Capítulo 59- O preço de amar
Olá pessoal. Sei que muitos de vocês estão ansiosos por este capítulo. Espero pelos comentários, pois ele foi escrito com muita verdade e emoção. Beijos. Rosana.
ANNE
Lá fora a chuva caía tão intensa e fria quanto Anne podia sentí-la em seu coração. Ela olhou para os olhos castanhos que conhecia tão bem, e não viu dentro deles nenhuma luz de reconhecimento, ele a esquecera e entre todas as coisas que imaginara nos dias em que ficara confinada em seu quarto no hospital, aquela nunca lhe passara pela cabeça.
O rosto de Gilbert continuava virado para ela, mas seus olhos permaneciam vazios, ausentes de qualquer emoção ou sentimento, e Anne sentiu de novo seu coração sendo esmagado pela dor.
- Quem é você? Eu te conheço de algum lugar? - Gilbert perguntou novamente, e quando Anne ia respondê-lo, Sebastian e Mary entraram e ao vê-lo desperto se apressaram em falar com ele:
- Gilbert, Graças a Deus você está acordado. Que susto nos deu, garoto. - Sebastian sorria enquanto dava tapinhas amistosos no ombro de Gilbert.
- Oi, Bash. Você pode me dizer o que estou fazendo aqui neste quarto de hospital?
- Você não se lembra? - Bash perguntou e olhou para Anne que balançou a cabeça tristemente.
- Bem, você levou um tiro. – Bash explicou.
- Um tiro? Como foi que isso aconteceu? - Gilbert perguntou intrigado com o que o amigo lhe contará.
- Acho melhor deixarmos isso para depois. Teremos tempo de sobra para falarmos sobre isso. Como se sente querido? - Mary perguntou tocando de leve rosto de Gilbert.
- Você é a Mary, não é? A esposa de Sebastian? - Mary estranhou a pergunta e olhou para Anne novamente, que apenas balançou a cabeça e olhou para os próprios pés se sentindo cada vez pior. Sua garganta estava seca, e seu estômago estava tão pesado como se tivesse engolido pedras.
- Sou eu mesma. Sente alguma dor? - Mary disse, olhando com o canto do olho para Anne que parecia estática como se tivesse sido atingida por um raio.
- Um pouco na cabeça. - Gilbert respondeu.
- Acho melhor chamarmos o médico para dar uma olhada em você. – Sebastian disse.
- Não, espere. Antes de vocês chegarem eu estava conversando com essa garota. - ele olhou em direção a Anne que queria se esconder em qualquer canto daquele quarto, menos olhar nos olhos frios de Gilbert. – Quem mesmo você disse que era?
- Querido, ela é sua....
- Amiga da escola. - Anne interrompeu Mary que a olhou com aflição.
- Estudamos juntos, então. - Gilbert apertou os olhos, e Anne esperou que Gilbert tivesse alguma lembrança mas ele não disse nada, e a esperança dela morreu no mesmo instante.
- Você não se lembra que tem uma noiva Blythe? - Sebastian perguntou, não acreditando que Gilbert não se lembrasse de Anne.
- Sim, eu me lembro. O nome dela é Sabrina, não é? - Ao ouvir aquilo Anne sentiu seu mundo inteiro desabar. Não podia ser verdade que ele se lembrasse de todo mundo, até daquela garota que arrasara com o noivado deles, e sequer tivesse uma memória dela que era sua noiva, e a quem prometera amor eterno. O ar lhe faltou e ela pensou que sufocaria. Precisava sair dali ou morreria de angústia
- Com licença- ela disse com a voz abafada, saindo pela porta sem olhar para trás. Queria fugir dali, precisava de um lugar que lhe desse um pouco de paz, mas desconfiava que nenhum lugar teria o poder de lhe devolver tudo que perdera em um segundo de estupidez humana.
