serem retirados da sala de cirurgia, e sua equipe que o acompanhava em todos os seus procedimentos médicos tomou o lugar da de Gabriela esperando pelas instruções que ele como cirurgião lhes daria.
Assim, ele respirou fundo, e tentou esquecer que a mulher deitada naquela sala era sua esposa a quem amava desde seus onze anos, e começou o trabalho lento da retirada da bala que se alojara perto da medula de Anne. Eu começou a suar frio ao ver o local delicado ao qual teria que operar, e rezou para que suas mãos fizessem o trabalho de maneira segura, pois qualquer movimento errado poderia levá-lo a causar uma lesão permanente acabando com as chances de Anne voltar a andar. Diferentemente de Gabriela, Gilbert teve que trabalhar mais devagar, pois o local da cirurgia era bastante delicado. O suor se formava em sua testa, e sua enfermeira assistente a enxugava de tempos em tempos, enquanto sua concentração era toda no machucado feito pela bala.
Duas horas haviam se passado, e embora do lado de fora, Gilbert aparentasse sua costumeira calma em situações assim, em seu coração havia uma agonia que ele tentava a todo custo afastar. Ele não podia se desesperar, pois a vida de Anne estava em suas mãos, e elas deveriam ser precisas, sem erros, sem vacilos, sem inseguranças. Mais uma hora se passou, e enfim, ele conseguiu achar a localização exata da bala, e levado por sua intuição, ele trabalhou naquela região com afinco. O cansaço era seu inimigo, mas ele o combateu com determinação, pois ele só descansaria quando tivesse retirado a bala de seu esconderijo, e Anne estivesse fora de perigo.
Então, finalmente, Gilbert conseguiu, e a bala foi exterminada do organismo de Anne. Ele respirou aliviado, ao ver o pequeno fragmento em sua pinça de trabalho, e se perguntou como algo tão pequeno poderia causar tamanho estrago. Em seguida, ele começou a tarefa de suturar e limpar o ferimento. Seu olhar não perdia o foco, enquanto o seu coração chamava por Anne a todo o momento. Gilbert desejava que ela abrisse os olhos, e ele pudesse ver aquelas duas joias azuis que o encantavam desde o dia em que se conheceram, e vivera por ela desde então. Porém, ele sabia que isso demoraria acontecer, pois Anne estava sobre o efeito poderoso da anestesia, e só realmente acordaria quando o remédio perdesse sua eficácia, e isso ainda duraria por horas.
Ele deu o último ponto, fechando de vez o corte que fizera para a retirada da bala. Seu trabalho fora terminado com sucesso, agora começaria a agonia da espera para que ela acordasse. Gilbert deu uma última olhada para a mulher de sua vida, enviando a ela mentalmente todo o seu amor, deixando-a nas mãos de sua equipe, e depois caminhou até o berçário de prematuros, para observar melhor seus dois tesouros.
Eles estavam cada um em um berço, e o rapaz se aproximou ansioso para olhar novamente para seus rostinhos perfeitos. Ambos tinham a pele branquinha, e seus traços eram uma mistura dele e de Anne, e eram tão lindos, que Gilbert desejaria poder ficar ali observando-os para sempre, pois mal podia acreditar que aquele dois anjos maravilhosos lhe pertencessem. Sarah bocejou, fazendo Gilbert rir pela primeira vez durante toda aquela tragédia, e foi nesse minuto que ele se agarrou a esperança de que tudo acabaria bem.
ANNE
O sono era imenso, e ela não conseguia abrir os olhos por mais que tentasse. De repente, ela se viu em um labirinto, muito parecido com aqueles de seus sonhos, a diferença era que agora era real e ela tinha que cumprir todo o trajeto e escolher o caminho certo se quisesse sair dali. Ela chamou por Gilbert, e recebeu em resposta o silêncio, e assim, ela caminhou a passos largos, em busca de algo que lhe indicasse que estava indo na direção certa para fugir daquele emaranhado de portas, espelhos e curvas.
