Capítulo 70- Destinos entrelaçados
Olá, queridos leitores.Eu imagino que a maioria de vocês esteja entediada com essa quarentena como eu, por isso, resolvi presenteá-los com esse capítulo, que consegui escrever todinho, hoje, pois como estou apenas trabalhando em horários específicos estipulados, eu consegui ter um tempo maior para escrever, o que é uma boa coisa, porque assim não sou acometida por crises de ansiedade das quais sofro quando não tenho nada para fazer. Eu não vou falar desse capítulo porque quero que tirem suas conclusões, e por favor me façam companhia e me mandem seus comentários que sempre aquecem meu coração, principalmente agora em tempos difíceis. Espero que façam uma boa leitura. Muitos beijos, Rosana.
GILBERT
O fim de tarde parecia adorável, iluminada pelo sol que se punha, e os olhos de Gilbert por um momento se perderam naquela beleza que de repente lhe parecera tão fora de tom, pois a garota em seus braços chorava, e seus soluços doloridos machucavam seus ouvidos fazendo com que toda graciosidade lá fora não significasse nada.
Ele pousou os olhos no papel que Anne deixara caído no chão, e Gilbert sentiu como se lá estivesse a carta de alforria de Anne, que a aprisionara todo aquele tempo. Ele não sabia exatamente o que ela encontrara ali, uma vez que ela não dizia nada. Apenas chorava silenciosamente agora pois os seus soluços tinham cessado. Ele queria que pelo menos ela lhe dissesse qual fora a razão de ela estar tão abalada assim? Os resultados tinham sido os piores possíveis? Era por isso que chorava como se o mundo tivesse acabado? Era por isso que ela se agarrava a ele como se Gilbert pudesse libertá-la daquela dor? De novo, ela o deixara no escuro, mas aprendera a respeitar o espaço dela, embora odiasse aquele silêncio e aquela sensação de estar do outro lado da parede que Anne sempre colocava entre os dois quando as coisas ficavam difíceis.
Gilbert ainda não conseguira forças suficiente para empurrar ladeira abaixo o bloqueio emocional que Anne submetia os dois nesses momentos, mas estava feliz que pelo menos ela o deixasse se aproximar o suficiente para abraçá-la em seu momento mais vulnerável.
Ele olhou de novo para o papel caído no chão, e pensou que se ele inclinasse um pouco seu corpo ele o teria em suas mãos, e então saberia do que Anne agora tinha conhecimento, mas não dizê-lo por alguma razão. Porém, ele achou que não teria direito algum de traí-la dessa maneira, pois aquele papel pertencia a Anne e somente ela poderia lhe contar o que estava escrito ali.
Gilbert esperou mais um pouco, até que ela por conta própria se desprendeu dele e sentou -se sobre a cama olhando para as próprias mãos. Ele se sentou ao lado de Anne, e colocou os braços em volta dos ombros dela, em uma clara indicação do seu apoio, como se dissesse que ele estava ali se ela se decidisse a falar.
O silêncio durou ainda alguns minutos, e Gilbert começou a ficar inquieto, ele queria que ela falasse algo, que gritasse, que quebrasse coisas, ele não se importava, pois qualquer coisa era melhor que aquele silêncio pesado, no qual até o mais sutil ruído se tornaria audível a qualquer pessoa. Ele relançou um olhar para ela, enquanto esperava a crise emocional dela passar, e não pôde deixar de observar como a beleza dela se tornava evidente entre lágrimas e sorrisos. Anne tinha um brilho que lhe era tão natural, e que nem mesmo seu nariz arrebitado vermelho do choro, que por sinal era adorável, não a desfavorecia. Ela literalmente lhe tirava o fôlego, não importava o momento ou a situação.
Ele decidiu que seria ele a quebrar aquele silêncio, já que Anne parecia querer arrastar aquele suspense por tempo indefinido.
- Anne, fale alguma coisa. Eu detesto quando você se fecha assim É como se me deixasse de fora do seu momento mais importante. – Ele a viu fechar os olhos, e tentou encontrar uma pista do que se passava em seu pensamento, mas seu rosto delicado estava fechado feito granito.
