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Capítulo 90- Duas partes de um coração partido


Olá, queridos leitores. O que posso dizer desse capítulo é que o escrevi inteiro com um nó na garganta. Quero que apenas pensem em uma coisa, ninguém é totalmente bom ou totalmente mau. Todos nós nos sentimos vulneráveis em algum momento de nossa vida, e duvidamos de nós mesmo, mesmo quando não temos motivos para isso. O ser humano é complicado, e nossas mentes nos pregam peças que muitas vezes não sabemos explicar, o que sentir, mas, é isso que torna tudo incrível, porque a cada dia que renasce nos dá a chance de recomeçar, perdoar, corrigir erros, e tentar encontrarmos a melhor versão de nós mesmos Eu sinceramente não sei o que vão achar desse capítulo, espero que comentem e que tenham a certeza que o escrevi com toda verdade do meu coração, e se ficou bom somente vocês poderão me dizer. Beijos, e muito obrigada.

ANNE

Era um daqueles dias de inverno em que o sol aparecia preguiçosamente no céu, mas ainda assim o efeito era incrível depois de dias de chuva intensa. As árvores pareciam risonhas por receberem a carícia tímida dos raios, e as nuvens que carregaram a alma das pessoas com sua cor cinzenta abriam espaço para o azul claro ainda sem ser intenso, mas que alegrava os olhos de quem perdia um minuto do seu tempo para observar a alegria calma que aquele dia parecia proporcionar.

Anne Shirley Cuthbert ainda não tinha voltado seus belos olhos para aquela manhã em questão, porque ela sentia uma inquietação estranha dentro de si, enquanto tentava trançar os cabelos que de forma nenhuma parecia obedecer- lhe os dedos habilidosos, acostumados a fazerem aquele tipo de penteado por anos a fio. Sua imagem no espelho a desafiava a melhorar a aparência dos fios que teimavam em escapar caindo sobre seus olhos, enquanto ela bufava cada vez mais impaciente, seu peito subindo e descendo em uma mostra clara de seu estado de humor nada favorável naquele dia.

Ela acabou se cansando de brigar com os cabelos e foi para a cozinha tomar seu café, pois dali a alguns minutos ela e Gilbert teriam que deixar o apartamento e irem para a Faculdade. Gilbert estava no banho, por isso, ela estava sentada na mesa da cozinha brincando com a colherzinha que usava para adoçar o café com leite que tomava todas a as manhãs, girando-a dentro da xícara como se fosse um cata vento, desenhando formas estranhas no líquido marrom que se movimentava de um lado para outro. A torrada amanteigada jazia intacta em seu prato assim como o cereal que ela sequer tocara. Não sentia animação nenhuma para comer, e não conseguia entender exatamente porque. Acordara naquele humor azedo, como se nada fosse bom o bastante para alegrá-la, ou fazê-la se sentir melhor.

Era verdade que tinha passado por maus bocados a alguns dias, quando encontrará Ruby na rua e o trauma da perda do seu bebê a pegara de surpresa, jogando-a no abismo fundo da depressão, mas, como sempre, seu matador de dragões a resgatara da dor, da auto piedade, arrastando-a da escuridão para a luz, e assim, Anne recobrara seu equilíbrio e tiveram um fim de semana incrível juntos, e Anne conseguira finalmente conversar com Gilbert sobre todos os seus sentimentos relacionados ao seu aborto espontâneo, e os dias terríveis que se seguiram aquele fato, enquanto ele permanecia em coma, alheio a qualquer coisa que não fosse sua inconsciência., porque todas as vezes que falaram sobre sido, Anne mantivera parte de seu sofrimento nas sombras, por ser-lhe insuportável lembrar, sentir sem chorar, e também confessará a ele o quanto sentira falta do abraço dele naquela época, de suas palavras consoladoras e de seu perdão por ele ter se ferido para salvá-la. Essas eram coisas que ela falava na terapia, mas nunca as confessara de maneira tão crua e sincera a Gilbert. Ela tinha aberto finalmente todas as portas de seu martírio interno, e Gilbert acolheu-a em seus braços sem julgamento, sem mágoa, sem vacilar um segundo sequer em suas palavras carinhosas. Eles precisavam disso para colocar um ponto final nas pontas soltas que ainda a incomodavam daqueles dias infelizes, daquele luto infindável por seu filho perdido, e todas as consequências negativas as quais ela sentira na pele em seu exílio solitário de sentimentos, e dessa forma ela desnudara sua alma, jogara para fora o horror, o desespero, Anne se desfizera de seus esqueletos no armário, dos seus demônios atrás da porta que ela alimentara durante tanto tempo pelo medo de que se os encarasse de frente, não seria forte o bastante e seria engolida pela sua fragilidade, sua covardia em seguir em frente, e pela sua solidão interior.

Gilbert também expusera seus receios como também nunca fizera antes, suas culpas silenciosas, e pela primeira vez eles falaram sobre o dia em que Anne se cortara, Esse assunto fora um tabu grande entre eles, como se pudessem fingir que aquilo não havia acontecido se fosse ignorado completamente, e dessa forma, empurraram os acontecimentos daquele dia para debaixo do tapete, e ali ele permanecera como uma nuvem entre eles feita de fumaça que não podia ser vista, mas, ainda assim era sentida. Anne se magoara por ele não acreditar nela, porém, depois compreendera após analisar aquilo tudo muito bem, que o medo de Gilbert de perdê-la era maior do que tudo, e por isso, era-lhe muito mais fácil acreditar que ela fizera aquilo deliberadamente, porque assim ele poderia culpar a si mesmo, sentindo na pele a mesma dor que ela sentira quando ficara sozinha pranteando o filho de ambos que morrera., e assim ele infligira a si mesmo a sua própria cota de sofrimento, e se aproximara de Anne novamente pela dor.

Ela finalmente conseguira fazê-lo entender que seu pensamento tinha sido um equívoco, que ela jamais acabaria com a própria vida em um ato impensado assim. Suas dores e suas feridas eram imensas naquela época, mas, não justificariam um suicídio, principalmente porque, ela nunca teria coragem de fazer algo assim consigo mesma e com ele. Anne amava Gilbert demais para lhe infligir uma dor assim, para fazê-lo infeliz, e roubar a luz de seus olhos, seria um grande egoísmo de sua parte, porque Gilbert lhe dera tanto que recompensá-lo dessa maneira seria uma crueldade sem tamanho.

Assim, eles choraram juntos muitas lágrimas aquele dia, mas desta vez foram lágrimas de renovação, e embora Anne soubesse que ela ainda não estava curada, e que muitos caminhos ainda teriam que ser percorridos rumo a uma aceitação completa do que acontecera, mais um passo tinha sido dado nesse sentido, e o melhor de tudo era que Gilbert o fizera junto com ela. Eles estavam mais ligados do que nunca, mais apaixonados do que antes e se amariam ainda mais a cada novo dia que nascesse. As únicas palavras que ele lhe dissera foram:

- Tudo ao seu lado vale a pena, meu amor. Eu faria tudo de novo se precisasse, e me atiraria em frente a um milhão de balas se isso a fizesse sorrir para mim como está sorrindo agora,- e Anne quase chorou de novo pelo peso das palavras e pela beleza delas ao mesmo tempo. Gilbert um dia lhe dissera que ser poeta não era um dom seu, mas, Anne discordava, porque para ela seu noivo era sim um poeta e tocava seu coração como ninguém mais.

Foram dias perfeitos, tão inspiradores e reveladores. De repente, não havia mais a frieza do mundo em seu espírito, e sim as mãos de Gilbert segurando as suas bem forte, e ela sabia por instinto que ele nunca a deixaria cair novamente, mesmo que por algum motivo ela se aproximasse do precipício outra vez.

Então, ela não entendia, porque naquela manhã que nascera tão promissora, ela acordara sentindo um peso imenso comprimindo o seu cérebro. Não era melancolia, não era ansiedade ou angústia, se parecia mais com um presságio de uma catástrofe eminente. Mas, por que agora quando a paz reinava em cada canto daquele apartamento, quando ela se libertara da pressão em seus ombros, aquele sentimento negativo viera para estragar o seu dia? Por que estava sentindo que havia algo fora do lugar?

- Anne, algum problema? - Gilbert disse ao encontrá-la ainda brincando com sua xícara de leite sem ter tomado dela nenhuma gota. Ela o olhou se sentindo estranha, não sabendo dizer o que realmente a estava incomodando, e então respondeu com a voz tensa:

- Não acordei me sentindo muito bem essa manhã.

- Está sentindo alguma coisa diferente? A dor de cabeça voltou? - Gilbert perguntou, sentando-se ao lado dela revelando seu semblante preocupado.

- Não é nada físico, é somente uma sensação ruim. - ela disse de cabeça baixa.

- O assunto sobre o qual conversamos no último fim de semana ainda está te incomodando? - ele segurou as mãos dela e a olhou tão fixamente, que Anne teve a impressão que Gilbert estava tentando decifrar-lhe a expressão carregada.

- Não se trata disso. - ela respondeu com sinceridade.

- Então, do que se trata? Existe mais alguma coisa que você deveria ter me contado e não contou? Você sabe que pode me dizer qualquer coisa, não é? O que está te deixando assim, meu amor?

