Capítulo 93- Fogo sobre gelo
Caros, leitores, estou excepcionalmente postando este capítulo hoje, e espero que gostem. Acho que ficou bastante emocional, e por isso, espero pelos comentários. Por favor me digam o que acharam. Desculpem-me pelos erros ortográficos. Obrigada. Com amor, Rosana.
"As horas passam lentamente,
Os minutos parecem não ter fim,
Queria com um beijo afastar a distância
Que um dia te roubou de mim
As palavras que nunca te disse me assombram
Como um fantasma de um passado que não esqueci,
Quisera eu ter controle do tempo
E levar para longe o segundo em que te perdi.
Mas, a saudade é amarga,
E como faca fere meu coração
As madrugadas são frias e não aliviam
A intensidade da minha solidão.
Volta para mim,
pois espero todos os dias
Que este meu canto seja como uma oração,
Que flutue nas ondas do teu pensamento,
E encontre novamente o caminho
para o seu coração."
Anne Shirley Cuthbert
GILBERT
Ainda não era muito tarde, e uma brisa fria começava a soprar, assim como alguns flocos de neve caiam salpicando os cabelos escuros de Gilbert completamente expostos a ação do tempo. Ele levantou a cabeça e encarou o céu acima dele, sentindo a neve tocar seu rosto e escorrer por sua face até o queixo como se fossem o próprio infinito chorando por ele.
O rapaz baixou a cabeça e continuou sua caminhada solitária, apertando mais o casaco pesado que usava, sentindo o frio aumentar e castigar a pele e o espírito, mas ele realmente não se importava com aquele desconforto, porque ele resolvera voltar a pé para casa depois da peça de Anne para que tivesse tempo e silêncio para pensar e entender o que se passava em seu coração.
Vê-la em cima de um palco fora um doce e raro prazer que ele somente tivera uma vez na vida quando ela fora sua Julieta em um palco improvisado na escola de Avonlea. Ela brilhara feito uma estrela em ascensão, porém, não mais do que horas atrás quando seus olhos não se cansaram de admirar tanta beleza e talento juntos, e com grande tristeza ele também percebera que ela nunca parecera tão fora do seu alcance.
Gilbert apertou os olhos como se doessem terrivelmente, mas a dor que sentia estava dentro dele, e se espalhava como um veneno que atingia sua corrente sanguínea lentamente. Ele parou de caminhar por um instante, olhando para o nada à sua frente. Estava escuro, e apenas as lâmpadas das calçadas iluminavam as ruas por onde ele passava, dando-lhe a impressão de que estava completamente sozinho, esquecido e infinitamente infeliz.
Gilbert não sabia que horas eram, porque esquecera seu relógio de bolso no apartamento, mas imaginava que pelo menos uma hora havia se passado desde que ele falara com Anne, e se encolheu dentro de si mesmo ao lembrar de sua covardia. Ele tinha ido falar com ela porque precisava saber em que pé as coisas entre eles estavam. Pelo menos, fora esse seu plano inicial antes da peça começar, porém, eles se modificaram abruptamente, após ele ter presenciado o beijo trocado no palco pelos protagonistas.
Não importava que fora somente um roçar de lábios que nem se assemelhara a um beijo de verdade. O sentimento estava lá e Gilbert pôde presenciá-lo, nos braços em volta da cintura dela, e como Anne pousara as mãos suavemente no peito do protagonista, acariciando-o de leve.
Nem por um momento, ele cogitou a possibilidade daquilo tudo ter sido produzido por sua mente enciumada, que o culpava internamente por tê-la mandado embora. Gilbert não entendia que em sua ânsia de ter Anne de volta, ele se autoflagelava, e com isso ele começava a acreditar que não a merecia mais. Por isso, seus olhos iludidos enxergaram erroneamente uma verdade que não existia.
Ele saíra da plateia antes da peça terminar, decidido a ir para casa, mas, não pudera. Após ter caminhado apenas alguns passos para longe da Faculdade, ele tivera que retornar, porque precisava vê-la nem que fosse pela última vez e lhe perguntar em que momento ela deixara de caminhar em sua direção? Em que instante, ela deixara de olhar para ele, voltando seus lindos olhos para outro alguém? Quando foi que ela decidira esquecê-lo nos braços de outro homem? E o mais importante, quando foi que ela deixará de amá-lo?
De tudo aquilo, essa pergunta era o seu maior dilema e o seu maior inferno pessoal também. Ele sofria mais pelo sentimento que ele imaginava ter perdido do que por qualquer outra coisa naquele momento, porque se Anne decidira que seu coração seria partilhado com outro alguém, não lhe restaria mais nada, e como ele viveria com aquilo dali para frente?
Sua auto piedade o cegou assim como sua fúria contra si mesmo, fazendo-o esquecer momentaneamente de todos as promessas que ele e Anne fizeram um ao outro, permitindo que a escuridão do seu sofrimento não o deixasse ver que era tão óbvio aos olhos de todos, porque Gilbert Blythe estava decidido a se punir por todas as coisas ruins que aconteceram nas últimas semanas, e imaginar que perdera a luz de sua vida era a pior maneira de fazer isso.
E então, lá estava ela à sua frente, tão suave e tão doce quanto ele se lembrava, e tão terrivelmente desejável, que Gilbert teve que controlar a respiração que se tornara tão rápida e sua vontade de prender aquela boca contra a sua, Por que sua mente tinha que trai-lo e fazê-lo se lembrar que gosto o corpo inteiro dela tinha? Por que quando estava perto dela não parava de desejá-la? Por que se torturada daquela maneira? Fora um erro ter vindo ali, Gilbert acabara de descobrir, mas, ele não conseguia apenas se despedir e ir embora, como também não conseguia fazer a pergunta que o trouxera ali. Confessar que a amava não fora exatamente o que pretendera fazer, contudo, não pudera resistir, mas fugira antes de ouvir Anne dizer o que ele não suportaria ouvir.
Por esse motivo caminhava àquela hora para casa. Poderia ter pego um táxi, já que deixara seu carro na garagem do prédio do seu apartamento, mas, ele precisava desse momento solitário consigo mesmo quando procurava respostas para sua confusão emocional. Seu amor por Anne e todas as coisas idiotas que dissera a ela permitindo que se afastasse o levara a esse final, o qual ele desejava tanto que tivesse um novo começo, mas não sabia como.
Seus pés cansados alcançaram o último degrau da escada que o levava ao apartamento, e ao abrir a porta, o silêncio doloroso o recebeu em seus braços tristes. O único gesto de boas-vindas que tinha agora eram as lambidas de Milk que dividia com ele os espaços vazios do apartamento.
Quando ele comprara aquele lugar, Gilbert desejara fazer dele um lar para si mesmo e para Anne. Cada pedacinho mobiliado fora pensando nela, cada enfeite que colocara na parede, cada almofada exageradamente colorida sobre o sofá da sala, cada livro nas estantes, fora escolhido com cuidado e amor, mas, agora que estava ali sozinho, Gilbert olhava para aquilo tudo sentindo que nada daquilo tinha o mesmo significado e a mesma importância sem Anne ali.