Ela correu o mais que pôde, sua visão embaçada pelas lágrimas que caiam feito uma tormenta, somente parou quando estava tão ofegante e com uma dor em seu ventre que a lembrou do esforço que não devia ter feito, e que a impediu se continuar. Anne se sentou em um banco nos arredores do hospital onde havia um jardim de rosas, e ela se lembrou das inúmeras vezes em que Gilbert lhe deixara uma rosa sobre o travesseiro depois de uma noite de amor, ou mesmo sem nenhum motivo aparente, somente porque ele sabia que ela gostava, e os soluços vieram tão fortes como se ela estivesse sendo atingida por uma faca que perfurava seu coração e alma sem misericórdia.
Por que ela estava sendo punida? Anne, se perguntava. Qual fora o seu crime? Será que a culpa que sentia pela perda do bebê já não era o suficiente? Será que também tinha que ser castigada com o esquecimento de Gilbert a respeito de tudo que foram um para o outro? Como ela conseguiria suportar mais aquela dor? Quanto sofrimento teria que carregar dentro de si até que se libertasse de todo o peso que sentia em seus ombros? Eram coisas demais para ela aguentar em seus dezoito anos, parecia que já havia vivido uma vida inteira e se sentia tão cansada e dolorida. Seu espírito de luta que a guiara até ali estava apagado, e ela sabia que sem Gilbert ela não conseguiria dar nenhum passo, pois ele tinha sido até ali sua motivação para ficar em pé, e agora ela estava mais sozinha do que estivera desde que ficara no orfanato.
- Anne, encontrei você finalmente. - Mary disse sentando-se ao lado dela no banco. Ao ver o desespero da menina, ela a abraçou, e Anne derramou toda a sua mágoa sobre o ombro da boa mulher.
- Querida, não fique assim. Isso não é bom para você, ainda está convalescente.
- Não consigo. Não vou suportar. O que faço, Mary? Ele não se lembra de mim, como ele pôde me esquecer como se eu não tivesse significado nada? Como se eu não existisse? – Ela se agarrava a cintura de Mary como se fosse sua única salvação.
- Calma, Anne. Não fique desse jeito. Gilbert vai se lembrar, ele precisa de tempo. Lembre-se que ele sofreu uma fratura craniana e ficou vários dias em coma, talvez por isso ele esteja um pouco confuso a respeito de algumas coisas. - Mary tentava consolá-la.
- Ele não está confuso. Ele me esqueceu, me apagou da memória dele como se nunca tivesse me conhecido. Como vou viver com isso, me diga? Como vou suportar olhar para ele desse jeito, quando sinto o meu amor por ele borbulhar dentro de mim, crescendo e crescendo a ponto de me sufocar? - os olhos de Anne era um poço de sofrimento, tão doloroso de se olhar que Mary teve que desviar os olhos dela por um segundo, tentando encontrar as palavras certas que aliviassem seu coração.
- Eu nem imagino como isso está sendo duro para você, mas eu acredito que se algo assim acontecesse com meu Sebastian, eu cuidaria dele até que ele se lembrasse de mim.
- E se mesmo assim Gilbert não se lembrar? – Anne perguntou tristemente.
- Então, você terá que reconquistá-lo a cada dia até que o amor que vive no coração dele desperte e ele te olhe novamente como antes, porque mesmo que a mente de Gilbert esteja vazia no momento, o coração dele com certeza continua cheio de amor por você. – Anne abraçou Mary mais apertado, pensando nas palavras dela.
Conquistar Gilbert novamente? Será que conseguiria? Será que teria forças para ficar do lado dele dia a dia, amando-o como amava e vendo-o tratá-la como amiga?
- Resta saber, Anne, o que está disposta a fazer por Gilbert? - Mary perguntou acariciando seus cabelos.
O que ela estaria disposta a fazer por Gilbert? Anne repetiu a pergunta para si mesma, enquanto seu olhar se perdia nas rosas do jardim.
