Capítulo 64- Redenção
Queridos leitores. Estou postando o capítulo 64, e devo dizer que foi o capítulo mais difícil que escrevi em toda essa história que tenho compartilhado com vocês. Mergulhar no sofrimento de alguém nunca é fácil, e descrevê-lo é desgastante e doloroso, e é assim que me sinto ao terminar de escrever este capítulo, desgastada. Espero sinceramente que se emocionem com ele, pois coloquei aqui todos os sentimentos e emoções sinceras que uma pessoa na situação de Anne ou Gilbert poderiam sentir, ou pelo menos acredito que seja assim, e se eu conseguir levar alguns de vocês até o fundo desse sentimento e até sucumbirem às lágrimas, me sentirei feliz, pois terei certeza que meu trabalho ficou bem feito, e as horas que passei tentando colocar em palavras o que às vezes é impossível de dizer valeram a pena. Espero pelos comentários, eles são o alimento para minha história, pois, se não desisti até hoje de escrever, foi porque vocês me fizeram acreditar que sou capaz disso. Muito obrigada. Beijos, Rosana.
ANNE
Anne sentiu as mãos de Gilbert tocando seus cabelos, e descendo devagar por suas costas sobre a blusa que ela usava, até chegarem a sua cintura e acariciarem o local suavemente. Ela fechou os olhos saboreando as sensações tão bem conhecidas, despertando seu corpo ao toque de Gilbert, arrepiando sua pele da cabeça aos pés. Estavam deitados no quarto de Gilbert, depois de terem ido visitar o local onde a cada deles estava sendo construída, e assim voltaram para casa quando ele começara a se cansar. Gilbert estava quase completamente recuperado, já voltara a dirigir e a realizar alguns atividades de baixo impacto, mas ainda ficava cansado se tivesse que caminhar por mais tempo do que uma hora. Por isso, quando chegaram na fazenda dele, Anne fizera com que ele fosse para o quarto descansar, mas ele insistira que ela fosse com ele, e então, ali estava ela deitada de costas para ele, sentindo a excitação começar a tomar conta de seus sentidos enquanto Gilbert afastava uma mecha de seu cabelo e começava a beijar o seu pescoço em uma carícia terrivelmente sedutora.
Logo, ele a virou de frente, e Anne se viu presa naqueles olhos que refletiam sua saudade Fazia quase dois meses que não se tocavam, além dos beijos que trocaram ao longo daquela semana, aquela era a primeira vez que Gilbert tentava algo mais ousado.
Anne sentia tanta falta desses momentos, que quando Gilbert a puxou para mais perto ela não protestou. Amava quando ele a tocava, era como se ele traduzisse seu amor em suas carícias suaves e intensas ao mesmo tempo, e faziam tão bem a ela que Anne sentia como se pudesse voar além do infinito, pois os braços de Gilbert eram seu paraíso particular.
Ele agora beijava sua testa, desceu até suas bochechas, e encontrou os lábios dela que se entreabriram para receber a língua dele que se enroscou com a dela assim que se tocaram, e Anne suspirou se aconchegando mais a ele, sentindo aquele calor bom que vinha dele confortá-la, deixando-a calma, como se fosse o próprio sol aquecendo sua pele.
Porém, quando Gilbert avançou mais um pouco abrindo os botões de sua blusa, as imagem chegaram até ela, fazendo-a se lembrar do tiro, de Gilbert se despedindo, da dor terrível que parecia rasgá-la ao meio e a perda do seu bebê. Anne travou no mesmo momento, ficando rígida nos braços de Gilbert. Ela se levantou da cama, passando as mãos pelos cabelos bagunçados, pela saia amassada e abotoando apressada os botões da blusa que Gilbert abrira, sem conseguir encará-lo de pronto.
- Anne, o que foi, fiz algo errado? - o tom incerto na voz de Gilbert fez Anne se encolher toda por dentro, e quando ele se levantou da cama e veio em direção à ela, abraçando-a com carinho, ela se sentiu pior, mas se esforçou para responder com a voz firme:
- Não, você não fez nada de errado, meu amor. Eu só acho que ainda é muito cedo para gente voltar a ter o relacionamento que tínhamos. Você acabou de recuperar sua memória, e ainda não se curou totalmente do tiro que levou, precisamos ir devagar. Não quero que você tenha uma recaída e fique doente de novo. – era uma desculpa ruim, mas, não conseguia pensar em nada mais inteligente para dizer. Ainda não tinha conseguido contar para ele tudo o que acontecera, e aquele segredo a estava matando por dentro. Ela encostou a cabeça no peito dele, sentindo o coração dele bater descompassado como o dela, mas por motivos diferentes.