Anne manteve seu olhar no corredor à sua frente, e logo conseguiu enxergar uma luz que parecia atraí-la irresistivelmente, e foi para lá que correu na esperança de encontrar sua liberdade. No entanto, o que encontrou foi uma tela enorme, onde sua vida foi sendo mostrada desde o dia em que fora adotada por Matthew e Marilla.
Ela se viu garotinha ainda, aos nove anos, magrinha e de cabelos ruivos presos em duas tranças adoráveis, olhando assustada para a enorme fazenda, pois nunca tinha estado em um lugar tão grandioso assim. A próxima imagem foi seu primeiro dia na escola, quando seu olhar se cruzara com o de Gilbert e ele viera em seu socorro no momento em que se sentia desesperada por conta dos livros estragados por Billy Andrews, e ele lhe dissera com a aquela voz suave:
- Vai ficar tudo bem, Confie em mim.- e então seus dedos entrelaçaram nos dela, e Anne soube naquele instante que confiaria a ele sua vida, porque ali estava alguém que lutaria por ela se fosse preciso, que a protegeria da maldade de qualquer um que quisesse magoá-la de alguma maneira.
Outras imagens se sucederam a essa como a chegada da adolescência, as novas descobertas, principalmente sua paixão não mais fraternal por Gilbert, a alegria ao saber que ele também já não a olhava mais como irmã, seu envolvimento e depois a decepção que tivera antes de ir embora para Nova Iorque. Nesse ponto de suas lembranças, Anne começou a chorar, porque se recordava bem da dor de deixar Green Gables, seus amigos, e adentrar um mundo do qual não conhecia absolutamente nada. Fora uma época de adaptações difíceis, a aceitação de que sua vida dourada no campo tinha se acabado, e ela teria que se acostumar com uma parente que nunca tinha visto na vida, adotar comportamentos que não eram os seus, fazer novos amigos que fugiam completamente de sua realidade antiga, e tentar se esquecer do único garoto que além de seu companheiro para tudo, também fora seu primeiro e único amor,
Após um tempo relativamente grande, Anne conseguira se encontrar em meio a tantas novidades. Ela passara a ver que sua tia Amélia não era uma pessoa ruim, só não estava acostumada a ter uma adolescente em casa, porém lhe proporcionara tudo de melhor, e quando Anne fora para a Faculdade, ela se aposentara dos negócios da família.
As imagens continuaram desfilando diante dos olhos de Anne que se viu presa ao seu passado não tão distante. Era como assistir a vida de outra pessoa, e estar envolvida sentimentalmente em tudo, sentindo as mesmas emoções da época, e conseguindo absorver cada parte delas com o real significado que tiveram em sua vida. Por alguma razão, aquilo tudo estava lhe sendo mostrado como uma recapitulação do que fora sua existência até ali.
Ela assistiu seu primeiro desfile, como o sucesso estrondoso chegara em pouco tempo, deixando-a assustada a ponto de causar-lhe imenso temor. A necessidade de se afastar de tudo por um tempo, quando a saudade de Green Gables se tornara maior que sua fama e dinheiro, fazendo-a voltar correndo para casa, onde novamente encontrara o abraço reconfortante de Matthew, o amor maternal de Marilla, e sua cerejeira maravilhosa que parecia ter ficado a sua espera todos aqueles anos em que tivera que se manter longe.
E então, o reencontro com Gilbert, e o medo que tivera de se render à beleza daqueles olhos castanhos que continuavam exatamente iguais como ela se lembrava. O primeiro beijo que trocaram no dia de sua festa, e como quase se entregara a ele e ao seu poder de sedução. Como tentara fugir de seus sentimentos depois disso, e por fim acabara cedendo, pois seu coração o amava mais do que sua mente o odiava. E assim, sua primeira vez com ele aconteceu, e tinha sido muito mais do que imaginara, era como se tivessem sido feitos para se encaixarem perfeitamente, e depois disso, seu namoro com ele se tornara extremamente intenso, e ela nunca se sentira tão feliz.
