Capítulo 91- Dias de tormenta
Queridos, leitores, Eu fiz um grande esforço para postar esta história hoje, porque sei que vocês estão esperando por esse capítulo, e mais tarde não será possível por conta de um compromisso que tenho, então, espero pelos comentários, pois foi um capítulo difícil de escrever. Muitas emoções e sentimentos esperam por vocês em cada linha, e por favor, após a leitura, quero que me respondam uma pergunta que deixarei nas notas finais. Desculpem-me por qualquer erro ortográfico. Eu revisei, mas farei isso novamente assim que possível. Muito obrigada pela atenção, e beijos.
GILBERT
A neve naquele dia caía espessa sobre a cidade aumentando a sensação desagradável de frio zero grau centígrado. As ruas permaneciam desertas, e as poucas pessoas que se aventuravam naquela imensidão branca lutavam para chegarem ao seu trabalho ou faculdade, deixando para trás os rastros de seus pés que se afundavam no chão macio e gélido.
A única pessoa que parecia não se importar com a temperatura terrivelmente desconfortável era Gilbert Blythe que permanecia na janela do seu apartamento olhando para o nada, como se buscasse um conforto para sua alma mais gelada ainda que a intolerável neve e sua inconstância. Ele não sentia a brisa de inverno em seu rosto que podia ferir qualquer pele exposta ao seu toque cruel, pois nada poderia machucá-lo mais do que já fora machucado, tornando-o insensível a qualquer outro tipo de sofrimento e dor.
Fazia uma semana que estava trancado naquele apartamento, sem conseguir fazer outra coisa a não ser se sentar na janela e olhar para um ponto qualquer do lado de fora. Seus olhos ardiam de cansaço, mas ele não conseguia descansar à noite. Sem Anne, dormir se tonara um ato insuportável assim como ir para faculdade ou trabalhar. Ele simplesmente não tinha cabeça para nada disso, sua concentração estava seriamente comprometida por suas emoções descontroladas que o jogavam de um humor a outro sem aviso.
Por esta razão, ele deixara de assistir às aulas, pedira licença do laboratório e se enterrara ali sentado naquela poltrona, feito uma estátua na janela, vendo as horas passarem devagar em um movimento lento como se zombassem dele e de sua solidão.
Anne não voltara para casa, e nem se importou em falar com ele, e conforme os dias foram ficando para trás suas esperanças foram quase reduzidas a zero. Ele não fazia a menor ideia de como ela estava, mas, pelo menos tinha o conforto de saber que Cole estava com ela. Quanto à ele, Gilbert apenas podia dizer que se cansara de chorar, de atirar coisas na parede, de odiar Dora pelo que fizera com ele, de ter sido tão idiota e não perceber do que ela era capaz, de ter deixado que ela entrasse na sua vida acreditando que tinha uma amiga fiel, ele se cansara de se deitar sozinho na cama e implorar no silêncio do quarto que Anne voltasse para ele, ele se cansara de sentir.
As lágrimas tinham parado de cair a dois dias, e um vazio terrível se instalara em seu coração. Gilbert andava pelo apartamento como se fosse uma sombra, enxergando Anne em cada canto do apartamento, e mesmo quando estava de olhos fechados, o perfume dela o atormentava, o tentava, o deixava doente de amor. Por esta razão, ele trancara o armário com todas as roupas dela, quando percebeu que olhar para as peças de roupas que ela usava o fazia querer chorar de novo, e mesmo não tendo mais lagrimas, soluços secos tomavam conta dele às vezes, denunciando a enormidade de um amor que ultrapassara todos os limites do que era possível e do que era tolerável.
Um toque gelado em seu pé fez Gilbert olhar para baixo, encontrar uma bolinha de pelo branco que o acariciava com o focinho. Ele se abaixou e pegou Milk nos braços, que o fitou com seus olhinhos triste e choramingando baixinho como se entendesse sua infelicidade.
- Você também sente a falta dela. Não é? – ele perguntou acariciando a carinha peluda que lambeu seu nariz com carinho.
- Você acha que ela se esqueceu de nós? - ele perguntou novamente e recebendo como resposta outro choramingo. Assim, ele se deitou no sofá 'da sala, abraçando o cachorrinho com cuidado. Aquele amiguinho peludo fora tudo o que restara de Anne, além de todas as lembranças dela que Gilbert não conseguia e não queria apagar de sua mente.
Aquela agonia iria parar? Aquela sensação de estar vivendo um pesadelo não iria acabar nunca? Eles estavam tão felizes, por que tudo tinha que ser assim? Como era possível amar alguém mais que a si mesmo a ainda assim perder esse alguém por nada? Ele fizera tudo direito, pelo menos ele pensava assim. Por que tinham que tirar tudo dele? Por quer tinha que perder cada coisa que amava pelas fatalidades e injustiças da vida? Até quando ele iria suportar viver assim? Ele não aguentava mais ser forte, ele não podia mais seguir em frente, estava exausto, estava sozinho, estava sem chão. Anne levara com ela seu coração, e o que sobrara dele fora um buraco fundo e escuro que sangrava do lado esquerdo do seu peito, e mesmo que no dia seguinte, o céu amanhecesse azul, sem ela, sua vida seria um inverno eterno porque o seu brilho de sol tinha se apagado.
Gilbert se sentou novamente no sofá, depois se levantou, levando Milk com ele para a cozinha, onde encheu o potinho vazio dele de leite. Enquanto o observava beber o líquido branco com avidez, Gilbert se lembrou da felicidade de Anne no dia em que ele a presenteara com o cachorrinho. O sorriso dela tinha sido tão lindo e verdadeiro que Gilbert não pudera se esquecer e prometera a si mesmo que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para que ela tivesse mais momentos assim, mas falhara e não sabia porquê. Onde errara? Como errara? Por mais que pensasse, ele não conseguia entender em que momento Anne passara a desconfiar dele novamente.
Gilbert passou as mãos pelos cabelos que não viam um bom pente a dias. Ele ia da cama para o sofá, não tomava café, almoçava quando se lembrava, jantava se tivesse fome e vivia de lembranças felizes, inesquecíveis, doloridas. Deus! Por que Anne não voltava para casa? Ele precisava dela, tanto que seu peito doía, comprimido de saudade. Quanto tempo ela iria castigá-lo por algo que ele não tivera culpa?
Jonas viera visitá-lo no dia anterior, preocupado com sua ausência na faculdade. Ele chegara depois do almoço e se assustara com a aparência abatida de Gilbert quando ele abrira a porta.
- Blythe, o que tem feito consigo mesmo? - Jonas perguntou ao passar os olhos pela roupa amarrotada dele, suas olheiras e o ar exausto.
- O que veio fazer aqui, Jonas? - Gilbert disse dando passagem para que ele adentrasse o apartamento e se acomodasse no sofá da sala.
- Eu fiquei preocupado. Você não apareceu mais na faculdade. Pensei que estivesse doente.
- Como está vendo, eu ainda estou vivo. Pode parar de se preocupar. - Gilbert disse ríspido.
