Capítulo 63- Depois da tempestade
Caros, leitores. Estou postando o capítulo 63. Espero que apreciem e por favor não economizem nos comentários, pois não foi um capítulo fácil de escrever por conta da carga emocional e isso me deixou exausta, então, queria que me enviassem suas mais sinceras opiniões. Mais, uma vez deixo a cargo de vocês o capítulo, pois não quero influenciá-los. Obrigada. Beijos,Rosana. Me desculpem qualquer erro ortográfico.
ANNE
Anne checou pela última vez a mala onde colocara os pertences que levaria com ela para Paris. Fazia uma semana que tivera alta e voltara para casa, e durante aquele tempo tentara levar sua vida da maneira mais normal possível, mas, seu coração não estava ali. Tinha ficado perdido em um dos quartos daquele hospital onde o amor de sua vida permanecia em franca recuperação enquanto sua mente continuava se recusando a se lembrar dela.
Talvez esse fato não fosse tão ruim agora, ela pensava. Depois que descobrira que havia uma possibilidade de não ter mais filhos, algo mudara dentro dela, como se suas esperanças de recuperar a vida feliz que tivera antes tivessem morrido definitivamente.
Não conseguiria encarar Gilbert e contar aquilo, era terrível demais. Era como se arrancasse a própria pele com seus dedos, sangrando até que nenhuma gota sobrasse em suas veias. Não suportaria o olhar de decepção no rosto de Gilbert, morreria se ele a olhasse com desprezo e odiando-a por causar-lhe tanta dor. Por isso, preferia que ele continuasse em seu abençoado esquecimento, por que pelos olhos de Anne ela não merecia ser lembrada, e assim Gilbert poderia recomeçar sua vida encontrando outra pessoa para amar.
A respiração lhe faltou, e Anne largou a mala sobre a cama entreaberta, e se sentou em sua velha cadeira de balanço. Não queria chorar de novo Fazia dois dias que não se permitia derramar uma única lágrima, porque se começasse não pararia nunca mais.
Pensar em Gilbert com outra mulher era arrancar pedaços de seu coração sem anestesia, deixando-a agonizar até que não conseguisse mais sentir nada, com a alma seca e o peito dilacerado e em carne viva. Ela queria gritar, como fizera tantas vezes naquele dias durante o sono, perdida em um pesadelo que a arrastava cada vez mais para o fundo. Marilla quisera chamar um médico, mas ela não permitira, precisava passar por aquilo para quem sabe ser perdoada pelo seu crime.
Deixara seu filho morrer, essa frase ecoava em sua mente impiedosamente enquanto dormia, pois nesse momento não tinha controle de seus pensamentos. Acordada ela os desviava para longe, se concentrando nas tarefas diárias de Green Gables, mas mesmo assim, às vezes conseguia percebê-los rondando-a, como se esperassem uma oportunidade para acusá-la em um momento de distração, então ela apertava os dentes com força e aguentava até o fim do dia, quando colocava a cabeça no travesseiro, e os fantasmas vinham assombrá-la.
Não conseguia se perdoar, e Gilbert também não a perdoaria, por isso, Anne precisava ir para longe, onde ninguém a conhecesse, onde ninguém a olhasse com pena, onde seu coração, ou pelo menos o que restava dele não acabasse sendo destruído completamente pela raiva, dor e mágoa. Ela conseguia lidar com sua tormenta particular, mas, nunca seria capaz de acrescentar a esse fardo a de Gilbert. Ela se acostumara a viver pela proteção do amor dele, e ela nunca poderia viver à margem desse sentimento, vendo os olhos castanhos tão amados escurecidos de ódio por ela.
Anne falara sobre tudo isso com Diana, e a amiga dissera que ela estava fora de seu juízo perfeito, e quando Anne lhe confessara que queria ir para Paris, Diana dissera que ela tinha enlouquecido de vez.
- Anne, você não pode ir para Paris agora. Está magoada, fragilizada e ainda não se recuperou direito. Sem contar que o Gilbert precisa muito de você, - Anne a olhara com seus olhos azuis imensos cheios de mágoa e respondera:
- E eu, Diana? Você já parou para pensar no quanto preciso de Gilbert? O quanto a ausência dele me machuca? O quanto eu preciso do abraço dele e dos lábios dele me dizendo que me ama apesar de tudo? Não há um só dia que eu não implore por misericórdia e que alguém lá em cima tenha piedade de mim, e me devolva a vida que perdi. Mas, eu sei que nunca mais nada vai ser igual, e que dentro de mim não sobrou nada a não ser um poço de amargura. Por essa razão, eu preciso ir embora, antes que eu perca o pouco de ânimo que me resta e me enterre viva na minha própria solidão. – Diana sentiu o impacto das palavras de Anne atingi-la. Como era possível alguém carregar um mundo inteiro de sofrimento na alma, e ainda conseguir se levantar todos os dias? Ela quis chorar pela amiga, mas se controlou. Precisava dar força a Anne e não demonstrar a sua piedade. Anne não aceitaria aquilo, e se ofenderia terrivelmente, e Diana a conhecia bem demais para saber disso. Assim, ela disse com a voz firme:
- Você precisa reagir. Se magoar dessa maneira não vai resolver nada. Você nem ao menos quis saber os resultados dos exames de fertilidade que fez.
- Eu sei. Sou uma covarde. - Anne disse abaixando a cabeça e olhando para o chão.