Ela se pensou em cada instante em que estivera com ele, a paciência de Gilbert em se aproximar dela quando ela somente fugia dele com medo de seus próprios sentimentos. Todas as barreiras que ele derrubara com seu amor absoluto por ela, todas as palavras de encorajamento, e consolo que ouvira dos lábios dele quando estava perdida em seus momentos de dúvida e tristeza. Gilbert fora capaz de cruzar um oceano inteiro somente para voltar para ela, ele lhe dera esperanças quando às vezes não havia nenhuma, ele a tomara em seus braços e entrelaçara seu destino com o dela, de tal maneira que não conseguia imaginar sua vida sem ele, e mesmo quando ela lhe pedira um tempo para descobrir suas origens, ele lhe apoiara pedindo apenas que pudesse estar do lado dela sem cobrança nenhuma. Como ela não pudera enxergar o tamanho do sentimento que ele tinha por ela? Como pudera questionar ou duvidar se o que ele dizia sentir por ela era real? O que poderia ser mais real do que a emoção que vira brilhar nos olhos dele todas as vezes em que a observara com admiração? O que poderia ser mais real do que o toque dele em sua pele, o sorriso que sempre estivera lá quando ela precisara dele? O que poderia ser mais real do que Gilbert Blythe, o amor de sua vida?
Anne desviou o olhar do roseira, olhou para Mary e respondeu com toda sinceridade de seu coração:
- Eu faria qualquer coisa por Gilbert. Eu mergulharia nas águas mais geladas do Pacífico, eu escalaria qualquer montanha, correria uma maratona inteira se isso o fizesse se lembrar um terço do que tivemos.
- Então querida, esta já é uma batalha ganha. Um amor tão grande assim não vai se acabar por causa de uma fatalidade. Vocês se pertencem, e nunca ficarão separados por muito tempo. - Mary disse sorrindo afagando o rosto pálido de Anne.
- Obrigada, Mary. Eu estava tão perdida mas você conseguiu trazer um pouco de luz para o meu coração. – Ela disse, apertando as mãos de Mary agradecida.
- Você sabe que não será fácil, não é? - Anne assentiu com a cabeça. – Mas, nós estaremos lá para te ajudar e apoiar. O que quer fazer agora?
- Acho que quero conversar com o médico de Gilbert para que ele me explique o que aconteceu. Como ele consegue se lembrar de algumas coisas e outras não. - Anne disse com a voz mais firme.
- Aí está a Anne que conheço. Nunca desiste de uma batalha. - Mary disse se levantando do banco.
- Você não faria o mesmo por Sebastian? - Anne perguntou quase sorrindo.
- Sim, com certeza. - Mary disse com os olhos cheios de admiração por aquele garota que se mantinha firme, mesmo depois de tantos espinhos em seu caminho.
Assim, elas voltaram para o hospital de mãos dadas, e Anne foi diretamente falar com o médico que estava cuidando do caso de Gilbert.
Ele lhe explicara que casos assim eram mais comuns do que se pensava, e que aquilo acontecera por ter sido um trauma grande para ele se atirar na frente dela e salvá-la do tiro que ele recebera. Isso envolvia emoções muito fortes, e às vezes o subconsciente em um mecanismo de auto defesa o fizera esquecer temporariamente de tudo que se relacionava a Anne, justamente por ela fazer parte de um acontecimento tão doloroso, mas com o tempo e paciência ele voltaria a se lembrar. Ele só não sabia precisar quando.
Anne sentiu uma chama se acender dentro dela, e se agarrou a ela como sua salvação. Não desistiria de Gilbert nunca. Ele era o amor de sua vida e lutaria por ele até que o último suspiro saísse de seus lábios.
Ela resolveu que voltaria para Green Gables naquele dia, pois precisava descansar melhor e recuperar suas forças, mas antes ela passou pelo quarto de Gilbert e ao vê-lo dormindo, ela passou as mãos pelo cabelo dele, deu-lhe um beijo no rosto e disse:
- Volto amanhã, meu amor. - Assim, ela saiu do hospital com mais esperança do que entrara, e quem olhasse para ela veria que ela estava quase sorrindo.
GILBERT
A voz que falava era suave, e tão melodiosa que aquecia o coração de Gilbert. Ele lutou contra o sono, e suas pálpebras pesadas como chumbo, e quando finalmente seus olhos se abriram, ele viu um anjo à sua frente. Pensou que estivesse em outro mundo, no paraíso talvez, pois aqueles olhos azuis profundos não podiam pertencer a alguém do ambiente terrestre.