- Quer falar a respeito? Seja o que for vamos enfrentar juntos. Estou aqui não se esqueça. – Anne levantou a cabeça e o olhou de lado, com seus olhos tristes que pareciam lhe dizer que Gilbert não ia gostar do que ela tinha para falar.
- Anne? - ele insistiu.
- Não posso. – era a mesma frase que ele ouvia há semanas, a mesma reação que o afastava dela, o mesmo abaixar de cabeça que lhe sugeria que ela estava desistindo-, o mesmo cair de ombros que lhe mostrava que ela estava exausta, então, Gilbert decidiu que ele mesmo ia dar um fim para aquilo.
Ele se levantou e pegou papel que estava no chão, e leu o que estava impresso ali. Gilbert dirigiu seu olhar para Anne, mas ela fitava a lua que surgia no céu naquele momento, tão majestosa cercada de suas súditas estrelas que davam graças a sua rainha com uma luz sem igual. Havia uma outra rainha ali dentro, a que era dona de seu coração, mas que naquele momento se transportara para outra dimensão onde ele não tinha acesso. Porém, ele se recusava a ser mantido do lado de fora, daquela vez sua vontade prevaleceria, e não deixaria que Anne o afastasse daquele jeito.
Gilbert tornou a olhar para o pedaço de papel, e o que continha ali não era o que ele esperava, mas também não era nenhuma sentença de morte, disposto a falar com Anne sobre aquilo, ele se sentou ao lado dela de novo e disse:- Anne, aqui diz que você tem cinquenta por cento de chances de ter um bebê. Não é tão ruim assim, amor. - Ele lhe apertou o ombro tentando encorajá-la. Mas ela o olhou como se estivesse ofendida, até mesmo indignada com o que ele dissera.
- E cinquenta por cento de não ter. Qual é a diferença, Gilbert, se não me dão cem por cento de certeza que posso engravidar de novo. – Ela jogou o cabelo para o lado, mas não abaixou a cabeça, continuou sustentando o olhar de Gilbert.
- Eu sei que não é muito, mais ainda assim são cinquenta por cento, Anne, não é o mesmo que dizer que você não pode ter filho nenhum. Gilbert queria desesperadamente que ela considerasse aquela possibilidade como positiva, não queria vê-la quebrada como a semanas atrás, mas Anne como sempre tornava tudo difícil, e ele se perguntou se alguma vez ele encontrara alguma coisa que fosse fácil em Anne, e constatou com um suspiro que fora sempre assim.
Desde o princípio fora uma luta, fazê-la concordar, fazê-la ceder ou aceitar uma opinião diferente da sua. Não que ela não fosse justa, porque ela era, maior problema era que Anne pensava demais e muito além do que a maioria das pessoas pudesse compreender. Ela não era maleável e nem um pouco flexível, o único momento em que ela se transformava era quando faziam amor, porque ela mostrava um lado dócil que somente Gilbert conhecia, mas aquilo estava fora de questão no momento e não queria pensar o quão distante isso estava de voltar a acontecer. Definitivamente não havia nada de entediante em sua noiva, viver com ela era estar no topo do mundo sem saber quando colocaria novamente os pés no chão. Ele ainda estava muito longe de entendê-la completamente, mas tinha a vida inteira para tentar.
- Você não entende mesmo, não é? Não consegue compreender que cinquenta por cento é como se atestasse que sou metade da mulher que deveria ser, metade da mulher que não é suficiente para você amar. - a voz dela soou amarga, e Gilbert quis protestar, mas Anne não deixou que ele sequer começasse a falar.
- Ora, está bem, Gilbert. Eu sei o que vai dizer. Não vou fazer drama desta vez. Eu queria saber o resultado e agora sei, e isso acaba por aqui. - ela passou a mão pelos cabelos, ajeitando-os com cuidado, dando a entender que não queria mais falar no assunto, mas ele tinha que tentar, pelo menos dessa vez.
- Anne, você sabe que existem tratamentos alternativos para isso.