- Eu...- de repente, ela não soube o que dizer. Ela olhou nos olhos de Gilbert e sua apreensão aumentou, e de repente, tudo o que ela precisava era dos braços dele ao seu redor, por isso disse:

- Gilbert, me abraça, por favor. - sua voz saiu em uma súplica, e para seu alento Gilbert disse:

- Vem cá. - ele a puxou para ele, e ela se sentou em seu colo, envolvendo o pescoço dele com seus braços, ao mesmo tempo em que Gilbert a abraçava apertado, dizendo por entre os seus cabelos:

- Estou aqui, querida. Você não está sozinha. - Anne enterrou seu rosto no pescoço dele, ouvindo o coração dele bater contra o seu peito. Ela suspirou de prazer ao sentir Gilbert envolvê-la por inteiro, pois o calor dele aliviava o aperto em sua garganta, e a sensação de sufocamento que a estava acometendo. De repente, um pensamento cruzou a sua mente como se um raio a tivesse atingido com toda a sua força. E se perdesse Gilbert? E se alguém lá em cima decidisse que ela já tivera o suficiente dele, e o tirasse dela sem aviso? Era um pensamento incoerente, e se estivesse raciocinando com clareza, ela veria que aquele pensamento não fazia sentido nenhum. Era apenas seu medo fazendo-a sentir um terror irracional e absurdo. Ela levantou a cabeça, e encarou os olhos dele que a acariciavam com seu carinho e compreensão. Anne levou sua mão ao rosto dele, tocando-o bem devagar e seguindo cada linha e contorno até chegar aos lábios dele., onde ela tocou com o polegar, os pensamentos gritando em sua mente, deixando-a em um pânico crescente. Sem pensar, ela o beijou, porque de repente, o beijo de Gilbert parecia o único caminho para ter sua sanidade de volta. Ela o envolveu em seu calor, sua língua se chocando com a dele, o cheiro do sabonete que ele usara no banho adentrando suas narinas lhe causando milhares de emoções diferentes, fazendo com que ela jogasse uma perna de cada lado do corpo dele, aproximando-os ainda mais. O beijo se tornou mais desesperado, conforme Gilbert se deixou ser envolvido por ela, e mesmo a intenção não tendo sido aquela, suas mãos já buscavam tocá-la afastando cada tecido que o impedia de alcançar o que queria. Anne agia por impulso, por descontrole, por desejo. A camisa dele já estava no chão, a blusa dela fora aberta às pressas, e em um instante, ela estava nos braços dele apenas vestida com seu sutiã de renda. Gilbert a carregou para o sofá, deitando-a sobre as almofadas macias, enquanto sua boca percorria febrilmente o corpo de Anne, sentindo-a se arrepiar toda sobre sua pele. Eles terminaram de se despir, e então estavam se amando, rolando de um lado para o outro até que acabaram no tapete da sala totalmente sem fôlego, e ardendo como o fogo da lareira. Anne deslizou seu corpo sobre de Gilbert, cada movimento fazendo-o arfar várias vezes, e para senti-la melhor, ele mudou de posição, deixando-a presa entre suas pernas, sentindo todas as suas formas moldando-se completamente, seu controle por um fio, seus olhos escuros como a noite cheio de um brilho que Anne identificou como desejo puro por ela,

A ruivinha se encontrava no mesmo estado ofegante que seu noivo, e embora tivesse começado tudo aquilo apenas para se sentir segura, agora não desejava outra coisa a não ser a consumação do seu ato de amor, por isso, com seus olhos azuis quase violetas ela prendeu o olhar de Gilbert no seu, e disse com a voz enrouquecida:

- Eu quero você. - Gilbert a olhou por um instante, como se estivesse surpreso pelo que ela dissera, e mesmo Anne se surpreendeu com sua coragem em dizer o que queria sem se sentir envergonhada com isso. Gilbert sorriu-lhe de leve, seu polegar acariciando-lhe o queixo suave, e então, sem deixar que o olhar dela escapasse do seu, ele a fez sua, e assim, Anne deixou de pensar , seu raciocínio desparecendo completamente, seu corpo pedindo por mais daquelas ondas de calor que a impeliam a se mover cada vez mais rápido, enquanto Gilbert a seguia no mesmo ritmo, na mesma cadência, e então sua mente entrou em colapso, seus corpos se uniram no mesmo espasmo, e ambos alcançaram o êxtase ao mesmo tempo em um último suspiro.

Quando Anne voltou a si, sua cabeça estava apoiada no peito de Gilbert, seus cabelos tinham se soltado completamente da trança que ela fizera ao acordar, e pendiam desarrumados sobre o seu ombro, e todo o seu corpo ainda se encontrava grudado no dele.

- Está melhor? - Gilbert perguntou olhando-a com um sorriso sapeca nos lábios.

- Muito melhor. - Anne respondeu, sentindo-se realmente muito bem.

- Agora sei qual é o melhor remédio para seu desânimo. - Gilbert disse com a voz cheia de intenções.

- Então compartilhe comigo sua descoberta. - Anne disse em tom de brincadeira.

- Pequenas doses de Gilbert Blythe pela manhã vão deixá-la novinha em folha. - ele disse.

- Acho que posso adotar essa terapia diária, doutor. Eu confio no seu diagnóstico. - Anne disse com um sorriso, sentindo seu humor melhorar. Ela adorava ficar assim nos braços de Gilbert como se o seu mundo se resumisse apenas naquele instante em que trocavam carinhos, e dividiam aquela cumplicidade gostosa que os unia ainda mais.

-É sério, amor. Está melhor? Se não quiser ir para a Faculdade hoje, tudo bem. Eu fico aqui com você. – Gilbert disse acariciando o rosto dela com os lábios.

- Eu estou bem, não se preocupe. Acho que foi apenas uma paranoia da minha cabeça. Estar com você me acalma. Desculpe-me se o preocupei demais. - Anne disse se encostando mais no peito de Gilbert.

- Eu disse que cuidaria de você é o que vou fazer. Você nunca mais vai ficar sozinha, eu te prometo. - ele beijou-a no topo da cabeça, e Anne fechou os olhos por um segundo curtindo aquele momento a dois reconfortante.

- Acho que estamos atrasados de novo para a Faculdade. – Gilbert disse, fazendo Anne abrir os olhos e checar a hora no relógio. Teoricamente, eles estavam vinte minutos atrasados, muito mais do que os outros dias, e o que faria Anne surtar em uma manhã comum, pois a ruivinha detestava perder um minuto sequer de aula, mas, aquela não era uma manhã qualquer, e nem Anne se sentia em seu estado normal, por isso, ela realmente não se importou com aquele detalhe. Ela estava extremamente propensa a burlar as regras naquele dia específico, e deixar que um pouquinho do seu lado rebelde viesse à tona só daquela vez. Assim, ela se virou para Gilbert, e o beijou de novo, seus lábios deslizando sobre os dele em um convite mudo e insinuações nas entrelinhas. Algo dentro dela não queria que acabasse, algo dentro dela exigia que ela prolongasse aquele momento, aquela troca de sentimentos que era a única coisa que a mantinha em equilíbrio. Eles se separaram quando seus pulmões gritaram por ar, e no minuto final, Gilbert mordiscou o lábio inferior dela e disse:

- Se pretende ir par a Faculdade, aconselho que saíamos agora, ou não vou te deixar se levantar daqui o dia inteiro. - Anne de repente pensou que aquilo era o que também desejava. Ter Gilbert o dia inteiro para si sem terem que se preocupar com o trabalho, as obrigações da Faculdade, provas, e tarefas da vida diária, mas entre querer e poder havia uma diferença clara, e Anne sabia que não podiam deixar seus estudos de lado naquele dia, por esta razão, ela disse tentando parecer animada:

- Esta é minha deixa para me vestir e voltar a minha realidade acadêmica.

- Por um momento eu pensei que você iria violar seu código rígido de nunca perder um dia de aula sequer. – Gilbert comentou, enquanto via Anne se levantar e vestir as próprias roupas.

- Eu até faria isso hoje se não fosse o último dia das audições para a peça. – Anne respondeu, prendendo os cabelos em um rabo de cavalo e abandonando a ideia de trançá-los como tentara fazer de manhã.

- Então, você não me disse se já escolheram o Mr. Darcy. - Gilbert disse, pegando suas roupas no chão e vestindo-as apressadamente, seguindo o exemplo de Anne.

- A escolha será feita hoje. Mas, não se preocupe. Ninguém supera você em meu coração meu Mr. Darcy perfeito. - ela o beijou rapidamente nos lábio.

- Não é com o ator em si que estou preocupado, e sim com qualquer cena de beijo da qual você tenha que participar. - Gilbert respondeu ajeitando sua boina vermelha no alto da cabeça.

- Amor, essa sua preocupação é ridícula. Eu te disse que seria uma cena de beijo ensaiada, não envolve sentimentos nisso. - Anne disse incrédula com o ciúme bobo de Gilbert acerca daquele assunto.

- Ainda assim, não quero outro homem encostado em você. - Ele disse fazendo cara de emburrado que fez Anne gargalhar.

- Tudo bem, meu amor. Vou levar isso em conta durante a peça. – Anne disse, dando -lhe outro beijo, e em seguida saíram das mãos dadas para um dia de estudos em suas vidas.