Mas, então, as paredes brancas e o cheiro forte de remédio lhe fizeram reconhecer que estava em um hospital, só não sabia porque estava ali.
Gilbert olhou para a garota novamente, o rosto dela estava bem próximo ao seu, o perfume suave não era desconhecido para ele, assim como aqueles traços delicados lhe lembravam algo que não conseguia identificar. Ele apertou os olhos e tentou recordar de algo que pudesse lhe mostrar quem aquela garota era, mas sua mente se recusava em vir em seu socorro, por isso tivera que perguntar:
- Quem é você. Te conheço de algum lugar? - ele vira uma emoção brilhar naqueles olhos magníficos, algo que não pôde entender ao certo. Ela parecia magoada, mas, por que? Ele dissera algo errado? Se ela respondesse a sua pergunta, talvez ele pudesse descobrir por que ela olhava para ele tão séria como se fosse chorar.
Mas, foram interrompidos por Bash e uma mulher que ele identificou como a esposa dele. Gilbert se lembrava vagamente do casamento dos dois, mas se lhe perguntassem dos detalhes não saberia dizer. Não sabia porque não conseguia se lembrar. Talvez a dor de cabeça que sentia fosse a responsável por esses lapso que estavam deixando-o incomodado.
Por fim, a garota se identificara como uma amiga da escola. Que estranho! Não conseguia vê-la entre seus colegas de classe. Ele se lembrava de seu eterno amigo Muddy, a insuportável da Josie Pye, Ruby Gillis que era tão pegajosa que lhe dava enjoo.Billy Andrews que era tão insuportável quanto Josie e a doce Diana Barry, mas aquela garota parecia incomum demais para a insípida escola de Avonlea, que se não fosse pela Srta. Stacy seria totalmente sem propósito.
Bash então perguntara:
- Você não se lembra que tem uma noiva, Blythe? - a imagem de uma garota morena de longos cabelos escuros lhe veio a mente, e ele respondera:
- Claro que me lembro. O nome dela é Sabrina, não é? - Gilbert viu a garota levantar a cabeça e um misto de surpresa e confusão escurecerem os seus olhos lindos, em seguida ela dissera:
- Com licença. - e saiu tão apressada que ele não entendeu o motivo. Mas, não pôde deixar de se sentir triste assim que a viu desaparecer pela porta. Ele queria que ela ficasse, que falasse com ele com aquela voz musical que o lembrava a brisa do vento em seu rosto.
- Que garota estranha. – Ele dissera.
- Por que diz isso Blythe? - Sebastian perguntara com um sorriso estranho no rosto.
- Ela me pareceu bastante peculiar. - ele respondeu pensativo, ainda se lembrando da emoção que ela lhe provocara ao vê-la em seu quarto assim que ele acordou.
- Vou sair um pouco e já volto. – Mary dissera, sobrando apenas ele e Sebastian no quarto.
- Estou tentando me lembrar do dia do seu casamento, mas não consigo - Gilbert disse para Sebastian.
- Além do tiro, você bateu a cabeça, portanto, talvez seja isso que o deixou assim um pouco atordoado. Do que se lembra? - Sebastian perguntou.
- Me lembro de voltarmos para Avonlea, depois de meses no Pacífico. O resto me parece um tanto confuso, pedaços de lembranças aqui e ali, mas não consigo formar uma imagem nítida em minha mente.
- Então, não se lembra da garota que estava aqui? – Sebastian perguntou com aquele tom estranho de novo que Gilbert não entendeu.
- Não. Tenho certeza de que se a conhecesse jamais a esqueceria. Ela tem um rosto muito interessante,- ele respondeu lembrando-se do rosto delicado da menina.
- Quer dizer que a achou bonita?
- Eu diria que bonita é pouco. Ela é maravilhosa. Viu aqueles olhos? - o sorriso de Sebastian se alargou e Gilbert perguntou intrigado:
- Por que está rindo, Sebastian?
- Nada. Eu me lembrei de uma coisa. - Sebastian respondeu de maneira evasiva.