Não podia deixar Gilbert pensar que não queria o toque dele, quando aqueles momentos com ele eram os únicos momentos nos quais se sentia viva de novo, mas a culpa que a rondava, que invadia sua a mente a todos momento congelava suas reações a um ponto no qual se sentia tão aterrorizada que seu coração diminuía as batidas. Ela precisava contar tudo a ele, mas não conseguia. Ensaiara a semana inteira vezes sem conta, mas sempre que estava a ponto de falar, as palavras não vinham, um medo horrível tomava conta de seu coração. E se Gilbert a abandonasse após ouvir tudo de seus lábios? E se ele se afastasse dela, voltasse para Nova Iorque e nunca mais quisesse falar com ela? Era uma paranoia constante de sua mente que criava teorias, situações imaginárias, a faziam sofrer pela crueldade dos fatos, fazendo-a perceber que a paz que sentira ao ter Gilbert de volta para ela tinha durado pouco.
Diana estava errada, ela era uma covarde, apenas camuflava tudo com suas frases espirituosas, mas no fundo era uma medrosa, que não tinha coragem de fazer o que deveria ser feito. Lembranças longínquas surgiram de repente da época em que vivia no orfanato. Viu-se escondida embaixo de uma mesa, enquanto três garotas mais velhas que ela gritavam, "Anne Shirley, a ratinha. Anne Shirley, a feiosa. Anne Shirley, a medrosa. Anne Shirley, a covarde." Ela tapava os ouvidos, e eles repetiam e repetiam a mesma coisa até que se cansavam e a deixavam sozinha. Anne começou a respirar com dificuldade, até que sentiu Gilbert sacudi-la de leve, perguntando preocupado:
- Amor, o que foi? Está se sentindo mal? – ela apenas balançou a cabeça negando e enterrou a cabeça no pescoço dele. Como era bom tê-lo ali. Como era bom saber que podia se apoiar em Gilbert quando sua mente atormentada não lhe dava paz. Ele era como uma brisa que soprava suavemente ao seu redor, e que a ajudava a não enlouquecer em meio aquele horror. Mas, por quanto tempo ainda o teria, antes que ele a olhasse com ódio e condenasse a viver com sua culpa? Ele não a perdoaria, ele não podia perdoá-la, ela era culpada e não o merecia.
- Anne, fale comigo. Você está me assustando. Se fiz alguma coisa que te magoou, por favor, me diga, para que eu possa te ajudar a se sentir melhor. - a voz de Gilbert continuava preocupada, e Anne se agarrou ele como se ali estivesse a cura para o seus medos e seu desespero.
- Por favor, Gilbert, não me deixe. Eu não vou suportar te perder de novo. – ela estava chorando, e aquilo deixou Gilbert assustado. Ele pegou o rosto dela nas mãos e disse para acalmá-la:
- Anne, eu nunca vou te deixar. Eu te amo, você sabe disso. Nunca poderia viver sem você. Vamos nos casar e ter uma família linda juntos. Pare de pensar bobagens. – ele a beijou suavemente nos lábios, secando as lágrimas dela e acariciando sua face com carinho.
Uma família, Anne pensou. Gilbert queria formar uma família com ela, e o que faria se não pudesse dar a ele os filhos que desejava? Ela se fizera aquela pergunta muitas vezes, e todas as respostas que conseguira doera de algum jeito. Não queria mentir para ele, mas não se sentia forte o bastante para falar sobre aquilo sem ter certeza do que viria depois. Ela respirou fundo, e encarou Gilbert. Ele era tão lindo e tão doce, e depois que levara o tiro por ela, Anne começara a vê-lo como seu salvador, o único problema era que naquele drama todo que estava vivendo, ele não podia fazer nada para salvá-la. Desta vez não havia ninguém que pudesse levar embora o peso de seu coração.
- Desculpe-me, Gilbert. Não queria te deixar preocupado. Estou apenas cansada. Pode me levar para casa? – ela viu o olhar confuso dele sobre ela, e parecia que ia fazer mais perguntas difíceis. Ela rezou para que ele não as fizesse, pois não saberia respondê-las.