Quando Anne entrou na sala, a primeira coisa que notou foi o risinho debochado de Roy Gardner, intensificando a sensação estranha na boca de seu estômago Ela fingiu não notar o olhar profundo dele em seu corpo, e sentou ao lado de Sharon que perguntou assim que a viu:

- O que aconteceu, Anne? Você parece esquisita hoje. Chegou atrasada de novo. Está doente?

- Não é nada, não se preocupe. - ela respondeu ignorando a parte final da pergunta da amiga. Ela adorava Sharon, mas naquele dia em particular, ela não estava muito animada para qualquer tipo de conversa, pois o bem-estar que Gilbert conseguira lhe transmitir sumira por completo no momento em que deu de cara com aquele garoto asqueroso que lhe sorria como se soubesse de um segredo do qual ela não tinha acesso nenhum.

Por fim, passaram pelas últimas audições do dia, e Sharon foi escolhida para ser Jane, uma das irmãs de Elisabeth Bennet. Anne ficou feliz pela amiga, que dava pulos de alegria, e a beijou sonoramente no rosto antes de sair de cena.

Os outros papéis foram todos escolhidos, e somente Mr. Darcy ficou para a final. Quando Anne se preparava para pedir para os candidatos entrarem, ela ouviu o professor agradecer a todos os participantes e dar por encerrado as audições. Anne o olhou interrogativamente e perguntou:

- Professor, não vamos escolher o protagonista principal hoje?

- A vaga já foi preenchida, Srta. Cuthbert.

- Como assim? Não vi ninguém fazendo teste para o papel. – Anne disse espantada.

- Não foi necessário. – O professor disse sem olhar para ela.

- Por que não? - Anne indagou sentindo a apreensão da manhã tomar conta dela devagar novamente.

- A Srta. faz muitas perguntas, e confesso que isso me deixa um pouco desconfortável nesse momento, mas vou satisfazer sua curiosidade já que quer tanto saber. Roy Gardner será Mr. Darcy. - Anne quase perdeu o fôlego ao ouvir aquele nome. Não era possível. Alguém estava fazendo uma brincadeira cruel com ela, e a ruivinha não estava vendo a menor graça naquilo. Mesmo sabendo que pareceria insolente, ela disse:

- Posso fazer mais uma pergunta?

- Eu ficaria espantado se você não fizesse. Afinal, de todas as minhas alunas você é a mais contestadora, e devo admitir que aprecio essa qualidade em você, Srta. Cuthbert. – em outras circunstâncias Anne teria adorado o elogio, mas naquele momento sua cabeça estava cheia de pensamentos conflitantes e ela se sentia mal demais para isso.

- Por que o senhor escolheu Roy Gardner para o papel principal? – Anne perguntou cheia de coragem. Ela precisava saber por que meio de tantos alunos talentosos, aquele verme tinha conseguido passar por cima de todos, e conseguido o que queria.

- Eu não o escolhi, Srta. Foi uma exigência do pai dele que é um dos donos dessa faculdade. Espero que isso não se constitua em um problema para você.

- Claro que não. – Anne respondeu fingindo indiferença, mas dentro dela sua alma gritava inconformada. Ela reuniu suas coisas, se despediu do professor e caminhou incerta pelo longo corredor que levava até o seu armário. Ela não prestava atenção às pessoas que passavam por ela, a única coisa que queria era ver Gilbert, sentir seu abraço, olhar em seu rosto lindo e saber que ali estava o seu refúgio, o seu amor incondicional, seu porto seguro. Ela se direcionou para o refeitório e quando estava quase alcançando a grande porta azul que a levaria até lá, mãos fortes agarraram sua cintura, e ao se virar surpresa, ela encarou com nojo Roy Gardner que a encarava com um prazer alarmante.

- Então, ruivinha. Gostou da surpresa? Parece que passaremos muito tempo juntos nos próximos meses.

- Você armou tudo isso, não foi? - Anne perguntou com desprezo.

- Bem, não posso negar que a influência de meu pai ajudou um pouco- ele disse rindo com ironia.

- Por que, Roy? Porque tanto esforço para conseguir esse papel e contracenar com alguém que claramente te despreza? - Anne disse quase cuspindo as palavras na cara dele.

- Mas, não por muito tempo. Eu te disse, Anne que queria você e vou tê-la – ele a puxou para mais perto, e Anne tentou empurrá-lo, mas ele era muito mais forte que ela.

- Eu te odeio! - ela gritou.

- Mas vai aprender a me amar, e vai ser minha quando eu quiser.

- Prefiro queimar no fogo do inferno a deixar que me toque. - Anne disse quase chorando.

- Mas um dia vai implorar que eu o faça, e ai vai descobrir que o paraíso e o inferno andam de mãos dadas. - Roy disse quase gargalhando, soltando a cintura de Anne e caminhando para longe dela sem olhar para trás.

Anne sentiu uma agonia infinita. Ela precisava encontrar Gilbert e contar o que estava acontecendo. Não podia e não queria mais esconder aquilo dele. A situação estava ficando perigosa e ganhando proporções gigantescas. Anne não conseguia mais lidar com aquilo sozinha.

Ela entrou no refeitório e olhou para todos lugares e não encontrou Gilbert em lugar algum. Seu olhar cruzou todo o salão, e ela avistou Patrick que sorriu assim que a viu caminhar em sua direção.

- Patrick, onde está o Gilbert? - ela perguntou ao se aproximou dele, sua voz saindo mais alta do que gostar ia por conta do nervosismo.

- Ele está participando de uma aula prática no laboratório. Você está com algum problema? – Ele perguntou observando-a apertar as mãos de maneira impaciente.

- Não. Desculpe me incomoda-lo .- ela disse virando a costas e se preparando para sair.

- Quer que eu dê algum recado ao Gilbert?

- Não, eu falo com ele em casa. - Anne disse, e rapidamente saiu pela mesma porta que entrara, e se dirigindo para sua sala de aula, onde permaneceu até que o horário letivo se iniciasse novamente.

Nas duas aulas seguintes, ela mal conseguiu prestar atenção. Seu coração dava pulos de ansiedade, e ela não conseguia parar quieta, mudando de posição várias vezes. Quando a última aula terminou e ela se encaminhou para a monitoria, preparando seu psicológico para permanecer ali por mais três horas sem enlouquecer, sem saber que naquele dia descobrir a identidade do protagonista de Mr. Darcy seria apenas o primeiro de seus infortúnios.

GILBERT

Gilbert tirou os óculos de proteção que impediam que seus olhos fossem atingidos pela fumaça do experimento no qual estava trabalhando. Ele passou as mãos pela testa onde gotas de suor começavam a brotar, pois a temperatura naquele espaço em que estavam era terrivelmente quente, e tentou se concentrar no que estava fazendo, mas, seus olhos estravam cansados, ele estava cansado, seu estômago roncava de fome, e aquela aula parecia que não ia acabar nunca

Ele foi até o bebedouro da sala e se serviu de um copo de água gelada, aliviando a secura de sua garganta, depois, ficou observando Dora que tomara o seu lugar, e que manejava o microscópio de maneira habilidosa e profissional, enquanto registrava em voz alta suas impressões da pesquisa. Ela era realmente boa no que fazia, e seria uma excelente médica, nada passava despercebido à seus olhos, e detalhista por natureza, Dora sabia especificar cada partícula que via sem cometer erro algum assim como Gilbert. Ambos eram de longe os melhores alunos da sala, e seu perfeccionismo os levara a uma amizade forte que infelizmente enfraquecera por causa dos sentimentos de Dora a seu respeito. Ele ainda se sentia triste por tudo o que acontecera, e ela não facilitava as coisas de jeito nenhum, pois quando Gilbert chegara aquela manhã na faculdade atrasado como acontecera nos dias anteriores, ela o olhara com um misto de desdém e desprezo que deixou Gilbert indignado.

O rapaz podia muito bem imaginar o que se passava na cabeça dela, e essa impressão somente aumentou quando Carlos fez um de seus comentários maliciosos a respeito do atraso de Gilbert:

- Trinta minutos de atraso, Blythe! Este é o seu recorde essa semana. A ruivinha parece que tem te mantido bastante ocupado pela manhã. - ele ficara vermelho, e todos começaram a rir do seu embaraço enquanto Dora se limitara a observá-lo tão séria e irritada como se ele lhe devesse alguma satisfação.

- Acho que não devo satisfação do que faço ou deixo de fazer com minha mulher pela manhã. – ele disse olhando diretamente para Dora que pareceu ficar mais irritada ainda.

- É claro que não, Blythe. Estes idiotas somente estão com inveja da noiva linda que você tem, e com todo o respeito, se eu encontrasse uma mulher como aquela, trinta minutos de atraso seriam pouco. Você tem certeza que ela não tem uma irmã para me apresentar? - Patrick disse com seu sorriso malandro.

- Sinto muito, cara. Ela não tem uma irmã. Anne é filha única. E então, acho que vai ter que encontrar sua musa inspiradora por conta própria- Gilbert disse sorrindo.

- Será que podemos ter foco? Essa experiência não vai chegar a lugar nenhum se ficarem discutindo a vida amorosa alheia. - Dora disse de mau-humor o que fez Patrick responder:

- Dora, quando foi que você virou essa mala ambulante? Você costumava ser mais divertida.

- Ela só está com ciúmes. – Jonas disse colocando mais lenha na fogueira daquela pequena discussão.