Contudo, as tristezas também vieram, destruindo sua felicidade recente. Gilbert fora para a Alemanha, apesar dos protestos de Anne, e nessa parte a história da sua vida, ela começou a soluçar, pois a dor ali era bem real. No entanto, ela sabia admitir que fora dura demais com Gilbert, pois não soubera entender a importância do que ele estava fazendo. A única coisa que pensara na época era que ele trocara o amor deles pelo trabalho, e que como sempre, ela fora colocada em segundo plano, mais uma vez. Em nenhum momento ela pensara no quanto a sacrifício de Gilbert estava custando a si mesmo, e quando ele voltara, Anne apenas destilara sua mágoa sobre ele, tentando pagar na mesma moeda com seu noivado com Francesco, e condenara dois corações destinados a ficarem juntos a uma solidão desnecessária.
Anne enxugou as lágrimas, e se concentrou nas próximas imagens, onde ela podia ver claramente as ameaças que sofrera por meio de mensagens anônimas, antes de saber quem eram realmente os autores dessa monstruosidade. Porém, não fora apenas um período tenso ou de incertezas, pois foi a partir desse momento que ela e Gilbert voltaram a se aproximar, e o amor explodiu novamente entre eles, e entre tanta insegurança e medo do futuro, ela encontrara nele a esperança de dias melhores, de um futuro juntos, e sonhos de uma família que construíram na luz daquele sentimento imenso que só cresceu com o passar do tempo.
Logo veio o pedido de casamento de Gilbert, o seu sequestro, os quatro dias em que ficara isolada, pensando que nunca mais veria o homem de sua vida, chorando lágrimas de tristeza pelo seu amor não totalmente concretizado, mas, então, ele a salvara, e Anne fez a descoberta mais incrível de sua vida que fora sua gravidez, e depois disso, ela tinha apenas boas lembranças, com um ou outro aborrecimento, que culminara com outra descoberta incrível, ela seria mãe de gêmeos, e assim tanto sua felicidade quanto a de Gilbert fora completa.
Eles se casaram em uma cerimônia maravilhosa e partiram para uma viagem de lua de mel perfeita. Se ela pudesse dizer o que foram todos aqueles dias com Gilbert, ela diria que nunca pensara que a vida pudesse ainda ser mais bonita ou melhor do que tinha sido até então. Ela tivera tudo o que desejara, pois Gilbert se empenhara para isso, e Anne sabia que nunca encontraria alguém que a amasse com tanta paixão, assim como ela o amava e amaria até que nenhuma vida restasse no seu corpo.
Foi então que uma imagem surgiu na tela , e ela se viu em uma mesa de cirurgia, porque estava ali, ela não sabia, mas, podia ver o rosto de Gilbert triste e marejado de lágrimas como nunca vira antes. Seu coração se contraiu, e ela estendeu a mão para tentar apagar o sofrimento daquele rosto tão amado, mas, sabia que não conseguiria tocá-lo dali. As imagens sumiram, e ela perdeu a conexão que tivera com todas as lembranças que a levaram para seu passado longínquo, e a transportaram de novo para o seu presente mais recente, e ela se viu sozinha novamente no mesmo corredor de portas obscuras, e de pouca iluminação.
Assim, ela continuou sua caminhada, pensando em tudo que havia revivido naqueles últimos instantes. Era como ter vivido novamente cada pedacinho de sua história, e entendeu que cada parte experienciada, feliz ou triste construíra o caráter e a força que ela tinha agora, e Gilbert fora extremamente importante em cada uma delas com sua presença ou ausência, ele lhe ensinara o real significado do amor, da entrega, do companheirismo, de se dar a cada instante o valor verdadeiro , deixando o arrependimento de lado, sabendo que em cada dia que nascia lhes dava uma nova oportunidade de viver mais plenamente aquele amor que os acompanhava desde que eram ainda tão jovens e não sabiam do que eram capazes de sentir um pelo outro.