- Nunca mais fale isso. - Diana disse zangada. - Você é a pessoa mais valente que conheço. Eu já te vi passar pelas piores coisas de sua vida, e você sempre se levantou e seguiu em frente. Eu não teria suportado metade do seu sofrimento, e teria desistido na metade do caminho. Mas, você, Anne, é feita de um material que desconheço, e não é somente de força que estou falando. Mas também da sua generosidade, gentileza e solidariedade. Eu não teria aguentado todas as pressões da minha mãe sobre o meu noivado se não fosse por você. Agora chegou minha vez de te amparar minha amiga, e te emprestar a minha força se precisar dela. – Diana a abraçara, e Anne se deixou ser consolada por ela. Precisava daquilo mais do que água para sobreviver, pois sentia que não conseguia mais dar um passo sem se espatifar no chão. Diana se afastou dela e disse com o olhar preocupado:
- O Jerry me disse que o Gilbert deixará o hospital em poucos dias. Não seria bom para você começar a se preparar para contar quem você é de verdade, e depois, falarem sobre a perda do bebê? - Anne sentiu pânico tomar conta dela. Não podia, não ia conseguir, precisava estar longe dali quando Gilbert voltasse do hospital. Por mais que o amasse, por mais que sentisse aquela carência eterna dos carinhos e beijos dele, o pavor que sentia ao imaginá-lo com raiva dela era maior.
Sua vida não valia nada sem ele, e valeria menos ainda se perdesse a única coisa dele que lhe pertencia e que era o seu coração. Por isso, ela apertou o ombro de Diana com força, e disse alterada.
- Não posso encontrá-lo. Preciso ir embora daqui antes.
- Anne, ele precisa saber. Não é justo que carregue esse fardo sozinha. - Diana disse aflita
- Não posso. Por favor me ajude, Diana. - Anne tremia tanto que Diana temeu por sua saúde já fragilizada, por essa razão, ela disse:
- Está bem, Anne. Se realmente sente que precisa ir, eu te ajudo. Vou enviar um telegrama para Tia Josephine avisando-a de sua ida, pois assim quando chegar lá, ela estará te esperando. Tem dinheiro para a viagem?
- Sim. - Na verdade ela tinha as economias que guardara para o casamento, mas agora, que ele não mais se realizaria ela poderia dispor do dinheiro como desejasse. Parecia que tinha passado séculos desde quando Gilbert a pedira em casamento.
- Deixe a passagem por minha conta. - Diana disse, e Anne ia protestar, mas ela não permitiu – Eu compro a passagem e não se fala mais nisso. - e só restou a Anne aceitar apresente da amiga.
Aquela conversa tinha acontecido a três dias, e tudo tinha sido arranjado para sua viagem. Matthew e Marilla não gostaram muito da novidade, mas aceitaram os argumentos de Anne sem reclamar. Eles tinha visto com os próprios olhos o sofrimento da menina, e se aquela viagem lhe devolvesse um pouco o brilho no olhar que ela perdera, então eles lhe davam sua bênção.
Anne se levantou da cadeira de balanço, foi até a gaveta de sua penteadeira, e procurou até encontrar a pulseira de contas azuis que Gilbert lhe dera, e decidiu que a levaria com ela Paris como se fosse seu talismã na viagem que a aguardava.
Não sabia o que faria quando chegasse lá. Talvez encontrasse um emprego de babá. Tia Josephine tinha tantas amigas, e quem sabe ela não poderia ajudá-la com aquilo. Ele sempre amara trabalhar com crianças, e tê-las ao seu redor novamente provavelmente amenizaria a dor de ter perdido a sua.
Quanto à Faculdade, ela ainda não tinha pensado, mas tinha certeza de com suas notas ela poderia entrar em alguma Universidade francesa, mas por hora a única coisa que queria pensar era ir embora de Green Gables.
Anne fechou os olhos e trouxe para sua mente a imagem de Gilbert. Nunca iria esquecê-lo, e sempre o amaria, não importava onde estivesse, ele sempre seria o seu único e inesquecível amor. Doía-lhe ir embora sem se despedir, mas tinha certeza que se o visse iria desistir, e ela sabia que aquela viagem era sua única salvação. Mas, então, um pensamento chegou até ela, e Anne soube exatamente o que desejava fazer. Ela se sentou em sua escrivaria e começou a escrever.
GILBERT
O sol brilhava alto naquela manhã de sexta-feira em que Gilbert se encontrava sentado no jardim do hospital. Os médicos permitiram que ele fizesse pequenos passeios pelos arredores do hospital, e aquele era o seu recanto favorito.
Ele olhou para um canteiro de rosas que apesar de estarem no outono, resistiam bravamente a estação e continuavam saudáveis e viçosas. Eram rosas vermelhas como os cabelos de Anne, e essa lembrança o feriu como os próprios espinhos do caule.
Gilbert fechou os olhos sentindo com prazer o calor do sol aquecer a sua pele, depois de quase dois meses preso em um quarto. Esse era um luxo do qual podia desfrutar agora, mesmo em pequenas quantidades. Embora ele não quisesse pensar, esse desvio se pensamento não durou muito, e logo ela estava lá por trás de seus olhos, em um canto qualquer de sua mente, e não lhe dava trégua.
Não queria se lembrar de Anne, mas ela desfilava em seus sonhos em uma passarela de desejo e loucura que o deixava ansiando por ela todas as noites, mas ela nunca estava realmente ao seu lado quando ele acordava de manhã. Perdera a conta de quantas vezes perguntara por ela nos últimos dias, e então, descobrira por Sebastian que ela tinha ido para casa, sem sequer se despedir dele, e aquilo doera mais do que o ferimento do tiro que ainda carregava em seu peito, embora estivesse quase todo cicatrizado.
Mas, mesmo se sentindo rejeitado por Anne, ele se recusava a desistir. Precisava falar com ela, e não adiantava nada ela fugir dele por que a encontraria e a forçaria a ouvi-lo de qualquer jeito.
Por que, Anne o estava evitando? Do que tinha medo? Ele não esperava que ela correspondesse aos seus sentimentos, e também não a obrigaria a aceitar seu amor. Gilbert queria apenas tirar aquele sentimento que estava encubado dentro dele, e trazê-lo para a luz, para que assim não se afogasse na força daquela emoção que era maior que seu próprio coração, e que o consumia lentamente.