- Tem certeza que não quer me falar o que está acontecendo? Eu posso te ajudar. Por favor, meu amor, me deixa te ajudar. – a voz suplicante quase a fez contar, mas seu receio foi maior mais uma vez. Anne apenas baixou o olhar e disse:
- Não é nada demais. Só quero ir para casa. – Gilbert suspirou alto, dando indicação de que desistira daquele assunto, pelo menos daquela vez.
- Por que não fica mais um pouco comigo? Não precisamos conversar se não quiser. Eu quero apenas estar com você depois desses dois longos meses em total esquecimento. - Gilbert disse esperançosos e Anne não pôde lhe negar aquele pedido. Ela também queria ficar com ele, sentia uma falta terrível quando não estavam juntos, depois de tudo o que passaram, eles mereciam desfrutar da companhia um do outro, mesmo que lá no fundo de Anne algo lhe dizia que não deveria estar ali.
- Está bem, eu fico com você mais um pouco, se é o que deseja. – ela respondeu abafando a voz na sua cabeça que zombava dela por sua fraqueza.
Gilbert a puxou pela mão, se deitaram juntos na cama, e Gilbert envolveu a cintura dela, mantendo-a próxima dele, não permitindo assim que ela escapasse. Mas, Anne não queria escapar, enquanto pudesse manter aquele círculo protetor em volta dela, ela o faria. Sua sanidade mental parecia estar por um fio, e se não tomasse cuidado iria entrar em um processo irreversível de autodestruição. Estar com Gilbert, deitada naquela cama, sentindo a respiração calma dele comandar o ritmo de cada pulsar de seu coração, fazia com que a loucura de sua a mente a deixasse momentaneamente, permitindo que o sono viesse, acompanhado de uma paz relaxante que estava longe de sentir.
GILBERT
Gilbert observava a garota deitada ao seu lado e quase não acreditava que ela realmente estivesse ali, depois de desejar tanto aquele momento, tinha medo de acordar e descobrir que estivera sonhando. Fazia uma semana que ele recobrara a memória, e durante esse tempo se viram todos os dias, mas nunca ficavam exatamente sozinhos. Havia sempre alguém por perto demandando sua atenção, e tudo o que ele desejara era alguns minutos precisos somente com ela.
Naquela manhã, ele convidara Anne para que fossem visitar a casa deles que estava sendo construída por Bash e seus ajudantes. Desde que fora para Nova Iorque, ele não tivera muitas oportunidades de ir até lá, e o que viu o agradou imensamente. A construção já estava em estágio avançado, e a maneira como Bash se ocupara dos detalhes deixara tudo incrivelmente encantador. Ele esperava que Anne também se sentisse da mesma maneira a respeito da casa, mas ela parecia estranhamente alheia a tudo. Seus olhos perdidos no cenário à sua frente pareciam realmente não enxergar nada.
Ela não esboçou nenhuma reação ao ver o trabalho extraordinário que Bash estava fazendo, onde futuramente seria o lar de ambos, e quando Gilbert lhe perguntara sua opinião. Anne dissera que tinha gostado, mas a resposta dela não convencera a Gilbert que não conseguiu ver nenhum brilho especial naqueles olhos azuis apagados.
Havia alguma coisa errada com ela, e ele não conseguia imaginar o que seria. Ela não lhe dava abertura para perguntar, e Gilbert estava ficando seriamente preocupado. Ele notara o silêncio opressivo no qual ela se enterrava às vezes, e o apetite dela que parecia cada dia menor. Precisava descobrir o que a deixava daquela maneira, e esperava que não tivesse nada a ver com ele. Ficara tanto tempo sem ela que pensar que poderia haver algo que fizesse Anne questionar sobre o relacionamento dos dois o deixava apavorado. Ela aceitara seu pedido de casamento pela segunda vez, mas por que ele tinha a impressão que Anne não parecia mais tão entusiasmada quanto antes?