- Eu não estou com ciúmes coisa nenhuma. - Dora disse com a voz alterada.

- Está sim, e todo mundo sabe de quem eu estou falando. - Jonas concluiu e Gilbert simplesmente fingiu estar interessado no que o professor falava, para fugir do olhar constrangido e furioso de Dora. Ele sentia pena dela, porém, ela fora a única culpada por aquela situação, pois se descontrolara na festa de Carlos ficando bêbada daquele jeito, e levando um tapa de Anne a quem provocara além do limite. Era uma pena que ela tivesse chegado aquilo, destruindo imagem que todos tinham dela de mulher séria e centrada. Gilbert não julgava Dora pelo seu deslize, porém, ele sabia bem como as coisas ali funcionavam. Uma vez que que se cometia um erro, a sociedade acadêmica não perdoava, por isso, Dora vinha sendo chacota e vítima dos piores comentários. Não era para menos que ela se afastara de todos mundo, e dirigisse seu olhar de ressentimento para Gilbert, como se esperasse que ele fizesse alguma coisa por ela, depois dos anos em que ela o apoiara em todas as situações. Contudo, não havia muito que Gilbert pudesse fazer naquele caso

Quando ele chegara ali na segunda-feira depois do incidente na casa de Carlos, a fofoca já' tinha se espalhado. Todos comentavam sobre a nerd ridícula, que não sabia beber e ainda por cima escancarara para todo mundo ver seu amor platônico pelo seu colega de classe, cuja noiva a colocara em seu lugar com um enorme tapa na cara. Ele vira seu olhar magoado, o distanciamento de todos, aguentando as piadinhas e os olhares de pena que muitos dos seus colegas lhe lançavam. Agora ela era uma pária, uma coitada, uma reles desprezada até pelos seus amigos. Não importava seu nome, sua riqueza ou seu prestígio, fora condenada e devia viver com isso.

Apesar de continuar frequentando as aulas de cabeça erguida, Dora não estava bem, e Gilbert podia sentir. Ele a conhecia, e sabia o que significava suas mudanças de humor, seu olhar frio, pois por mais que disfarçasse, por dentro ela estava sangrando, mas por orgulho e teimosia, ela não deixava que ninguém percebesse, a não ser ele, que fora seu amigo por muito tempo. Ele a afastara não porque ela estava apaixonada por ele, e sim, por causa de Anne a quem ela magoara, e naquilo tudo era a pessoa que menos deveria ser machucada. Gilbert podia viver com o amor de Dora por ele, se é que ele poderia chamar assim o que ela sentia por ele, e até poderiam ter continuado amigos sem nenhuma mágoa da parte de ambos, porém, ela envolvera Anne naquilo tudo, e por isso Gilbert não podia perdoá-la.

Ao pensar em sua noiva, o coração de Gilbert bateu diferente, porque naquela manhã, ela não acordara bem. Ele notara seu olhar perdido no instante em que a viu brincar com sua xícara de leite, porque ele sabia que quando Anne não se alimentava alguma coisa não estava como deveria ser. Sua preocupação aumentou ao se lembrar sobre tudo o que conversaram durante o fim de semana. Apesar de terem dito tudo, confessarem seus medos e suas culpas, e as coisas parecerem ter ficado em paz depois, Gilbert não sabia até onde aquilo tudo havia sido resolvido dentro de Anne. Aquele tipo de coisa era complicado, o subconsciente pregava peças, e Gilbert temera que ela estivesse de novo em um de seus momentos, e por isso, ele a abraçara com todo o seu amor, e quando Anne o beijara de um jeito totalmente inesperado, Gilbert sabia o que ela estava fazendo, e não a impedira. Ela precisava se sentir segura, e por isso, ela o agarrara como se ele fosse seu bote salva-vidas, como se naqueles beijos quentes, desesperados ela buscasse um alívio para o que quer que a estivesse consumindo por dentro. Gilbert tentara se controlar, tentara resistir a aqueles lábios tentadores, a aquele corpo feminino que o atraía mais a cada dia, ao abraço dela que o prendia ao seu encanto, porque ele sabia que o que Anne precisava era sua força para se manter em equilíbrio, mas, por Deus! Ele era somente um homem e estava terrivelmente apaixonado, e por mais que soubesse que era errado deixar que aquele momento evoluísse para algo sensual, seu corpo o traíra, e então ele a despira, e a amara com loucura em frente à lareira, no tapete da sala. Gilbert se culpara por alguns minutos, mas, logo seu arrependimento foi embora, quando viu no rosto de Anne a mesma paz que ele sentia por dentro, assim, ele constatou, que por mais que o momento não fosse apropriado, por mais que tudo estivesse fora de lugar, a única coisa que nunca seria errada era fazer amor com sua mulher, porque enquanto pudessem se conectar pela luz do amor que os iluminava, eles sempre se encontrariam no meio de uma multidão.

Ela parecera melhor quando foram para a faculdade, mas, ele ainda se sentia inquieto, porque quando se tratava dessas crises que Anne às vezes tinha, ele nunca tinha certeza de nada. Ela poderia estar maravilhosa em um momento, e no outro se recolher dentro de si mesma. Isso vinha acontecendo com menos frequência, contudo, ainda estava incubado dentro dela como uma febre que inesperadamente poderia surgir do nada e deixá-la frágil e sensível, por isso, Gilbert se mantinha vigilante, atento a qualquer mudança, e aquela manhã o deixara em alerta.

O rapaz esperara ver sua noiva no intervalo, mas, seu professor de metodologia científica resolvera mais uma vez prender a sala toda em uma aula prática interminável, permitindo apenas que de dois em dois eles saíssem e fizessem um lanche de quinze minutos no máximo, e como Gilbert chegara atrasado, ele fora um dos último a sair para lanchar, perdendo o horário de Anne de intervalo. Ele realmente detestava quando isso acontecia, porque estar com ela todos os momentos livres lhe era muito importante. Não era mais seu senso de proteção em relação a ela que ele aprendera manter sob controle rígido que o impulsionava a buscar a companhia dela, mas, sim sua necessidade de tê-la por perto, de observá-la mesmo que de longe, de ver-lhe o sorriso, o jeito que ela jogava os longos cabelos para trás, a maneira como mordia o lábio inferior quando estava em profunda concentração que o deixava louco, todos os movimentos dela graciosos e únicos, isso era um ritual, seu alimento diário, sua alegria de vida, sua inspiração terrena.

- Gilbert vamos ter que estender essa experiência para mais tarde, por isso, usaremos o salão dos alunos da faculdade. Você fica com a gente? - Carlos perguntou, interferindo em seus pensamentos profundos. Ele gostaria de negar e ir para casa, mas, sua nota dependia daquela aula, e não podia diminuir sua média, por isso, ele balançou a cabeça concordando.

- Vou ter que avisar a Anne, ou ela ficará preocupada, pois não a vejo desde manhã. - Gilbert explicou. - Quem estará em nosso grupo?

- Eu, você, Patrick, Jonas e a Dora. - Carlos explicou, notando de cara o leve franzir de testa de Gilbert. - Eu sinto muito, mas, não podia deixá-la de fora. Ela tem feito parte do nosso grupo desde o começo, e tirá-la dele agora não seria justo.

- Tudo bem, Carlos. Eu realmente não me importo. Minha única preocupação é a Anne. Eu sei que ela não vai gostar nada disso.

- Você quer que eu fale com ela, e explique a situação? - Carlos se ofereceu solícito.

- Não, eu tenho que fazer isso. Vou até a monitoria, e volto daqui a pouco. - Gilbert disse arrumando a boina em sua cabeça e seguindo pelo corredor. Ele entrou na sala onde Anne estava trabalhando, e assim que o viu ela se levantou e foi em sua direção. Ela parecia estranha, mais agitada que de manhã, e automaticamente, ele colocou suas mãos na cintura dela, e ela lhe sorriu.

- Amor, eu vou demorar para voltar para casa hoje, Temos um trabalho relacionado a uma experiência complicada no salão dos estudantes, e vamos para lá depois da aula. - ele viu o sorriso dela murchar, e o desapontamento surgir em seus olhos, o que o fez perguntar:- Algum problema ? Você ficou chateada?

- Não, tudo bem. É que eu queria conversar com você. - ela disse baixando o olhar.

- É importante?

- Mais ou menos, mas pode esperar você voltar para casa. - ela disse tentado sorrir.

- Tem certeza? Não quer me dizer o que estar formando essas rugas na sua testa? - ele disse passando o dedos sobre a pele macia dela.

- Podemos conversar mais tarde, não se preocupe. Eu te espero para o jantar, está bem?

- Está bem. Tem mais uma coisa. A Dora está no nosso grupo. Eu sei que isso te desagrada, mas, não podemos tirá-la desse projeto agora, me perdoe. - ele disse apertando as mãos dela com carinho.

- Tudo bem. Eu entendo. Fique tranquilo. - ela sorriu de novo, e Gilbert sentiu que o sorriso não era tão sincero quanto ela queria fazer parecer, porém, por mais que desejasse, não teria tempo de descobrir naquele momento o que se passava com ela. Ele a beijou de leve nos lábios, e se despediu dizendo:

- Te vejo mais tarde.

- Sim. - ela disse apenas.