- Não vou me submeter a algo que está fadado ao fracasso. Não vou passar minha vida presa a uma esperança e vê-la morrer a cada mês, levando o melhor de mim, e me condenando a um futuro de amargura. Você não me suportaria. - o que ela poderia dizer que a fizesse mudar de opinião? A intransigência de Anne era outro problema ali. De quem será que Anne herdara aquela teimosia não disfarçada? Se Anne não fosse adotada, Gilbert diria que ela era a cópia de Marilla, pois seu pai sempre lhe dissera que quando jovem Marilla era mais teimosa que uma mula, e Gilbert pensou que talvez aquilo não dependesse muito de genética afinal.
- Precisamos falar mais sobre isso- ele disse.
- Não, não precisamos. Quero seguir em frente com nossas vidas e nossos planos, é só o que importa agora. - ela deitou a cabeça no ombro dele, e ele a puxou para mais perto pela cintura. Ele sabia que voltariam a aquele assunto. Não ia deixar por isso mesmo. Por ora era melhor deixá-lo morrer, e esperar que a decepção de Anne passasse com o tempo.
Depois de alguns minutos, ela levantou a cabeça e disse;
- Vou para casa.
- Eu te levo. - Gilbert disse já procurando as chaves do carro.
- Não, Gilbert. - ela tocou-o no ombro. – Eu prefiro ir sozinha.
- Tem certeza? - ele perguntou tentando saber o que ela estava pensando naquele momento.
- Sim. Eu preciso pensar e caminhar me ajuda a raciocinar melhor.
- Está bem se quer assim. Ele disse não acreditando muito no que ela dissera, mas não querendo pressioná-la mais. Ele a levou até a porta e antes de se despediram de vez naquele dia, Gilbert disse:
- É aniversário de Shirley amanhã e Mary queria saber se virá para a festinha dela
- Claro. Sou madrinha dela. - Anne disse com um leve sorriso.
Eles se beijaram pela última vez, e Anne foi embora, deixando Gilbert pensativo.
O rapaz ficou olhando-a enquanto Anne se afastava, e ele sabia que ela não estava tão bem quanto queria parecer. Teria mais uma luta pela frente a de fazê-la feliz novamente e esperava que dessa vez saísse vencedor.
ANNE
A caminhada até Green Gables demorou mais do que Anne esperava. Ela teve que parar várias vezes para respirar, pois seu coração batia tão rápido, e seu peito apertava tanto que a sensação era de falta de ar. Agora estava sozinha, não havia Gilbert para abraçá-la, e ela preferia mesmo que ele não estivesse porque assim poderia sofrer sem testemunhas. Ela queria aceitar tão bem os resultados dos exames como Gilbert, mas a verdade era que não conseguia.
Os cinquenta por cento de chance que teria para engravidar não eram nada se aliados as crises de ansiedade que Anne conhecia muito bem, e ela não queria viver com a sensação de fracasso dentro dela todas as vezes que esperasse por um milagre e ele não acontecesse. Não era justo. Ela não merecia aquilo. Ou será que merecia? Será que não tinha sido uma boa pessoa? Será que não tinha cumprido com suas obrigações cristãs? Será que seu mal génio a tinha condenado daquele jeito por coisas que nem mesmo se lembrava? Pelo que estava sendo castigada? Será que quebrara regras demais e por isso, o seu direito de ser mãe lhe fora negado? Qual era sua culpa? Onde estavam a compaixão e a misericórdia quando se precisava delas?
Ela era quem era, e não podia mudar sua origem, e olhando para trás ela podia enxergar o seu passado todo em um segundo. Todas as suas lembranças se concentravam no orfanato, na casas pelas quais passara, no seu otimismo e consideração com as pessoas que estimava, mas isso nunca fora suficiente. Poucas vezes recebera de volta a sua dedicação, o que mais ouvira desde que era ainda uma garotinha era que devia ser grata pelo teto e a comida que lhe davam, porque além daquilo ela não merecia mais nada. Amor era um artigo escasso em sua infância, e somente o conhecera quando fora morar em Green Gables, e começara a ser tratada como um membro da família por Matthew e Marilla, e o outro tipo de amor que somente existia entre um homem e uma mulher ela encontrara nos braços de Gilbert, mas agora ela se perguntava se era por isso que estava sendo punida, por ter um tipo de amor que não merecia? Ela desafiara os deuses por ter se apossado de algo que não lhe pertencia?