Ele estendeu a mão e tocou o cabelo dela, os fios sedosos se enrolando em seus dedos, causando-lhe um prazer inesperado. Assim, ele continuou explorando um pouco mais, e desceu os dedos um tanto hesitantes ao longo da coluna dela, ouvindo a respiração de Anne se acelerar dando-lhe a certeza de que ela ainda reagia ao seu toque como antes. Seu olhar foi atraído pela curva do pescoço dela, e Gilbert sabia o quanto Anne era sensível naquela parte de seu corpo, por isso, afastou os cabelos que impediam que pudesse tocá-la naquele ponto específico, e deslizou os lábios de maneira lenta, prolongando a carícia até que viu a veia do pescoço começar a pulsar, evidenciando a excitação de Anne.
Animado, Gilbert apertou de leve a cintura dela, fazendo com que ela se virasse para ele em um único movimento, tendo a visão completa do rosto de Anne agora tão perto dos lábios e das mãos dele. Por um segundo ele a admirou, pensando no quanto amava aquela garota e no quanto queria que ela voltasse a sorrir com aquele olhar de encantamento que fazia com que tudo se agitasse dentro dele, e se enchesse de um sentimento onde havia somente ela em seu pensamento e em seu coração.
O toque de sua boca na testa dela e em suas bochechas foi suave, e logo, os lábios vermelhos de Anne o atraíram como um imã forte e poderoso que o impediram de resistir. Suas línguas se encontraram em uma dança louca de desejo e paixão acumulados, e o beijo se tornou cada vez mais apaixonado, até que Gilbert sentiu necessidade de tocá-la um pouco mais, pois dois meses sem tê-la o deixara louco para senti-la por inteiro. Por esta razão, quando Anne colou seu corpo no dele, Gilbert mal se controlava e levou as mãos aos botões da blusa dela, começando a desabotoá-los, ansioso pela pele escondida por baixo do tecido cinza que Anne vestia.
Mas, então, ela se afastou, interrompendo as carícias, e se levantando da cama, deixando Gilbert surpreso com sem reação. Será que fora afoito demais e passara dos limites? Será que entendera errado as mensagens que o corpo dela lhe enviava e acabou por assustá-la? Tudo o que ele menos queria era magoar Anne, depois de tudo o que ela passara, mas, não imaginava que ela reagiria daquela maneira estranha. Ela sempre sentira prazer com o toque dele, então, ele não entendia o que podia ter feito de errado enquanto a observava arrumar os cabelos e as roupas de maneira nervosa.
- Anne, o que foi, fiz algo errado? – ele perguntou vacilando nas palavras, tentando encontrar no rosto dela a resposta para aquela reação súbita e negativa que veio dela, mas Anne sequer o encarava. Desta maneira, ele também se levantou e a abraçou, tentando fazê-la se sentir confortável e disposta a lhe dizer o que estava acontecendo com ela naquele exato momento em que sua intuição e compreensão pareciam falhar. A resposta dela veio depois de alguns segundos em que Gilbert a encarava preocupado.
- Não, você não fez nada de errado, meu amor. Eu só acho que ainda é muito cedo para gente voltar a ter o relacionamento que tínhamos. Você acabou de recuperar sua memória, e ainda não se curou totalmente do tiro que levou, precisamos ir devagar. Não quero que você tenha uma recaída e fique doente de novo. – Não deixava de ser coerente o que ela dissera, mas, por que não parecia sincero? Por que parecia que ela lhe escondia alguma coisa que a estava incomodando o suficiente para mentir para ele? Anne parecia tão frágil ao deitar a cabeça no ombro dele, deixando que ele continuasse abraçando-a sem resistência, que Gilbert sentiu seu coração bater dolorido dentro de seu peito. A respiração dela pareceu pesar, e ela ofegava conforme os minutos iam passando, deixando Gilbert terrivelmente preocupado. Será que ela estava doente e não queria lhe contar? Será que alguma coisa ruim tinha acontecido com ela enquanto ele estivera com amnésia? O rosto pálido e os tremores ocasionais que via tomar conta do corpo dela não deviam ser encarados como normais, apesar de Anne disfarçar todo o tempo.