- Por que está me maltratando assim, Blythe? Eu sou seu amigo, se lembra? O que te defendeu no dia em que Carlos quis quebrar a sua cara. - Jonas disse magoado, e o rapaz percebendo sua indelicadeza respondeu:
- Desculpe, Jonas. Eu ando meio louco. Desde o dia em que tudo aconteceu eu não consigo pensar direito. - ele baixou os olhos para as próprias mãos envergonhado de si mesmo.
- Você falou com a Anne?
- Não. - ele respondeu olhando para o chão.
- Por que Gilbert? Você não teve culpa do que aconteceu. - Jonas disse espantado.
- Porque estou cansado de tudo isso. Estou cansado de ter que me explicar a Anne toda vez que algo acontece e separa a gente. Estou cansado de ter que encontrar um argumento convincente para fazê-la compreender que sou inocente. Estou cansado de dar a ela tudo de mim e ser rejeitado no processo. Estou farto, Jonas de ser sempre o lado mais forte, o lado que é socado, ofendido, magoado e ainda manter um sorriso nos labios fingindo que está tudo bem. Se ela não pode acreditar em mim, então, é melhor que eu fique sozinho.
- Gilbert, eu acreditaria em tudo isso que está me dizendo se eu não estivesse vendo com meus próprios olhos o quão quebrado você está. Quer me convencer que não sente a falta dela? Olha para você. Mal consegue se manter em pé. - Gilbert fechou os olhos reconhecendo a verdade nas palavras do amigo, e em seguida, abriu os olhos novamente e disse:
- Dói como o inferno. Você não faz ideia do quanto tenho que me controlar para não socar a parede de frustração. Anne é tudo para mim, Jonas, e não tê-la aqui é terrivelmente solitário. Me sinto mergulhado em um desespero sobre o qual nem consigo falar. Eu a perdi, e não consigo viver com isso. - Gilbert sentiu que lágrimas subiam aos seus olhos, mas as impediu que rolassem. Não queria chorar na frente de Jonas, e deixar o amigo ver até que ponto ele tinha chegado pelo seu amor por Anne.
- Então, porque não vai atrás dela, e lhe diz tudo o que acabou de me contar?
- Não posso. – Ele respondeu.
- Por que não? Deixe de ser orgulhoso, isso não vai te levar a lugar nenhum. - Jonas disse olhando para ele com pena.
- Não é orgulho, Jonas. Eu só não quero ter que implorar para ela voltar para mim de novo. Eu já fiz isso demais.
- Quer que eu conte a ela o que aconteceu? Aposto que quando souber o que Dora fez, ela volta correndo para você. – Jonas disse parecendo animado com a ideia.
- Não. Eu não quero que diga nada a ela. - Gilbert disse de maneira firme
- Por que não?
- Eu já te disse. Se Anne não confia em mim, então, não tenho nada a dizer a ela.
- Gilbert, você não pode culpá-la por duvidar. Ela viu Dora com você. O que esperava que ela pensasse? - Jonas perguntou inconformado com a atitude de Gilbert.
- Jonas, Anne sabe o quanto eu a amo, e depois de tudo que vivemos juntos, ela poderia ter confiado mais em mim. Ela podia ter ficado para descobrir o que realmente aconteceu antes de me julgar e condenar. Mas, ela fez o que sempre faz, fugiu e se afastou de mim, e eu não vou tolerar isso dessa vez. - Gilbert se levantou impaciente e foi até a janela, seu refúgio nos últimos dias.
- Essa atitude pode lhe custar um preço, Blythe. - Jonas avisou.
- Mais do que me custou até agora? – Gilbert perguntou incrédulo. - Se for assim, alguém lá em cima realmente me odeia. - ele disse suspirando.
- E a faculdade? Como fica? Vai perder o ano se continuar assim.
- Eu não me importo. - Gilbert disse dando de ombro.
- Gilbert, como pode falar assim depois de todo o seu esforço e dedicação? Vai perder a sua bolsa e consequentemente não terá o seu diploma em medicina com o qual tanto sonha.
- Eu não ligo. - ele respondeu fitando a parede a sua frente.
- Você não pode estar falando sério. - Jonas disse incrédulo.
- Pois, acredite eu estou falando muito sério. Pouco me importa se vai ser dia ou noite amanhã, se vou acordar ou não. Pouco me importa se lá fora está caindo uma tempestade de neve ou granizo, eu só quero ficar aqui e sofrer em paz.
- Você está realmente mau. Eu não acredito que vai desistir de tudo sem lutar. Jonas disse inconformado com o que Gilbert lhe dissera. Ele precisava de ajuda, e logo.
Gilbert pensou nas palavras de Jonas antes de responder. Lutar era só o que tinha feito desde que a conhecera. Ele lutara para conquistá-la, para mantê-la a seu lado, para se aproximar dela, para mantê-la com a mente sã depois da morte do filho deles, ele lutara pelo direito de amá-la sem culpa, sem medo de perdê-la, e de repente, ele parecia ter chegado ao fim da linha. Não, Jonas não sabia tudo o que ele fizera por aquele amor e por Anne, por isso, não tinha o direito de lhe dizer que ele estava desistindo fácil.
Ele não tinha mais pelo que lutar. Será que Jonas não entendia isso? Será que ninguém entendia como andava o seu coração? Ele não tinha mais forças, pois apostara sua vida e perdera tudo o que realmente importava.
Gilbert olhou para o amigo e disse com a voz sem um pingo de emoção, porque ele trancara tudo dentro de si, e não deixaria que conseguissem ver seu verdadeiro estado por dentro.
- Por favor, Jonas. Vá para casa eu quero ficar sozinho. - ele disse quase suplicando.
- Está bem, Blythe. Se é o que deseja. - Jonas disse se levantando e caminhando para a porta, porém, antes de abri-la e sair ele disse:
- Espero que saiba o que está fazendo.
Quando se viu sozinho de novo Gilbert respirou aliviado. Ele não queria nenhum amigo seu ali lembrando-o do que ainda havia para ele do outro lado da porta. Ele apenas desejava ficar em paz naquele apartamento que lhe trazia as últimas lembranças maravilhosas que tinha de Anne, daquela manhã que se amaram pela última vez.
O sorriso dela confiante, seu rosto todo iluminado por uma luz incrível, e aqueles olhos que falavam do amor que sentia por ele sem necessidade de palavras.
Como era insuportável a dor que sentia por não ter mais nada disso. Aquela última semana tinha sido seu tormento, sua penitência e provação. Chorar não aliviara sua tristeza, apenas o fizera cair fundo no pior dos sentimentos, e pela primeira vez não sabia como lidar com o que sentia. Gilbert sempre tivera orgulho de ser ponderado em tudo, de ser coerente em suas palavras e escolhas, mas naquele exato momento não sabia para onde estava indo.