Ele estendeu o braço e seus dedos tocaram a pétala aveludada da flor, fazendo-o se recordar que a pele do rosto de Anne tinha aquela mesma textura. Quantas vezes tocara a face dela e se deliciara com a delicadeza em seus dedos?
Será que agora seria assim? Qualquer coisa desencadearia um arsenal de lembranças recentes, não permitindo que ele se esquecesse por um segundo do quanto desejava aquela garota em seus braços?
Gilbert suspirou longamente, se levantou e foi em direção ao seu quarto. Esse seria o último dia que passaria dentro daquelas quatro paredes que foram seu lar por aqueles meses.
Quando pensava sobre isso, Gilbert sentia um certo receio assombrar a sua mente, porque não sabia como lidaria com sua amnésia além daqueles muros. Ele ficava pensando como voltaria para a faculdade se pouco ou quase nada se lembrava dela. Talvez pudesse pedir um afastamento por algum tempo, até que ele voltasse a se sentir seguro para continuar os seus estudos. Ainda queria ser médico, mas com menos ansiedade que antes. Tanta coisa acontecera que ele já não tinha mais certeza de nada. Precisava urgentemente colocar sua vida nos eixos novamente, e tentar recuperar suas lembranças perdidas antes que não sobrasse nada do que se recordar.
Ele entrou no quarto e encontrou Mary organizando suas coisas. Quando ela o viu, deu-lhe um sorriso caloroso e disse:
- Como foi o seu passeio, querido?
- Foi bem. Fazia tanto tempo que eu não tomava sol que me senti quase embolorando nesse quarto de hospital.
- É verdade. O ar puro lhe fez bem. Está até mais corado. – Mary disse, observando satisfeita que a palidez excessiva que cobria o rosto de Gilbert dias atrás estava desaparecendo, e ele quase parecia o velho Gilbert de novo, com exceção dos olhos que continuavam sombrios.
- Você tem notícias de Anne? - Gilbert perguntou não querendo parecer ansioso demais.
- Não. Sei tanto quanto você. – Mary respondeu deixando-o decepcionado. Tinha esperanças de que ela pudesse lhe dar mais informações sobre Anne, mas fora deixado no escuro do mesmo jeito a respeito do que acontecera com ela.
- Você se importa mesmo com ela, não é? - Mary observou-lhe as reações. Às vezes achava que ele ia se lembrar de tudo, e por isso lhe fazia perguntas que talvez pudesse servir como um gatilho para suas memórias antigas, mas, acabava se frustrando por não conseguir o resultado que esperava.
- Eu não só me importo com ela, Mary. Eu a amo, e preciso tanto dela que até sinto vergonha de querê-la tanto assim. Anne não me sai da cabeça, ela me provoca em meus sonhos, invade meus pensamentos quando estou acordado, eu a vejo em todos os lugares, e agora estou enlouquecendo de saudades dela O que eu faço? Me diga, Mary. Ela está noiva, e por mais que eu diga a mim mesmo que devo deixá-la ir, a outra parte de mim deseja que que ela seja minha. Estou na linha de fogo entre duas vontades que duelam entre si, e eu não sei o que fazer com o que sinto. - ele olhou para Mary desnorteado, e ela o aconselhou como faria com um filho.
- Vá falar com ela, Gilbert. Se se sente dessa maneira, precisa confessar a Anne seus sentimentos.
- E se ela achar que estou louco e me rejeitar? – A insegurança dele era outro ponto que o fazia sofrer.
- É por que ela faria isso? - Mary perguntou intrigada.
- Não sei. Nunca falamos de sentimentos, e tenho quase certeza de que ela se sente atraída por mim, mas, como posso dizer a ela que a amo, se mal nos conhecemos. O que ela vai pensar? Eu nunca acreditei em amor primeira vista, mas, tenho certeza que me apaixonei por Anne no.momento em que acordei do meu breve coma e ela estava lá olhando para mim com aqueles olhos que são como o espelho da alma dela.
- Talvez não haja lógica para tudo isso. Talvez amar alguém seja uma emoção desconexa e cheia de nuances, e seu sentido não esteja na razão e sim no que se sente e como se sente. -Enquanto falava, Mary pensava em quanta dor Anne e Gilbert tinham que suportar para terem o direito de ficarem juntos. Nenhum dos dois merecia aquela provação.
- Eu simplesmente não sei o que fazer ou pensar, Mary. Mas, a única coisa da qual tenho certeza é que meu amor por ela é real e tão forte que sou capaz de tudo para fazê-la sentir o mesmo por mim. Vou procura-la assim que voltar para casa. Não posso esperar mais. Se ela não.me quiser, eu me contentarei em ser seu amigo e estar por perto se ela precisar. Sei que me sentirei vazio sem ela, mas, prefiro isso a nunca mais vê -la. – Mary ouvia Gilbert falar e dizia a si mesma como a mente humana era complicada. Ali estava um rapaz que não conseguia lembrar de sua noiva, mas o seu subconsciente não o deixava esquecer, conservando seu amor por ela intacto até que pudesse lembrar outra vez.
- Espero que não se importe, mas já arrumei suas coisas para ir para casa amanhã. – Mary disse sorrindo.
- Obrigado. Eu nem saberia por onde começar. – Gilbert disse agradecido
A verdade de tudo aquilo era que estava tão louco para voltar para casa quanto estava para ver Anne. Estava com saudades, e de repente a imagem dela em um barco se desenhou em sua mente. Quando tinha sido aquilo? E onde? Será que sonhara? Vinha tendo aquelas visões constantemente agora, mas na maior parte do tempo elas lhe pareciam sonhos, mas aquela que tivera naquele momento, parecia mais real do que todas as outras.