- Amor, o que foi? Está se sentindo mal? – Ela negou como deveria se esperar dela. Anne queria se mostrar forte, até mesmo quando não se aguentava em pé, mas, ele a conhecia melhor que ninguém, e sabia que ela estava mentindo. Havia uma coisa ali que ela não estava lhe contando, e ele começou a pensar que era algo grave. Ela nunca lhe escondera nada desde que começaram a namorar, contudo algo lhe dizia que daquela vez ela não estava sendo sincera, e Gilbert começou a fantasiar sobre o que poderia ser. Assim, fez mais uma tentativa para tentar fazê-la falar:
- Anne, fale comigo. Você está me assustando. Se fiz alguma coisa que te magoou, por favor, me diga, para que eu possa te ajudar a se sentir melhor. – a resposta dela fora apenas abraçá-lo com força e pedir chorando que não a deixasse. Aquilo estava cada vez mais estranho, e ele se perguntava como Anne podia pensar que a deixaria quando sabia o quanto ele a amava? Ela estava passando por alguma crise, e não permitia que ele participasse dela, o que o deixava um pouco magoado por Anne não confiar nele o bastante para lhe dizer o que se passava. Porém, logo depois se censurou por tal pensamento. Não tinha o direito de julgar sua noiva, uma vez que ela suportara todo o tipo de coisa sozinha enquanto ele estava ausente, e traumas eram comuns nesses casos, mais do que se podia imaginar. Ele levou a mão até a nunca da ruivinha, acariciando-a suavemente enquanto dizia em uma voz agradável e calma:
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- Anne, eu nunca vou te deixar. Eu te amo, você sabe disso. Nunca poderia viver sem você. Vamos nos casar e ter uma família linda juntos. Pare de pensar bobagens. – ao contrário do que esperava suas palavras não a acalmaram, pois Gilbert sentiu-a enrijecer mais ainda em seus braços, e ele pôde notar que uma batalha interna se travava ali. Ele se sentia impotente diante daquela situação, já que não tinha informação nenhuma sobre o que a atormentava e esperou pacientemente por alguma explicação que não veio, e Anne apenas se desculpou por sua falta de ânimo, pedindo a ele que a levasse para casa. Gilbert olhou nos olhos dela procurando por uma fagulha sequer de entendimento, mas tudo que encontrou foi um poço de infelicidade. Como aquilo era possível? Ele falou mais uma vez tentando mostrar seu apoio, muito embora ele já tivesse entendido que o que quer que fosse aquela tristeza toda, Anne não lhe diria de uma vez. Ele ia ter que persuadi-la aos poucos, e resolveu que começaria naquele instante quando disse:
- Tem certeza que não quer me falar o que está acontecendo? Eu posso te ajudar. Por favor, meu amor, me deixa te ajudar. – a resposta dela veio como ele esperava. Ela não ia mesmo lhe contar, teria que ser paciente ele pensou quando ouvi-a dizer:
- Não é nada demais. Só quero ir para casa. – apesar de contrariado, Gilbert resolveu deixar o assunto morrer e tentar recuperar o bom momento que estava tendo antes com Anne. Não queria que ela fosse embora daquele jeito, queria ajudá-la, mas não sabia como. A única coisa que poderia fazer naquele instante era oferecer o conforto de sua presença e foi o que fez quando falou:
- Por que não fica mais um pouco comigo? Não precisamos conversar se não quiser. Eu quero apenas estar com você depois desses dois longos meses em total esquecimento. – ele rezou para que ela não negasse aquele pedido que ele lhe fazia com o coração aberto, e cheio de saudades dela, somente a presença de Anne lhe bastava, não precisava de mais nada naquele momento. Para sua alegria ela aceitou ficar, mesmo parecendo infeliz aos olhos dele.
Eles se deitaram novamente juntos na cama, e Gilbert fez questão de mantê-la bem junto dele. Ambos precisavam daquele contato físico em que podiam sentir o coração um do outro batendo no mesmo ritmo, pois dessa forma a conexão que sempre sentiram entre eles seria plenamente restabelecida. Gilbert sentiu Anne relaxar em seus braços, e suspirou aliviado, pensando consigo mesmo que dariam um jeito para que tudo voltasse a ser como antes, pois tinham um amor imenso entre eles a seu favor, e compreendia que talvez levasse tempo. Anne fora muito mais magoada que ele naquele processo doloroso pelo qual passaram, ele podia sentir isso, mesmo que ela negasse, e ele iria fazê-la sorrir de novo como antes de tudo aquilo acontecer, nem que passasse a vida inteira tentando.
ANNE E GILBERT
Anne olhou para dia ensolarado, e pensou se tinha agido certo ao aceitar o convite de Gilbert. Vinha tentando evitar que ficassem sozinhos justamente porque sabia o que podia acontecer entre os dois. Embora estivesse com saudades da intimidade que partilhavam antes, ela não se sentia pronta para se entregar ao amor de Gilbert de novo, enquanto não sentisse que o merecia.