Uma vontade imensa de fugir o acometeu. A ideia de pegar um navio e viajar pelo mundo deixando tudo para trás parecia sedutora demais, mas, logo que esse pensamento passou por sua cabeça, Gilbert sabia que era algo tolo de se pensar. Ele não era mais o garoto de anos atrás sem grandes responsabilidades. Agora ele tinha uma vida em Nova Iorque, e uma mulher que ele amava de todo o seu coração. Jamais conseguiria deixar Anne para trás, por mais que estivessem afastados um do outro, ele não saberia viver sem ela, ele precisava pelos menos respirar o mesmo ar que ela, estar pior perto, saber que ela estava a seu alcance mesmo que não pudesse de fato tocá-la.
O rapaz olhou para Milk que tinha aconchegado seu corpinho ao tapete da sala. Ele passara a dormir ali depois que Anne tinha ido para a casa de Cole, como se quisesse confortar Gilbert que passava mais tempo deitado no sofá do que em seu próprio quarto. De repente, ele se sentiu sufocado por sua mente inconstante que não parava de torturá-lo com lembranças de Anne, e decidiu sair um pouco do apartamento e caminhar pelas ruas e tentar encontrar um pouco de coerência para suas emoções.
Deste modo, ele vestiu um casaco pesado com capuz, colocou suas botas de inverno, e saiu do prédio ignorando os flocos de neve que vez ou outra beijavam seu rosto. Ele caminhou em linha reta por alguns minutos sem de fato saber a direção que estava indo. Gilbert apenas queria se sentir humano de novo, pois nos últimos dias seu eu interior parecia ter se apagado, deixando-o com uma sensação de que estava vivo somente porque continuava a respirar.
Depois de caminhar cerca de trinta minutos, ele resolveu entrar em uma cafeteria perto do seu apartamento e comprar seu jantar que consistiria apenas em café quente e um sanduíche. Quando estava pagando pela conta, ele ouviu alguém chamá-lo e se virou. Ao ver que era Dora, Gilbert simplesmente pegou o pacote com os itens que comprara e passou por ela sem sequer encará-la, mas ela o seguiu, apressando o passo até alcançá-lo e caminhar ao lado dele.
- Gilbert, eu sei que está com raiva de mim, mas, podemos apenas conversar? - ele não respondeu e ela insistiu.
-Por favor, Gilbert. - ela disse e tocou-o no braço, o que fez Gilbert reagir como se tivesse sido queimado
- Por que não me deixa em paz, Dora? Você já não fez o bastante? - ele sabia que tinha sido ríspido, mas, estava cansado de poupar os sentimentos de outras pessoas, quando ninguém se importava com os seus.
- Eu quero te ajudar. Estou preocupada com você, Gilbert. – ela disse olhando-o com o arrependimento estampado em seu rosto.
- Pena que não se preocupou com a bagunça que deixou minha vida antes de fazer o que fez? - ele disse secamente.
- Você não contou a Anne o que aconteceu?
- Não.
- Por que não? - ela demonstrou um interesse que o irritou.
- Não é da sua conta. - ele disse recomeçando a andar, e Dora continuou a segui -lo. Por que ela não desistia? ele pensou. Será que Dora não entendia que ele não queria falar com ela? Não queria vê-la e nem ouvir-lhe a voz?
- Gilbert, se quiser posso tentar falar com ela e explicar o que aconteceu. - o rapaz a olhou com tanta raiva que Dora deu um passo para trás assustada.
- Não chegue perto dela, ou vai se arrepender, entendeu? - Gilbert disse com o punho cerrado,
_ Desculpe-me, eu não pretendia te deixar zangado.
- Dora, deixe-me sozinho, é somente isso que lhe peço. Eu não sou uma boa companhia no momento. - ele continuou andando, louco para se afastar da única responsável por sua ruina.
- Gilbert, eu sinto muito. - ele não disse nada. -- Eu te amo. - ela disse em voz baixa, mas ele ouviu e a olhou como desdém ao responder:
- Você não sabe o que é amar alguém.
Assim, Gilbert deu-lhe as costas e continuou seu caminho até o apartamento. Uma vez lá dentro, ele deixou o pacote da confeitaria em cima da mesa e foi até a janela, onde o seu olhar se misturou ao fim de tarde que se começava a despontar no horizonte, sem vontade nenhuma de comer. Aquela caminhada não contribuiu em nada para aliviar a pressão em seu peito, somente aumentara o vazio que parecia maior a cada segundo. Ele perdera a fome assim como perdera a razão da sua vida.
ANNE
Anne caminhava para a faculdade sem prestar muita atenção ao que acontecia ao seu redor. Estava sendo difícil demais manter seus pensamentos em ordem, e focar em uma coisa de cada vez exauria todas as suas forças.
Ela nunca tivera problemas de concentração antes no que se referia aos estudos, mas, naquela semana inteira tivera que se dedicar duas vezes mais do que normalmente faria, e assim, ela não conseguia afastar a sensação de que estava sozinha de novo, e desta vez órfã de amor.
A ruivinha fez uma pausa em sua caminhada para respirar fundo, afastar os fios ruivos que caiam por sua testa, e apertar o casaco de lã contra o corpo. Ela sentia mais frio do que o normal, e caminhar por toda aquela neve só piorava seu estado de espírito. Anne sabia bem o que estava lhe faltando, e nada substituiria Gilbert Blythe em seu coração.
Ela não o via a uma semana, desde aquele dia em que ela o encontrara com Dora, e pensar que eles poderiam ter feito isso muitas vezes juntos a deixava doente. Anne tentava ser racional, mas, ninguém, lhe contara, vira com os próprios olhos, e ela pensou que depois de perder seu filho nada doeria tanto de novo, mas, estava enganada. De todas as coisas insuportáveis que tivera que superar na vida, ver Gilbert com outra mulher fora a pior delas, e sabia que nunca conseguiria superar ou esquecer aquela cena.
Contudo, a saudade que sentia dele era imensa, e depois de uma semana sem sequer ver seu sorriso maravilhoso a estava deixando maluca. Seu amor por ele continuava intacto, ele vivia dentro dela, roubava lhe a calma, a levava do êxtase profundo a pior da desolação. Ela sonhava com ele à noite, e acordava completamente sem fôlego, pois seus sonhos nada tinham de inocentes. Anne sentia falta do toque de Gilbert, de suas bocas unidas, de seus corpos tão juntos que ela sentia o coração dele bater como se fosse o seu, e agora suas noites se resumiam em sua saudade e naqueles sonhos que a deixavam ainda mais carente do amor de sua vida.
Na primeira noite que passara na casa de Cole, ela chorara por muito tempo até adormecer, e quando acordara no dia seguinte, Anne rezara para que fosse um pesadelo tudo o que se passara horas antes, mas, quando lançou um olhar para as paredes brancas da colcha azul de renda que a cobria, a menina teve certeza de que a realidade era realmente cruel e mais uma vez a fez se sentir menor, sem importância, quase insignificante. Foi naquele instante em que sofria em seu silêncio que viu a boina vermelha perto de seu travesseiro, e ao tocá-la cuidadosamente com seus dedos, o perfume familiar de Gilbert fez sua saudade piorar.