Assim, Gilbert se encaminhou para a porta, e não olhou para trás, mas se o tivesse feito teria visto uma lágrima solitária rolar pelo rosto de Anne, que ela tratou de enxugar assim que se sentou em sua cadeira de monitora e fingindo animação, voltou ao trabalho.

ANNE E GILBERT

O tempo passava rápido, mas a experiência na qual estavam trabalhando desde o início da tarde parecia estar longe de ser concluída. Gilbert olhou para o relógio em seu bolso, e percebeu consternado que já passava das oito da noite, e Anne deveria estar em casa esperando por ele chateada ou até mesmo zangada por ele não cumprir a promessa que fizera a ela de que jantaria com ela como fazia todas as noites, mas, ele precisava concluir aquele trabalho que já se arrastava por horas, e não poderia ir para casa enquanto aquilo não estivesse terminado.

Anne dissera que precisava falar com ele sobre algo importante, e ela lhe parecera realmente perturbada com aquilo, fazendo com que Gilbert se sentisse terrivelmente mal por deixá-la daquele jeito, mas assim que voltasse para casa, ele prometeu a si mesmo que a compensaria com toda sua atenção e carinho.

Enquanto toda sua atenção estava concentrada no microscópio, e nas anotações que fazia simultaneamente sobre as suas impressões do que estava vendo ali, Gilbert não percebeu um par de olhos que observavam todos os seus movimentos com atenção, e por isso, também não notou que dentro deles brilhavam uma chama de raiva e ressentimento que parecia aumentar a cada segundo que ficavam juntos naquele espaço enorme.

Dora olhava para o rapaz de cabelos escuros e sorriso largo sentindo sua ira queimá-la por dentro como uma brasa acesa. Gilbert vinha sendo o objeto de seu desejo por meses, e por isso fora magoada, ferida, ignorada, e o pior de tudo, fora massacrada.

Ela não planejara se apaixonar por ele, e se alguém tivesse lhe dito que isso aconteceria no minuto que o conhecera, ela teria rido, mas, a verdade era que se envolverá tanto que quando percebera não havia mais nada que pudesse fazer para voltar atrás

Eles tinham sido os melhores amigos por um bom tempo. Partilharam sentimentos, sonhos e incertezas, riram muito juntos, enxugaram muitas vezes as lágrimas um do outro, e ela perdera tudo aquilo por causa de um sentimento que nunca pensara sentir por ele, mas que de repente se tornara uma das coisas mais importantes de sua vida.

No início, quando ela começar a entender o que estava acontecendo, ela tentara esconder, fingir que era apenas uma paixonite sem importância, no máximo uma atração física, afinal Gilbert era lindo, e ela não podia ignorar isso convivendo com ele todos os dias, mas, logo ela compreendeu que estava tentando esconder o sol com a peneira, e que seu coração e seus pensamentos estavam completamente tomados por ele e então não pôde mais negar para si mesma aquela verdade.

Ela respirou fundo ao pensar em tudo o que acontecera naquele pequeno espaço de tempo, e sentiu algo dentro dela se inflamar. O sentimento que tomava conta dela naquele momento era uma mistura de emoções tão complexas que ela mal conseguia identifica-las. Ela sentia a mágoa crescendo absurdamente, o ódio, a tristeza e a paixão, tudo em uma grande bola de sensações que a machucavam, que a engoliam, a sufocavam tão terrivelmente se transformando em uma arma letal e vingativa.

Por que se apaixonara por ele? Ela se fizera essa pergunta muitas vezes, e a única coisa que lhe ocorrera fora que Gilbert Blythe era um príncipe perfeito, daqueles homens que toda mulher sonhava em encontrar, e que acontecia somente uma vez na vida, e ela dera o azar de encontrá-lo justamente quando não tinha chances nenhuma de alcança-lo. Era óbvio que por trás de um homem assim, também haveria uma mulher perfeita, e Anne Shirley Cuthbert era essa mulher.

Dora não era hipócrita, ela sabia reconhecer que aquela garota tinha tudo que um homem como Gilbert desejaria. Ela era linda, inteligente, espirituosa, dona de cabelos maravilhosamente ruivos, e olhos azuis que pareciam um pedaço do céu. Anne também era bondosa, e doce, fiel a seus princípios, a seus amigos, era delicada em sua fala, engraçada e tão cheia de vida que Dora se encantara por ela logo que a conhecera.

Naquele época, ela via Gilbert apenas com os olhos de amizade, e não fora difícil ver o amor imenso que havia entre os dois. A maneira como Gilbert falava de Anne, o jeito com que seus olhos brilhavam, a maneira dele olhar para ela quando estavam juntos, fizeram Dora compreender que aquele era o tipo de relacionamento que ela desejava para si, e fora aí que fora pega em sua vulnerabilidade.

Dora nunca vivera um amor assim. A história da pobre menina rica parecia rondá-la desde que nascera. Sua família tinha nome tradicional, fortuna que nem que ela vivesse a vida toda conseguiria gastar, uma longa lista de pessoas talentosas e competentes em suas áreas de trabalho, assim como ela estava fadada a ser, mas, ela nunca fora amada como Gilbert amava Anne, e acompanhar a história deles tão de perto a seduzira sem que ela pudesse fugir. Depois de seu namoro fracassado com Jonas, seu coração se voltara para Gilbert, primeiro por admiração a um rapaz tão nobre, tão forte em seu caráter, tão transparente em seu amor por uma garota órfã que sofrera de tudo na vida, e como golpe final do destino, tinha perdido um filho e mergulhado na mais escura depressão.

Gilbert não a abandonara um minuto sequer, e fizera de tudo para que aquele espírito quebrado voltasse a ser feliz, e isso impressionara Dora enormemente. Um amor tão grande assim era um milagre. Um rapaz tão jovem capaz de dedicar seus dias a um garota sem medir esforços para que ela tivesse tudo o que ele pudesse lhe dar era raro, por isso, ela se apaixonara. Primeiro pela ideia de viver algo assim um dia, depois pela essência do que aquele amor representava, e por último, pela magia que parecia envolver Anne e Gilbert quando estavam juntos. Era como ver um conto de fadas se desenrolar diante de seus olhos, ambos se olhavam e tudo parecia fluir entre eles com uma beleza incrível, e Dora invejou Anne por ter um amor assim ao seu alcance, enquanto ela, a nerd que possuía um cérebro privilegiado, que sabia explicar minunciosamente cada detalhe da patologia de uma doença encontrava a solidão à sua espera todos os dias quando colocava os pés para dentro de seu dormitório.

Ela tentara esquecer, representando o seu papel de amiga devotada o quanto pôde, mas, quanto mais tentava se afastar, mais atraída se sentia e assim, aquilo se tornara maior do que ela realmente tinha esperado. Ela não queria sentir raiva de Anne, e na verdade, Dora sabia que não tinha esse direito. Anne não tirara nada dela, e não tinha culpa de como ela se sentia, porém, seu jeito perfeito de ser, sua capacidade de fazer com que as pessoas gostassem dela sem se esforçar, começaram a incomodar Dora, e o tapa que que a ruivinha lhe dera doera mais em sua alma que em seu rosto, e a partir daí seu ódio nascera, principalmente, porque ao tentar se redimir com Gilbert sobre o que acontecera, ele lhe jogara verdades doloridas na cara que a fizeram odiar a ambos ainda mais, por isso, ela traçara aquele plano que colocaria em prática aquela noite. Ela não merecia ser desprezada por todos da maneira como estava acontecendo, ela errara ao deixar seus sentimentos por Gilbert às claras, porém era humana, e será que não merecia ser perdoada por isso?

- Então, Gilbert, eu acho que com essa observação, podemos dar por encerrada essa pesquisa,- Carlos disse animado.

- Eu nem acredito que chegamos a uma conclusão finalmente. - Jonas, disse se sentando em uma poltrona, e deixando seu corpo relaxar sobre ela.

- Que tal se tomássemos um café? - Dora ofereceu, vendo ali a oportunidade perfeita para fazer o que queria.

- Eu aceito. - Jonas concordou.

- Eu também. Hoje o dia foi tão longo que não tive tempo de almoçar decentemente. - Gilbert disse apertando as têmporas doloridas.

- Para mim, não, Dora. Vou para casa, tenho ainda algumas coisas para terminar. Jonas eu te espero lá em meu dormitório para escrevermos a conclusão final. - Carlos disse, pegando sua jaqueta e se encaminhando para porta.

- Está bem. - Dora disse, e sorrindo para si mesma, ela pegou três xícaras de café expresso perto da porta, e em uma delas, sem que nenhum dos rapazes percebesse, ela colocou três gotinhas de um remédio que serviria bem ao seu propósito. Ela observou Gilbert beber o líquido, sem sequer imaginar o que continha, enquanto ele conversava com Jonas sobre o experimento que tinham finalizado. Logo Jonas, pegou suas coisas e se despediu ao mesmo tempo em que Gilbert fazia a mesma coisa. De repente, ela viu o rapaz oscilar, e perguntou:

- Está sentindo alguma coisa, Gilbert?

- Apenas um pouco de tontura. Acho que é cansaço. - ele respondeu se sentando na primeira poltrona que encontrou, e foi nesse momento que Dora deu um passo em sua direção.