Suas mãos tremiam e suavam, e ela balançava a cabeça o tempo todo como se negasse para si mesma o inevitável. Já estava na hora, adiara demais, não podia mais continuar com aquilo, mesmo que sua vontade fosse se esconder em um buraco tão fundo que não precisasse mais sair de lá.
Talvez a praia fosse o lugar ideal para aquilo afinal. Sempre amara o mar, e tinha abusado de sua companhia sempre que precisara. As ondas sempre tiveram o poder de acalmá-la com seu vai e vem terapêutico, e todas às vezes que precisara de um momento especial para recompor suas energias, pensar no que fazer em uma situação difícil era na praia que descarregava suas frustrações e angústias, e naquele instante era realmente o único lugar onde queria estar para fazer o que devia fazer, e Gilbert escolhera o cenário perfeito sem o saber.
- O que foi, Anne? Parece estar se debatendo em um dilema. - Matthew disse, olhando-a atentamente.
- Não, na verdade estou tomando coragem para fazer algo que já devia ter feito, e que está custando minha paz e a de Gilbert. - Anne disse desanimada.
- Ainda não contou para ele, não é? - Matthew perguntou de maneira simpática.
- Não, não consegui. Mas, espero fazer isso hoje. Já está na hora, Matthew. – a voz dela soou baixa e o bom senhor viu o olhar perdido de Anne se fundir com a paisagem a sua frente. Pobre menina, ele pensou, por quantas provações ainda teria que passar para conseguir se encontrar novamente? Era tão jovem, mas já vivera coisas demais, seu espírito fora flagelado tantas vezes, que ele se perguntava como ela conseguia dar conta? E iria enfrentar uma batalha maior agora contra o seu coração, tentando defender o amor de sua vida. Só esperava que Gilbert pudesse dar a ela o conforto que ninguém mais pudera durante todo aquele tempo.
- Querida, sei que não é fácil, mas você sabe que Gilbert te ama e jamais te culparia pelo que aconteceu. Não se martirize mais, Anne. Acabe com isso logo para que tenha paz. - Matthew disse apertando sua mão, e ela sabia que ele estava certo. Ela contaria a Gilbert naquele mesmo dia a respeito do bebê e do risco que corria de não ter mais filhos. Deixaria a cargo do destino e de Gilbert decidirem o que seria de seu relacionamento dali para frente.
- Eu queria ter a mesma certeza que você, mas a verdade é que ninguém sabe como vai reagir diante de uma situação assim. Mas, eu preciso confessar isso para Gilbert, mesmo que ele não me perdoe e não me queira mais. - a voz dela vacilou um pouco, sua garganta se apertou, mas não ia desistir daquela vez.
- Se precisar de alguma coisa, estarei aqui. Sabe disso, não é? - Matthew disse dando-lhe um abraço e Anne sentiu seu coração se acalmar um pouco com o apoio de seu velho amigo de todas as horas. O que faria sem ele?
- Eu sei, Matthew e te agradeço por ser tão bom comigo. - ele lhe deu um beijo no rosto como resposta, e a deixou sozinha com suas reflexões.
Gilbert apareceu na hora marcada, e lhe sorria tão amorosamente que Anne teve vontade de chorar, mas se manteve firme e segurou com força a mão que ele lhe ofereceu, como se estivesse segurando sua própria vida nas pontas de seus dedos.
- Você está linda. - ele elogiou o vestido branco que ela usava com um casaquinho combinando para protegê-la do ar fresco de outono.
- Você também. – Anne retribuiu o elogio, deixando que seu olhar passeasse pela figura jovial de Gilbert em uma camiseta branca, jaqueta preta e jeans. Ele era o sonho de qualquer garota, e Anne se sentiu feliz ao olhar para a opala em seu dedo, e saber que ele era seu noivo, e que a olhava como se ela fosse a joia mais rara do mundo. "Mas, por quanto tempo?" A voz de sua consciência fez questão de lembrá-la, mas Anne tratou de empurrá-la para um canto de sua mente. Não ia deixar que sua culpa estragasse aquele momento com Gilbert.