Anne olhou para cima, mas realmente sem ver as estrelas e lua que se exibiam para ela naquele instante. Sua mente estava em outro lugar, entre seu sonho e sua decepção todas os seus complexos e neuroses a pegaram em cheio, e sentiu tão pequena e tão indigna que começou a chorar sem perceber.
Ela ouvia vozes distantes de seu passado que riam dela com escárnio de quem zomba e se regozija com o desespero alheio. Ela tapou os ouvidos, não queria ouvir, ela já as tinha enterrado em seu passado miserável, por que tinham retornar em seu pior momento, quando se sentia metade da mulher que queria ser. Gilbert podia dizer que entendia os sentimentos dela, mas ele não podia compreender a dimensão daquilo tudo.
Ela era uma mulher que tinha metade de seu órgão reprodutor trabalhando, e a outra metade era improdutiva, não daria um filho a Gilbert, não permitiria que Anne fosse mãe, e como ela deveria se sentir a respeito? Dessa vez as partes quebradas não mais se juntavam, não podiam ser remendadas ou coladas novamente.
Anne fora golpeada pelo destino mais uma vez, e a vontade de desistir era imensa. Que adiantava lutar se no final sempre perdia? Que adiantava se armar de coragem se era sempre derrubada ao chão? Estava tão cansada e tão perdida, que nem mesmo a beleza da noite conseguia aliviar sua infelicidade.
Mas, Anne também sabia que teria que continuar, e encontrar uma maneira de viver com aquela verdade que sentenciava a sua dificuldade de gerar um bebê.
Ela levou as mãos até seu ventre, e tentou captar a essência do seu filho que se fora. Ela o tivera ali por tão pouco tempo, e ela nem tivera a chance de saber como era carregar uma criança fruto de deu amor com Gilbert.
Anne sabia que poderia adotar uma criança, e a amaria da mesma maneira, mas havia uma parte dela que desejava um filho biológico, um que pudesse sair de seu ventre, um a quem pudesse sentir mexer em sua barriga, um que tivesse seus olhos ou os de Gilbert, que pudesse amamentar, um que tivesse características suas e de Gilbert misturadas em um ser perfeito gerado pelo seu amor.
Anne respirou fundo e enxugou suas lágrimas, estava na hora de crescer e parar de se sentir vítima da situação. Gilbert dissera que havia tratamento alternativo, mas não sabia se estava disposta a tentar. Teria que fazer um esforço imenso para aguentar a pressão e acabaria esgotada antes do período de tentativas terminar, e tinha medo que isso lhe custasse seu relacionamento com Gilbert.
Ela chegou finalmente em Green Gables e encontrou Matthew à sua espera.
- Então, como foi sua conversa com Gilbert-? – seu velho amigo quis saber.
- Bem. Vamos ver depois como ficará questão de eu me mudar para Nova Iorque com Gilbert – na verdade não tinham falado dos detalhes, mas ela imaginava que falariam disso logo.
- Por que eu tenho a impressão que você tem algo mais para falar e não está me contando - Matthew sempre fora melhor que Marilla para ler as reações de Anne, e ela não estava surpresa que ele tivesse percebido seu estado de espírito.
- Vi os resultados dos meus exame hoje. - ela disse logo sem muitos rodeios, precisava falar com alguém além de Gilbert sobre tudo aquilo, e a sabedoria de Matthew parecia ser seu único porto seguro agora.
- É como foi? As notícias são ruins? - Anne olhou para ele e suspirou antes de responder.
- Tenho cinquenta por cento de chances de ter um filho como não ter.
- Querida, mas isso é ótimo. - ele disse entusiasmado, mas ao ver Anne dar de ombro desanimada, ele perguntou;
- Mas, porque você está chateada?
'Não sei, Matthew? Talvez seja por que estou me sentindo metade de uma pessoa também.
- Que bobagem está dizendo, garota? Cinquenta por cento pode não ser o que você esperava, mas te dá uma margem de chances boa.
- Você é Gilbert são homens e não conseguem entender o que isso significa para uma mulher. – Anne disse balançando a cabeça
- Eu posso não saber o que significa, pois como você mesma disse não sou uma mulher, mas o que eu sei é que desistir não vai te dar o que você quer.
- Eu não sei, muitas coisas estão em minha cabeça, me confundem e me desesperam. - Anne disse com tristeza.