Anne parou um instante. Ela estava cansada demais, e quase desfalecia, pois seus pés estavam pesando naquela caminhada sem fim, mas algo lhe dizia que se teimasse em se sentar, ou tirar ou um cochilo jamais acharia o caminho de volta para Gilbert. Ela precisava encontrá-lo e lhe contar tudo o que descobrira naquele breve momento de divagação, ela precisava agradecê-lo por estar em sua vida, e por ter dado a ela tanto que ela até sentia transbordar dentro do seu coração. Então, ela ouviu a voz dele em sua cabeça, e respirou fundo para retê-la dentro de si enquanto ele lhe dizia:
- Eu te amo, anjo ruivo. Volta para mim.
Anne queria voltar, mas, estava tão difícil caminhar mais alguns passos. Ela sabia que Gilbert esperava por ela, e seus bebês também. Ela baixou o olhar, e percebeu que sua barriga estava lisa, e não havia mais aquele volume que ela carregava a sete meses, e o qual gostava de acariciar, e falar com seus cristais, pois tinha certeza de que eles a escutavam, pois sempre lhe respondiam com o suave movimento em seu ventre.
O desespero tomou conta dela quando compreendeu que eles não estavam mas ali. O que teria acontecido? Quem os roubara dela? Ela queria seus filhos de volta, precisava encontrá-los, porque não poderia reencontrar Gilbert de mãos vazias. Ele também amava aqueles bebês, eram partes de ambos, eram tudo o que desejavam, e ela simplesmente não podia perdê-los de jeito nenhum. Ela tentou abrir uma porta, mas, estava trancada, assim como todas as outras que encontrou pelo caminho. A voz odiosa de Peter Bells dentro de sua cabeça a incitava a desistir, dizendo que ela nunca mais encontraria seus bebês e que por isso Gilbert a odiaria pelo resto de seus dias. Sua agonia aumentou, ela quase não enxergava o caminho que estava percorrendo, pois suas lágrimas eram tantas que impediam que ela conseguisse ver com clareza cada parte daquele corredor que parecia cada vez mais longo e solitário. Ela tentou correr, mas tropeçou e caiu, e teve que fazer um esforço sobre humano para voltar a se levantar. Peter não ia vencê-la de jeito nenhum. Ali, ela não tinha Gilbert para protegê-la, mas, tinha o amor pelo seus filhos que era a emoção mais poderosa do mundo, e por eles ela lutaria com um leão se fosse preciso para tê-los de volta. Então, ela correu o que seu fôlego permitiu, e quanto mais corria mais sentia que tinha encontrado o percurso correto. Foi então que ela ouviu dois choros fraquinhos que não pareciam estar muito longe, e apesar de estar no fim de suas forças, Anne continuou a passos mais lentos, mas, sem pensar um só minuto em desistir. Seus bebês precisavam dela, Gilbert precisava dela, e ela não os deixaria nem que Peter Bells aparecesse em sua frente para impedi-la de chegar até onde necessitava. E quando virou uma curva do corredor, ela viu uma porta que se abriu para ela e uma luz imensa clareou seus pensamentos, e ali ela soube que tinha encontrado o caminho para sua liberdade.
GILBERT E ANNE
Gilbert lavou seu rosto pela milésima vez naquele dia. Ele estava exausto, pois já tinham se passado duas horas da cirurgia de Anne, e quatro do fim de seu turno, mas, ele simplesmente não conseguia ir para casa. Ele queria estar perto de Anne e dos bebês, a quem ele não parara de visitar depois que saíra da sala de cirurgia. Cada um à sua maneira era tão parecido com Anne, principalmente John que tinha a mesma cor de cabelo de sua ruivinha. Ela tinha que acordar logo para ver a benção que tinham recebido, apesar da quase tragédia que Peter Bells causara, eles tinham ganhado aquele presente lindo, que chegara adiantado dois meses.