Ela se levantou confusa, ainda vestida com uma camisola de algodão que Cole lhe emprestara na outra noite, e que pertencia a uma irmã de Pierre que viera visitá-los em um fim de semana qualquer, e acabara esquecendo-a ali, e foi até a cozinha onde encontrou Cole tomando sua xícara de chá. Ao vê-la desperta, logo dissera:
- Já está de pé, meu amor? - Anne ignorou a pergunta e fez outra em seguida:
- O Gilbert esteve aqui ontem a noite? - ela mostrou a boina vermelha em suas mãos e Cole respondera:
- Sim, ele apareceu aqui bem tarde da noite, e você já tinha adormecido. - Anne se sentou na cadeira de madeira em frente de Cole e perguntou:
- O que ele queria?
- Falar com você. - ela apenas assentiu olhando para a boina e passando seus dedos devagar sobre ela.
- Ele estava muito triste, Anne, e tinha os olhos vermelhos como se tivesse chorado muito. Quando eu disse que você estava dormindo, ele ficou desolado e me pediu para deixá-lo te ver, e eu permiti. Fiz mal? - Cole perguntou preocupado.
- Não. Eu apenas agradeço por ter estado dormindo. Não saberia o que dizer a ele. - ela respondeu com a voz sofrida.
- Por que não vai falar com ele, Anne? Gilbert deve ter uma boa explicação para o que aconteceu, e aliviaria esse seu coraçãozinho sofredor.
- Não posso. Estou muito magoada e não conseguiria ter uma conversa coerente com ele. - Anne abraçou a si mesma como se precisasse se proteger de algo invisível e ameaçador.
_ Anne, nem sempre a verdade é visível aos olhos. Talvez você esteja sendo muito radical por pensar assim.- Cole disse colocando a xícara sobre o pires em cima da mesa.
- Eu sei o que vi, Cole, e apesar disso, eu não duvido que Gilbert me ama, assim como eu o amo, e é isso que torna tudo pior. Ele jogou fora algo verdadeiro por um passatempo qualquer. - ela parou de falar, porque se continuasse iria começar a chorar e não pararia tão cedo.
- Anne, você nem sabe se isso que está' pensando é verdade. Você deveria duvidar sempre da primeira impressão. - Cole aconselhou, e ela simplesmente balançou a cabeça. Não queria acreditar, mas seus olhos lhe provaram. Não fora uma ilusão de ótica, nem sua imaginação fértil. Ela tinha certeza de que tudo acontecera por insistência de Dora, e como Gilbert sucumbira depois de amá-la por tantas noites prometendo que seriam para sempre? Anne não conseguia suportar a ideia de que por fraqueza, ou quem sabe atração, ele se permitira ter um momento com a garota que Anne passou a detestar com todas as suas forças. Ela se levantou pesadamente da mesa, e incapaz de continuar discutindo sobre aquilo, ela disse a Cole
- Vou voltar para o quarto. Estou com dor de cabeça.
- Não vai para a faculdade? - ele perguntou, e Anne negou indo para o quarto desolada. Não podia encarar Gilbert e nem Dora. Só de pensar que teria que cruzar com aquela garota nos corredores e ver o seu sorriso satisfeito e debochado, ela sentia calafrios.
Assim, se trancou no quarto por três dias inteiros, chorando em alguns momentos, lembrando em outros, e na maior parte do tempo morrendo de saudades. Ela esperara que Gilbert viesse falar com ela, e não quisera nem admitir para Cole que era o que mais desejava. Ele a tinha magoado, a feito sofrer de novo, mas, ela simplesmente não conseguia apagá-lo de seu coração. Ele era tudo o que importava para ela em um mundo onde ela mais tivera espinhos que rosas, Gilbert lhe dera um jardim inteiro de sonhos. Como ela podia deixar de amar alguém que em suas noites mais escuras fora a sua única luz? Eles tinham uma história juntos que escreveram por linhas tortas, e criaram seu próprio mundo onde o amor era a melhor parte dos dois.
No segundo dia, sua espera a deixara ansiosa e sua a mente a castigara, mantendo-a refém de seu ciúme, deixando-a tão desesperada que ela começou a detestar sua imagem no espelho. Quando se lembrava do olhar de Gilbert para Dora, enquanto os cabelos dela brilhantes e louros caiam-lhe pelas costas, Anne teve um surto de raiva, e deu um passo atrás em seu progresso na terapia. Ela olhara para os seus cabelos ruivos, lembrando-se novamente de todas as zombarias que tivera que aguentara por causa deles, e pegou uma tesoura que encontrou na escrivaninha do quarto, se posicionou em frente ao espelho, e se não fosse por Cole que entrara naquele momento com uma bandeja com comida, ela teria cortado cada mecha por puro ódio.
- Anne, pelo amor de Deus! O que pensa que está fazendo? - ele perguntara se aproximando dela devagar.
- Eu odeio esse cabelo ruivo, e vou acabar com cada fio de uma vez por todas. - suas narinas estavam dilatadas, o maxilar tão apertado que chegava a doer. Assim, ela pegou um punhado de cabelo nas mãos e quando levou a tesoura em direção à eles, Cole segurou seu braço e disse:
- Querida, não faça isso. – em seguida, ela começou a soluçar, uma dor aguda queimando em seu peito que a fez se dobrar sobre si mesma. Cole a abraçou enquanto ela dizia entre lágrimas:
- Por que, Cole? Por que, ele não está aqui? Eu preciso dele, eu preciso ouvi-lo dizer que me ama. Eu quero o Gilbert aqui comigo. Por que ele me deixou de novo?
- Ele não te deixou, meu amor. Ele apenas te deu o espaço que precisa. Eu tenho certeza de que no momento em que quiser voltar para casa, Gilbert vai estar lá de braços abertos.
- Então, por que ele não veio mais me ver? Por que não se importa com o que está acontecendo comigo? Por que não veio me pedir para voltar para casa? – ela estava inconsolável, e Cole tentou dar-lhe a segurança que ela precisava, mas, no fundo, ele sabia que não era suficiente. Só uma pessoa podia dar a Anne o que ela mais desejava, e esta pessoa não estava por perto naquele momento para mostrar a ela o quanto ela era amada.
Ele conseguirá acalmá-la por fim, convencendo-a a se alimentar um pouco, e depois ela caíra em um sono profundo exausta pela intensidade de suas emoções. Cole ficara olhando para ela um tempo antes de sair do quarto, se perguntando por que Anne não dava logo o braço a torcer, e ia falar logo com Gilbert. Aquele orgulho estúpido estava acabando com ela, e ele não tinha dúvidas nenhuma que Gilbert estava no mesmo estado.
No terceiro dia, ela acordara apática, ficando abraçada com a boina de Gilbert como se ali residisse uma parte dele que ainda era sua. Ela se recusara a se levantar, comer ou falar, e preocupado com seu estado, Cole pensou em chamar Gilbert, mas Pierre o impediu dizendo que era melhor deixar as coisas como estavam, caso contrário poderiam ficar ainda piores
Por isso, no dia seguinte, Cole a obrigara a ir para a faculdade, mesmo contra sua vontade. Ele comprou-lhe algumas roupas novas, pois ela não tivera coragem de ir até o apartamento para pegar algumas das suas, alegando que era melhor para ela se distrair do que ficar em casa amargando uma depressão que somente pioraria o quadro todo.