Então, pare de pensar nelas, Anne. Existe uma coisa que aprendi sendo um fazendeiro. Devemos sempre deixar que a natureza siga seu curso e torcemos que o melhor sempre vença o pior em qualquer circunstância. Nem sempre as coisas são como esperamos, então lutamos com as armas que temos e nos adaptamos ao que não tem como ser mudado.
A filosofia de Matthew não deixava de estar correta, mas não mudava muito como Anne estava se sentindo. Talvez se ela não tivesse um histórico de vida complicado conseguisse enxergar mais além do que as poucas oportunidades que lhe eram oferecidas,
Mas, a realidade era que sua decepção a deixava cega ao otimismo que Matthew tentava lhe despertar. Anne estava cansada de remar contra a corrente e no final perceber que continuava de mãos vazias
- Querida, talvez ir viver com Gilbert em Nova Iorque seja o que você precisa. Aqui em Green Gables existem muitas lembranças que não te fazem bem. Recomeçar em outro lugar te dará vida nova.
Recomeçar? Seria possível? Quantas vezes já fizera isso em um espaço curto de tempo? Em seus dezoito anos de vida, ela já vivera mais do que uma pessoa na sua vida pudesse aguentar, e se não fosse por Gilbert, sua vida estaria um completo cais.
A jornada era longa, ela sabia, e nem tinha chegado na metade dela. Enfrentar outra batalha àquela altura depois de se recuperar aos trancos e barrancos das tragédias que afetaram sua vida nos últimos meses parecia ser cedo demais. Ela estava no limite de suas forças, e isso ela não contava para ninguém. O único rumo que podia dar a sua vida era seguir em frente de mãos dadas com Gilbert sem olhar para trás.
Talvez houvesse uma esperança em tudo isso, mesmo que agora não conseguisse enxergá-la. Era muita coisa para administrar ao mesmo tempo, e Anne precisava de uma trégua para respirar e tomar fôlego, antes que conseguisse encontrar uma luz no fim do túnel para seu problema. Ela continuava nadando, mesmo que o mar da vida teimasse em arrastá-la para o fundo.
- Talvez tenha razão, Matthew. Devo seguir em frente não importa a que preço.
- Você tem que se lembrar de uma coisa, Anne. Você é uma Cuthbert, mesmo que não seja de sangue, e nunca desistimos, não importa quantas tempestades temos que enfrentar, - Matthew disse sorrindo enquanto lhe apertava a mão.
- Obrigada, Matthew vou tentar não.me esquecer mais disso.
Em seguida, ela subiu as escadas e foi até seu quarto. Olhou para sua cerejeira e sentiu saudades da garota que fora quando chegar a Green Gables. Ela tinha uma imaginação mais fértil do que tinha agora, e uma capacidade enorme de burlar as armadilhas de sua mente e de se transportar para um mundo de faz de conta, onde os finais felizes eram a moral da história.
Porém, a garotinha tinha crescido, e suas asas foram cortadas, não havia mais como se esconder da dor, porque não se tratava mais de apenas um joelho ralado. Os tombos eram maiores, as mágoas gigantescas, e tudo que podia fazer era agarrar com unhas e dentes o que lhe restava, e de tudo o que perdera ela tinha o principal que era Gilbert, o resto não importava mais.
ANNE E GILBERT
A festinha de Shirley estava animada, Mary convidara algumas crianças da região, e elas pareciam estar se divertindo imensamente correndo de um lado para outro.
Shirley também estava linda. Ela vestia um vestido rosa cheia de rendas, sapatinho branco, e nos cabelos dela, Mary colocara um laço de fita também rosa. Uma verdadeira bonequinha, Gilbert pensou quando a viu, e como crescera durante aquele período. Ela já conseguia andar sem muita dificuldade, e ensaiava as primeiras palavras. Um ano tinha se passado desde que ela nascera, e tanta coisa havia acontecido. Algumas boas, outras terrivelmente desastrosas, mas estavam todos ali, felizes e em busca de novos objetivos.