Ele foi até a cozinha e preparou para si mesmo leite quente com chocolate, pensando inutilmente se aquilo o faria dormir. Era quase meia noite quando ele se permitiu ir para a cama. O barulho de carros passando embaixo de sua janela dificultava-lhe o sono, e ele se deu conta de que nunca tinha percebido todo aquele movimento da rua quando Anne estava na cama com ele.
Ele se envolvia tão completamente no calor dos braços dela em volta do seu pescoço, e no jeito que ela costumava dormir agarrada em sua cintura como se ali estivesse o seu cobertor mais confortável do mundo, que percebia muito pouco fora dali além deles dois.
Agora, ele sequer conseguia fechar os olhos sem saber de antemão que levaria horas até que o cansaço o vencesse, e ainda assim, ele sonharia com ela, e acordaria no dia seguinte sentindo mais saudade do que sentira no dia anterior.
Qual era o propósito de viver daquela maneira? Ele sentia que estava se perdendo de si mesmo, e não sabia como voltar a ser como fora antes. Ele sentia falta da fazenda, de Sebastian com suas indiretas cheias de duplo sentindo, do carinho maternal de Mary, do amor desinteressado de Shirley, e principalmente dos sábios conselhos de seu pai.
Fazia tempo que Gilbert não pensava nele, pois Anne conseguira suprir toda as carências que já sentira na vida, mas, naquele instante em que estava sozinho de novo, ele voltava ao passado cada vez com mais frequência, e se lembrava com tristeza da morte de seu pai, e tudo o que a partida dele significara e ainda significava para ele.
Um choramingo em sua porta o fez se levantar, e ao abrir a porta que apenas estava encostada, Gilbert encarou a bolinha de pelo que parecia a cada dia maior, e perdendo com rapidez seus contornos de filhotinho para seguir em crescimento rumo a sua vida de cão adulto. Os olhinhos brilhantes e inteligentes fitavam os seus quase do mesmo tom, implorando pelo carinho que sua humana favorita já não lhe dava a semanas. Gilbert se abaixou, afundando seus dedos na pelagem branca macia, acariciando-o na cabecinha logo atrás das orelhas.
- Está sem sono também amiguinho? Acho que podemos ser companheiros de mais uma madrugada insone Gilbert disse, permitindo que Milk deitasse na cama com ele, e encostasse seu corpinho quente no dele, se enrolando todo entre as cobertas. Não era bem o cachorrinho que o rapaz queria a seu lado, mas, entre passar a noite toda sozinho na cama enorme e seus pensamentos angustiantes, era melhor ter seu amiguinho peludo como companhia pelo menos por aquela noite.
Na manhã seguinte, ele se levantou ainda se sentindo cansado, pois conseguira dormir bem pouco. Ele decidiu que não ficaria zanzando pelo apartamento feito um fantasma, e que faria algo de útil para distrair sua cabeça perturbada demais Deste modo, ele deu um banho em Milk na área de serviço do apartamento, se divertindo bastante ao ver o cachorrinho coberto de espuma perfumada. Depois, ele usou o secador de Anne para secar os pelos os espessos, e por último, amarrou no pescocinho dele uma gravatinha vermelha que a ruivinha comprara para ele no veterinário como acessório.Em seguida, ele limpou todo o apartamento, colocou o lixo na rua, levou a roupa suja para a lavanderia, e somente quando tudo estava imaculadamente organizado foi que se permitiu parar para respirar, mas não por muito tempo.
Gilbert teria prova na próxima semana, e muito conteúdo para estudar, por isso, seus livros se encontravam espalhavam pelo chão da sala enquanto ele tentava se concentrar em nomes e fórmulas complicadas para memorizar quando a campainha tocou. Ele deixou de lado sua agenda de anotações, e foi atender a porta intrigado pois não esperava por nenhuma visita naquele sábado.
Ele ficou mais espantado ainda, ao ver Dora parada na sua frente, e se perguntou porque aquela garota estava ali especificamente naquele dia em que ele não estava com humor para conversar com ninguém, especialmente com a garota que acabara com seu noivado.
- O que faz aqui, Dora? Já não te disse vezes suficientes que não quero falar com você
- Gilbert, será possível que não pode me perdoar? Já se passaram semanas. - os olhos dela imploravam por algo que ele não estava disposto a lhe dar.
- Você parece mesmo não ter noção do que fez, não é? Se dê por satisfeita por eu não ter te denunciado ao Conselho de Medicina. - Gilbert respondeu desejando com toda as forças que ela fosse embora e o deixasse estudar em paz.
- Eu sei, e por isso lhe sou grata. Mas, não podemos recomeçar e deixar tudo para trás?
- Por que insiste tanto, Dora? - Gilbert perguntou apoiando as mãos no batente da porta sentindo-se impaciente.
- Você sabe a resposta. - ela disse e Gilbert viu nos olhos dela o que ela exatamente queria dizer com aquilo.
- Dora...- ela não deixou que ele continuasse e foi logo dizendo
- Gilbert, eu não vim aqui falar sobre isso. Eu quero apenas que fiquemos bem. Olha, eu imagino que não tenha almoçado ainda, por isso eu trouxe uma pizza. Quer dividi-la comigo? - ela perguntou esperançosa. Gilbert ia recusar, mas, de repente percebeu que estava cansado de comer sozinho em todas as refeições e por isso resolveu fazer uma concessão daquela vez.
- Está bem, Dora. Mas, vai ser somente isso
- Tudo bem. - ela concordou.
Assim, eles arrumaram a mesa e se sentaram para comer, e embora Dora tentasse conversar com Gilbert como nos velhos tempos, não rolava mais a mesma sintonia entre eles de antes, e quando o momento de trégua terminou Gilbert disse:-
- Eu lhe agradeço pela pizza, mas, acho melhor você ir embora.
- Será que não posso ficar só mais um pouco? Você parece estar tão solitário nesse apartamento. - ela disse com um sorriso, e mais uma vez Gilbert cedeu. A falta de companhia já o estava afetando, e ele não achou nada demais deixar que Dora ficasse por ali por mais alguns momentos, já que passaria o resto do fim de semana tendo apenas como companhia o seu cachorro. Assim, Gilbert balançou a cabeça assentindo, e eles foram se sentar no sofá da sala um de frente para o outro.
- Então, a Anne não voltou para casa. - Dora disse e imediatamente Gilbert ficou tenso e respondeu:
- Eu não quero falar desse assunto com você.
- Desculpe-me, eu não quis te aborrecer. Apenas não entendo porque alguém que disse tantas vezes que era completamente apaixonado por você, te deixa aqui sozinho desse jeito. - Gilbert não respondeu e Dora se aproximou dele, fitando-o nos olhos.
- Gilbert, por que não me deixa cuidar de você? – ela tocou o rosto dele com a ponta dos dedos e afastou os cabelos cacheados da testa do rapaz enquanto ele apenas continuava a observá-la sem esboçar qualquer reação.
- Eu te amo, Gilbert. Por que não me dá uma chance de te mostrar que posso te fazer feliz? - Ela inclinou o rosto, seus lábios quase tocando o dele, e foi nesse instante que Gilbert percebeu o que estava prestes a acontecer, e a empurrou para longe, se levantando- e se afastando do sofá.