Naquele exato momento, Anne olhava para o relógio preocupada. Gilbert estava extremamente atrasado, e isso nunca acontecera. O jantar que ela preparara para ele com tanto capricho esfriara, e ela mesma, não conseguira comer coisa alguma, porque sua preocupação a estava deixando ansiosa, e após ter olhado pela janela centenas de vezes para ter certeza de que Gilbert não estava chegando, ela desistira e se sentara na sala tentando brincar com Milk ao mesmo tempo em que observava os ponteiros contarem os minutos que se escoavam a passo de tartaruga.

O que teria acontecido? Ele nunca a deixara sozinha tanto tempo assim, seu peito estava apertado de angústia, e por isso, era-lhe difícil permanecer parada sem fazer nada. Ela tinha que saber o que estava acontecendo, por isso, ela se vestiu rapidamente, colocou seu casaco pesado de lá, pois a noite estava gelada, ajeitou sua boina na cabeça, vestiu suas luvas pretas e se encaminhou para a faculdade. Anne poderia ter pegado um táxi, mas, preferiu a caminhada, pois a ajudava a pensar e a acalmar seus nervos que estavam em frangalhos. Seu medo aumentava a cada passo que dava, e ela apenas rezava para que Gilbert estivesse bem, e que o presságio que tivera de manhã não tivesse nada a ver com aquilo. Ela nunca fora de acreditar nessas coisas, mas, diante do dia terrível que tivera, sua mente a estava forçando a pensar em coisas das quais não queria se lembrar, e consequentemente a estava deixando em pânico, por esta razão, ela apertou o passo, porque tudo o que queria era ter Gilbert em casa e em segurança.

No salão dos estudante, uma cena atípica se desenrolava, muito mais para o prazer de Dora que a causara do que para Gilbert que se sentia completamente confuso. Ele não tinha a menor ideia do que estava acontecendo, sua cabeça rodava e não estava conseguindo enxergar direito, tudo o que conseguia ouvir era uma voz feminina falando com ele, a qual o rapaz não conseguia reconhecer. Dora se aproximou mais um pouco, e parou na frente dele, enquanto em sua mente ela dizia para si mesma." Vamos ver, Gilbert Blythe, se consegue resistir a mim esta noite," Em seguida, ela se sentou no colo de Gilbert que apoiou suas mãos na cintura dela e disse em um sussurro:

- Anne? – em sua mente confusa e conturbada, era sua ruivinha que estava em seu colo, mas, como ela chegara ali? Será que viera do apartamento caminhando noite adentro? Ela sabia que Gilbert odiava quando ela saía desse jeito sozinha à noite. Nova Iorque, não era Avonlea. Será que depois de meses vivendo naquela cidade enorme, Anne não percebera o quanto aquilo era perigoso? Ele a olhou disposto a lhe passar um sermão, mas, aqueles olhos azuis maravilhosos o impediram. Ele nunca conseguia ficar zangado com ela, quando Anne o olhava daquela maneira, como se todo o amor que sentia por ele dançasse em suas pupilas fantásticas.

- Anne. - ele disse novamente, tocando o rosto dela com carinho, seus dedos apalpando-lhe as bochechas, descendo pela linha do nariz e tocando os lábios carnudos e rosados. Como queria beijá-la! Fazia horas que não sentia o gosto daqueles lábios que ele adorava, por isso, se inclinou em direção a ela.

Dora observava Gilbert incrédula, e sentada no colo dele prestes a ser beijada, ela se sentiu humilhada mais uma vez. Nem mesmo com sua mente controlada pelo entorpecente que ela colocara no café dele, Gilbert esquecia de Anne. Era como se ela vivesse noite e dia dentro dele, e Gilbert simplesmente não conseguia se desligar. O que ela estava fazendo? Dora pensou, se colocando em uma situação em que nem o toque em seu rosto, e nem o beijo que receberia se caso deixasse acontecer lhe pertenciam? Como ela chegara a essa ponto? Ela não era uma pessoa ruim, só estava com raiva e magoada, por isso pensara em drogar Gilbert, se divertir algumas horas com ele, e depois quando ele estivesse bem de novo, jogaria na cara dele que passara a noite com a mulher que ele desprezava. Mas, vendo-o naquele estado, murmurando o nome da garota que realmente amava, Dora percebera o quanto fora tola, infantil, e despeitada. Mesmo que Gilbert a beijasse, não seria ela, mesmo que Gilbert a tocasse, não seria ela, e mesmo que passassem a noite juntos não seria ela que ele teria amado.

De repente, a seriedade do que fizera chegara até ela, e Dora nunca se sentira tão suja. Ela sempre criticara Sabrina por dar em cima de Gilbert, por deixar claro que o queria, perseguindo-o, irritando-o a um ponto em que Gilbert passou a detestá-la, e ela própria fizera pior. Onde estava coma cabeça quando planejara aquilo? Será que o ódio a cegara tanto, transformando-a naquela mulher mesquinha, e sem moral? Aquilo poderia lhe custar o seu diploma de medicina se alguém descobrisse, e ela com certeza o mereceria, por ter se tornado a pior versão de si mesma, e por ser alguém tóxica e sem limites. Ela tinha que acabar com aquilo, e o faria naquele instante. Iria ajudar Gilbert a se recuperar, confessaria o que fizera, e deixaria que ele decidisse se a denunciaria ou não.

Quando ia se levantar do colo dele, uma exclamação abafada a fez gelar, e assim que olhou para a porta, a única pessoa que não queria que estivesse ali a fitou chocada. Anne o olhou para Dora e Gilbert chocada demais para dizer qualquer coisa. A garota estava sentada no colo dele, enquanto seu noivo tocava o rosto dela a olhando de um jeito que fez o coração de Anne se contorcer. Aquilo não podia estar acontecendo de novo. Primeiro Ruby na porta da casa dele, depois Sabrina na festa de Mary e Sebastian, e agora ali na faculdade a cena se repetia. Quantas vezes ela ia sofrer assim? Quantas vezes ela perderia Gilbert para outra mulher? Ela precisava sair dali antes que se atirasse em cima daquela garota e acabasse o serviço que começara na festa de Carlos.

Gilbert olhou para ela, e o choque se instalou em seu rosto. Como ela podia estar na porta se estava em seus braços naquele mesmo instante? Então, a névoa que tomara conta de sua cabeça e que o confundira a pouco instantes se dissipou devagar, e ele arregalou os olhos ao ver Dora ao invés de Anne em seu colo. Ele se levantou cambaleante, empurrando a garota para longe, enquanto chamava o nome de Anne, desesperado, caminhando em sua direção.

- Anne...por favor, amor, Anne...- ela o olhou com os olhos cheios de dor, sentindo-se tão magoada que disse antes que ele a alcançasse:

- Por favor, não se aproxime de mim! - a voz cortante o fez parar, ao mesmo tempo em que ele tentava desesperadamente entender o que estava acontecendo.

Anne se virou para ir embora, pois não suportaria ficar olhando para Gilbert e Dora, e imaginar o que mais tinham feito juntos sozinhos naquele salão, mas, então, seu corpo se chocou com de outra pessoa que vinha em sentido contrário ao dela e ela ouviu Carlos dizer:

- Anne, que surpresa. - ela não respondeu, então o rapaz notou seus rosto crispado, os olhos vermelhos, a tensão em eu corpo e perguntou:- O que foi, Anne?

Ela continuou de cabeça baixa sem forças para responder o que ele lhe perguntara, apenas balançando a cabeça em negativa tentando varrer de sua mente a imagem de Dora e Gilbert juntos. Naquele momento, o amigo de Gilbert olhou para dentro da sala, e seu rosto mudou totalmente de expressão ao ver Gilbert e Dora ali, e imediatamente intuiu o que se passava. Suas narinas se dilataram, enquanto seu rosto se transformava em uma expressão zangada e ele gritava para Gilbert com seu dedo indicador apontado na direção do rapaz:

- Eu te disse para não magoá-la, seu idiota! Eu podia facilmente partir a sua cara nesse momento. - Anne agarrou o braço dele e disse:

- Por favor, Carlos, não faça isso. Só me tira daqui. - o rapaz ia responder quando Jonas surgiu na porta:

- Calma. Carlos. - Jonas disse, e Anne o olhou espantada. Ela nem tinha percebido que ele tinha chegado junto com Carlos.

- Ainda bem que voltamos para pegar os livros que esqueci para terminarmos nosso trabalho, pois sabe se lá o que mais teria acontecido.

- Não é o que vocês estão pensando. - Gilbert disse sentindo tudo rodar.ao mesmo tempo em que tentava desesperadamente explicar algo que nem mesmo ele entendia.

- Carlos, leve a Anne embora daqui, e deixe que eu resolvo isso. - Jonas disse para o amigo enquanto observava Gilbert ficar cada vez mais pálido como se estivesse doente.

- Está bem. Acho que é melhor mesmo, pois, se eu ficar aqui mais um segundo, eu acabo com a raça desses dois. - Carlos disse enquanto abraçava Anne que tremia sem parar.

- Tenha calma, Carlos. Nem tudo o que vemos corresponde à realidade. Vá. Meu amigo. Leve Anne para casa que eu vou descobrir o que está se passando aqui.

Assim, que Carlo saiu levando Anne em seus braços, Jonas olhou para Dora que parecia extremamente envergonhada e perguntou:

- O que foi que você fez?