E então, ela obedeceu, embora não conseguisse entender no que estar no mesmo espaço físico que Dora e Gilbert pudesse fazê-la se sentir melhor. Para sua sorte ou tristeza, ela não encontrara Gilbert, e isso a fez imaginar onde ele estaria? Ela não o vira no refeitório ou mesmo nos corredores, o que era um fato estranho aliado a ideia de que Gilbert nunca perderia uma aula à toa. Quanto a Dora, Anne a vira uma vez na biblioteca, e ao contrário do que Anne imaginara ela não parecia nada feliz. Será que o breve interlúdio tinha chegado ao fim?
Assim, o primeiro dia passara sem que ela tivesse que se explicar demais por sua ausência nos três dias anteriores. Sharon acreditara na sua história de que tivera uma gripe severa que explicava muito bem sua cor pálida, e os olhos lacrimejantes. Anne não quisera contar sobre o seu drama interior. Não queria ter que explicar o inexplicável, não queria jogar mais sal na ferida, e consequentemente sofrer tudo de novo.
Assim, ali estava ela enfrentando seu desânimo quase sendo engolida pela neve de inverno. A caminho do seus estudos, sem grandes perspectivas de que aquele dia seria muito diferente dos outros, ela se lembrou que os ensaios da peça começariam naquela manhã, e seus lábios se apertaram em desagrado. Suportar a petulância de Roy naquele momento em particular no qual se sentia tão fragilizada fez Anne querer dar meia volta e ir para casa, mas, sabia que não podia fazer isso, porque assumira um compromisso e não era de seu feitio faltar com uma palavra dada.
Deste modo, ela continuou seu caminho, contando os passos até chegar lá, e quando entrou na faculdade a primeira coisa que fez foi procurar por Gilbert, correndo o olhar por todos os cantos, e sentindo seu coração afundar de desapontamento quando não conseguiu encontrá-lo em lugar algum. Ela precisava tanto vê-lo, mesmo que não se falassem, tudo o que realmente queria era ter a presença dele por perto para que não se sentisse tão abandonada, esquecida e não amada.
Sem que esperasse, a pessoa que menos desejava ver entrou em seu campo de visão, e ela mudou de caminho no mesmo instante. Não conseguiria encarar Dora sem ter vontade de estapeá-la de novo, ou fazer coisa pior, e não queria dar a ela o prazer de ver Anne quebrada, derrotada, chorando pelo único homem que amava, o único que era a metade de seu coração.
Por isso, ela caminhou a passo largos até alcançar sua sala de aula, onde Sharon a olhou espantada, intuindo que havia algo errado, pois sua cara de choro a denunciava, assim como seus lábios apertados e os ombros tensos.
- O que foi, Anne? Por que está tão triste?
- Não é nada, eu só não estou me sentindo bem. - não era uma mentira completa, e preferia que Sharon acreditasse nisso e não a enchesse de perguntas difíceis de responder.
- Por que não vai para casa?
- Não posso. Hoje é o dia do nosso primeiro ensaio. Não posso perder isso de jeito nenhum. - ela disse tentando ser convincente. Instintivamente olhou para trás e sentiu um arrepio ao ver Roy fitando-a intensamente. Felizmente ele não tinha aquela expressão sarcástica que costumava dar-lhe enjoo, mas, ainda assim, o jeito com o qual a olhava a deixava apreensiva, e por isso, se virou para frente de novo tentando prestar atenção na aula sobre poesia grega.
Uma hora depois, os ensaios começaram, e tinha como parte principal a primeira vez que Elisabeth Bennet conhecia Mr. Darcy. Embora soubesse as falas de cor, e representasse cada cena e linha com perfeição, Anne não conseguia deixar de pensar na primeira vez em que vira Gilbert, e seus olhos se encheram de lágrimas. Como poderia saber naquele tempo, que aqueles olhos castanhos lindos e simpáticos significariam o mundo inteiro para ela, que seriam noivos perderiam um filho e ainda assim se amariam a cada dia como se fosse o último? Era tanto amor e tanta dor, que ela quase não pôde conter um soluço, fazendo Roy perguntar:
- Anne, você está bem? - a voz dele parecia preocupada, e a ruivinha desejou que fosse sincero seu jeito de falar com ela, pois só Deus sabia o quanto precisava de um consolo.
- Sente-se mal? Quer parar um pouco? – ela assentiu dizendo:
- Vou tomar um pouco de água e já volto.
- Claro. Não se preocupe, volte quando se sentir pronta. - Roy disse, e Anne pensou consigo mesma que ele estava diferente naquele dia, gentil e quase agradável, mas, não devia se deixar levar por isso. Ele não era confiável e lhe dera milhares de provas disso.
Anne foi até o banheiro, e examinou com cuidado seu reflexo no espelho. Seu rosto estava pálido, e os olhos brilhantes por causa das lágrimas que ela tentava segurar a todo instante. Estar ali e não ter Gilbert com ela era o pior dos castigos. Onde ele estava? Será que estava fugindo dela? Será que não queria vê-la? Ela podia aguentar a rejeição de qualquer pessoa, mas nunca a de Gilbert. Se ele não a quisesse mais, sua vida estaria acabada.
Ela precisava falar com ele, descobrir o que tinha acontecido no dia em que o vira com Dora. Cole estava certo, ela não podia continuar sofrendo daquele jeito sem saber de verdade a causa daquilo.
Sentindo-se mais calma, Anne voltou para o ensaio, e por incrível que pudesse parecer fora mais fácil do que esperava. Roy era um ótimo ator, sabia colocar sentimento em sua interpretação e fala. Anne nunca imaginaria que ele fosse tão dedicado assim, e por mais que detestasse admitir, ele seria um excelente Mr. Darcy, pois tinha talento e carisma para isso. No final de tudo, ele se aproximou dela e perguntou com a voz suave:
- Está melhor? - Anne mais uma vez se surpreendeu com o jeito dele, pois Roy nunca fora assim com ela. Ele vivia lhe esfregando na cara que a desejava, que a queria em sua cama, que não desistiria até tê-la por completo, e observá-lo agir com tanta consideração com o mal-estar dela, Anne até duvidou que fosse a mesma pessoa, e por isso respondeu educadamente:
- Estou sim, obrigada. - ela se virou para pegar suas coisas, e ouviu-o dizer:
- Se precisar de alguma coisa, saiba que estou aqui. - Anne apenas sorriu em agradecimento, e saiu se sentindo esquisita em relação a atitude de Roy. Por mais que ele lhe parecesse sincero, ela realmente não conseguia acreditar nele, porque em sua opinião, ninguém mudava assim tão depressa, não um rapaz como ele que até na última semana estava decidido a atormentá-la. Ela ficou mais surpresa ainda, quando voltou do intervalo e encontrou uma rosa sobre sua carteira. Por um momento, ela pensara que poderia ter sido Gilbert que deixara a flor ali, como ele costumava fazer nos velhos tempos. Seu coração bateu forte, e ela correu para abrir o bilhete que estava preso ao caule da rosa que dizia:
"Tristeza não combina com você, por isso, espero que essa rosa singela alegre o seu dia, assim como você alegrou o meu hoje com seu sorriso."