Gabriela dissera que estava tudo bem com eles. Os exames acusaram todas as funções normais, e teriam que ficar no hospital até ganharem peso suficiente para poderem ir para casa. Gilbert ficava imaginando a expressão de sua esposa ao ver aqueles dois pedacinhos de gente perfeitos, ele mesmo não conseguia tirar os olhos deles, mas, esse fato tão lindo não tirava sua preocupação com Anne. Ele sabia o que ela teria que enfrentar durante seu período de recuperação, porém, não sabia como ela aceitaria sua própria situação. No entanto, ele estaria do lado dela a cada minuto, a cada hora e cada dia, e com seu amor e dedicação, ele a ajudaria a voltar a ser feliz como havia sido até ali.
Ela salvara a vida dele, pois a bala que ela recebera tinha sido destinada a ele, e só de pensar nisso lhe tirava o fôlego. Gilbert sabia que Anne o amava, mas, não que o amor dela fosse tão grande para arriscar sua vida e as dos bebês para impedir que ele fosse ferido. Aquele ato fora tão grandioso que ele sozinho não conseguia mesurar a extensão do que Anne fizera, mas, do que ele realmente tinha certeza era que o seu amor por ela tinha crescido imensamente naquelas últimas horas ao constatar que ela era ainda mais extraordinária do que ele pensara.
Gilbert foi até a sala dos médicos, onde sempre havia café quente, e logo que se serviu de uma xícara, Gabriela e Daniel entraram, e ao vê-lo ali, eles se aproximaram para lhe dar o seu costumeiro apoio:
- Como você está?- Gabriela perguntou, colocando uma mão no ombro de Gilbert.
- Estou cansado.- ele respondeu apertando as têmporas.
- Por que não vai para casa descansar um pouco? Você está dentro desse hospital a mais de dezesseis horas. É tempo demais, Gilbert.- Daniel disse, preocupado com o estado do amigo.
- Eu não posso ir para casa. Anne ainda não acordou, e eu não quero ficar longe dos bebês.
- Você sabe que ainda vai levar horas para que ela acorde, e os bebês não vão a lugar nenhum. Portanto, você pode ir para casa dormir um pouco, e comer uma refeição decente.- Daniel disse com firmeza, mas, Gilbert protestou ao dizer:
- Não posso, Daniel. E se a Anne acordar e precisar de mim? – ele disse já com os olhos lacrimejando. Não suportava a ideia de deixá-la mesmo que fosse por apenas algumas horas.
- Nós estaremos aqui para cuidar dela. Vá para casa, Gil. Tome um banhe, descanse, e volte inteiro para sua esposa. Nós dois sabemos que ela vai precisar de todo o seu apoio e amor quando acordar.- Gabriela disse, e Gilbert concordou com a amiga com relutância e pediu:
- Você promete que se ela acordar antes de eu voltar, você me avisa? Não quero deixá-la um minuto sozinha.
- Eu prometo, Gilbert. – Gabriela disse dando-lhe um abraço carinhoso.- Vai tranquilo e eu cuidarei dos cristaizinhos também, como se fossem meus filhos.
- Obrigado.- ele agradeceu e saiu da sala, porém antes de ir para casa, ele passou no quarto de Anne, deu-lhe um beijo na testa e disse:
- Fique boa logo, meu amor. Eu volto daqui a pouco.- ele se inclinou, e beijou-a na testa enquanto ela continuava a dormir como se nada do mundo exterior pudesse alcançá-la.
Ele também foi até o berçário pela última vez, e se despediu de seus bebês. Eles também estavam dormindo, e uma ternura imensa tomou conta do coração dele quando disse:
- Papai vai sair um pouquinho e volto logo. Quem sabe mais tarde, a mamãe não possa vir até aqui visitar vocês também. Ela está louca para conhecê-los, e ama você muito assim como eu.