Ele fechou os olhos e tentou se lembrar de mais alguma coisa, mas a mente estava vazia novamente, e ele respirou desanimado.
- Algum problema, Gilbert? - Mary perguntou achando-o estranho.
- Não, eu si estava pensando. – Ele sorriu meio a contra gosto para que Mary não percebesse sua aflição.
- Ah, eu quase ia me esquecendo. O Sebastian encontrou sua carteira no carro. Acho que estava lá desde que você veio para o hospital. – Mary disse, estendendo-lhe a carteira que acabar a de mencionar. Gilbert a colocou no bolso da calça e foi ajudar Mary a guardar o restante de suas coisas para o dia seguinte.
O rapaz estava animado com sua volta para casa, e seu coração batia descompassado pela novidade, mas também estava apertado pela incerteza. O futuro era uma incógnita, como uma daquelas equações complexas de matemática que se levava dias para resolver.
Naquela noite Gilbert sonhou com cabelos vermelhos novamente, mas dessa vez ela tinha um bebê nos braços, e ele tinha os olhos castanhos dele.
ANNE E GILBERT
- Anne, está pronta? - era a voz de Matthew no andar de baixo que a esperava para levá-la até a estação de trem de onde partiria para Paris.
Ela estava pronta? Anne pensou estava pronta para iniciar uma vida sem Gilbert? Porque a partir dali qualquer passo que desse, qualquer decisão que tomasse seria sem ele, e somente poderia contar consigo mesma para realizar as coisas que desejava.
Mas, que escolha ela tinha? A vida a colocar naquele impasse e ela fora pelo caminho que achara mais correto para si mesma, e ainda assim não tinha muita certeza do que estava fazendo
Diana dissera que ela estava fugindo, e ela não estava errada. Anne estava fugindo para tentar sobreviver em um mundo que lhe tomara tudo, deixando-a completamente de mãos vazias.
O sorriso dourado de Gilbert surgiu em sua mente, como um lembrete do que estava deixando para trás, e um soluço seco escapou de seus lábios, e Anne cobriu a boca com as mãos em uma tentativa tola de impedir que mais alguns se juntassem aquele. Não podia pensar nele agora, tinha apenas que pensar em si mesma e na vida em Paris que a esperava.
Passara os últimos dias se debatendo em seus dilemas, e não encontrara outra saída. Estava indo embora para dar a Gilbert a oportunidade de começar uma vida nova, e a si mesma uma chance de reencontrar a parte de si mesma que perdera. Porém, isso não queria dizer que não estava doendo. Doía feito uma faca cravada em seu coração. Estava colocando milhares de quilômetros entre ela e seu amor, e não poderia correr para ele sempre que sentisse saudades.
Fazia dois meses que sentia falta dele, dois longos meses que tivera que se vestir de coragem e seguir com sua vida. Agora aquele drama todo terminaria, e logo estaria seguindo seu destino rumo a um novo começo Se pudesse pelo menos não sentir aquela falta de ar que a estava incomodando, seria perfeito, mas Anne sabia que aquele vazio que vinha acompanhando-a era seu único amigo agora, e teria que se adaptar a ele se quisesse continuar vivendo.
- Anne. Está na hora. - ela ouviu Matthew dizer.
- Estou indo, Matthew. - ela respondeu tentando manter sua voz firme.
Não podia vacilar. Não agora. Então, o olhos de Gilbert estavam em sua imaginação, as mãos em sua cintura, seus lábios nos dela, e a voz rouca que dizia" fique comigo, querida, eu te amo". Ela ignorou a voz, pegou sua mala e desceu as escadas, mas ainda podia ouvi-lo sussurrando em seu ouvido, "Não vá, preciso de você". "Pare", ela gritou dentro da própria cabeça, e concentrou sua atenção em Marilla que tinha os olhos tristes, mas ela não choraria na frente de Anne. Ela era durona, a ruivinha conhecia-a bem.
- Anne, se cuide e mande notícias assim que puder. - ela disse em sua mane ira peculiar de demonstrar afeto.
- Sim, Marilla Obrigada por tudo. Prometo que não ficarei longe para sempre. Voltarei assim que sentir que consigo. – Anne a abraçou com carinho e fez força para não chorar, ou desmoronaria.
- Até a volta, querida. – Ela disse. Anne balançou a cabeça assentindo, sabendo de antemão que sentiria falta de todos.
Ela se despedira de Diana e dos outros no dia anterior, e pediu que ninguém fosse até a estação de trem. Não gostava de despedidas, a vida toda tivera que dizer adeus as coisas e pessoas que mais amava, e daquela vez queria ter a ilusão de que estava apenas viajando de férias, e que quando voltasse estaria tudo em seu devido lugar, só não sabia quanto tempo demoraria para que isso acontecesse, teria que esperar que seu coração se curasse, suas feridas cicatrizassem para conseguir se olhar no espelho sem chorar.
Uma última vez se permitiu pensar em Gilbert. Ela sabia que ele voltara para casa, mas, não tivera coragem de visitá-lo, como também não tivera coragem de ir embora sem dizer adeus. Ela escrevera uma carta e pedir a Jerry que a entregasse assim que ela tivesse partido e esperava que Gilbert entendesse, não a odiasse por ser tão covarde e não lhe dizer pessoalmente o que estava no conteúdo daquele envelope.
Sentiu sua tão velha conhecida dor magoar seu coração de novo. Quantas vezes um coração poderia ser partido até que deixasse de bater? ela se perguntou, depois, sacudiu a cabeça e afastou qualquer pensamento que pudesse levá-la de volta aos braços de Gilbert no passado. Ela lutara e perdera, e com aquela viagem estava admitindo sua derrota, não havia mais nada a fazer ou lamentar, já fizera isso tempo demais.