Com Amor, Roy.
Apesar da decepção de saber que a rosa e o bilhete não eram de Gilbert, Anne não pôde deixar de sorrir. Fora um gesto bonito de Roy, e mesmo não acreditando que ele tinha se transformado em alguém tão agradável e atencioso, a ruivinha não quis perder tempo pensando ao contrário, Ela já estava triste demais e com o coração pesado para começar a questionar o motivo de Roy Gardner de repente se tornar uma pessoa melhor do que vinha sendo até ali.
A ruivinha saiu da faculdade no fim do seu horário de aula, e voltou para a casa de Cole fazendo o mesmo percurso que fizera de manhã. Ela ainda se sentia muito triste, porém com esperanças de que aquela situação realmente se resolvesse em breve. Ela precisava apenas de um pouco de coragem para falar com Gilbert e trazê-lo de volta para sua vida. Com uma nova chama brilhando em seu coração, ela caminhou mais rápido, enquanto em seus lábios um leve sorriso surgia, afastando as nuvens que até aquele momento tinham roubado a sua alegria, fazendo-a suspirar em seu coração.
GILBERT E ANNE
A manhã seguinte amanheceu mais brilhante para Anne que apesar de ainda estar nevando, sentia como se estivesse renascendo depois de dias sentindo-se oca por dentro, Ela escolheu a roupas que usaria com capricho, pois se iria falar com Gilbert queria que ele a achasse bonita. Assim, ela vestira uma saia preta longa que chegava até seus tornozelos, com um cinto largo marrom marcando-lhe a cintura fina. Para combinar, ela colocou uma blusa de lã azul justa de mangas compridas que moldava seu busto com perfeição, alongando sua silhueta, botas pretas de inverno, e deixou os cabelos soltos, pois sabia que Gilbert apreciava-os assim. Como ela não gostava de muita maquiagem, apenas marcou os olhos com lápis preto e pintou os lábios com batom rosa clarinho, dando um aspecto mais saudável ao rosto que se mantinha pálido por todos aqueles dias que sofrera pela ausência de seu noivo.
Dando-se por satisfeita, ela foi até a cozinha tomar seu café antes de sair, tendo apenas a si mesma como companhia, pois Cole e Pierre já tinham saído para o trabalho. Deste modo, ela não perdeu tempo e se alimentou rapidamente, pois estava ansiosa para chegar na faculdade e encontrar Gilbert. Queria falar com ele logo na entrada, pois não aguentaria esperar até a hora do lanche, e deste modo, quase correndo pelas montanhas de neve que encontrava pelo caminho, ela andou o mais rápido que pôde, chegando no pátio de entrada ofegante pelo esforço, ainda assim, ela subiu todos os lances de escada até chegar no corredor onde os alunos de medicina se encontravam antes da aula, e de novo sentiu a decepção magoar seu coração quando não encontrou Gilbert entre eles.
Então, ela foi para sua aula totalmente desapontada, seu peito apertado, e a cabeça nas nuvens, impedindo-a de prestar atenção no que quer que fosse. O intervalo chegou, e ela foi a primeira a sair da sala, deixando Sharon intrigada com sua pressa e chegando em cinco minutos no refeitório onde havia ainda poucas pessoas, não encontrando nenhum sinal da pessoa que tanto queria encontrar desde que chegara ali de manhã.
Decidida, Anne caminhou até o grupo de medicina, onde Carlos e Jonas estavam cuja presença ela vinha fugindo durante aquela semana inteira, porque não queria ter que lidar com suas perguntas e preocupações por ela. Anne adorava os dois amigos de Gilbert, principalmente, por eles tratarem-na como uma irmã mais nova. No entanto, ela não se sentira preparada para falar do que tinha acontecido e por essa razão evitara de encontrar com eles ali na faculdade.
- Anne! - Carlos dissera surpreso-, levantando-se de onde estava e beijando-a no rosto com carinho. - Como você está querida?
- Estou melhor, obrigada por perguntar. E queria também me desculpar por não ter falado com vocês esta semana. Toda essa situação que tenho vivido tem sido um pouco complicada para mim. - ela disse tentando sorrir.
- Nós entendemos, não se preocupe. - Carlos disse apertando-lhe as mãos que estavam terrivelmente geladas de apreensão.
- Vocês poderiam me dizer onde o Gilbert está? Eu preciso falar com ele, mas, não o tenho visto a semana toda. - ela percebeu a troca de olhares entre Carlos e Jonas, e perguntou nervosa. - Está acontecendo algo que precise saber?
- Anne, sente-se aqui com a gente, por favor. - Jonas disse fazendo-a se sentar ao lado dele na mesa.
- O que está acontecendo, Jonas? – ela insistiu, sentindo todo o ar se comprimir em seus pulmões.
- O Gilbert não tem vindo para a faculdade. -
- Por que? Ele está doente? - Anne perguntou preocupada, enquanto sua mente começava a torturá-la com imagens de Gilbert na cama e totalmente sozinho no apartamento.
- De certa forma ele está doente. Porém, não é uma doença física e sim do coração. - Anne ficou em silêncio esperando que ele continuasse, apertando uma mão contra outra para tentar se acalmar.
- Eu fui vê-lo outro dia para saber o que estava se passando, e o que encontrei lá me deixou preocupado.
- Ele pode perder a bolsa se continuar faltando assim.- Anne disse preocupada. Não podia acreditar que Gilbert estava fazendo aquilo deliberadamente.
- Eu sei, e acredite, ele não se importa nem um pouco com isso. Tentei trazê-lo a razão, mas, ele apenas me pediu para ir embora e deixa-lo em paz. - Jonas concluiu deixando Anne incrédula com o que contara.
- Eu não posso compreender porque ele está abrindo mão de algo pelo qual lutou tanto para conseguir. - Anne disse em protesto à aquela ideia.
- Você sabe porque, Anne. - Jonas olhou para ela enigmaticamente, e Anne compreendeu que aquela decisão tinha a ver com ela.
- Eu não posso deixar que ele faça isso, Jonas. Eu o vi passar noites e mais noites em claro estudando para conseguir essa bolsa, e agora ele quer jogar tudo para o alto assim.- os olhos dela marejaram, e Anne baixou a cabeça envergonhada pelo seu descontrole. e Carlos a abraçou pelo ombro dizendo:
- Se tem alguém que pode convencê-lo da bobagem que está fazendo, esse alguém é você.
- E por que ele me ouviria agora? Ele não me procurou nenhuma vez durante esse tempo para conversarmos sobre o que aconteceu. – ela fitou Carlos nos olhos e perguntou prendendo a respiração. – Diga-me verdade, Carlos. Ele e Dora têm estado juntos?