- Dora, será que não entende que eu não quero outra mulher que não seja a Anne? Você não é ela, então está perdendo seu tempo aqui.
- Gilbert, o que pretende fazer se ela não voltar para casa? Morrer sozinho? - ela perguntou indignada, e Gilbert respondeu com uma voz irônica.
- Não que seja da sua conta, mas é exatamente o que pretendo fazer.
- Não é possível que você a ame tanto assim.- Dora disse olhando para ele incrédula.
- Eu já te disse Dora e torno a repetir. Você não sabe nada sobre amar alguém. Agora, vá embora. O que você veio buscar aqui pertence a outra mulher. Vá procurar sua felicidade em outro lugar. - O rosto de Dora ficou vermelho de raiva, ela pegou a bolsa, e passou por Gilbert rapidamente, indo embora sem se despedir.
Gilbert respirou fundo. Aquela fora uma situação totalmente inesperada. O que dera em Dora para vir ali se declarar novamente, e consequentemente ser rejeitada mais uma vez? Ela parecia não entender que não havia nada para ela ali. Era um caso totalmente perdido. Gilbert era um caso perdido, desde que Anne entrara em sua vida, ele ficara indisponível para qualquer outra mulher.
O rapaz balançou a cabeça desanimado. Ele não devia ter deixado que Dora ficasse ali, mas a sua falta de calor humano o fizera baixar a guarda, porém agora percebia que fora um erro grotesco, que lhe provara apenas o quanto a ausência de Anne o fragilizara. Ele precisava encontrar algo que o tirasse daquele estado de falsa aceitação dessa sua atual situação. A questão era lutar ou deixar que o tempo lhe mostrasse que caminho tomar? Ele sentia que não tinha condições de decidir sozinho nada naquele momento, pois seus sentimentos estavam exaltados demais.
Gilbert olhou para os livros que ainda teria que estudar, e mudou de ideia. Ele precisava de ar fresco fora daquele apartamento, por isso, ele imaginou que sair dali e se misturar as pessoas lhe daria uma perspectiva melhor do que a tristeza que predominava naquele momento, por isso, ele vestiu o casaco e saiu.
Do lado de fora do apartamento, várias pessoas passeavam por ali, aproveitando a tarde de sábado para colocarem seu lazer em dia e namorarem tranquilamente tendo como paisagem principal a natureza natural que era a principal atração no centro de Nova Iorque. Totalmente envolvido por seus pensamentos, o olhar de Gilbert foi atraído por um casal em especial, que lhe passaria totalmente despercebido se não fosse por algo incontestavelmente peculiar. A garota tinha cabelo ruivo, e quando ela se virou deixando que Gilbert a visse de perfil, e ele reconheceu com seu coração aos pulos que era Anne. Ela estava de braços dados com o mesmo rapaz que contracenara com ela na peça, e esse fato fez Gilbert parar de andar imediatamente e seguir o casal com seu olhar.
Ela ria feliz e olhava para seu acompanhante com carinho e atenção, enquanto o rapaz acariciava sua mãozinha pequena por cima da luva algumas vezes. Aquela cena acabou de estragar o restante do sábado de Gilbert que sentiu seu coração se despedaçando mais uma vez. Talvez merecesse perder Anne assim, por ter sido teimoso em preservar seu amor próprio pelo incidente com Dora. Ela tinha todos os direitos de ser feliz depois de todas as tragédias que já a tinham magoado tanto, e não seria ele a impedir isso.
Gilbert deu meia volta e foi direto para o seu apartamento de onde não saiu mais naquele dia. Os livros foram esquecidos em cima da mesa da sala, pois ele não estava com humor para continuar estudando. Ele queria chorar, mas ainda que sua garganta estivesse apertada, e seu peito comprimido nenhuma gota caiu de seus olhos vindo em seu socorro.
O jovem estudante se deitou no sofá e ficou ali com os olhos fixos na foto de Anne que ele carregava no bolso, e desejou que pudesse voltar aqueles dias em que apenas tinha que estender seus braços abertos, e ela estaria neles em poucos segundos. Ele não conseguia encarar a realidade de que talvez nunca mais tivesse isso, e a prova era o que ele tinha visto naquela tarde. Gilbert encolheu o corpo no sofá em posição fetal, e nada conseguiria consolá-lo agora, pois lhe restava apenas o anoitecer daquele dia como sua única companhia.
ANNE
Anne demorou alguns instantes para entender o que tinha acontecido. Ficou feito boba com a mão onde Gilbert a tinha beijado, quase não acreditando que ele foi embora sem esperar que ela lhe dissesse todas as coisas que lhe iam no coração.
Ela quisera dedicar aquela noite para ele, pois todas as palavras que foram ditas no palco tiveram um endereço certo, mas ele não conseguira perceber, pois pelo que parecia, Gilbert continuava bravo com ela.
Ele confessara que a amava, mas, no pé em que as coisas estavam, isso seria suficiente? No passado, ela teria pensado que sim, mas, naquele instante tivera a prova de que nem sempre se podia contar com isso. Muitas vezes, o amor, por mais forte que fosse também causava dores inimagináveis que não podiam ser curadas apenas com as palavras que Gilbert lhe dissera a pouco. Ele nem quisera ouvir o que ela tinha a lhe falar, então, talvez o seu eu te amo não tivesse surtido efeito algum na maneira como ele a enxergava agora.
Anne se virou para o espelho, e encarou seu reflexo. Seu rosto ainda estava corado, e os olhos brilhantes demais mostrava claramente o efeito que Gilbert causava nela com sua mera proximidade.
Ela ficara frustrada por ele não beijá-lo, porque nunca quisera tanto algo na vida como seus lábios unidos de novo. Ela teria dado o mundo para sentir aquela emoção mais uma vez, aquele calor que se espalhava rapidamente pelo seu corpo como fogo sobre palha e que a fazia se sentir mais viva do que nunca. Ela teria movido céus e montanhas para que Gilbert a abraçasse de novo e a fizesse esquecer de como era terrível ficar separada dele, e como sua vida fluía em uma cadência diferente e quase sem graça por não poder ouvir sua risada contagiante e não ver seus olhos escurecerem em seus momentos mais íntimos.
Ela não contara a ninguém, nem mesmo a Sharon e Cole que ela passara a dormir com a boina de Gilbert do lado do seu travesseiro. Anne sabia que tinha que devolvê-la, afinal, fora uma presente seu para ele, mas, ela não conseguia se desapegar da única coisa que tinha dele, porque, ter aquela boina em suas mãos era como ter uma parte de Gilbert com ela de novo, era senti-lo próximo quando deitava na cama sofrendo a falta do corpo dele ao seu lado. Era uma coisa louca e estúpida transferir seu amor para uma boina vermelha, porém, enquanto ela não pudesse ter de volta o homem que amava, teria que se contentar com as lembranças, e com aquele pequeno mimo que por incrível que pudesse se, ainda conservava a fragrância amadeirada que ele usava depois do banho.