- Parece que está se divertindo as minhas custas, Bash.
- Impressão sua, meu amigo. - depois Sebastian mudou de assunto- Você se lembra da Faculdade de Medicina?
- Eu deveria? - Gilbert apoiou sua cabeça no travesseiro e virou de lado.
- Sim. Você está cursando o primeiro ano em Nova Iorque.
- É mesmo? Puxa como fui esquecer isso? - ele estava espantado pelo tanto de coisas que esquecera.
- Vai se lembrar, Blythe. Tenha paciência.
- Eu ainda não entendi por que estou aqui. Ele se deitou de costas na cama olhando para o teto.
- Você levou um tiro salvando a vida de sua noiva. - Sebastian respondeu, esperando que ele se lembrasse de algo que o levasse até Anne.
- Eu salvei a vida de Sabrina? Então, é por isso que ela não veio ainda me ver? Será que ficou assustada com tudo o que aconteceu? - Gilbert ainda olhava para o teto, por isso não viu o olhar aflito de Sebastian.
- Você é um herói, Blythe.
- É mesmo? Eu acho difícil de acreditar quando não consigo me lembrar de nada do que aconteceu.
Neste instante, foram interrompidos pelo médico que ao vê-lo acordado disse:
- Finalmente abriu os olhos. Como se sente? - ele perguntou examinando Gilbert atentamente.
- Estou bem, mas creio que não consigo me lembrar de outras coisas importantes que aconteceram. - ele respondeu parecendo preocupado.
- Isso é normal depois do trauma que sofreu. A memória vai voltar depois de algum tempo. Não force, apenas deixe que ela venha naturalmente. - o médico aconselhou olhando para Bash. - Acho melhor descansar agora.
- Bem, Blythe eu volto amanhã para visitá-lo.- Sebastian disse se levantando e se encaminhando para a porta.
- Bash. – Ele o chamou de volta- Você acha que aquela garota vai voltar a me visitar?
- Você gostaria disso? - Sebastian perguntou sorrindo.
- Eu acho que sim. - ele respondeu um pouco envergonhado porque por mais estranho que aquilo pudesse ser, ele não conseguia imaginar ninguém que quisesse ali com ele a não ser aquela garota, nem mesmo sua noiva parecia ser tão importante. Ela dissera que era sua amiga. Quem sabe não fossem melhores amigos?
Assim que Bash saiu, Gilbert ficou pensando em tudo o que acontecera aquele dia e seu coração se apertou de angústia. Quantas coisas mais teria esquecido? Parecia que metade de sua vida tinha sumido de sua cabeça como um passe de mágica. Era horrível não se lembrar de coisas como sua faculdade ou outros acontecimentos.
De repente, um par de olhos azuis invadiram seus pensamentos, e ele pensou de novo na garota ruiva que estivera ali visitando-o.
Precisava vê-la de novo, pois não conseguia parar de pensar nela. Será que ela tinha namorado? Deveria ter porque uma garota bonita como ela não podia estar sozinha.
"Controle-se Blythe, se esqueceu que tem noiva?" - ele disse a si mesmo. Mas, mesmo assim não conseguia esquecer a sensação de paz que sentira ao mergulhar dentro daqueles olhos.
Ele estava quase dormindo, quando sentiu mãos macia e em seus cabelos que diziam quase em um sussurro:
- Volto amanhã, meu amor. – e assim ele adormeceu sonhando com lábios doces que exploravam o seus sem pudor, deixando no ar um cheiro delicioso que o envolvia completamente, e ele se deixou levar por braços macios que o abraçavam, e mãos suaves que tocavam seu rosto com amor, fazendo -o sorrir em seu sono e deixando-o totalmente em paz com seus pensamentos.
GILBERT E ANNE
Anne acordou cedo naquela manhã de sábado, e se preparou para sair.
Tinha voltado para casa no dia anterior, e assim que passara pela porta de Green Gables, ela falara com Marilla que a acolheu em um abraço carinhoso, o que a surpreendeu, pois a boa senhora nunca demonstrava suas emoções assim.