Matthew colocou a mala de Anne no banco traseiro do carro, enquanto a menina se acomodava no banco da frente. Partiram para a estação de trem em silêncio e assim permaneceram todo o caminho. Anne evitava dizer qualquer coisa por medo de se debulhar em lágrimas, por isso, se manteve firme com os olhos fixos na estrada a frente deles. Foi somente quando passaram perto da Fazenda de Gilbert que ela pensou que não suportaria, suas mãos vacilaram por um instante, seus olhos lacrimejaram, e em pensamento ela disse:" Adeus, meu amor. Seja o mais feliz que puder sem mim." e então recuperou sua falsa calma e manteve seus olhos secos perdidos na estrada que a afastava de Green Gables e de Gilbert.
Enquanto isso, Gilbert tentava se adaptar de novo à rotina da Fazenda. Ele chegara no dia anterior e se sentira um pouco estranho, como se não pertencesse mais aquele ambiente, mas, com o passar das horas as coisas foram melhorando, e ele começou a se sentir em casa novamente.
Mary o esperava com Shirley nos braços quando ele chegou com Sebastian, e bastou a garotinha lhe sorrir com seu rostinho infantil tão lindo para ele se lembrar de muitos momentos que passara com ela ali na fazenda, e em poucos minutos já tinha a garotinha em seus braços fazendo-lhe carinhos, enquanto a menina brincava com sua boina vermelha.
Era tanta coisa para assimilar, tantos cheiros e sabores para lembrar, mas estava em casa e isso era o que importava, e agora teria apenas que ir juntando os pedacinhos de suas lembranças como se costurasse uma a uma em uma colcha de retalhos, e assim teria o quadro completo do seu passado, ou assim ele imaginava
- Como está se sentindo? - Sebastian perguntara momentos depois que chegaram.
- Estou bem, embora ainda confuso, mas minha mente está clareando aos poucos.
- Conseguiu se lembrar de mais alguma coisa? - Sebastian perguntou esperançoso.
- Sim, mas ainda tem muitas partes faltando. – Gilbert se lamentou.
- Tudo ao seu tempo, Blythe. Tenha paciência. - Sebastian disse com seu costumeiro bom senso
Se sentaram a mesa para almoçar, pois tinham chegado bem na hora da refeição, e somente um tempo depois, ele pôde ir para o seu quarto. Quando entrou, a primeira coisa que viu foi um retrato enorme de Anne. Imediatamente, se perguntou surpreso, porque tinha a fotografia dela em sua parede. Será que já gostava dela antes e ninguém lhe contara? Ou será que ela lhe dera aquele quadro como um presente de amiga? Ele chegou mais perto e admirou o rosto dela lindo tão bem captado pelo artista. Anne era incomparável em sua beleza tão rara. Ele fora dormir ainda com o quadro em seu campo de visão e adormeceu olhando para ele, prometendo a si mesmo perguntar a Mary e a Sebastian sobre ele.
Assim, o dia seguinte chegou e ele desceu para o café da manhã. Estava a ponto de falar com Mary sobre o quadro, quando Jerry apareceu e disse que precisava falar com ele em particular. Foram até o quarto de Gilbert, e Jerry lhe estendeu um envelope dizendo:
- A Anne me pediu para te entregar isso.
- O que é? - Gilbert perguntou olhando para o envelope azul em suas mãos.
- É uma carta. - Jerry respondeu olhando para Gilbert firmemente.
- Uma carta? Por que Anne me enviaria uma carta? - Gilbert perguntou novamente passando o polegar pelo nome dele escrito com capricho em alto relevo.
- A Anne está indo embora para Paris. - Jerry disse parecendo nervoso.
- Por que ela está indo embora? - Gilbert sentiu seu coração se apertar com as palavras de Jerry.
- Está tudo explicado na carta. Leia e tire suas próprias conclusões. Eu preciso ir agora, já cumpri minha missão. Boa sorte, meu amigo. - Jerry disse dando um tapinha amistoso no ombro de Gilbert.
Ele sentou -se na cama com o envelope nas mãos, sentindo o aroma familiar de rosas de Anne que vivia em suas lembranças desde sempre. Em seguida, respirou fundo e desdobrou o primeiro papel onde havia um poema aparentemente escrito por Anne.
Se lembre de mim
Quando olhar a chuva,
Pois cada pingo que tocar sua janela,
Serão minhas lágrimas chorando sua ausência.
Se lembre de mim,
Quando olhar o mar,
Pois cada onda será como um poema
Declarando meu amor por você.
Se lembre de mim
Quando olhar para o céu em uma noite de lua,
Pois cada estrela que brilhar neste instante
Será como os meus olhos em busca do seu melhor sorriso.
Se lembre de mim
Quando a brisa de manhã tocar o seu rosto,
Pois serão os meus lábios te desejando bom dia.
Se lembre de mim
Quando olhar para a rosa mais bonita do seu jardim,
Pois o perfume dela te brindará com minha saudade.
Se lembre de mim
Quando o amanhecer chegar,
Pois o nascer do sol te aquecerá como o calor dos meus braços.
Se lembre de mim,
E por favor jamais esqueça que mesmo em sua solidão,
Em seus dias mais negros, em sua infelicidade
Carregarei sempre a tua imagem em meu coração.
Ele terminou de ler o poema bastante emocionado, e então abriu a carta e começou a lê-la:
Querido Gilbert:
Quando ler esta carta, já estarei longe, por isso, peço que me perdoe pela minha falta de coragem em falar-lhe pessoalmente. Há dois meses quando você levou o tiro que era destinado a mim, vi meu mundo tão bem planejado ir ao chão, e todos os sonhos que eu tinha secretamente acalentado virarem poeira. Éramos noivos na ocasião, embora estivéssemos afastados por motivos pessoais meus que não vêm a o caso agora. Minha vida foi poupada enquanto a sua estava em sério risco de morte, e após vários dias lutando para continuar vivo, você teve uma parada cardíaca e ficou em coma. Quando acordou não se lembrava mais de mim, e senti como se estivesse sendo punida por estar bem, enquanto você estava preso em uma cama de hospital.