Anne pegou uma toalhinha úmida e se dedicou a tediosa tarefa de tirar a maquiagem. Ela ainda usava o figurino da peça, pois não tivera tempo de tirá-lo, Quando pensou em começar a desabotoar a imensa fileira de botões do seus vestido de época, Roy apareceu e perguntou:
- Ei, Anne. Não quer ir na festa do elenco comigo?
- Estou muito cansada, Roy, por isso, prefiro ir para casa. - ela disse sorrindo-lhe um pouco constrangida. Anne ainda não se acostumara a maneira intensa com a qual ele a olhava, e que sempre despertava um alarme dentro de sua cabeça. Roy vinha se comportando muito bem. Ele nunca mais lhe fizera insinuações ousadas, e a tratava com bastante respeito e consideração, o que poderia ser entendido como uma grande novidade, pois a reputação de Roy com garotas não era a das melhores, contudo, ele parecia ter mudado de comportamento com Anne, e ela somente não sabia dizer se era apenas uma nova estratégia para fazê-la esquecer sua maneira de assediá-la anteriormente, ganhar sua confiança e conseguir o que tanto desejava, ou se realmente ele estava tentando mudar para melhor.
- Vamos lá, Anne. Você precisa se divertir. Eu prometo que te levo para casa no momento em que desejar. – ele disse se aproximando um pouco dela deixando-a tensa.
- Eu realmente prefiro ir para casa, Roy. Obrigada pelo convite.
- Então, pelo menos me prometa que vai dar uma volta comigo amanhã à tarde? – o sorriso que ele lhe deu parecia sincero, e Anne quase se sentiu mal por frustrar os planos dele, mas queria dar-lhe falsas esperanças. Ela estava apaixonada demais por Gilbert para ter interesse em qualquer outra pessoa do sexo masculino.
- Roy, eu sinto muito, mas...
- Anne, não vou aceitar sua recusa. Eu sei que ainda tem certa reserva a meu respeito. Mas, eu juro que minhas intenções são as melhores possíveis. Eu quero me desculpar pela maneira como a tratei quando nos conhecemos. Sei que fui narcisista e egocêntrico, e você não merecia ter visto o meu pior lado. Eu não sou nenhum santo e nem pretendo ser, porém, você é muito especial Srta. Cuthbert, e consegue despertar o melhor de mim. – ele tocou o rosto dela com carinho, contudo, não foi além disso, pra grande alivio de Anne. Ela não estava com seu emocional cem por cento para lidar com as confissões amorosas de Roy, e talvez nunca estivesse. Enquanto ele se mantivesse no campo da amizade, era bem melhor para ambos. Assim, ela decidiu aceitar o convite dele, pois precisava afastar Gilbert da cabeça dela por um tempo antes que ficasse maluca,
- Tudo bem, eu aceito. Acho que preciso mesmo me distrair um pouco. - os lábio de Roy se abriram em um sorriso incrível, e pela primeira vez Anne notou o quanto ele era bonito. Porém, isso não mudava a verdade dos fatos. Por mais atraente que ele fosse, ela jamais poderia vê-lo mais do que um amigo, e isso era tudo o que ele conseguiria dela, mesmo que suas intenções fossem outras.
- Ótimo, passo na sua casa às quatro da tarde. Poderia me dar seu endereço?
- É claro. - Anne escreveu o nome e o número do apartamento de Cole e quando o entregou a Roy, ele segurou sua mão por um segundo, a levou aos lábios, beijou-a e disse:
- Boa noite, querida Anne. Nos vemos amanhã, e mal posso esperar por isso. - Anne sentiu um arrepio ao ouvir aquelas palavras, mas, não podia dizer se era algo bom ou ruim.
Anne acabou indo para casa com Pierre e Cole, e mesmo jurando a si mesma que não pensaria em Gilbert, foi o que fez a noite toda. Ela simplesmente não conseguia esquecer aqueles olhos, ou a maneira com que ele se aproximara dela quase como se estivesse com medo de estragar o momento entre os dois. O cheiro dele divino em suas narinas, aqueles lábios que ela morria de saudades de beijar tão dolorosamente próximos, mas que não tocaram os seus por puro capricho de Gilbert que preferia infringir aquela tortura aos dois. Ela estava carente dele, sua mente não parava de atormentá-la com imagens dos dois juntos em vários momentos, e aquilo estava acabando com ela. O que acontecera com eles? Como puderam deixar que o sentimento mais perfeito que já sentiram na vida se transformasse em algo tão doloroso?
Ela precisava tanto dele que dormir se tornou algo impossível, por isso, foi até a cozinha em busca de um copo de água, e depois retornou ao quarto, mas, não foi diretamente para a cama. Anne ficou parada na janela, admirando a noite lá fora que apesar de fria e escura não deixava de ter uma beleza triste. Seu pensamento voou para longe, onde um certo garoto de olhos castanhos costumava escalar sua janela apenas para desejar-lhe boa noite, dar-lhe uma rosa, e embriagá-la com seus beijos antes de voltar para seu próprio lar. Como ela fora feliz naquela época, como sempre fora feliz com Gilbert desde que o conhecera. E mesmo em seus momentos de dúvidas quando fugira do que sentia seu coração sempre soubera que seu destino estava naqueles braços que sempre se estenderam em sua direção. Era ali que estava o seu lar, era ali que seus sonhos se realizariam, era ali que encontraria a promessa mais doce de um amor que sempre superaria tudo, mesmo que tivessem que escalar montanhas imensas e geladas, porque do outro lado eles encontrariam aquilo pelo que valia a pena lutar, porque teriam um a outro para continuarem naquela jornada a sua frente fortes e felizes.
O vento gelado que soprava em sua janela fez Anne estremecer, ela pegou uma manta de lã e se enrolou nela, voltando para o lugar onde estava antes, fixando seus olhos em um ponto qualquer da rua que era apenas iluminada por um carro ou outro que passava por ali àquela hora, e imaginando o que Gilbert estaria fazendo naquele momento. Era tanta saudade que, seus lábios murmuraram o nome dele sem que ela percebesse, e Anne desejou ter o poder de vencer a distância com seu pensamento e chegar até ele com a força do seu amor. O que não daria para ter um minuto de visão daquele rosto que morava permanentemente em suas lembranças. Ela não entendia porque tinham que ficar separados, se seu corpo tinha uma opinião completamente diferente. Quanto tempo mais ela suportaria ficar sem Gilbert na sua vida?
Ela não podia ter lutado por nada. Não era possível que tivesse desperdiçado seu tempo na recuperação dele da amnésia, e depois na reconstrução de sua vida com ele ali em Nova Iorque para ter tudo roubado dela de um momento para outro? Por que a cada conquista que alcançava vinha acompanhada de um vale de lágrimas? Por que era testada todo tempo até a exaustão? Já não provara que era digna de ser feliz? Já não provara que tinha o direito de viver seu amor com Gilbert? Por que sua sina de garota órfã não a abandonava nunca? Ela não queria acreditar no que um dia uma das freiras profetizara dizendo que ela nunca seria feliz, porque não merecia, e por isso estava destinada a viver penitenciando todos os seus dias como se se desculpasse por estar viva. Já que nem mesmo os seus pais a tinham desejado.