- Está bem, minha querida? -ela perguntou tocando o rosto da menina com suas mãos ásperas e calejadas pelo trabalho.
- Estou sobrevivendo. - Anne disse com um sorriso triste.
- Nunca te vi tão abatida. Quer me contar o que está acontecendo? – Marilla perguntou, e ao ver tanta preocupação nos olhos dela, Anne suspirou cansada, sentou -se na mesa da cozinha e começou a contar para Marilla tudo o que acontecera no hospital naquele dia. A boa senhora ouviu tudo com atenção, segurando na mão de Anne e pensando consigo mesma no quanto Anne estava sofrendo. Ela era tão jovem e tão inteligente,
E já parecia carregar o mundo em suas costas, queria poder ajudá-la, mas naquele caso, o que poderia fazer? Não entendia metade dos termos médicos que Anne estava usando para explicar o problema de Gilbert, e a única coisa que podia oferecer era seus conselhos e sua presença naquele momento.
Não era a mãe de Anne, mas sentir-se quase como se fosse. Ela vira aquela garotinha crescer, e enfrentar todos problemas com a coragem de um adulto. Às vezes, Marilla se perguntava se Anne um dia soubera o que era ser uma criança, por que passara metade dela lutando contra tanto preconceito e discriminação que duvidava que ela tivera a chance de desfrutar de sua infância como deveria.
- E o que pretende fazer, Anne? - Marilia perguntou assim que a ruivinha terminou de lhe contar tudo.
- Eu não vou me afastar de Gilbert. Embora ele não se lembre de mim agora, vou ficar ao lado dele até que esteja recuperado. – Anne respondeu com firmeza.
- Não esperaria menos de você, minha criança. - Marilla disse, dando-lhe um tapinha no ombro.
- Não vai ser fácil, Marilla. - Anne disse pensativa.
- As coisas que valem a pena nunca são fáceis, minha querida. Que graça teria se fossem? Eu sei que está sofrendo muito, mas encare isso como mais um desafio em sua vida do qual tenho certeza que sairá vitoriosa. Você merece isso, querida.
- Você acha mesmo, Marilla? - Anne perguntou pensando na perda do seu bebê.
- Querida, você é uma garota tão boa. Merece o que tem de melhor nessa vida – Anne quase chorou ao ouvir aquelas palavras de Marilla, e por um instante desejou contar a ela sobre seu bebê, mas depois mudou de ideia, não queria deixá-la chocada ou decepcionada com ela.
- Bem, chega de conversa. Você está precisando comer comida de verdade e descansar. Vá tomar um banho que vou te preparar uma refeição reforçada.
Obedientemente, Anne fora para o banheiro e tomou uma ducha relaxante. Depois voltou para a cozinha, e Marilla já tinha deixado um prato de sopa a sua espera. Estava sem apetite, mas se forçou a comer algumas colheradas, precisava estar forte para os dias que viriam. Em seguida, foi para o quarto, se atirou na cama e dormiu logo em seguida, somente acordando naquela manhã.
Em poucas horas ela veria Gilbert novamente, e não sabia muito o que diria a ele. Ainda doía o fato dele ter se lembrado de Sabrina como sua noiva, mas teria que lidar com aquilo e fazê-lo se lembrar quem sua noiva realmente era. Talvez esse fosse o preço que teria que pagar para ter seu amor de volta, e ela estava disposta a fazer o impossível para trazer Gilbert de volta para ela.
Anne terminou de se arrumar e desceu para o café da manhã, mas estava nervosa demais para comer, por isso tomou apenas um copo de leite. Desde a perda do bebê seu apetite estava péssimo, e ela tinha que se forçar a comer caso contrário passaria o dia a pão e água, mas, com problema de Gilbert, sua alimentação era a menor de suas preocupações.
Matthew a levou para o hospital e durante todo o caminho, ela pensou no que diria à Gilbert, como lidaria com o fato de que ele pensava que ela era apenas uma amiga qualquer.