- É claro que não. Tem algumas coisas que você tem que saber sobre aquele dia, a Dora...- Jonas o interrompeu nesse ponto da conversa dizendo;
- Carlos, não devemos nos meter nisso. Deixe que Gilbert converse com Anne quando for o momento. - o rapaz assentiu, apesar de estar inconformado com toda aquela história. Dora tinha sido perversa, uma verdadeira víbora, e acabara afastando duas pessoas que claramente se amavam. Em seu modo de ver toda aquela situação, Gilbert estava sendo um idiota orgulhoso por não deixar que ninguém contasse a Anne o que tinha realmente acontecido, mas, ele sabia respeitar a vontade de um amigo, e não passaria por cima desse princípio mesmo sabendo que daquilo dependia a felicidade de ambos.
- Anne, por que não vai falar com Gilbert e tenta convencê-lo a voltar? Talvez você consiga colocar um pouco de juízo naquela cabeça dura. - Carlos disse simplesmente.
- Depois da aula, eu vou até o apartamento falar com ele. Ele não pode desistir assim de tudo. - ela disse se levantando. - Obrigada, Jonas e Carlos por me apoiarem e apoiarem o Gilbert. Prometo que farei o possível para fazer Gilbert mudar de ideia. - ela se despediu deles com um beijo no rosto de cada um e voltou para sua sala de aula. O tempo demorou a passar depois disso, e Anne deduziu que isso estava acontecendo por conta de sua ansiedade que a fazia consultar o relógio a cada segundo. Quando o relógio finalmente badalou meio dia, ela saiu feito um furacão da sala e se encaminhou para o portão de saída. Aquele dia ela não teria monitoria, e estava aliviada por isso. Não conseguiria trabalhar com tantos pensamentos atrapalhando sua concentração.
Desta forma, ela caminhou bem rápido até o apartamento, só parando quando se viu em frente ao edifício para tomar fôlego e pensar no que diria a Gilbert. Depois de tantos dias sem vê-lo, ela se sentia estranhamente nervosa, como se por trás daquela porta não estivesse o rapaz com quem vivia a um bom tempo e com quem partilhava tudo de si mesma.
Bater na porta foi uma agonia, assim como esperar que Gilbert viesse abri-la, e pelo tempo que durou sua espera, Anne ensaiou cada palavra que diria à ele, porém, quando a porta foi finalmente aberta, ela esqueceu tudo ao encarar o rapaz à sua frente. Os cabelos escuros e cacheados estavam completamente bagunçados, a barba por fazer, e os olhos castanhos a encaravam sem quase piscar. Apesar da aparência um tanto desleixada, a beleza dele era gritante, um misto de sensualidade e masculinidade que o cercava quase como um halo de sedução pura. Ela desceu o olhar do rosto e olhou para baixo, percebendo naquele instante que ele estava de calça jeans desbotada, descalço e sem camisa, o que a fez engolir em seco, tirando-lhe o foco da visita.
Então, ela ralhou consigo mesma ao pensar que deveria estar ali para conversarem seriamente, e não para ficar babando na frente de Gilbert como se nunca o tivesse visto assim antes.
- Posso entrar? - ela perguntou tentando não reparar no peito musculoso dele, o qual tocara e beijara tantas vezes. Porém, não era fácil se manter longe depois da saudade que estava sentindo dos braços dele ao seu redor, por isso, estremeceu quando ouviu-o dizer:
- Claro. A casa ainda é sua. - ele se afastou para dar-lhe passagem ao mesmo tempo que sentia o perfume dela. Ela estava tão linda, que tudo o que ele queria fazer era prendê-la contra seu corpo e não deixar que Anne se afastasse dele nunca mais. A falta que sentia dela era enorme, e suportá-la todo aquele tempo estava sendo um desafio enorme. Gilbert sentia cada fibra de seus ser gritar por ela, implorando que ele esquecesse sua mágoa e pedisse a ela de joelhos que voltasse para ele, porém, o rapaz se controlou. Ele não podia se entregar daquele jeito, não iria se humilhar jogando fora a única coisa que restava que era seu orgulho.
Um movimento dela o fez sair de seus pensamentos, e ele a viu se abaixar e pegar Milk no colo que lambia o rosto dela feliz, mostrando-lhe o tamanho de sua saudade pela dona que ele devotava toda a sua adoração.
- Meu amor, que saudades! Como você cresceu e está lindo. - Anne abraçava o cachorrinho com tanto carinho e amor que Gilbert afastou o olhar para ela não perceber o quanto aquela cena familiar mexia com ele. Uma semana era tempo demais sem ela, e sua carência o estava deixando vulnerável à presença dela. Ele nunca conseguiria ficar imune à Anne, tê-la tão perto e não poder tocá-la era uma verdadeira tortura. Ele cruzou os braços em uma tentativa de suprir o vazio que ele sentia por não ter sua mulher entre eles.
Anne parou de falar com Milk e encarou Gilbert novamente, sentindo-se tímida por estar frente a frente com ele sem saber como começar a dizer o que precisava sem tropeçar nas palavras, Seus olhos azuis não conseguiam se desviar dele, se deleitando com cada pedacinho daquele rapaz magnífico que ela não pudera ver ou tocar por dias. Ela suspirou baixinho e então tomando coragem disse:
- Será que podemos conversar?
- Sobre o que? - sem querer sua voz soou seca e ele se lamentou por isso. Estava difícil controlar sua vontade de puxá-la para seus braços, por isso, fingir que não se importava por ela estar ali era sua única defesa
- Gilbert, que quero saber por que não está indo para faculdade. - um sorriso irônico se formou nos lábios dele enquanto ele pensava que esse era o motivo de ela estar no apartamento. Que tolo fora por achar que ela sentira tanto a falta dele que viera para dizer que estava voltando para casa.
- E isso importa? - ele perguntou e Anne o olhou incrédula.
- É claro que importa. Você se esforçou tanto para conseguir aquela bolsa para desistir dela dessa maneira. - o tom dela era indignado, mas, Gilbert não se importou. Pouca importava a faculdade ou qualquer outra coisa se ela não voltasse para ele.
- Quer tomar alguma coisa? - ele perguntou tentando mudar de assunto. Não queria discutir seu futuro acadêmico com ela, não queria falar de nada que não fosse sobre os dois, e se isso não fosse possível, ele preferia ficar calado e olhar para sempre cada detalhe daquele rosto que amava.
- Não, obrigada. Quero apenas que me responda o que perguntei. - ela disse incisiva e Gilbert disse:
- O que quer que eu te fale? Isso tudo não me importa mais, Anne.
- Como não te importa? Até outro dia Medicina era a coisa mais importante da sua vida. - como ela estava enganada, ele pensou. Medicina nunca fora a coisa mais importante da vida dele, ela sim tinha sido e ainda era.
- E se eu te disser que não quero mais isso? -
- Eu não acreditaria, pois te conheço bem e sei que está mentindo. - ela disse aquilo com tanta certeza que Gilbert não pôde deixar de admirar a maneira como ela o conhecia tão bem.
- Talvez, mas, no momento eu não quero pensar sobre isso.