Contudo, seus pais a haviam amado, somente não tiveram tempo suficiente de deixá-la saber. Isso tudo ela descobrira no diário que Marilla lhe dera, e pelo menos dessa dúvida ela tinha se livrado. Porém, o que ela se perguntava naquele momento, era quando poderia ser feliz com Gilbert sem que nada mais os jogasse um contra o outro. Ela já não mais pensava no que acontecera entre ele e Dora, porque ela decidira que não mais sofreria por suas incertezas. Ela conhecia Gilbert tão bem, e não conseguia acreditar que ele fizera aquilo por amá-la menos. Talvez tivesse sido coisa de momento, uma carência, uma fraqueza, um segundo irracional da parte dele, e depois de todo aquele tempo sentindo a falta dele massacrá-la daquele jeito, Anne descobrira que era capaz de perdoá-lo por aquele deslize, se esse fosse mesmo o caso, o problema era que Gilbert não queria conversar sobre aquele assunto, e isso era o que mais a magoava. Ela não queria mais saber porque ele o fizera, a única coisa que desejava era ter certeza de que realmente não significara nada, e que nunca mais ela teria que sofrer por algo assim. Ao contrário do que Gilbert podia pensar, ela confiava nele sim, e entendia que ele era humano e que não deveria crucifica-lo por um único erro, e se ele tivesse ficado um pouco mais com ela naquele dia no camarim ao invés de ir embora, ela teria lhe dito exatamente isso.
Talvez fosse melhor ter um pouco de paciência, como Cole lhe dissera, e deixar que a poeira baixasse o suficiente para terem aquela conversa, mas, a questão era, ela aguentaria esperar mais do que já fizera? Ela mal conseguia passar duas horas do seu dia sem pensar nele, como conseguiria viver mais tempo daquela maneira? Ela não queria mais ficar longe de seu homem, mas, Gilbert parecia querer dificultar as coisas. Por que ele tinha que ser tão orgulhoso? Por que ele não admitia que eram melhores juntos do que separados? Ela vira o sofrimento nos olhos dele naquela noite, e quando ele dissera que a amava, ela sentira as palavras dele inundarem suas entranhas aquecendo cada parte de seu ser, então porque ele não voltava para ela?
Cansada de pensar, Anne foi para a cama, e como vinha fazendo todas as noites, ela pegou a boina de Gilbert levou-a as narinas aspirando a fragrância suave que ainda havia ali, colocou-a do lado de seu travesseiro e disse:
- Boa noite, meu amor. - fechou os olhos e tentou dormir, o que só conseguiu fazer horas depois, e quando amanheceu, Anne não se levantou cedo como fazia todos os dias. Naquele sábado, ela decidiu ficar mais tempo na cama, pois seus pensamentos ainda tumultuavam suas ideias, e ela não se sentia dispostas a fazer suas tarefas diárias.
- Anne, está acordada? - ela ouviu a voz de Cole do outro lado da porta e respondeu.
- Estou sim, Cole.
- Posso entrar?
- Claro. A porta não está trancada.
- Está tudo bem? Você não se levantou para tomar seu café. - Cole perguntou olhando-a preocupada.
- Estou sim. Apenas queria ficar quieta aqui e pensar um pouco. - ela respondeu sentando-se na cama.
- Eu não perguntei nada ontem porque não quis parecesse invasivo, mas, aconteceu alguma coisa? Você estava estranha quando viemos para casa. - Anne respirou fundo antes de responder:
- Gilbert veio me ver no camarim.
- É mesmo? Vocês conversaram finalmente?
- Não, Cole. Ele apenas perguntou como eu estava, me deu essa rosa que está aí em cima do criado mudo, disse que me amava e foi embora. Ele sequer me deu a chance de dizer que eu sentia o mesmo. - Anne disse com a voz triste.
- Sinto muito, Anne. Imagino como você deve estar se sentindo. - Cole disse, sentando-se na beirada da cama.
- Quanto tempo ele vai me torturar assim, Cole? Eu o amo tanto que estou a ponto de explodir. Ele deve estar com muita raiva de mim para ficar longe desse jeito. - ela concluiu passando a mão pela lã macia da boina vermelha.
- Eu não sei o que se passa na cabeça de Gilbert, mas, de uma coisa eu tenho certeza, ele te ama muito e deve estar sofrendo assim como você.
- É isso que não entendo, Cole. Se ele me ama como me disse, não era para ficar perto de mim, ao invés de me afastar? Eu sinto tanta falta de Gilbert, Cole. Mais ainda do que quando ele teve amnésia e não se lembrava de quem eu era. Porque naquele tempo, eu podia estar com ele o quanto eu quisesse e a única barreira entre nós eram as lembranças, mas, agora ele construiu deliberadamente esse muro, e não me deixa ultrapassá-lo. Que tipo de amor é esse que ele diz sentir por mim e que me magoa tanto? - ela estava chorando de novo, e Anne sentiu raiva de si mesma. Não queria ser tão vulnerável assim as atitudes de Gilbert em relação a ela, mas não conseguia não se deixar afetar
- Querida, não fique triste, isso vai passar, vocês precisam apenas esquecer esse orgulho bobo e se resolverem de vez.
Anne não disse nada, preferindo guardar seus pensamentos para si mesma. Será possível teria que que ser ela a dar mais passo para salvar aquele relacionamento? Ela tentara uma vez e Gilbert a rejeitara, o que lhe garantia que não aconteceria novamente? Porém, na ansiedade em que estava iria esperar que Gilbert resolvesse procurá-la de novo?
A ruivinha ainda se debatia naquele dilema criado por suas dúvidas, quando Roy veio buscá-la, e não lhe passou despercebido a falta de entusiasmo de Anne em sair com ele naquele tarde.
- Você poderia me dar um sorriso, e fingir que está feliz em me ver.- Roy disse fazendo graça.
- Desculpe-me, Roy. Eu realmente não estou com humor para sair. Não quer deixar para outro dia? - ela perguntou com o rosto sério.
- De jeito nenhum. Esse é mais um motivo para querer te levar para um passeio. Eu quero trazer mais sorrisos a esse rosto encantador. - Roy disse examinando-a com atenção.
- Está bem, Roy. Onde vamos? - Ane perguntou se pendurando no braço que ele lhe oferecia
- Pensei em irmos caminhar perto do Central Park, o que acha? - Anne respirou aliviada ao pensar que estariam em público, ela não queria ficar sozinha com Roy em uma situação mais intima, porque sua intuição lhe dizia que ele queria bem mais dela do que amizade. Por outro lado, a ideia também lhe causou certa tristeza, pois a fez se lembrar de quantas vezes ela é Gilbert caminharam por ali, tiram juntos, e se falavam olhando um nos olhos do outro porque era assim que aprenderam a reconhecer seus sentimentos mais íntimos. Jamais conseguiam mentir quando se olhavam daquela maneira, pois cada pensamento, sentimento ou emoção estavam impressos ali tão nitidamente como se pudessem tocá-los com as mãos. Era disso que também sentia falta, dessa conexão natural e íntima que havia entre eles, principalmente na hora de dormir quando faziam amor apaixonadamente, os olhos se Gilbert lhe diziam tudo o que sentia, seu rosto iluminado derretendo-a por dentro como se fosse fogo sobre gelo.