E então, ele saiu do berçário e foi para casa, e quando chegou no apartamento, ele sentiu a ausência de Anne pesar. Ela era a rainha daquele lugar, e sem ela nada tinha graça. Era como se a luz maior de cada cômodo tivesse se apagado, e era triste demais ficar ali sozinho. Mesmo assim, ele tomou uma ducha rápida, comeu um sanduiche natural, pois estava sem paciência para cozinhar, e depois foi direto para o quarto onde ele tentou ignorar o perfume de Anne que ele adorava impregnado nos lençóis, e dormiu no mesmo instante em que deitou a cabeça no travesseiro, sucumbindo finalmente ao cansaço extremo que estava sentindo.
Duas horas depois, ele acordou assustado, sem se lembrar direito de onde estava, porém, após dois segundos de reconhecimento, Gilbert entendeu que estava em casa, e se levantou indo novamente para a cozinha onde dessa vez ele preparou para si mesmo uma sopa instantânea. O Dr, Phillips ligou querendo saber como ele estava, e oferecendo-lhe mais uma vez todo o apoio do hospital para a recuperação de Anne e o desenvolvimento saudável dos bebês. O rapaz agradeceu comovido, compreendendo que tinha encontrado uma segunda família naquele hospital que sempre o acolhera tão bem, e que Anne e os bebês seriam muito bem cuidados pelo tempo em que permanecessem ali.
Gilbert olhou no relógio, e percebeu que estava a três horas fora do hospital, e queria voltar para lá o quanto antes, por isso, ele se vestiu apressado, e dirigiu até o centro da cidade, tentando chegar lá o mais rápido possível. Felizmente o movimento aquela hora ainda era pequeno, e por esta razão, ele demorou menos tempo para alcançar o edifício do hospital. Ao entrar na recepção, Daniel estava lá assinando um prontuário, e deixou o que estava fazendo para falar com o amigo que ainda parecia ansioso.
- Sua aparência está bem melhor.- ele disse com um sorriso.
- Obrigado. Como a Anne está?
- Por enquanto tudo tranquilo. Ela ainda não acordou, mas, isso deve acontecer a qualquer momento.
- E os bebês?- ele perguntou ansioso.
- Então ótimos. Gabriela está cuidando deles, não se preocupe.
- Vou dar uma olhada neles, e depois vou ficar fazendo companhia a Anne. Hoje é meu dia de folga., portanto, não tenho compromisso nenhum, a não ser cuidar da minha esposa.
- Eu fico admirado com o quanto você ama essa mulher.- Daniel disse encarando Gilbert seriamente.- Eu nunca vi um marido tão dedicado quanto você.
- Ela salvou minha vida, Daniel. Consegue imaginar isso? Se Anne não tivesse entrado na minha frente, aquela bala teria me atingido direto no coração. Eu nunca pensei que pudesse amá-la mais do que já amava, porém, eu descobri que meu amor por ela é infinito. Por isso, eu não posso perdê-la de jeito nenhum.- só de pensar nessa possibilidade, seu peito parecia querer gritar de agonia.
- Isso não vai acontecer, Gil. Você fez um excelente trabalho também. Confesso que cheguei a duvidar de que conseguiria devido às circunstâncias, mas, preciso enaltecer sua coragem e auto controle. Eu não sei se no seu lugar eu teria o mesmo sucesso.
- Eu fiz o que tinha que fazer, e Graças a Deus deu tudo certo.
- E tenho certeza de que daqui para frente vocês vão ser muito felizes e terão a paz que merecem.
- Obrigado, Daniel. Vou ver minha esposa e filhos agora.- Daniel assentiu, e Gilbert caminhou para o berçário. Quando chegou lá, Gabriela estava verificando a temperatura dos bebês e orientando a enfermeira que estava ali para cuidar deles sobre qual seria a alimentação das crianças.
- Como eles estão?- Ele perguntou observando-os dormir.
- Eles estão muito bem. Estamos ministrando um leite especial até que Anne possa alimentá-los.