E ser apenas uma amiga para Gilbert seria a coisa mais difícil que teria que fazer na vida. Ela sequer sabia como agir dessa maneira, pois quando pensava nela e em Gilbert, Anne tinha que reconhecer que nunca tinham sido amigos. Sempre houvera entre eles àquela atração imensa que os levava ao extremo do sentimento, e que os arrastava um para outro mesmo quando quiseram se afastar. Desde que Gilbert voltara, seu coração o escolhera para ser aquele que ficaria a seu lado em todas as tempestades da vida, mas aquela em particular, Anne teria que combater sozinha, pois Gilbert não podia segurar-lhe a mão como sempre fizera, desta vez era a única marinheira de seu próprio navio.
Ela entrou no quarto de Gilbert um pouco incerta se deveria estar ou não ali, mas por fim, teve que reconhecer que se queria reconquistá-lo teria que usar todas as armas que tinha.
Ela encontrou Gilbert sentado em sua cama olhando pela janela. Ele parecia bem disposto, apesar do rosto pálido e das ataduras em volta do peito dele e da cabeça. Ele se virou para ela assim que percebeu que não estava sozinho.
O jeito como ele a olhou fez Anne sentir as velhas borboletas em seu estômago se agitarem como se fosse a primeira vez que se encontravam, e ela respirou fundo para acalmar seu coração que batia tão rápido que a deixava sem ar.
- Bom dia, Srta. Gilbert a cumprimentou com sua voz rouca que fez Anne se lembrar de com se sentia quando ele sussurrava em seus ouvidos palavras de amor. Ela teve que sacudir a cabeça para afastar os pensamentos indevidos. Estava ali para ajudar Gilbert a se lembrar da parte de sua vida que esquecera, era para isso que viera.
- Bom dia. Você parece bem melhor essa manhã. – Ela fez um esforço para sorrir, embora estivesse com vontade de chorar pela maneira tão distante pelo qual estavam se tratando. Deus! Teria como doer menos aquela simples troca de palavras? Parecia que tinham voltado ao início quando ela viera para Avonlea e se encontraram na floresta. Era difícil demais estar perto de Gilbert e sequer poder tocá-lo, mas tinha que se concentrar no que viera fazer ali, por isso, ela respirou fundo e o encarou enquanto ele dizia:
- Estou me sentindo bem melhor esta manhã. Não vejo a hora de voltar para casa. - ele disse sorrindo, e Anne pensou no quanto sentira falta de vê-lo sorrir daquela maneira como se o próprio sol iluminasse todo o rosto dele, destacando os reflexos dourados de seus olhos.
- Creio que se continuar assim, logo poderá voltar para casa. - Anne respondeu mantendo um tom neutro em sua voz.
- Você sabe o meu nome, por que ainda não sei o seu? - Gilbert perguntou sorrindo com o canto do lábio.
- Me chamo Anne com e.- ela respondeu.
- Anne com e....Ele disse ficando pensativo por um momento, e depois continuou - é um nome original como você. – Anne corou com o olhar que Gilbert lhe lançou, fazendo-a se sentir como uma garota de treze anos.
- Eu trouxe um livro, gostaria que eu o lesse para você? - Anne disse ainda ruborizada. Depois pensou consigo mesma a que ponto tinham chegado. Compartilharam tanto, sonharam tanto para depois voltarem a se tratar como estranhos. Como aquilo seria possível?
- Gostaria sim. – Gilbert respondeu a pergunta que ela fizera. - Estou cansado de ficar nesse quarto o dia todo sem ter o que fazer.
- Está bem então. Acho que consigo distraí-lo por algum tempo. O livro ela se chama o Rei Arthur. - Anne escolhera aquele livro porque sabia que era um dos favoritos de Gilbert, e esperava que de algum modo lhe despertasse algumas lembranças.
Enquanto Anne começava a ler o primeiro parágrafo, Gilbert observava o cabelo ruivo dela emoldurar seu rosto, e descer até a cintura tão brilhantes mesmo ali naquele quarto longe da luz do sol. Pareciam chamas que queimavam em sua lareira no inverno, eram maravilhosos e incomuns como aquela garota sentada ali a sua frente, tão imersa em sua leitura que não percebia a maneira como ele a estava admirando.