Anne olhou para Roy enquanto caminhavam e desejou tanto que aqueles cabelos loiros dourados fossem cacheados e escuros. Era errado estar com um homem pensando em outro, mas, não conseguia evitar Era Gilbert que devia estar ali com ela, e não Roy, era Gilbert que ela desejava ali ao seu lado e mais ninguém, era Gilbert que ela amava com todas as forças e que naquele exato momento estava a alguns passos de onde ela estava, dentro daquele apartamento onde tinha todas coisas que amava, além dos livros que abarrotam suas estantes e que eram-lhes tão preciosos. Porém havia um tesouro maior lá dentro que ela queria recuperar. O homem que era a razão da sua vida, e seu amiguinho peludo branco como a neve que era parte da família que era sua, e de ninguém mais.
Eles caminharam cerca de uma hora conversando sobre coisas aleatórias como livros e seus autores favoritos. Roy era uma excelente companhia, não era nada entediante, e sabia prender a atenção de quem estivesse a seu lado, mas, mesmo assim, Anne sentiu que devia ir para casa, porque por mais tentativas que tivesse feito para ser para ele uma boa companhia também, não era ali que queria estar.
- Roy, podemos ir para casa? Estou cansada – Ele a olhou intrigado e respondeu.
- Tem certeza que quer ir agora? A gente nem tomou o sorvete que eu te prometi.
- Podemos deixar para outro dia? Eu quero realmente ir para casa.
- Está bem, Anne. Eu acho que já abusei demais de sua companhia por uma tarde. - ele disse sorrindo, e assim a levou de volta para o apartamento de Cole. Porém antes de ir, ele lhe disse:
- Janta comigo amanhã? - Anne o olhou surpresa e respondeu:
- Roy, eu lhe agradeço muito pelo passeio e pelo convite, mas, não quero que tenha ilusões de um possível envolvimento entre nós. Eu não quero magoá-lo, mas, você sabe que eu ainda amo o Gilbert, não é?
- Anne, você já deixou isso claro como água. Eu sei onde estou pisando, e o que estou fazendo. Janta comigo amanhã e deixa eu te mostrar que não sou tão ruim quanto pensa. Me dá uma chance de te mostrar que posso te amar tanto quanto ele. Eu estou apaixonado por você, Anne. - ela não soube o que dizer, Embora desconfiava das intenções dele, não imaginava receber uma declaração assim de repente. Aquela era uma situação desconfortável para ela, e por isso Anne lutou para se livrar da sensação dizendo:
- Roy, eu não sei o que dizer. Isso é um tanto quanto inesperado.
- Eu não espero que me diga nada. Anne. Podemos continuar amigos se achar que pode lidar com o que sinto por você. Prometo não forçar mais nenhuma situação como fiz antes. Tudo o que te disse foi imperdoável. Você merece mais do que isso. - será que poderia mesmo confiar nele? Anne se perguntava. Será que poderia acreditar naquele Roy ali na sua frente sem pensar no antigo que lhe dava asco? Por fim. Anne resolveu dar uma chance para aquela amizade, que não hesitaria em terminar se descobrisse que ele estava apenas encenando aquilo tudo. Ela torcia para que por baixo daquela nova roupagem que Roy estava lhe apresentando mais tarde não a decepcionasse e ela acabasse por descobrir que o que havia por baixo ainda era mais podre do que imaginava.
_ Eu aceito jantar com você, mas, apenas por amizade Roy, nada mais. Que isso fique bem claro.
- Não se preocupe, Anne. Eu te pego amanhã às sete. - ele disse tão sorridente que parecia ter ganho um presente de natal fora de época. Ele lhe deu um beijo na bochecha como despedida, fazendo Anne se perguntar enquanto ele entrava no carro e desaparecia na esquina se ela sabia mesmo onde estava se metendo.
ANNE E GILBERT
Gilbert acordou no domingo de manhã com uma tremenda dor de cabeça e um terrível mal humor. Ele se lembrou que a última vez que tivera uma enxaqueca dessas fora meses atrás quando estava estudando feito louco para seus exames do bimestre. As mãos de fada de Anne tinham acabado com as dores rapidamente por meio de efusão de chá e massagens relaxantes que fizeram maravilhas para os nervos tensos de Gilbert que cederam rapidamente ao toque divino daquela mulher maravilhosa, e ele se lembrava bem de como tudo terminara depois.
O rapaz apertou as têmporas doloridas, ordenando a si mesmo que parasse com aquilo, mas sabendo que era inútil tentar não pensar nela, quando em cada canto do apartamento havia uma lembrança de Anne que o atormentava. Ele estava vivendo seu pior pesadelo, e que somente parecia piorar conforme o tempo passava. Gilbert sofrera demais com a morte de seu pai, mas, aquilo que estava sentindo pela ausência de Anne era o triplo do que sofrera a quase quatro anos atrás.
Ele olhou para o seu café da manhã desanimado, sentindo um enjoo que o impedia de engolir qualquer coisa, por isso decidiu que precisava de um analgésico, e se lembrou que Anne guardava uma caixinha de primeiros socorros no quarto de visitas. Gilbert foi até lá e encontrou a caixa dentro de uma gaveta do guarda-roupa. Mas, isso não foi a única coisa que encontrou, pois quando seus olhos se desviaram para uma cadeira no quarto, o rapaz deixou escapar um suspiro abafado ao ver um cachecol azul de Anne esquecido ali.
O jovem estudante se aproximou devagar como se temesse as lembranças que o simples objeto pudesse lhe trazer, e quando estava bem próximo, Gilbert pegou-o nas mãos sentindo-lhe a maciez e um restinho do perfume de Anne que permanecera entre os fios perfeitamente entrelaçados. Ele apertou o cachecol contra o peito, enquanto as lágrimas desciam quentes ao se lembrar da tarde anterior quando a vira no parque com aquele outro rapaz.
Gilbert não o conhecia, e não fazia questão nenhuma de saber quem era, a única cosia que importava era que Anne estava com ele e parecia estar completamente confortável a seu lado. Ele fingira para si mesmo que estava tudo bem, que ia superar aquela sensação que nascia na boca do seu estômago e deixava um gosto metálico na sua boca, mas, a quem estava enganando? Ele não ia aguentar aquilo, e a dor de cabeça era somente o começo da sua autodestruição progressiva.
Sem conseguir mudar seu humor, ele foi até a cozinha, tomou o analgésico e decidiu ficar na cama o dia todo. Estava se sentindo péssimo, era domingo e não tinha nada melhor para fazer, por isso a ideia de dormir o atraía mais do que qualquer coisa. Assim, ele voltou para cama e ficou em um estado de semi-inconsciência até metade da tarde quando sua campainha começou a tocar insistentemente. Gilbert praguejou baixinho, cobrindo a cabeça com o travesseiro, pedindo mentalmente que o intruso em sua porta fosse logo embora e o deixasse em paz, porém, a campainha continuou a tocar insistentemente, e inconformado, ele se levantou e foi atender a porta mais mal-humorado do que quando se levantara naquela manhã.