Chegaram na praia, e não havia ninguém por perto naquela época do ano, poucas pessoas se aventuravam em aparecer por ali devido ao vento constante que soprava trazido pela maresia, mas, naquele dia excepcionalmente, a brisa fresca que predominava pelo ambiente não era desagradável, como também era bom que a praia estivesse deserta, pois Anne achava que assim ela era mais aconchegante, a sensação de calmaria era maior, e definitivamente era o que mais precisava naquele momento.
Gilbert estendeu uma toalha na areia, e colocou sobre ela uma cesta de piquenique. Anne olhou espantada para a quantidade de coisas que ele trouxera e disse quase sorrindo:
- Quem você pensa que vai alimentar com tudo isso?
- Você. Pensa que não notei que perdeu peso e quase não tem se alimentado? - Gilbert chegou mais perto, colocou uma mecha do cabelo de Anne atrás de sua orelha, e disse acariciando lhe o rosto. - Precisa comer direito, Anne. Agora estou aqui e não vou para lugar algum.
Os olhos de Anne lacrimejaram, e ela piscou para afastar as lágrimas que se acumularam no canto de seus olhos. Por que Gilbert tinha que ser tão perfeito? Por que tinha sempre que notar coisas sobre ela que ninguém mais percebia? E saber que logo ele não mais estaria olhando para ela daquela maneira dali a algumas horas, a fazia sentir todo o ar se esvair de seus pulmões, mas controlou sua ansiedade a tempo, antes que Gilbert percebesse seu nervosismo.
- Prometo que vou tentar me alimentar melhor. Mas, você trouxe comida demais. Não vou dar conta de comer tudo isso. - Anne disse tentando parecer engraçada
- Não, se preocupe, meu amor. Coma o que quiser. Eu só quis garantir que este piquenique tivesse tudo o que te agrada, inclusive eu. - a insinuação chegou clara até ela, e Anne engoliu em seco. Gilbert apenas riu, beijando-lhe as mãos, fazendo-a se sentar com ele na toalha. Em seguida, ele serviu as guloseimas que trouxera, e que comeram e beberam observando as ondas que vez ou outra chegavam até eles, e lambiam os seus pés. Anne tentava manter seus pensamentos coerentes, mas era difícil justamente por ter Gilbert tão perto, e por saber o que teria que fazer. Ela se lembrou de uma outra vez em que ficaram assim, e a recordação a fez sorrir. Ele tinha acabado de voltar para Avonlea e a encontrara ali na praia por acaso. Anne se lembrava bem das sensações que tomaram conta dela, e a confusão de sentimentos que a deixara inquieta quando Gilbert se sentara ao seu lado. Eles quase tinham se beijado, mas Anne não permitira, confundindo o que sentia com raiva daquele garoto incrível que mesmo naquele época já fazia parte de seus sonhos. Agora ela sabia que sempre fora amor o que sentira por Gilbert, desde o primeiro momento na floresta quando trocaram seu primeiro olhar, somente era jovem demais para entender.
Ela se virou e percebeu intuitivamente que Gilbert a olhava se lembrando da mesma coisa, e Anne não pôde deixar de sorrir para ele. Tanta coisa tinha acontecido, mas ali estavam eles juntos no mesmo lugar, sentindo o amor que sempre existira entre eles juntando os cacos de suas vidas quebradas, colocando-as lado a lado novamente.
Apesar de toda a dor, os infortúnios, e as mágoas eles estavam ali juntos, contra tudo e contra todos, dando um passo de cada vez, até que seus caminhos se tornaram um só, e seus destinos se entrelaçaram. A vida não os tinha vencido, nem a dor os tinha separado, embora Anne não pudesse garantir que ainda seria assim no futuro. Mas, ela sabia que sempre amaria Gilbert, não importava onde estivesse, e mesmo que não mais ficassem juntos, ela sabia que sempre haveria entre eles amor bastante para recomeçarem se se dessem essa chance.
Por essa razão, ela não impediu que ele se aproximasse mais, tocando seu rosto com o polegar, em uma carícia tão suave que a fez suspirar. Suas cabeças se moveram no mesmo instante, e seus lábios se chocaram com urgência, ela precisava daquele beijo, assim como Gilbert precisava dela em seus braços, e seguiram o ritmo um do outro, os lábios perdidos em um interlúdio sem fim, Anne aprofundou o beijo, enroscando suas mãos na nuca de Gilbert, acariciando-lhe os cabelos da maneira que ele mais gostava.