Gilbert correu os olhos para as pessoas que Mary havia convidado além de vizinhos e amigos próximos, e viu que todos estavam ali, menos uma convidada especial, a única que importava para ele entre aqueles rostos que ele conhecia bem. E logo ela chegou, quando Gilbert estava com Shirley no colo, e ao olhar para ela seu coração bateu mais rápido provocando uma festa inteira de sentimentos dentro dele.
Anne estava em companhia de Matthew e Marilla e sorria para Mary e Sebastian que os vieram recepcionar na porta de entrada, dando a Gilbert a oportunidade perfeita de observá-la.
Ela estava além de qualquer descrição terrena, era uma princesa perfeita naquele vestido azul turquesa, cor que ela amava, e que lhe caía tão bem. Para Gilbert não havia cor que não combinasse com Anne, todas a deixavam maravilhosa, até mesmo o rosa, que ela dizia odiar. Porém aquele vestido era especial, pois a fazia brilhar como se fosse uma joia extremamente rara. O vestido era simples, mas marcava-lhe a cintura, destacando-lhe a curva dos seios que fez Gilbert respirar fundo. Quase seis meses sem tocá-la o estava deixando louco, ele prometera esperar o tempo dela, mas nunca uma promessa fora tão difícil de cumprir. Seria mais fácil se ele nunca a tivesse tocado antes, mas saber exatamente qual era o gosto da pele dela não tornava as coisas mais fáceis.
Anne se virou e sorriu para ele, seus olhos brilhando e um sorriso nos lábios que o fez se lembrar de todas as vezes que ela sorrira assim quando estavam se amando. Deus! Ia ser uma tarde longa, e um noite mais longa ainda, pois imaginava quantos banhos frios teria que tomar para arrancar aquele fogo do corpo dele que o manteria acordado pela madrugada a dentro.
Ele vinha resistindo bem durante aquele tempo todo sem tê-la por completo, mas naquela manhã acordara assim com saudades de tê-la em sua cama de novo, e sua imaginação o levara por caminhos perigosos, e agora que ela estava ali era difícil de se conter e não fazer o que desejava. Ela se aproximou sorrindo ainda para ele, e Gilbert ficou contente de ter Shirley entre eles, para mantê-los a uma distância segura.
- Oi, meu amor. Desculpe a demora, mas Matthew perdeu as chaves do carro, e imagina quanto mau humor de Marilla tivemos que suportar até chegarmos aqui. - ela olhou para Shirley no colo de Gilbert e disse:
- E como vai a garotinha mais linda do mundo? Será que posso pegá-la? – Anne perguntou e Gilbert hesitou, pois se lembrou da crise que Anne tivera da última vez que pegara Shirley no colo, então ele perguntou:
- Tem certeza?
- Fique tranquilo. Eu estou bem. Não vou surtar dessa vez. Não posso ter uma crise toda vez que tenho uma criança nos braços. Eu preciso seguir em frente.
- Está bem. - Gilbert disse entregando a garotinha para Anne que a acomodou em seus braços com facilidade, e Gilbert pensou com tristeza que ela nascera para ser mãe. Era uma pena que a fatalidade da vida a tivesse atingido daquela maneira, mas ele iria ajudá-la e ela voltaria a ser feliz de novo.
Ele a observou brincar com Shirley e a maneira carinhosa com que falava com a menina, e apesar do olhar triste, ela parecia estar bem. Não podia dizer que ela estava propriamente feliz, mas não havia mais aquele desespero que a arrasava por dentro como ele vira acontecer nos últimos meses, isso queria dizer que sua recuperação estava a caminho. Eles teriam seu filho, Gilbert tinha certeza, era somente uma questão de tempo.
Anne olhava para Shirley e se sentia tão bem com ela nos braços. Uma pontinha de dor tocava seu coração, mas não era mais tão dilacerante, e não a fazia querer chorar o tempo todo.
Quando acordar a aquela manhã, depois de passar a noite inteira com um nó em sua garganta, ela decidirá que iria reagir a mais aquele infortúnio. Já chorara demais, e precisava de uma boa razão para voltar a ter sonhos, e Gilbert era essa motivação, ele sempre era sua motivação e tudo com ele valia a pena, não importava como fosse.