Ainda assim, quis ficar perto de você, não suportava deixá-lo sozinho lá, sofrendo por sua falta de memória, sendo rondado por uma garota que você pensava ser sua noiva, quando ela não passava de uma mulher vingativa e mesquinha, por sorte, você logo percebeu e a mandou embora.
Estou te contando tudo isso, porque acredito que agora você tem que saber, que sua noiva sempre fui eu, e o amor que nos unia antes, continua assim mesmo que você não possa senti-lo. Estar com você foi uma dádiva que nunca achei que merecesse, mas, você me fez acreditar que poderíamos alcançar qualquer estrela juntos, por mais alta que pudesse ser, e amar você e ser amada por você foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida. Quando eu poderia imaginar, que uma órfã como eu poderia encontrar seu príncipe encantado nas florestas de Avonlea?
Pareceu que já se passaram séculos desde que tudo aconteceu. Eu queria ter o poder de mudar as coisas, e torná-las tão perfeitas, como eram à alguns meses atrás, mas, infelizmente, nada voltará a ser como antes, e sinto que te perdi para sempre. Por isso, estou indo embora, não espero que entenda os meus motivos, e nem que concorde com minha atitude, a única coisa que me importa é que você seja feliz, mesmo eu não seja ao meu lado, e mesmo que eu não possa ser feliz também. Espero que um dia você possa recuperar todas as lembranças que perdeu, e que no meio delas, se lembre desse imenso amor que sinto por você, e que carregarei comigo por onde for, e então, talvez possa me perdoar pela covardia, de não ter te revelado antes toda essa verdade.
Adeus, meu amor. Me despeço aqui , deixando em suas mãos essas minhas últimas palavras. Partirei neste sábado às 11 da manhã, e deixo contigo meu coração, pois não vou precisar dele para onde irei. Dentro de mim sei eu nunca mais vou amar ninguém como amo você, por isso, quero levar em minhas lembranças tudo o que fomos um para o outro, para que em noites frias de inverno eu tenha algo com o qual me aquecer. Com amor, sua Anne com e.
Ao terminar de ler as últimas linhas, ele não conseguia acreditar nas palavras impressas pelo próprio punho de Anne naquele papel. Por que ela não lhe contara, por que ninguém lhe contara? E por que ela deixara-o acreditar que Sabrina era sua noiva? Aquilo não fazia sentido. Ele precisava tirar aquela história a limpo ou iria enlouquecer.
Gilbert tirou a roupa do pijama e se vestiu rapidamente. Antes de sair, pegou sua carteira que estava sobre sua mesinha de estudos que com sua pressa abriu, e caiu de dentro dela um objeto no chão. Gilbert então se abaixou para ver o que era, e pegou em suas mãos um anel de opala azul. Então, as lembranças vieram como uma avalanche deixando-o sem ar. Ele se sentou na cama com a cabeça entre as mãos, sentindo o quarto rodar com a força dos seus pensamentos.
Gilbert se lembrou quando encontrou Anne na floresta, na lousa quebrada pela fúria dela por algo que ele tinha dito. O primeiro beijo que deram, sua declaração de amor, a dela, a primeira vez que ela fora sua, o baile de formatura, o pedido de noivado-, os dias que ficaram em Nova Iorque, a viagem a Paris, e por último o tiro do qual salvara a vida de Anne, o rosto dela cheio de lágrimas enquanto ele se despedia achando que não mais a veria.
Tudo chegou como uma onda gigantesca oprimindo seu coração, sua garganta, fazendo-o chorar, soluçar e gritar o nome de Anne tão alto que ecoou pela casa toda. Mary veio correndo com Shirley no colo e Sebastian em seu encalço assustados com o grito de Gilbert que se assemelhava a de um animal ferido.
O encontraram dobrado sobre si mesmo, com as mãos na cabeça chorando mais do que seus olhos podiam aguentar. Mary entregou Shirley para Sebastian, e abraçou o rapaz agoniado a sua frente, enquanto ele não parava de dizer o nome de Anne, e com a voz entrecortada pelos soluços ele dizia;
- Por que vocês não me contaram? Por que me deixaram esquecê-la? Deus, como pude não lembrar da única pessoa que dá sentido à minha vida? Como pude fazer isso com ela, com a gente, e com o nosso amor? Por que, Mary? Por que não me contou que Anne era minha noiva quando te disse que eu a amava? - o olhar dele era de desespero e Mary sentiu seu coração se partir com a dor que via ali.
- A Anne não deixou que nenhum de nós te contasse Gilbert.
- Então, ela deve me odiar. Por isso, ela não deixou que ninguém me contasse. - ele baixou a cabeça e Mary pegou suas mãos nas dela e disse tentando amenizar o sofrimento de Gilbert.
- Não, querido. Ela não te odeia. Longe disso. Toda essa situação tem sido difícil para ela. Ela não deixou que te contássemos por que ela temia que isso te forcaria a lembrar de maneira repentina, o que poderia prejudicar sua recuperação. Você não tem ideia do quanto ela ama você, Gilbert. – Mary pensou na perda do bebê e em tudo que Anne suportara sozinha, mas Gilbert não precisava saber daquilo agora. Mais tarde, depois que ele é Anne conversassem, talvez a menina lhe contasse tudo e ambos pudessem se consolar mutuamente.
- Mas, o que adianta tanto amor se a perdi? - Gilbert disse ainda chorando.
- Como assim a perdeu? – Sebastian perguntou embalando Shirley em seus braços.