Gilbert fechou os olhos para ouvir a voz dela melhor, que parecia tão doce e quente ao mesmo tempo. De repente, uma gargalhada lhe veio a lembrança, como se fosse uma chuva refrescante e límpida, ele abriu os olhos e percebeu que ela ainda mantinha a cabeça baixa, impedindo-o de ver seus olhos azuis quase violetas.
Gilbert não sabia porque sentia aquela necessidade súbita de se perder naqueles olhos, mas era tudo o que desejava naquele momento, por isso, ele disse:
- Você tem namorado, Anne? - ao ouvir a própria pergunta ele se sentiu desconfortável. Por que fizera tal pergunta? E se ela se ofendesse? Será que a batida na sua cabeça o deixara louco?
- Sim, na verdade eu tenho um noivo. - ela pareceu tensa, mas isso não o impediu de fazer a próxima pergunta, e morder própria língua depois que a fizera:
- Você o ama? - ele a viu se remexer na cadeira desconfortável, e percebeu que tinha ido longe demais, mas mesmo assim, esperou pela resposta dela com a respiração suspensa.
- Sim, eu o amo mais do que tudo no mundo. - o coração dele afundou dentro de peito, e Gilbert não sabia porque estava tão chateado. Ele já desconfiava que ela tinha alguém, mas ouvir que ela amava essa pessoa acima de tudo o magoava. Mas, por que? Ele próprio não estava noivo? E se tinha um compromisso tão sério assim era porque amava sua noiva, ou não? Tal pensamento fez com que Gilbert perguntasse:
- Você conhece minha noiva Sabrina, Anne?
Ela ficou tensa novamente, não acreditando que teria que suportar aquilo por muito tempo, mas mesmo assim respondeu, não deixando que ele visse o quanto estava magoada.
- Sim, eu a conheço.
- E sabe me dizer por que ela não me visitou até agora?
- Você gostaria que ela te visitasse? - ela fez a pergunta sentindo uma pontada dentro de si.
- Acho que sim, ela é minha noiva, não é? - Anne ficou em silêncio. Não sabia o que dizer. Tinha vontade de gritar que a noiva dele era ela, mas não ousou fazê-lo, pois tinha medo de se descontrolar e colocar em risco a recuperação de Gilbert.
Ele observou fascinado, Anne jogar os cabelos para trás, enquanto uma mecha ruiva ficou caída sobre o seu rosto. Ele não resistiu, estendeu a mão e afastou o cabelo da face dela, enquanto o seu polegar acariciava-lhe a bochecha, e depois descia-o até os labios rosados, e os roçou de leve. O olhar de ambos se encontraram, e a única coisa na qual Gilbert pensava era em beijá-la, mesmo sabendo de antemão o sabor que aquela boca bem desenhada tinha.
Mas, então a enfermeira entrou quebrando o encanto entre os dois, fazendo Anne se levantar em um salto e dizer:
- Preciso ir.
- Promete que volta amanhã? - Gilbert perguntou ansioso.
- Prometo. - Anne respondeu sorrindo.
- E pode me fazer mais um favor?
- Claro, o que quiser.
- Pode pedir para minha noiva vir me visitar? - o sorriso de Anne morreu no mesmo instante, e ela disfarçou o quanto pôde para que ele não a visse chorar, assim, respondeu com dificuldade:
- Vou ver o que posso fazer a esse respeito.
- Obrigado. – Gilbert disse.
Ela deu as costas para Gilbert, caminhando o mais rápido que podia Seu coração sangrava a cada passo que dava, tinha a impressão que deixava pedaços de si mesma para trás.
O que estava fazendo? ela se perguntava. Aquilo valia mesmo a pena? Estava se magoando, mais do que pretendia, sua alma estava em carne viva, e cada vez que Gilbert tocava no nome de Sabrina parecia que jogava mais sal na ferida. Aonde aquilo a estava levando? Não podia desistir de Gilbert, e não deixaria de vê-lo, o amava demais para se afastar dele, mas e se ele nunca se lembrasse dela, o que faria? Ela perguntou a si mesma, mas não encontrou nenhuma resposta.
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