- Por que não? - ela continuou encarando-o. Gilbert se aproximou mais dela e perguntou com seus olhos mergulhados naquele azul infinito:
- Por que realmente está aqui, Anne? - ela quis dizer que estava preocupada com ele, e que não suportava a ideia de vê-lo tão descrente de si mesmo, e também queria confessar o quanto ela estava com saudades e que sua vida sem ele não tinha mais cor nenhuma, que tudo o que queria era que voltassem a se amar como antes, e que ela não aguentava mais aquela distância dolorida sem ele, mas, não pôde. Os olhos dele a impediam de falar como se a atraíssem para um outro espaço de tempo onde tudo no que conseguia pensar era como queria que ele a beijasse desesperadamente.
Como se lesse seus pensamentos, ele levantou a mão e tocou o rosto dela, acariciando-lhe as bochechas com cuidado. Ela fechou os olhos para apreciar melhor aquele toque divino que era a única coisa que a tirava realmente do ar, fazendo-a flutuar pelo ar sonhadora e feliz.
- Você é linda. - ele disse fazendo-a abrir os olhos instantaneamente, vendo naquele rosto tudo o que mais amava e desejava. Ela não disse nada e entreabriu os lábios sem perceber, atraindo a atenção de Gilbert para a pele rosada e carnuda daquela região. Incapaz de resistir ele a beijou, seus lábios tomando os dela completamente, ela se agarrou ao pescoço dele, colando seus corpos, enquanto as mãos dele circularam sua cintura. Sem perceber, eles andaram pela sala e colidiram com o sofá onde Gilbert se deitou e a trouxe para cima de seu corpo.
O gosto doce dos lábios dela o deixou desejando beijá-la cada vez mais sem nunca parar. Ele queria ficar preso ali para sempre, pois era o único lugar ao qual ele realmente pertencia, o único lugar o qual ele sentia que sua vida valia a pena, que seus dias eram preenchidos por uma alegria sem igual. Ela deslizou os dedos pela pele do peito dele, enquanto Gilbert não abandonava sua boca um minuto sequer. Era tanta saudade de ambos os lados que era inconcebível se separarem agora, Anne não queria que Gilbert a soltasse, e ele não desejava que ela se afastasse dali nunca mais. Anne era seu oxigênio, sua energia, ela era sua mulher, sua vida, seu amor.
Eles se separaram ofegantes, e Gilbert acariciou o rosto dela com seu queixo, a barba dele por fazer causando-lhe arrepios prazerosos e involuntários. O rapaz ficou alguns minutos assim sem dizer nada, apenas sentindo a maciez da pele dela da qual sentia tanta falta. A voz dele soou suave quando ele disse;
- Meu Deus! Como eu amo você! Tem ideia do que faz com meu coração? Tem ideia do quanto eu desejei você aqui todos esses dias? Por que. Anne? Por que me tortura desse jeito? – as perguntas que ele fazia saiam cheia de um sofrimento que já durava tempo demais. Gilbert queria acabar com aquilo, queria que Anne voltasse para ele onde era o seu lugar.
- Eu também te amo tanto, Gilbert.,que meu coração se quebra em mil pedaços sem você. Nunca houve nada para mim antes de você e não haverá nada se você não estiver comigo. – ele pegou o rosto dela entre as mãos e disse;
- Então porque não volta para mim? Esse apartamento está frio demais sem você.
- Apenas me responda uma pergunta, e então tudo ficará bem entre nós. - Gilbert enrijeceu os músculos das costas sabendo exatamente o que ela iria perguntar e não desejando que ela o fizesse, ainda assim, ele perguntou:
- O que quer saber?
- Conte-me o que aconteceu entre você e Dora naquele dia que eu os vi juntos. - Gilbert travou o maxilar, a veia em sua têmpora começou a pulsar. Por que ela simplesmente não podia acreditar no amor deles, e deixar tudo o mais para trás? Aquela era a única pergunta que ele não responderia, porque o magoava a falta de confiança dela.
- Você acreditaria se eu apenas te dissesse para confiar em mim? - Anne balançou a cabeça deitando-a sobre o peito de Gilbert e respondeu:
- Diga-me apenas a verdade e juro que vou acreditar em você. - aquelas simples palavras queimaram dentro dele como ácido corroendo toda a esperança que começara a brotar em seu peito quando ela dissera que o amava.
-Por que não confia em mim, Anne? Por que tem que arrancar tudo de mim sem piedade? Por que meu amor não é suficiente, e você precisa de mais e mais até que não sobre nada aqui dentro para eu te oferecer? - ele disse não se importando que as lágrimas escorressem por seu rosto, ele já' tinha perdido tudo e sua dignidade naquele instante não valia nada. Anne a destruíra também.
- Gilbert, por que está falando comigo dessa maneira? Você sabe o quanto eu amo você. – ela estava atônita com aquele desabafo dele, por que nunca lhe passara pela cabeça que Gilbert se sentisse assim. Por que ele nunca lhe dissera?
- Será que ama mesmo, Anne? Às vezes me pergunto se o seu amor é realmente tão grande assim, porque quem ama confia, e você já me provou muitas vezes que não confia em mim, por mais que eu te ame nunca vais ser suficiente para você, vai sempre me fazer provar a cada dia esse amor, e confesso que estou exausto. - ele disse com um suspiro.
Anne levantou a cabeça e o olhou profundamente. O que ele estava dizendo? Que estava desistindo dela? Do amor que sentiam um pelo outro? Não era possível que tudo o que viveram juntos terminasse assim, ela não ia suportar. Não podia perdê-lo, não dessa forma.
- Gilbert...- ela começou a dizer, mas, ele a interrompeu colocando as mãos em seus lábios.
- Não diga nada, apenas vá embora. - Anne arfou com a punhalada das palavras dele.
- O que? -
- Foi isso que ouviu, Anne. Se não pode confiar em mim e em minhas palavras, então vá embora. Eu não te quero aqui. - ela parou de respirar por um instante, paralisada pelo que Gilbert dissera. Ela ouvira direito? Ele a estava mandando embora? Ela quis protestar, insistindo que deveriam conversar melhor sobre aquilo, mas o olhar duro dele a fez desistir. Ele a soltou e ela se pôs de pé, ainda sem acreditar no que estava acontecendo, então, pela última vez ele disse;
- Por favor, vá embora e me deixe sozinho. - Anne assentiu, sem dizer nada. Ela se abaixou, deu um último beijo em Milk e saiu pela porta, deixando que as lágrimas caíssem livremente enquanto caminhava para fora do apartamento.
Gilbert ficou de costas, não querendo olhar para ela, e então suas próprias palavras ecoaram em sua mente; Ele tinha mesmo mandado Anne embora? Ele tinha afastado de sua vida a única mulher que amaria até morrer? O arrependimento chegou como um raio, e ele saiu correndo escada abaixo chamando por ela desesperado, mas, quando alcançou a rua, Anne já tinha sumido. Então, ele caiu de joelhos na neve ouvindo o seu próprio grito de dor ecoar no silêncio.
Ok. Agora me digam de que lado vocês ficariam nessa história e por que?
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