- Ela me enviou esta carta me contando tudo, e que está indo embora para Paris. - Gilbert mostrou a carta para Mary, que passou rapidamente os olhos pelo conteúdo, e depois disse nervosa:
- Aqui ela diz a hora que o trem vai sair. E pelo que vejo ela ainda deve estar na estação - Gilbert leu a linha na carta que Mary lhe apontava e que no seu desespero deixara passar-, se levantou correndo e disse:
- Eu preciso ir até lá, não posso deixar que ela vá embora sem saber que me lembrei de tudo.
- Sebastian, você pode levar o Gilbert até a estação de trem. Na carta Anne disse que partiria as 11 da manhã, e agora o relógio marca quase dez. Vocês tem quase uma hora para chegar lá.
Sebastian desceu as escadas e foi até o quarto dele e de Mary pegar as chaves do carro. Mary logo fez menção de e segui-lo, mas Gilbert não se mexia.
- O que foi, Gilbert? - Mary perguntou preocupada com a inércia do rapaz.
- E se eu a perder, Mary? - o olhar dele era triste e Mary logo tratou de dizer:
- Você não vai perdê-la, Gilbert. Agora, vá até a estação e traga sua noiva de volta.
Gilbert desceu as escadas parecendo mais confiante, e quando entrou no carro de Sebastian já estava ansioso demais para chegar até a estação. Tantos pensamentos passavam por sua cabeça, alguns otimistas outros nem tanto, mas o que prevalecia era o pedido que fazia silenciosamente para Anne como se ela pudesse ouvi-lo, e que mais parecia uma prece pela maneira como ele se concentrava ao dizê-la mentalmente; "Por favor, amor. Me espere só mais um pouco. Não vá embora antes que eu te confesse mais uma vez como eu te amo."
Naquele exato momento, Anne estava na estação com Matthew. Em meia hora estaria embarcando no trem que a levaria até Paris, encerrando definitivamente esse capítulo trágico de sua vida. Ela queria se sentir feliz, queria se sentir aliviada, mas ela sabia que se tivesse outra escolha não estaria naquela estação indo em busca de uma vida longe do homem que amava, de sua família e de seus amigos mais queridos. Como ela queria voltar no tempo, e viver cada momento de novo ao lado de Gilbert. O que ela não daria para sentir o toque suave dele em seu rosto mais uma vez.
A saudade a pegou em cheio, e Anne não pôde deixar de suspirar alto, o que fez Matthew perguntar:
- O que foi, Anne?
- Nada, eu só estava pensando.
- Não quer mesmo mudar de ideia, talvez reconsiderar? - Matthew disse tocando o ombro dela, e ao ver tanta bondade naqueles olhos fez Anne ter vontade de chorar.
- Não posso, Matthew – Ela disse, quase engasgado com as palavras, sentindo-as amarga em sua boca.
- Anne, você não precisa ir assim, pode esperar mais um pouco e ver como as coisas se ajeitam Querida, você em um futuro inteiro pela frente.
- Não tenho mais, Matthew. Não sobrou nada para mim aqui. – era difícil demais resistir ao apelo que via no rosto de Matthew, mas ela, não podia ficar. Não com todas as lembranças de Gilbert assombrando-a a todo momento.
- Tudo bem, minha querida. Se acha que tem mesmo que ir, então vá. Mas, não se esqueça que sempre estaremos aqui por você quando se sentir pronta para voltar. Green Gables será sempre o seu lar.
- Obrigada, Matthew. – Ela disse beijando seu velho amigo no rosto.
A última chamada para o trem das onze horas foi feita, e os passageiros começaram a embarcar. Anne resolveu entrar por último, pois queria aproveitar um pouco mais a companhia de Matthew. Quando por fim, ela viu que era a última passageira a entrar, Anne pegou sua mala e deu um passo na direção da porta de entrada do trem. E então ouviu :
- ANNE! - ela ficou parada no mesmo lugar. O coração disparado dentro do peito, desejando ardentemente que não estivesse sonhando ou tendo alucinações com aquela voz que sussurrava palavras de amor em seus ouvidos quando estavam juntos.
Assim, ela tomou coragem e se virou, e lá estava ele. Mais lindo do que nunca, um pouco mais magro, um pouco mais pálido, mas ainda era o seu Gilbert. O rapaz que lhe prometera amor eterno, que quase morrera para salvar a vida dela, o homem que ela amava mais que tudo e que sempre seria seu cavalheiro de armadura branca, seu Romeu, seu príncipe encantado.
Então, ele sorriu para ela e Anne conseguiu enxergar um oceano inteiro de amor naquele olhos castanhos. Gilbert estendeu os braços, ela largou a mala onde estava e correu para ele, e logo, Anne estava nos braços dele, e Gilbert a envolveu inteira enquanto enterrava seu rosto nos cabelos dela sentindo seu perfume inesquecível, que mesmo em seu esquecimento a essência dela estava lá lhe dando o consolo que precisava em sua solidão.
Gilbert se afastou um pouco e olhou para o rosto de Anne que brilhava em sua beleza única e etérea. Seus olhos se desviaram para os lábios dela, e sem. pensar um segundo mais ele os tomou em um beijo quente, faminto, necessitado, sem se importar onde estavam, se outras pessoas veriam, pois ele já havia se privado do gosto dela tempo demais.
Anne flutuava em um sonho bom, sem acreditar que os braços dele estavam mesmo ao redor de sua cintura, e o calor do corpo dele tão bem conhecido por ela a aquecia. Naquele instante, ela mergulhou naquele beijo como um náufrago em busca de seu salvador, matando assim a sede daqueles lábios que ficaram longe dos dela uma eternidade. Anne sentiu o sol nascer dentro dela afastando o frio do inverno, levando embora a tempestade que tinha se instalado dentro dela desde que ele a esquecera. O inverno tinha acabado, por que Gilbert tinha voltado e era primavera de novo dentro de seu coração.