- Meu Deus, Blythe. Parece que um trator passou por cima de você. - Jonas disse, assim que Gilbert abriu a porta
- Algo parecido. - Gilbert disse gemendo baixinho. A dor de cabeça parecia querer triturar seu cérebro, e ele mal conseguia raciocinar direito.
- Você está com alguma dor? - Jonas perguntou ao ver Gilbert apertar os olhos com força.
- Eu sofro de enxaqueca, e ela resolveu atacar justo hoje. - ele respondeu com dificuldade, vendo pontinhos escuros a sua frente.
- Já tomou algum medicamento?
- Sim, mas não está funcionando. - Gilbert disse indo para sala acompanhado de Jonas e se atirou no sofá gemendo de dor.
- Você sabe qual é a causa? - Jonas perguntou, sentando-se na poltrona de frente para Gilbert, enquanto o rapaz apenas balançava a cabeça concordando.
- E qual seria?
- Prefiro não falar sobre isso. - Gilbert não queria relembrar a cena da praça, pois sentia-se pior só de pensar nela.
- Anne? - Jonas arriscou olhando o rosto de Gilbert ficar ainda mais sério, mas, ele não negou.
- Por que não a procura, Gilbert? Você ama tanto essa mulher que está se destruindo sem ela.
- Eu não posso. Eu a magoei demais, e ela seguiu em frente sem mim. - ele disse baixinho, pois aquela ideia o deixava mais doente do que já estava. Não queria pensar em outro cara tocando ou beijando a mulher que lhe pertencia de corpo e alma. Aquilo era demais para suportar.
- Como pode saber disso se nem ao menos conversou com ela?
- Eu a vi com alguém ontem no parque, e ela parecia muito feliz sem mim.
- Isso não quer dizer que ela realmente esteja. - Jonas disse vendo Gilbert crispar o rosto de dor mais uma vez. - Diga-me uma coisa, Gilbert. Você a quer de volta?
- Mais do que qualquer coisa. - ele disse sem hesitar.
- Então, o que está fazendo ai parado ao invés de estar lutando por quem ama?
- Eu não tenho esse direito. - ele disse de olhos fechados.
- Pare de se comportar como um mártir, pelo amor de Deus! - Jonas disse impaciente. - Você sabe ser um poço de teimosia quando quer, Blythe. Prefere perder a mulher que ama do que fazer o impossível para trazê-la de volta. Eu juro que não entendo. Nunca vi um amor tão grande ser tão destrutivo ao mesmo tempo. É óbvio que este sentimento mal resolvido está acabando com você, e o pior de tudo é que você permite que aconteça. Bastaria apenas contar para Anne o que Dora fez, e tenho certeza que ela estaria aqui no mesmo instante. - Gilbert balançou a cabeça discordando. Aquilo também já não importava mais. Se Anne estava interessada em outra pessoa, ela não ia mais querer saber daquela história.
- Gilbert, meu amigo. O que eu faço com você? Está se enterrando vivo por causa desse amor que sente, eu não faz nada para parar isso. Até onde vai levar esse sofrimento? - Gilbert não respondeu, e Jonas suspirou se sentindo impotente, mas decidiu mesmo assim terminar o que viera fazer ali. – Bem, Blythe.eu não quero te dizer o que deve fazer com sua vida, porque isso só você pode decidi. Eu vim até aqui para te fazer um convite. Carlos e eu vamos jantar hoje à noite em um restaurante, e queríamos saber se gostaria de ir conosco.
- Jonas, pelo meu estado você já sabe qual será minha resposta. - Gilbert disse ainda de olhos fechados, porque a enxaqueca piorava quando ele tentava abrir os olhos.
- Isso, eu posso resolver. Espere um instante. - Gilbert o ouviu sair, e voltar dali a quinze minutos lhe entregando um pacote e dizendo:
- Toma isso, depois vá se deitar em seu quarto de preferência no escuro. Descanse e estará bem daqui a três horas.
- O que é isso? - Gilbert perguntou olhando desconfiado para a pílula marrom que ele lhe entregava.
- É um remédio que minha mãe toma para enxaqueca, o efeito é rápido, mas, não posso garantir que seja permanente, pois cada organismo reage de uma maneira. Agora vou embora para te deixar descansar. Passo para te pegar às sete.
- Ei, eu não disse que iria ao jantar com vocês. - Gilbert disse protestando.
- Você vai sim, não discuta comigo, Blythe. – e antes que Gilbert pudesse dizer qualquer coisa, Jonas foi embora, deixando-o sozinho novamente.
Balançando a cabeça inconformado, Gilbert tomou o remédio que o amigo comprara para ele e foi para o quarto em companhia de Milk. Enquanto o cachorrinho se acomodava no tapete ao pé da cama, o rapaz deitou sua cabeça no travesseiro macio, e em vinte minutos com o efeito do remédio ele estava dormindo.
O domingo não tinha amanhecido melhor para Anne que acordara se sentindo terrivelmente deprimida. Ela tinha sonhado a noite toda com Gilbert e a falta que sentia dele se tornou maior do que nunca, e ela desejou não ter aceitado jantar com Roy, pois não seria uma boa companhia para o rapaz, mas era tarde para declinar o convite, por isso, ela passou o dia todo tentava se desfazer daquela sensação de nostalgia que a tinha acompanhado desde manhã.
Às seis da tarde, Anne começou a se arrumar, e decidiu se vestir de maneira casual sem usar nada muito sofisticado ou elegante, pois não queria que Roy pensasse que tinha se arrumado especificamente para chamar-lhe a atenção. Por isso, ela vestiu uma calça preta, blusa de lá verde que marcava bem sua cintura, salto alto preto, e brincos de perolas nas orelhas.
Quando Roy veio busca-la às sete horas, sua intenção de não deixá-lo impressionado com sua aparência foi por água abaixo, porque assim que a viu, ele ficou encantado e disse:
- Você está linda.
- Obrigada. – ela respondeu, notando que o rapaz também estava bonito em calça jeans, camisa social de manga comprida cinza que fazia um lindo contraste com seu cabelo loiro.
Roy abriu a porta de seu luxuoso carro esporte, e esperou que Anne se acomodasse ao seu lado, e deu a partida no carro. No caminho, não tiveram muito tempo para conversar, pois o restaurante ficava a poucos minutos do apartamento de Cole. Assim que entraram, uma moça muito bonita e bem vestida os levou até uma mesa, onde fizeram os pedidos rapidamente. Enquanto saboreava seu suco, Anne deu uma boa olhada no local ao seu redor.
O ambiente era acolhedor e agradável. Havia um fogão a lenha de canto que a fez sentir saudades de Green Gables e os assados de Marilla. As mesas eram em estilo rústico, havia um palco para apresentações de músicas ao vivo onde havia um lindo piano, e ela logo pensou que Diana adoraria aquele lugar. Quem sabe depois que o bebê nascesse, a amiga pudesse dar uma escapada até Nova Iorque, e viessem jantar juntas ali?
A comida chegou e estava excelente, assim como a conversa com Roy que fluía de maneira bastante divertida. Naquela noite, ele estava um perfeito cavalheiro e seu comportamento era irrepreensível, fazendo Anne mais uma vez pensar que ele sabia agradar uma mulher quando se empenhava para isso.