- Ela estava tão ansiosa por isso, e me disse várias vezes que alimentar um bebê com o leite materno era criar uma conexão ainda maior com ele do que quando está no útero.- Gilbert disse se lembrando de todas as vezes que sua conversa com ela fora sobre os bebês.
- E ela tem razão. A amamentação além de manter os bebês saudáveis, cria uma comunicação entre mãe e filho que muitas vezes dura a vida toda, que é bem diferente da conexão que criam com os pais.
- Isso é lindo.- Gilbert disse, desejando mais uma vez que Anne estivesse ali com ele.
- É maravilhoso.- Gabriela concordou.
- Vou para o quarto dela ver como ela está. Hoje eu não saio daqui enquanto não puder falar com ela.- ele disse suspirando.
- A saudade deve estar grande, não é?
- Imensa. Você não sabe o quanto.- Gilbert disse saindo do berçário e indo para o quaro de recuperação de Anne.
Quando, ele chegou lá, ela ainda dormiu, mas sua respiração estava regular, e ela parecia estar com uma expressão mais serena do que antes. Ele se sentou ao lado dela, segurou a mão direita dela entre as suas, e esperou pacientemente que ela voltasse a si. Tinham se passado exatos trinta minutos quando Anne começou a abrir os olhos, fazendo Gilbert suspirar de alívio, e ele quase chorou quando ouviu-a dizer baixinho:
- Gil.
- Estou aqui, meu amor.- ele disse, sentando na cama ao lado dela sem soltar-lhe a mão.
- O que aconteceu?- ela perguntou parecendo confusa.
- Não se lembrar de nada?- ele perguntou, sabendo que em casos assim a perda de memória temporária era normal. Anne fez um esforço para se lembrar, e então ficou agitada quando disse:
- Peter Bells!
- Calma, ele está preso. Não precisa ficar nervosa. Você está segura agora.- ela pareceu se acalmar, mas, então quando colocou as mãos em seu ventre e percebeu que a elevação dos bebês não estava mais ali, ela disse desesperada;
- Onde estão meus bebês, Gil?- ela começou a tremer sem perceber como se tivesse febre, e o jovem médico a abraçou com carinho e disse:
- Eles nasceram , meu bem. Por conta do tiro que você levou, tivemos que fazer um parto prematuro.
- Eles nasceram?- Anne perguntou entre maravilhada com aquela notícia e decepcionada por não ter vivido aquele momento junto com Gilbert.
- Sim, eles são tão lindos, meu amor. John tem o cabelo ruivo e Sarah tem o cabelo castanho. Ambos são branquinhos como você, mas, a cor dos olhos ainda não dá para ver, porque são muito novinhos.- Gilbert disse, enquanto lágrimas de alegria escorriam pelo rosto de Anne, que Gilbert ia enxugando com seu polegar.
- Eu quero vê-los.- ela pediu apertando a mão de Gilbert.
- Você ainda não pode se levantar. Acabou de sair e uma cirurgia e precisa fazer repouso.
- Só um pouquinho, Gil. Preciso vê-los.- ela disse aflita.
- Você irá vê-los, mas não agora. Ainda precisamos conversar sobre sua cirurgia. Existem alguns pontos e protocolos que preciso te explicar.- ele disse, tentando conter a agitação de Anne.
- Isso tudo pode esperar mas, não os meus filhos. Eu os carreguei por sete meses, e tenho direito de ver o rostinho deles.- ela disse chorosa.
- Ninguém vai te negar esse direito, amor. Assim que puder, eu mesmo vou te levar até eles.- o rapaz disse, tentando fazer com que sua esposa ficasse deitada, mas, ela insistia em querer se levantar. Em um dado, momento, ela tentou mexer as pernas e não conseguiu, fez uma segunda tentativa, uma terceira, e nada, suas pernas pareciam pesadas como chumbo. Ela olhou para Gilbert que a encarou com apreensão e perguntou chorando:
- Gil, por que não consigo sentir as minhas pernas?
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