Ela brincou mais um pouco com Shirley até que Mary veio busca-la, pois estava na hora de cantarem parabéns e cortar o bolo. Anne foi com elas, assim como Gilbert, que segurou a menina no colo a pedido de Mary e a ajudou a soprar as velinhas. Anne observou Gilbert disfarçadamente em sua tarefa de irmão mais velho.
Ele estava incrivelmente másculo aquela tarde, a camisa preta de mangas curtas que deixavam seus braços musculosos à mostra, a camada de pelos escuros que cobriam o local o tornava tão sexy aos olhos dela que a fazia suspirar. Ele se virou, olhou para ela e um esboço de um sorriso se formou em sua boca, sem querer Anne deixou seu olhar pousar nos lábios dele, e uma vontade louca de beijá-lo tomou conta dela, fazendo-a corar ao notar que ele percebera o seu pensamento, pois ele não tirava os olhos dela.
Fazia um tempo considerável que não se tocavam, e ela sentia muita falta dos carinhos dele. Porém, seu bloqueio ainda estava presente, por isso se entregar completamente a ele ainda não tinha sido possível. Mas, isso não a impedia de deseja-lo de um jeito nada respeitável, principalmente porque sabia o quanto era excitante fazer amor com Gilbert Blythe, e ela duvidava que qualquer outro homem tivesse aquele poder de sedução que ele tinha sobre ela.
Anne afastou seus pensamentos inquietantes sobre Gilbert assim que Mary lhe pediu para que a ajudasse a servir o bolo para os convidados. Quando a festa terminou duas horas depois, Marilla e Matthew quiseram ir embora e Anne resolveu ir com eles. Gilbert ficou triste e perguntou com um sorriso:
- Não quer ficar? Nós mal nos falamos.
- Perdoe-me meu amor. Prometi a Matthew e Marilla que voltaria com eles, mas, juro que no próximo fim de semana serei toda sua. - Ela deu um selinho se despedindo de Gilbert e foi embora com seus pais adotivos deixando o rapaz carente da presença dela.
Anne chegou em Green Gables e foi preparar um chá para Matthew que estava um pouco resfriado. Em seguida, ela subiu as escadas e foi para seu quarto. Quando abriu a porta sentiu um cheiro suave de rosas, e ao caminhar para dentro do quarto ela encontrou três rosas vermelhas perfeitas, e sabia exatamente que as deixara ali. Então, ela olhou para a sacada de sua janela e viu a silhueta de Gilbert virada de costas para ela enquanto ele observava o céu estrelado. Anne se aproximou, o abraçou pelas costas e disse sorrindo:
- Temos uma porta lá embaixo.
- Eu não vim ver Matthew ou Marilla. Eu queria ver somente você. – O tom profundo da voz de Gilbert fez seu corpo se agitar deixando-a inquieta, assim, ela perguntou:
- Porque está aqui Gilbert. Acabamos de nos ver. - ele se virou para ela pegando em suas mãos e falou:
- Ontem eu queria te falar algumas coisas, mas você não me permitiu e hoje na festa de Shirley não tive a oportunidade. - Anne não disse nada, esperando apenas o que Gilbert lhe dissesse o que era tão importante que o fizera vir até ali àquela hora.
- Anne, eu sei que já te disse mais de mil vezes que te amo, e não sei se você acredita em mim, porque às vezes me fala coisas que parece duvidar do que eu sinto.
- Gilbert, eu acredito no seu amor por mim, não é essa a questão. - Anne disse protestando.
- Então, me diga de uma vez o que quis dizer ontem quando falou que você é só a metade de uma mulher e não merece ser amada por mim. - Anne baixou a cabeça e tentou explicar suas palavras, mas lhe era difícil expressar como se sentia. Eram emoções demais misturadas e tão confusas ao mesmo tempo.
- Eu quero te dar um filho, Gilbert. Você não sabe o quanto eu desejo isso, mas ontem descobri que só metade de mim tem essa possibilidade e não acho que será o suficiente, por essa razão, não posso ser egoísta e condená-lo a passar o resto da vida com uma mulher que talvez não possa te dar isso. Eu sei o quanto você quer ser pai, Gilbert. Eu vejo isso quando está com Shirley. - Gilbert a fez levantar a cabeça e disse com os olhos presos nos dela.