Tantos sentimentos explodiam no peito de Gilbert, e ele não sabia como identificá-los, e a responsável era a sereia ruiva que com seus olhos maravilhosos tinham-no enfeitiçado outra vez. Anne estava diferente naquele dia, embora ele pudesse perceber que ela continuava calada, e o olhar perdido em algum ponto onde ele não conseguia chegar perto o suficiente para trazê-la de volta para ele, a troca de carinho entre ambos parecia ter evoluído. Ela o beijava como antigamente, e o fogo entre eles se acendeu mais rápido do que esperava, mas, Gilbert não fez nenhum movimento para acelerar o momento. Queria senti-la entregue, completamente apaixonada em seu braços para depois tocá-la como vinha ansiando há dias. Não queria fazer nada que pudesse estragar aquele momento incrível que estava tendo com ela, o primeiro momento em que se sentia realmente vivo depois de tudo o que acontecera. Somente agora percebia como fizera falta o toque de Anne em sua pele, os beijos ardentes que o deixavam maluco, e a suavidade dela em seus braços. Não trocaria aquilo por nada no mundo, e daria tudo para nunca mais deixar de sentir aquela paixão insana que tomava conta de seus sentidos, que o levava para muito longe, além do céu azul acima de suas cabeças. Então, sentiu gosto de lágrimas em seus lábios, e percebeu consternado que Anne estava chorando. Ela afastou seus lábios dos dele, enquanto se levantava e ia para perto da margem da praia.
- Anne? - Gilbert a chamou sem compreender o que estava acontecendo. Em um minuto ela o estava beijando com paixão e no seguinte se afastava dele chorando. Que diabos estava acontecendo? Ela precisava dizer ou ele ficaria maluco com tantas mudanças de comportamento dela.
Anne ouviu o chamado de Gilbert, mas, não se voltou imediatamente para ele. Ela fixou seu olhar no mar, desejando que ele pudesse lhe ajudar a encontrar as palavras certas para contar para Gilbert sobre o bebê. Seu coração chorava junto com ela, e Anne compreendeu que era hora. Tinha tido seu momento de paixão com ele, mas, agora deveria voltar para a realidade de sua vida que não era nem um pouco doce naquele instante, e acabar com aquela agonia de vez.
Ela se virou e encarou Gilbert, que a olhava sem compreender o que estava se passando com ela. Deus! Como amava aqueles olhos castanhos que sempre a faziam querer mergulhar neles como se fossem um oceano de sentimentos lindos e bons, dando-lhe conforto e alegria, mas, nem mesmo eles poderiam poupá-la do que viria a seguir, por isso, quando Gilbert se aproximou ela respirou fundo e disse:
- Eu tenho uma coisa para te contar. - então ele parou a uma certa distância dela, esperando pelas palavras que desvendariam todo aquele mistério que o vinha preocupando tanto. - Quando você recebeu aquele tiro e foi para o hospital, eu ...- ela fechou os olhos e respirou de novo, precisava da força que estava se esvaindo, e antes que perdesse a coragem de vez ela disse:- eu descobri que estava grávida e perdi o bebê. - agora ela chorava abertamente, as lágrimas eram como o mar a sua frente, mas cheio de desespero, dor e mágoa. Ela esperou que Gilbert dissesse alguma coisa, que pegasse em sua mão, que dissesse que ela não estava sozinha em meio àquela angustia, porém, ele não dizia nada, apenas permanecia parado à sua frente, os braços ao lado do corpo, as mãos fechadas em punho como se estivesse tentando controlar algo feroz dentro dele, e os olhos castanhos escuros, cheios de uma emoção que ela não conseguia decifrar. Seria, dor, raiva, ódio por ela? Anne percebeu que não queria descobrir, precisava sumir dali antes que tudo explodisse sobre ela como um terremoto de ressentimento e culpa.
Ela se virou, e quando ia começar a andar, sentiu as mãos de Gilbert em seu pulso, impedindo-a de dar um passo. Ele a puxou para ele, e abraçou com tanta força que Anne quase não conseguia respirar, mas ela não se importou, se deixou ser abraçada pelo homem que amava, e sentiu o choro dele se misturar ao seu enquanto as ondas do mar tocavam seus pés como em um perdão mudo e o início de sua redenção.
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