- Eu não fiz nada- ela tentou negar.

- Se não me contar, vou levá-lo para o hospital e ai sua situação será pior. - Jonas disse enquanto observava Gilbert correr para o banheiro e vomitar.

- Eu coloquei três gotas de entorpecente no café dele.- Dora confessou, sabendo que seria muito pior se negasse.

- O que? Por que fez isso? - Dora baixou a cabeça, e então, antes que ela respondesse, Jonas soube e gritou inconformado:

- Você não presta, Dora!

- Por favor, Jonas. Não fale comigo desse jeito. - ela implorou seus olhos marejando com o arrependimento que sentia.

- Como quer que eu fale com você, depois disso? Como pôde? Não tem noção do que fez? Você pode perder seu diploma.

- Eu sei. - ela disse ainda mais arrependida.

-Então por que fez isso com o Gilbert, Dora? - Jonas queria entender por que aquela garota a quem ele admirara por tanto tempo tomara aquela atitude mesquinha, fazendo-o enxergá-la com outros olhos.

- Por despeito, por mágoa, por raiva, e principalmente por vingança. – ela confessou, olhando para um ponto longe de Jonas, não conseguiria encará-lo depois de tudo aquilo,- Após aquela festa, todos passaram a me olhar com desprezo, me fizeram me sentir a pior das criaturas, me julgaram e condenaram sem direito a defesa, como se apaixonar por alguém fosse o pior dos pecados.

- Dora, você se colocou nessa situação. Fez o Gilbert pensar que eram amigos apenas para se aproximar dele, mesmo sabendo que ele é noivo.

- Eu o amo, Jonas. O que posso fazer? Eu tentei não sentir nada, eu tentei me manter longe, mas, não consegui. - as lágrimas rolavam por seu rosto, mas, Jonas não sentiu pena nenhuma dela.

- Amor não é isso, Dora. O que você sente é obsessão. Eu sei que não sou a pessoa mais indicada para falar sobre esse assunto, porque sempre fui muito cético a respeito de sentimentos e paixões, mas, se eu aprendi alguma coisa observando o Gilbert com a Anne, é que o que eles sentem um pelo outro é algo que nunca será superado por ninguém. Você se enganou porque quis. Ele nunca poderia amar você, pois o coração dele já foi entregue a muito tempo para outra pessoa. - Eram palavras duras as que estava ouvindo de Jonas, mas, ela sabia que merecia. Ela realmente nunca tivera chance nenhuma com Gilbert, mas, fora teimosa e inconsequente, e principalmente, ela fora orgulhosa, e perdera feio por causa disso.

- Bem, está feito, e não há como voltar atrás, mas, pelo menos você pode me ajudar a arrumar toda essa bagunça que causou. - Jonas disse com firmeza e Dora concordou. Estava se sentindo péssima, e queria apenas que tudo aquilo fosse resolvido logo.

Gilbert voltou do banheiro ainda mais pálido do que antes. Seus olhos estavam um pouco vidrados, mas, ele parecia quase normal. Eles o levaram para o dormitório de Dora que era o mais próximo dali, e ela preparou um chá e o fez beber bem quente, e depois de uma hora, o rapaz já tinha recobrado sua total consciência,

- Não sei o que aconteceu. Estou me sentindo estranho, como se minha mente estivesse tão longe. - Gilbert disse, e ao ver a troca de olhares entre Jonas e Dora, ele perguntou:- O que foi?

- Você conta ou eu conto? - Jonas perguntou olhando para Dora de maneira inquisidora.

- Eu conto. - ela disse parecendo derrotada, e então, Dora começou a relatar tudo o que havia acontecido até ali. E a cada palavra dela o rosto de Gilbert ia mudando de expressão, até que chegou ao ponto de exibir uma indignação tão grande que ele gritou:

- Você me drogou! Que espécie de pessoa faz isso com outra por puro egoísmo? - o corpo dele tremia, assim como sua voz, e o rapaz parecia que iria cair em um choro profundo a qualquer momento, por isso, Jonas disse:

- Calma, Gilbert. Tudo vai se resolver.

- Eu preciso ver a Anne, Jonas. Ela tem que acreditar em mim. - Gilbert não suportava pensar que iria passar por tudo aquilo de novo. Ele se lembrava bem de como fora quando Sabrina o beijara, e Anne se afastara dele, pois era assim que ela agia quando estava magoada. Era demais para ele imaginar que iam voltar ao princípio daquela história quando ela não conseguia confiar nele.

- Eu posso te ajudar, Gilbert. Se quiser eu falo com a Anne. - Dora disse, e Gilbert a olhou como se não a conhecesse, o que não deixava de ser verdade, pois aquela garota dissimulada que fora capaz daquele ato vil lhe era totalmente estranha. A Dora que um dia fora sua amiga jamais faria algo assim. Seu olhar estava duro quando a encarou, assim como seu coração, e Dora sentiu o impacto do que tinha feito no instante em que ouviu a voz inexpressiva dele que disse;

- De você eu não quero nada. Alguém que foi capaz de arquitetar um plano sórdido apenas porque se sentiu desprezada, não merece minha consideração ou amizade. Você tentou me afastar da única mulher que me importa nessa vida, e eu te disse uma vez Dora, que Anne sempre virá em primeiro lugar, então, no que me diz respeito, você morreu para mim. - Gilbert se levantou, pegou sua boina, e maleta com seus materiais e saiu pela porta do dormitório de Dora seguido por Jonas que vinha em seu encalço e perguntou:

- Você ainda não está em condições de andar sozinho por ai. Venha, eu te levo para casa no meu carro- Jonas disse caminhando a seu lado.

- Eu não vou para casa. - Gilbert respondeu sem olhar para ele.

- Então, para onde vai? - Jonas perguntou intrigado.

- Eu te explicou no caminho. - ele respondeu, sabendo de antemão que somente havia um lugar onde Anne estaria naquele momento.

E realmente, o rapaz não se enganara, pois logo que saíra com Carlos do salão dos estudantes, Anne se sentia tão terrivelmente arrasada por dentro que não sabia o que fazer. Não queria ir para casa onde Gilbert a encontraria facilmente, e ela não estava em condições de falar com ele naquele dia, por isso, ela olhou para Carlos de maneira suplicante e perguntou:

- Você pode me levar à casa de um amigo?

- Claro, minha querida. - ele respondeu observando-a com atenção.

Eles entraram no carro dele, e depois de passar o endereço para Carlos, Anne se fechou em si mesma, ficando calada pelo tempo em que durou a viagem. Ela mantinha a cabeça erguida, e os olhos secos, mas seu coração estava gritando em seu peito pela dor que aquela situação toda estava lhe causando. Eram tantos sentimentos dentro dela, tantos pensamentos incoerentes que sua cabeça dava voltas sem parar. Ela tinha que encontrar uma maneira de lidar com Roy Gardner naqueles meses de ensaio que aconteceriam, mas, agora sem o apoio de Gilbert, ela sentia que se afundava. Como poderia lutar contra aquele patife, se perdera sua força principal?

- Anne, quer falar sobre o que aconteceu? - Carlos perguntou assim que parou em frente do edifício onde Cole morava.

- Não consigo falar sobre isso agora, Carlos. Perdoe-me.

- Não tem que pedir perdão por nada. Eu somente queria dizer que sinto muito, Anne. Você não precisava passar por isso.

- Obrigada. - Anne disse com um nó na garganta. Não queria desmoronar ali. Faria isso quando estivesse sozinha.

- Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, sabe que pode contar comigo. - ela balançou a cabeça assentindo, o abraçou pela última vez, saiu do carro e entrou no prédio. Já no andar de cole, Anne tentava segurar as lágrimas que não derramara até ali. Ela apertou a campainha, e a porta se abriu, e sem se importar que fosse Pierre ali parado na sua frente, ela se agarrou a ele, porque precisava de um abraço, de qualquer abraço que a fizesse se sentir menos vazia, porém, ela descobriu que o único abraço capaz de fazê-la se sentir assim era o de Gilbert e ele não estava ali, e ela se sentindo morrendo por dentro.

- Anne, querida, não fique assim.- Pierre dizia em seu inglês meio sem jeito, chamando por Cole, que apareceu imediatamente ao ouvir sua voz aflita. Ele então, tomou Anne em seu braços enquanto ela chorava sem parar, o soluços tão altos que cortou o coração de seu melhor amigo, e quase irmão.

- Anne, é o Gilbert, não é? - ele perguntou sabendo a resposta antes mesmo dela dizer, pois Anne somente ficava naquele estado quando estava sofrendo por amor. Gilbert Blythe era a única coisa com a qual ela não sabia lidar sozinha.