- Você tem razão. Eu quero muito ser pai, mas isso não faz o menor sentido para mim se você não for a mãe. - ele entrelaçou os dedos nos dela e a trouxe para mais perto. - Estamos juntos nessa, Anne. Quantas vezes vou ter que te dizer que você é o meu mundo? Eu nunca vou parar de amar você. Se tivermos filhos vou ser muito feliz, se não tivermos serei feliz também, porque você estará ao meu lado. Eu quero passar a vida toda com você, envelhecer a seu lado, e no momento em que desejar estarei no altar daquela igreja de Avonlea ou em Nova Iorque à sua espera. E prometo que nossa vida será maravilhosa, uma aventura inesquecível que viveremos juntos para sempre. – Ele levantou as mãos entrelaçadas e continuou - Vê isso? Se lembra do que tia Josephine disse? Duas almas em uma. É o que somos, Anne. Nossos destinos estão entrelaçados da mesma forma que nossas mãos agora. Acredita em mim quando digo isso?
Anne apenas balançou a cabeça, tão emocionada para falar. Tudo o que ele dissera era como música em seu coração e teve certeza mais uma vez que sua felicidade estava ali nos braços daquele homem, que ela amava com loucura e que sem ele sua vida não seria nem sombra do que era agora. Ela seria eternamente feliz se Gilbert sempre olhasse para ela como a estava olhando naquele momento.
Seus lábios se chocaram com vontade, e os beijos que trocaram eram tão quentes que o corpo de Anne entrou em combustão pura. Gilbert agarrou sua cintura com vontade, colando seu corpo no dela e deslizando suas mãos pelos braços descobertos dela, sentindo-lhe a pele como a muito não sentia. O cheiro dela o seduzia, e Gilbert a puxou ainda para mais perto, movendo os lábios pelo rosto dela, mordiscando-lhe a região do queixo, depois o pescoço, fazendo Anne sussurrar seu nome totalmente envolvida pela paixão que tomava conta dela de mane ira febril. Ele a puxou para dentro do quarto, e sentou com ela em seu colo na velha cadeira de balanço que ela ainda mantinha ali, como tantas vezes ele fizera no passado. Louca para sentir a pele de Gilbert, Anne abriu todos os botões da camisa que ele usava, deslizando as mãos do peito dele até o abdômen, maravilhada por tocar a textura de cada músculo definido dele em seus dedos. Gilbert queimava sob a doçura daqueles lábios que o excitavam tanto a ponto de deixá-lo ofegante. Ele queria senti-la precisava senti-la naquele instante em que seu corpo pedia pelo dela, e quase não conseguia se controlar. Suas mãos se insinuaram por baixo do vestido, e quando lhe alcançaram o abdômen liso e quente e subiram à procura dos seios dela, Anne o impediu de continuar.
- Ainda não. - Ela sussurrou respirando rápido demais.
- Eu quero tanto você Anne, a cada dia mais. Por favor, me diga quando será minha de novo? - ele disse em seu ouvido fazendo a pele dela se arrepiar ao sentir a respiração dele quente em seu pescoço
- Logo, eu prometo. Eu também quero muito você, mas ainda não consigo deixar que me ame como tanto deseja. Perdoe-me.
- Tudo bem, amor. Eu posso te esperar. Você é a única mulher que quero que seja minha. - elas ficaram por alguns instantes abraçados até que seus corações se acalmaram, e eles se separaram.
- É melhor eu ir agora, ou não conseguirei mais- Gilbert disse abotoado sua camisa.
- Sim. - ela o acompanhou até a janela por onde ele tinha entrado e antes que ele fosse embora ela perguntou- Te vejo no próximo fim de semana?
- Sim. Não vejo a hora de você vir comigo definitivamente para Nova Iorque, assim não teremos mais que nos separar.
- Eu também. – Ela disse, beijando o mais numa vez.
- Até logo, meu amor. Durma bem e sonhe comigo. – Ele disse antes de ir. Assim que ele partiu, Anne se despediu, colocou uma camisola e foi para cama, mas custou a dormir, pois estava agitada demais. Quando ela finalmente conseguiu adormecer depois de muitas tentativas, entre perfume de rosas e lembranças ardentes ela realmente sonhou com Gilbert a noite inteira.
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