Em um dado momento, ele fez um comentário que fez Anne sorrir, e ele apertou as mãos dela carinhosamente sobre a mesa. Foi então que Anne ouviu o som de algo se quebrando, e um gemido abafado que a fez desviar os olhos para uma nessa próxima a sua, e assim, um par de olhos castanhos quase caramelo encarou-a magoado.
A ruivinha ficou petrificada na cadeira onde estava sentada ao ver Gilbert a poucos passos dela com a mão ensanguentada, segurando o que restava de um copo de vidro. Logo, ela ouviu Jonas dizer:
- Você está sangrando, cara – Gilbert olhou para a própria mão que apertara o copo com tanta raiva, fazendo-o se quebrar e ferir sua palma Ele se levantou, olhando para Carlos e Jonas e disse:
- Vou dar um jeito nisso.- e assim ele foi para a porta que levava para o banheiro masculino.
Anne olhava a cena completamente desnorteada. Ela queria saber se Gilbert estava bem, mas não ousava se levantar dali. Roy a olhou de um jeito solidário e disse:
- Vá ver como ele está. - Anne assentiu e foi em direção ao mesmo caminho que Gilbert tinha feito antes
Havia um pequeno corredor que lavava para o lado de fora do restaurante, onde Gilbert estava parado de costas tentando estancar o sangue da mão, apertando um pedaço de papel sobre a ferida aberta. Ela se aproximou devagar e disse:
- Deixe-me ver como está a sua mão. Ela viu os músculos das costas dele enrijecerem e Gilbert se virou para ela espantado:
- O que faz aqui, Anne?
- Quero ver como está a sua mão. - Ela se aproximou mais, pegou na mão dele e passou o dedo pelo corte que já tinha parado de sangrar. Gilbert puxou a mão incomodado com o toque dela e respondeu.
- Não precisa se preocupar.
- É claro que preciso. - ela pegou a mão dele de novo, e acariciou toda a extensão do corte, fazendo Gilbert fechar os olhos e morder o lábio inferior até quase sangrar. Deus! Será que ela não entendia que aquilo era tortura? Ela estava próxima demais, o cheiro dela o deixava zonzo, seu corpo começou a entoar um cântico que ele conhecia muito bem. Precisava sair de perto de Anne antes que colocasse tudo a perder.
- Anne, eu estou bem. É só um corte superficial. - ele tornou a insistir afastando a mão dela com carinho.
Ela assentiu, mas não afastou os olhos dos dele, mergulhada naquela imensidão castanha que a fazia se sentia tão bem, a fazia se sentir em casa. Tudo o que sempre quisera estava ali a sua frente, bastava estender a mão e tocar. Mas, seu instinto de auto preservação falou mais alto naquele momento, por isso se conteve. Ela o amava demais e o queria tanto que quase não conseguia sufocar o grito de seu coração que exigia que mandasse seu bom senso para o espaço, e se jogasse de vez nos braços de Gilbert, porém, ela estava com medo de ser rejeitada mais uma vez. No entanto, ela podia ver nos olhos dele. que Gilbert queria a mesma coisa , pois ele não tirava os olhos da boca dela. Então, ela perguntou a ele:
- O que você quer, Gilbert? - a resposta dele poderia significar o inferno ou o paraíso para ambos, mas Anne não se importou, pois precisava entender o que estava na cabeça de Gilbert para que ele agisse com tanta teimosia.
- Você não sabe mesmo? – ele perguntou??
- Não. - Ela respondeu. Então, Gilbert atacou os lábios dela sem esperar mais um segundo, empurrando-a de encontro a parede, de onde ela não poderia escapar dele. As mãos dela se agarraram na gola da camisa que ele usava, trazendo-o para mais perto. Seu corpo estava faminto, e Anne não conseguiu refrear um gemido quando ela sentiu que ele apertou o corpo dela contra ele, deixando-a perceber toda a sua excitação. As mãos dele desciam e subiam por suas curvas moldadas pelas roupas, e os lábios dele se perdiam em um ponto sensível do seu pescoço. Ela-precisava de mais e queria mais, seu desejo por ele deixando-a ofegante cada vez que os dentes dele mordiscavam cada pedaço de pele dela que conseguia encontrar. Ela correu a mão pelas costas dele, e depois pelo peito sobre a camisa. Ela encontrou primeiro botão e o abriu, descendo sem pudor para o segundo onde sua mão poderia ter acesso aquela parte do corpo dele que ela amava tocar.
Gilbert estava quase perdendo o controle. Seu corpo estava desesperado pelo dela, e naquele exato momento em que sentia as mãos dela em sua pele o estava quase fazendo com que ele a arrastasse para algum lugar, e fizesse amor com ela do jeito que vinha sonhando. Aquela vontade era maior que ele, aquele fogo que sempre o consumia quando a tinha em seus braços o estava deixando louco. Suas mãos se insinuaram por debaixo da blusa de Anne, encontrando seus seios cobertos por um tecido macio ao tato. Ele acariciou cada mamilo por cima dele, fazendo Anne arqueava o corpo totalmente entregue ao toque de Gilbert em seu corpo. Quando ele ouviu Anne sussurrar seu nome baixinho ele se deu conta do que estava fazendo. Onde ele estava com a cabeça? Anne merecia bem mais do que ser agarrada daquele jeito do lado de fora de um restaurante. Gilbert a respeitava demais para expô-la daquele jeito. Deste modo, ele a afastou devagar, e disse em seu ouvido:
- Já tem sua resposta. – Ele olhou para ela uma última vez, e depois foi embora deixando Anne mais confusa do que já estava.
Ela esperou alguns segundos até que sua respiração se normalizasse. Foi até o banheiro feminino tentando dar um jeito em sua aparência, e quando se deu por satisfeita, ela voltou para junto de Roy e disse:
- Podemos ir embora? - ela disse sabendo que não era o que Roy queria ouvir, mas, estranhamente ele apenas assentiu com a cabeça, pagou a conta e levou Anne para casa. Quando Roy desligou o carro, Anne olhou para ele um tanto constrangida e disse:
- Eu sinto muito, Roy. Eu não queria que nossa noite acabasse assim.
- Tudo bem, Anne. Eu devia estar zangado, mas, não estou. Você sempre foi sincera comigo, então, está tudo bem. – Ele sorriu, deu-lhe um beijo na testa e se despediu dizendo
- Boa noite
- Boa noite. - ela desceu do carro e entrou no prédio.
Cole e Pierre não estavam, Eles tinham ido ao cinema. Ela respirou aliviada por estar sozinha. Não tinha condições de conversar com ninguém sobre o que acontecera.
Ela vestiu uma camisola, escovou os dentes, mas, ao invés de ir para a cama, Anne foi até a janela e ficou olhando a lua que estava bastante iluminada aquela noite, imaginando como resolveria tudo aquilo entre ela e Gilbert.
Não muito longe dali, dois olhos castanhos também estavam observando a lua lá fora desejando de todo o coração que ela trouxesse para casa a mulher que ele tanto amava.
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