Aos poucos, Cole conseguiu saber de toda história, mesmo Anne chorando sem parar, ela lhe contou o que tinha acontecido, e ele não conseguia acreditar que Gilbert tivesse feito aquilo, sabendo do amor que ele sentia por Anne. Havia alguma coisa errada naquilo tudo, logo a verdade apareceria com certeza. Por hora, seu dever era cuidar de sua amiga que parecia a cada minuto ficar mais inconsolável. Por isso, ele teve que dizer:

- Anne, não é possível que depois de tudo que você e Gilbert viveram juntos, você acredite que ele não te ame. - Cole disse acariciando os cabelos dela com carinho, Anne não respondeu, apenas balançou a cabeça. Como poderia fazer Cole entender o que ela estava sentindo? Não duvidava do amor de Gilbert por ela, mas, e se ele tivesse se cansado de suas crises, e de repente resolveu aceitar o afeto que Dora lhe dava sem preocupações, sem cobranças, sem loucura? Ela tinha consciência do que o fizera passar depois da amnésia, o afastara dela por um tempo indefinido, e depois quando tudo parecia bem entre eles, ela sempre acabava caindo na tristeza do seu luto e o arrastava com ela em sua dor. Era verdade que tinham falado sobre tudo isso no último fim de semana, e embora tudo parecesse ter ficado esclarecido e resolvido, isso não era garantia de que de repente, Gilbert não precisaria daquela distração que mesmo que fosse inconsequente para ele, a magoava demais. Por que tinha que ser a Dora? Logo ela? Não que não reagiria da mesma forma se fosse outra garota, pois imaginar Gilbert com qualquer outra mulher a deixava doente de ciúmes, porém, seria mais fácil lidar com seus sentimentos. No entanto, se lembrar da maneira como ele olhava para Dora quase com adoração do mesmo modo que ele sempre olhara para ela, fazia Anne ter vontade de gritar até não ter mais voz, por, isso ela chorou e chorou sem parar, deixando Cole e Pierre preocupados sem saber o que fazer.

Por fim, lhe deram um calmante, e a levaram para o quarto de hóspedes, onde ela se deitou na cama ainda chorando, pois sentia falta do corpo de Gilbert encostado no seu, seu cheiro, seu sorriso, sua voz falando baixinho em seu ouvido, seus beijos apaixonados que a faziam se sentir amada, desejada e feliz. Finalmente ela dormiu, depois de horas olhando para o teto, desejando ardentemente que quando acordasse aquilo tudo não passasse de um pesadelo

Uma hora depois, Cole ouviu uma batida na porta, e por intuição já sabia quem era. Quando a abriu, viu um Gilbert totalmente desesperado à sua frente. Ele tinha chorado, Cole podia perceber, e de novo teve certeza de que havia algo que não estava bem naquela história.

- Olá, Gilbert. Vamos entrar.

- Ela está aqui, não está, Cole? - ele perguntou com os olhos preocupados, assim que adentrou a sala do amigo.

- Sim, ela está.

- Graças a Deus. Fiquei tão preocupado. - ele disse respirando fundo. - Será que posso falar com ela?

- Gilbert, Anne chegou aqui descontrolada demais, eu e Pierre tivemos que dar-lhe um calmante forte para que ela pudesse se acalmar. Eu fui vê-la ainda a pouco e ela está dormindo, não acho que você conseguirá falar com ela sobre o que quer que seja.

- Ela te contou o que aconteceu? - ele perguntou olhando para os próprios pés.

- Sim, mas, eu prefiro acreditar que você tenha uma boa explicação para isso tudo. - Gilbert balançou a cabeça assentindo, e Cole continuou.

- Não preciosa me explicar nada, porque quero que guarde a explicação para Anne que é a única pessoa que precisa dela. Eu te conheço desde de criança, Gilbert, e apesar de não termos sido muito próximos, eu te observava de longe e sei o tipo de caráter que você tem, e além de tudo, eu também sei o quanto ama a Anne e jamais faria nada para magoá-la.

- Então, por que ela é a única que não acredita em mim, Cole? Por que, toda vez que algo assim acontece, ela prefere pensar o pior de mim? Eu não entendo, eu a amo mais que a mim mesmo, e passo todos os dias de minha vida desde que a conheci tentando provar esse amor, e basta um único incidente para ela acreditar que eu a traí, ou que meu amor não é sincero. - ele estava chorando, e Cole quis chorar com ele. Aquelas palavras eram tão sinceras, e ele podia sentir exatamente a dor de Gilbert nelas, por isso não pôde ficar calado e respondeu:

- Ela não duvida do seu amor, Gilbert. O que você ainda não percebeu é que quando uma situação como a de hoje acontece, ela duvida de si mesma. Você sabe como a Anne sempre se sentiu inferior às outras pessoas, e apesar de isso ter melhorado com o tempo, e a transformado em uma mulher forte, a fragilidade dela às vezes ainda se manifesta, e é nesses momentos que ela pensa que não é boa o suficiente para você. É um pensamento incoerente eu sei, se pensarmos em como ela se comporta no dia-a-dia, tão alegre e confiante em si mesma, mas, é dessas maneira que a cabeça dela funciona nesses momentos, e é por isso que precisamos ser pacientes, porque ela vale a pena. - Cole disse confortando Gilbert, que o olhava surpreso.

- Como ela pode pensar isso de si mesma? Cole, ela é tudo para mim. Minha vida não vale nada sem ela, eu não consigo sequer imaginar acordar se Ane não estiver lá comigo.

- Eu sei, e acredite, ela também sabe. Anne só está confusa, mas vai melhorar.

- Será que eu posso pelo menos vê-la um pouquinho? Eu prometo que não vou incomodá-la, só preciso olhar um instante para ela. - ele suplicou e Cole concordou. Não suportava ver tanto sofrimento em uma só noite.

Gilbert entrou no quarto onde Anne estava, e percebeu que a ruivinha estava mergulhada em um sono profundo. Ele se aproximou da cama e se sentou em uma cadeira que tinha ali no quarto ficando de frente para ela. Seus olhos a acariciaram, passeando pelo seu rosto delicado, adorando seu nariz arrebitado, e suas bochechas coradas. Como ele queria deitar naquela cama com ela e abraçá-la como fazia todas as noites. Ele sentia quase uma dor física por estar longe dela mesmo que fossem apenas dois passos de distância, e por isso não aguentou e se ajoelhou perto da cabeceira da cama, passando devagar os dedos por seus cabelos devagar, aproximando seu rosto do dela e encostando sua testa na dela de leve enquanto dizia:

- Oi, meu amor. Eu sei que não está me ouvindo, e que quando acordar amanhã, não vai se lembrar de nada disso, mas quero falar mesmo assim.- ele fez uma pausa como se buscasse inspiração e depois prosseguiu- Eu te amo tanto, mais do que pode imaginar, e você é a única mulher que consegue fazer meu coração dar cambalhotas quando vejo seu sorriso quando acordamos juntos de manhã. Adoro esse seus olhos azuis profundos e suas covinhas adoráveis, amo cada segundo com você, pois a minha vida só é perfeita porque você está nela. Você foi feita para mim, minha Anne com e , e quero ser para você tudo o que você é para mim. Quero casar com você naquela igreja em Paris com a qual você sonha tanto, quero ter nossos filhos, mesmo que sejam adotados, quero andar de mãos dadas na rua com você, e correr mais vezes na chuva como naquele dia depois do jantar na casa de Cole. Quero fazer amor com você ouvindo as ondas do mar se quebrando na praia, quero entrelaçar meus dedos nos seus e ficarmos em silêncio sem necessidade das palavras, porque nossos corações dizem tudo um ao outro. Quero que seja minha mulher a cada dia que eu viver nesse mundo, porque você a única com quem quero estar. Agora durma, meu amor, e amanhã quando acordar, volta para casa e volta para mim, pois eu vou estar lá esperando por você nem que seja para sempre. - em seguida, Gilbert a beijou de leve, sentindo o perfume de rosas inesquecível dela. Então, ele se levantou, ajeitou as cobertas em volta de Anne e saiu fechando a porta sem fazer ruído.

- Obrigado, Cole. Acho que agora vou para casa. - Gilbert disse assim que saiu do quarto e encontrou o rapaz na sala com Pierre.

- Vai ficar tudo bem, Gilbert. Você sabe que Anne te ama, assim que tudo ficar esclarecido, ela vai voltar pra casa. Só tenha um pouquinho de paciência. - Gilbert balançou a cabeça tristonho, e disse;

- Toma conta dela para mim, por favor.

- Pode deixar. Você sabe que Anne é como minha irmã. Ela 'mais do que bem vinda aqui.

- Mais uma vez obrigado. - ele disse, depois se virou e foi embora, deixando Cole com os olhos marejados, e apertando a mão de Pierre em busca de apoio.

Gilbert foi caminhando para casa. Ele não se importava que estava frio e que seu casaco não era apropriado para aquele clima gelado. O vento agitou seus cabelos escuros, e ele percebeu que estava sem sua boina vermelha, e uma sensação de tristeza o acometeu ao imaginar que a tinha perdido. Anne tinha lhe dado aquela boina a muitos natais atrás, ela tinha quase se incorporado à sua personalidade, e não tê-la com ele parecia mais um pedacinho de Anne que ele perdia.

Ele chegou em casa com lágrimas geladas rolando pelo seu rosto, e quando abriu a porta, Milk veio a seu encontro choramingando por ter sido abandonado por tantas horas naquele apartamento sozinho. Gilberto o pegou no colo, acariciou sua cabecinha, notando o quanto ele já havia crescido desde que viera fazer parte daquela família. Uma família na qual faltava um membro agora, o mais importante de todos. Ele se deitou no sofá com o cachorrinho deitado em seu peito, sentindo uma dor agonizante por dentro, fechou os olhos e ouviu um som imaginário em sua cabeça, pensando com toda dor de sua saudade atingindo-o, que era o seu coração se partindo.

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