Eles se afastaram, pois o ar lhes faltou. Gilbert tocou o rosto dela com carinho, enquanto lágrimas escorriam pelo rosto de Anne, mas agora, ela não chorava mais por tristeza, e sim por alívio, por alegria e por amor, e quando Gilbert secou as lágrimas dela com seus lábios, Anne sentiu as feridas se curando, como se aquela carícia singela fosse o que precisava para se livrar de vez do fardo de seu sofrimento.
- Amor, me perdoe. Eu não queria te fazer sofrer, e nem me esquecer de você. Eu me sinto tão mal por causa disso. - Gilbert disse tocando-lhe os cabelos.
- Não foi culpa sua, Gilbert. Tudo isso aconteceu porque você salvou minha vida. Jamais vou poder te agradecer o bastante. - Anne o abraçou de novo tão apertado como se tivesse medo que ele desaparecesse de repente.
- Eu juro meu amor, que nunca mais vou deixar que nada te magoe. Eu vou passar todos os dias de minha vida te fazendo feliz, e você vai se esquecer de cada tristeza que sentiu durante todo esse tempo em que te deixei sozinha- enquanto falava Gilbert olhava para o rosto de Anne, e se perguntava como pudera se esquecer que aquela garota tão singular, tão pura em sua essência, tão maravilhosa em todos os sentidos era sua noiva? Mas, de repente se deu conta de que sua cabeça tinha se confundido, mas seu coração jamais tinha se deixado enganar. Ela sempre estivera ali dentro dele somente esperando o momento certo para se revelar, e diante dela ele sentiu seu amor se triplicar e se tornar maior que ele, maior que tudo, e maior que o mundo.
Gilbert começou a sorrir novamente, e Anne sentiu que tudo voltava ao seu lugar, pois qualquer tormenta ou sofrimento não era nada quando ele lhe sorria assim.
Incrédula, ela viu Gilbert se ajoelhar na sua frente, sem entender realmente por que ele estava fazendo aquilo. Então, a opala brilhou nas mãos dele, e Anne começou a chorar sem perceber enquanto o ouvia dizer:
- Você aceita ser minha futura esposa, Anne Shirley Cuthbert? - ela apenas balançou a cabeça em afirmativa, pois se sentia incapaz de falar naquele momento.
Gilbert beijo-lhe a mão antes de colocar o anel em seu dedo anular, onde sempre havia pertencido, e depois, a abraçou e se beijaram longamente, até que Gilbert abandonou os lábios de Anne, pegou o rosto dela entre as mãos e disse do fundo de seu coração:
- Eu te amo, Anne, e vou te amar para sempre. Eu tive tanto medo que me odiasse, e para mim é um milagre que ainda esteja aqui comigo depois do que eu te fiz passar. - Anne sorriu e sentiu uma ponta da dentro de si ao se lembrar do que ainda tinha que contar a ele, havia tanta coisa para dizer, tanta dor para partilhar, mas naquele momento ela somente queria curtir a presença de seu noivo, e banhar-se na fonte redentora do seu amor.
- Eu também te amo, Gilbert, e nem por um minuto eu deixei de sentir esse sentimento imenso por você. Eu nunca poderia te odiar, a única coisa que senti todo esse tempo foi saudade de tudo que vivemos, de acordar com você, ver o seu sorriso e me deitar no seu colo enquanto conversávamos sobre nosso futuro. Você não pode imaginar o quanto senti sua falta, o quanto tive que me controlar naquele hospital para não me atirar em seus braços. Só me prometa que nunca mais vamos nos separar, eu não suportaria ficar sem você de novo. - Anne colocou a cabeça encostada no peito de Gilbert, quase não acreditando que seu pesadelo tinha acabado, ou pelo menos parte dele.
- Nem que você me pedisse eu te deixaria partir, e se tivesse ido para Paris, eu reviraria aquela cidade do avesso e te traria de volta para os meus braços. - Gilbert disse, mantendo seus braços na cintura dela, e Anne bem próxima ao seu coração. Ficaram assim por alguns momentos, até que Sebastian e Matthew se aproximaram, e o amigo de Gilbert disse:
- Bem, agora que fizeram as pazes e ficaram noivos de novo será que podemos ir para casa? Vou pedir para Mary fazer um almoço especial de comemoração, o que acham?
- Eu acho maravilhoso, mas temos que passar em Green Gables e pegar Marilla. – Anne disse se sentindo mais leve e em paz.
- Antes de irmos, eu queria falar uma coisa para o senhor. - Gilbert disse se dirigindo a Matthew. - Eu quero pedir perdão por tudo o que fiz Anne passar nesses dois meses, eu juro que teria feito tudo para evitar se eu soubesse como tudo aconteceria.
- Que isso, meu rapaz. Não precisa pedir perdão de nada. Você salvou a vida da minha menina, e isso é algo que eu nunca poderei lhe retribuir da mesma maneira. E está salvando-a de novo, pois faz semanas que não vejo esse sorriso. Anne não poderia ter um marido melhor que você. - Matthew disse abraçando Gilbert com afeição.
- Obrigado, Sr. Cuthbert. Prometo que daqui para frente Anne somente terá motivos para sorrir.
- É o que espero meu rapaz.
Neste instante, todos se dirigiram para seus carros, e Gilbert decidiu que voltaria com Anne e Mathews enquanto Sebastian retornaria no outro carro. Assim que se sentaram no de trás dos passageiros, Anne deitou sua cabeça no ombro de Gilbert e ele enroscou uma mão em sua cintura e a outra em seus cabelos, e todo o tempo que durou a viagem da estação de trem até Green Gables, Anne sorriu, e quando Gilbert entrelaçou seus dedos nos dela, ela soube que tudo que mais desejava estava ali ao alcance de suas mãos.
.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro