Capítulo 28- Um toque de liberdade
ANNE
Livre. Era assim que Anne se sentia, enquanto caminhava para a escola em mais uma manhã fria de inverno. Finalmente, se libertara de todos os sentimentos negativos que ainda a separavam de Gilbert, se sentia tão leve quase como se pudesse flutuar e chegar até o infinito.
Olhou para as árvores da floresta quase desprovidas de folhas e castigadas pelo inverno rigoroso nunca lhe pareceram tão bonitas, porque se mostravam às claras mesmo em seu momento mais vulnerável, mas mantinham sua alma intacta e pura, que se renovariam na primavera revelando sua beleza verdadeira.
Pensando em si mesma nesse momento, Anne se comparava a elas, pois ela também tivera que se esconder para se adequar aos padrões, para não magoar pessoas, para não se magoar, mas agora estava livre, "livre", gritou a plenos pulmões, se maravilhando com o som da palavra que dançou no ar na brisa do vento. E essa liberdade recém-descoberta se devia ao fato de ter encarado que Ruby Gillis era um embuste, uma fraude, um ser humano desprezível e lhe provara isso quando dissera o que pensava das origens de Anne, ofendendo-a por ser órfã.
No fundo sempre soubera a verdade sobre Ruby, vira os sinais, as atitudes, mas se recusara a acreditar, porque ela sempre se agarrava ao melhor das pessoas, ou o que acreditava ser o melhor das pessoas, e ficava cega para qualquer coisa que fosse contrária ao que pensava. Gilbert lhe avisara, mas ela não o ouviu. Cole lhe dissera que Ruby a manipulava e Anne reconhecia isso, e o pior era que se deixara manipular. Somente agora percebia que até mesmo quando dizia a Gilbert que o amava, sentia como se estivesse roubando algo de alguém.
Essa sua lealdade lhe cobrara um preço alto, deixara para trás o que mais importava para que outra pessoa fosse feliz, fora fiel a seus princípios, quase perdera o garoto que amava, porque colocara a sua amizade a frente de tudo e no fim descobrira que como um castelo de cartas tudo fora destruído em um segundo, porque para Ruby nunca fora verdadeiro, ela usara Anne para conseguir o que queria, apenas não contara que a ruivinha tiraria a venda dos próprios olhos e veria a sua verdadeira face.
Não podia negar que ficara decepcionada, mas não tanto quanto esperava, bastou apenas que admitisse seu engano e entendesse que fizera o melhor que pudera para que não mais pensasse no assunto, porque se errara fora por ter acreditado que as pessoas poderiam mudar, mas agora entendia que em alguns casos talvez a mudança não fosse possível.
Agora tudo isso ficara para trás. A vida se abria para ela de maneira totalmente nova. Conseguia não só ver a beleza do mundo como também senti-lo em sua pele, não se sentia mais sozinha e nem abandonada. O peso que carregara por ser órfã se fora e nunca mais se sentiria diminuída ou diferente por isso. Era sua história, sua origem, e todo o sofrimento que passara valera a pena, pois trazia em si um amadurecimento que tornara possível compreender o que se passara entre ela e Ruby. Não precisava mais chorar escondida, se lamentar pelo que não tinha, pois agora ela tinha tudo o que merecia ter, e acima de tudo tinha a si mesma.
De repente, sentiu uma vontade imensa de ver Gilbert, precisava vê-lo, precisava tocá-lo, sentir seu cheiro delicioso de pinho com limão, sentir o calor de seu abraço que era o seu lugar favorito para estar, sentir o amor que ele tinha por ela transbordar por todos os seus poros, precisava dele como nunca precisara antes.. E então, ela começou a correr, sentiu o vento bagunçar os seus cabelos, mas não se importou, se sentia jovem, cheia de vida, se sentia livre.
Alcançou o portão da escola totalmente sem fôlego. Passou as mãos pelo seu cabelo e percebeu que a fita que colocara para prendê-los se fora assim como o chapéu novo que acabara de ganhar, teria que explicar isso para Marilla depois, mas não se importava, pois tudo era tão pequeno diante do que estava sentindo. Olhou para todos os lados procurando por Gilbert, e seus olhos o encontram sentado em um banco no pátio, lendo um livro enquanto esperava por ela. Anne foi em sua direção, ansiosa por estar com ele, por abraçá-lo e sentir seu calor reconfortante.
Então, Gilbert a viu e se levantou do banco imediatamente. Seus olhos se arregalaram um pouco surpresos pela aparência dela um tanto descomposta, mas quando Anne sorriu para ele, Gilbert pareceu relaxar, colocou o livro de lado e como de costume lhe estendeu a mão. Anne ignorou o gesto dele, atirou os livros que carregava sobre o banco onde ele estivera sentado, e rodeou o pescoço de Gilbert com seus braços., olhando-o com todo o amor do mundo.
- Anne, o que houve com você? Está ofegante como se tivesse corrido todo o caminho até aqui. – colocou as mãos nos rosto dela e perguntou: - Por que está me olhando assim?
- Porque eu te amo. – Anne respondeu desejando apenas que ele a beijasse.
Gilbert ficou sem palavras por um instante, como se quisesse se certificar do que ela dissera era real, e em seguida a beijou intensamente no que foi correspondido, Suas mãos se enroscaram nos cabelos macios de Anne, seu corpo correspondeu ao ardor do dela. Anne se entregou àquele beijo colocando toda a sua alma nele, sem se importar que estivessem a vista de todos.
- Ei, vocês dois. Vamos deixar a diversão para depois e estudar um pouco? – Anne ouviu a voz de Diana e se separou de Gilbert sorrindo.
- Estamos sempre sendo interrompidos. - Anne disse.
- Quer ir para outro lugar? – Gilbert perguntou ainda sem fôlego.
- Está sugerindo que devemos matar aula, Sr. Blythe?
- Porque não? – ele procurou seus lábios de novo.
- Gilbert, não podemos. Temos que entrar e estudar. – Anne tentou fugir dos lábios de Gilbert que insistiam em manter os seus presos nos dele.
- Está bem. Mas com uma condição. – Ele disse.
- Qual é?
- Que depois da aula me dê todos os beijos que eu quiser.
- Aceito sua condição. Agora vamos entrar. - Anne pegou-o pela mão e o puxou para a sala de aula.
Lá dentro, encontrou Ruby no corredor, mas ignorou-a completamente, não sentia rancor ou raiva pela menina, na verdade, não sentia nada. Só a queria fora da sua vida e que fosse feliz do jeito que quisesse ser.
Entrou na sala demãos dadas com Gilbert e viu Muddy sentado em sua carteira habitual. Ele sorriu para ela, e Anne percebeu que ele não parecia mais tão triste, e estava se recuperando bem do golpe que sofrera com a atitude de Ruby.e tinha se aproximado de novo dos amigos dos quais se afastara quando estava namorando com ela. Gilbert ganhara de volta seu parceiro de xadrez, e Anne estava feliz por vê-los juntos de novo como irmãos que sempre foram..
As horas passaram voando, e logo dia de aula terminou. Gilbert acompanhou Anne até Green Gables, e antes de chegarem à fazenda ele a fez pagar a promessa que ela fizera no pátio da escola..
Quando chegou em casa Anne tinha o rosto afogueado, os cabelos desarrumados e um grande sorriso no rosto. Marilla olhou-a com estranheza quando a viu entrar em casa naquele estado e perguntou:
- Anne Shirley! O que aconteceu com você? Olhe o estado de seus cabelos e onde está o chapéu que eu te dei?
- Marilla, me desculpe. Vim correndo porque sai atrasada da escola, e acabei perdendo minha fita e chapéu pelo caminho. Você pode descontar da minha mesada se quiser. – A história não era toda verdadeira, mas não podia contar para Marilla sobre sua vida amorosa.
- Você parece que nunca vai crescer. Pensei que esse seu período de ter ataques infantis já tivesse passado. Agora até namorado você tem. Você precisa começar a se comportar como uma mocinha. – Anne quase riu do comentário de Marilla. Ela ainda não percebera que Anne não era mais a garotinha que ela adotara.
- Ora, Marilla. Pare de implicar com a Anne. O chapéu nem foi tão caro assim. Depois compramos outro. para ela.-Matthew piscou para Anne sorrindo.
- Matthew Cuthbert. Você está sempre mimando esta menina.Por isso,ela nunca terá modos.
Matthew não respondeu. Apenas balançou a cabeça, sorriu para Anne e foi cuidar dos cavalos,deixando Marilla irritada.
- Marilla, vou para meu quarto me trocar, e já desço para te ajudar com o jantar. – Anne disse antes que Marilla ficasse ainda mais aborrecida com ela.
- Anne, espere! Esqueci-me de te dizer. O Cole veio falar com você.
- Ele disse o que queria?
- Não, na verdade, ele está no seu quarto esperando por você.
- Vou falar com ele, então. - subiu as escadas apressadamente, curiosa com a visita do amigo. Quando chegou ao seu quarto, Cole estava na janela com o olhar perdido a paisagem lá fora.
- Oi, Cole. Você queria falar comigo? – Ele se virou e Anne viu todo a angústia que lhe ia na alma. Seu rosto estava molhado de lágrimas.
- Cole, o que aconteceu? – Ela perguntou abraçando-o com carinho e preocupação. Cole ficou em silêncio, com a cabeça apoiada no ombro de Anne, depois suspirou profundamente como se carregasse todo o peso do mundo.
- Cole. Por favor, diga alguma coisa para que eu possa te ajudar. – ela insistiu.
O menino se desvencilhou do abraço da amiga, se sentou na cama e colocou o rosto entre as mãos e disse:
- O Pierre me beijou. - falou tão baixo que Anne quase não o ouviu.
- O que?
- O Pierre me beijou. – ele repetiu.
- Então, é isso. Está assim por causa de um beijo?
- Você não entende. Não vê que isso complica tudo?- Cole olhou para Anne com os olhos marejados de novo.
- Não sei por que um beijo de alguém por quem você está supostamente apaixonado deveria ser um problema. - Anne não conseguia entender porque Cole estava tão angustiado..
- Antes eu podia fingir que eramos somente amigos, mas agora eu percebo que é mais que isso e estou apavorado.
- Por que isso é tão complicado para você, Cole?
- Não sei oque fazer. E se ele quiser me namorar?
- Se ele quiser te namorar, aceite.- Anne respondeu.
- Não é tão fácil assim.
- Por quê?- Anne perguntou querendo entender qual era realmente o problema.
- Aí terei que assumir o que realmente sou.
-Eu pensei que já tivesse assumido.
-De certa forma sim. Era mais fácil quando eu não estava envolvido com ninguém.
- Era mais fácil porque assim você podia fingir ser o que não é?
- Não é bem assim. - Cole baixou o olhar como se estivesse envergonhado.
- E como é isso, Cole? Quer me explicar? A única coisa errada que vejo aqui é você se envergonhar de algo do qual você nunca deveria se envergonhar. Você se recente de ser humano? De ter um coração? De se apaixonar? O que isso te torna diferente de outras pessoas como eu, Diana e Gilbert?
- Mas vocês estão do lado certo da história.
- Você está me dizendo que você está errado só por não ser como a sociedade exige que você seja? Não sabia que existiam regras para se amar alguém.
- Você faz tudo ser parecer tão fácil. - seus olhos se entristeceram e Anne sentou do lado dele e pegou em sua mão.
- E é fácil, Cole. Você é que complica tudo. Por que se castiga tanto, Cole? Você tem direito de ser feliz como todo mundo.
- E o que meus pais vão pensar se descobrirem como sou? – Cole falou com a voz embargada.
- E como você é, Cole? Já pensou mesmo sobre isso? Você quer saber como eu te vejo? Você é o garoto mais talentoso que conheço o melhor amigo que alguém poderia ter. É altruísta, dedicado e tem um coração enorme. Se seus pais não conseguem ver isso, então, eles é que estão do lado errado da história.
Cole abraçou Anne, com lágrimas ainda escorrendo por seu rosto, e disse emocionado:
- Obrigado, Anne, por ser essa pessoa tão incrível, e por me aceitar como sou.
- Eu é que te agradeço por ter estado ao meu lado em todos os momentos, e por ter tentado abrir os meus olhos para tantas coisas, as quais eu não queria enxergar.
- Está falando da Ruby, não é?-Cole perguntou.
-Sim. – Anne respondeu.
- A Diana me contou. Eu sabia que ela acabaria colocando as manguinhas de fora.
- O problema foi que eu me deixei enganar. Achei que poderia concertar tudo, mas no fim percebi que não havia nada para ser concertado. A Amizade que tínhamos somente estava em minha cabeça.
- Mas pelo o que ouvi você deu a ela uma resposta a altura.
- Espero que sim.
- Mas, você está bem com isso?- Cole quis saber.
- Sim, muito bem. Não me incomoda mais. -Anne respondeu-lhe com um sorriso nos lábios.
- Fico feliz em ouvir isso. Bem, vou para casa. Tenho que falar com alguém. – Cole se levantou da cama onde estivera sentado, ajeitou suas roupas, e colocou sua boina de lã azul.
- Vá ser feliz, meu amigo. – a menina disse, dando-lhe um beijo no rosto.
Anne ficou ainda em seu quarto por alguns minutos, pensando na conversa que acabara de ter com Cole, e desejou que suas palavras o ajudassem a aceitar o amor de Pierre. Ele era uma pessoa maravilhosa, e a felicidade estava ao alcance de suas mãos, ele tinha apenas que estendê-la e agarrar o que a vida estava tão merecidamente lhe oferecendo.
Logo, desceu as escadas e começou a ajudar Marilla a fazer o jantar, quando de repente, batidas desesperadas na porta interromperam suas tarefas ali na cozinha. .Ao abri-la, ficou surpresa em ver a Sra. Ford olhando para ela, parecendo muito aflita. Anne sentiu um baque de medo no coração e pensou, "Gilbert". Então, a boa senhora começou a falar, as palavras se enrolando em sua boca. Anne somente conseguiu entender quando ela disse:
- Mary está no hospital. Gilbert a encontrou desmaiada na cozinha.
- O que aconteceu? – Anne perguntou, aliviada por não ser nada com Gilbert, mas ao mesmo tempo preocupada com Mary e o bebê.
- Ainda não sei. Gilbert me pediu para te avisar, porque ele foi com Sebastian para o hospital.
- Obrigada, Sra. Ford. Vou pedi a Matthew que me leve lá agora mesmo, para que eu possa ficar com o Gilbert.
Assim que a Sra. Ford, Anne entrou e contou a Marilla e Matthew o que estava acontecendo. Imediatamente, Matthew se prontificou a levar Anne ao hospital onde Mary estava internada. Então, Anne se arrumou rapidamente, se despediu de Marilla e foi com Matthew até o hospital.
Matthew tentou conversar com ela enquanto dirigia pelas estradas que levavam ao hospital, mas Anne estava tão nervosa e preocupada com toda a situação, que não ouviu a nenhuma das perguntas que Matthew lhe fizera.
Como estaria, Gilbert? Ela pensava. O menino havia falado com ela muitas vezes sobre o quanto o estado de Mary o preocupava, mas Anne sempre tentara fazê-lo relaxar a respeito desse assunto, pois sabia o quanto ele era zeloso com as pessoas que amava, e o quanto Mary passara a significar para ele naquele pequeno período de tempo em que conviviam juntos. Gilbert lhe dissera uma vez que ter Mary em casa era como ter sua mãe de volta, pois ela cuidava dele como se fosse seu próprio filho,e Anne testemunhara muitas vezes os olhares e as trocas de carinho entre os dois.
Anne se lembrou do rosto de Mary, e seus olhos se encheram de lágrimas. Mary era tão bondosa, e tão dedicada à sua família que imaginá-la passando por uma situação assim tão difícil fazia com que o coração de Anne se apertasse até quase sufocá-la. E Sebastian? Como será que ele estaria enfrentando tudo aquilo? Era seu primeiro filho e ele lhe parecera radiante quando soubera que seria pai, e agora corria o risco de perder a mulher que amava e o filho tão desejado.
Anne se mexeu impaciente no banco do carro. Ainda faltava muito tempo para chegarem, e sua ansiedade era cada vez mais crescente. Sentia-se impotente, pois não havia nada que pudesse fazer para ajudar a não ser dar o seu apoio, e todo o seu amor. Só esperava que tudo acabasse bem, e Mary pudesse voltar para casa sã e salva com seu bebezinho nos braços.
GILBERT
Enquanto lia um livro, Gilbert esperava por Anne, mas não conseguia entender uma linha sequer do que estava nele. Estava preocupado com Mary, que não parecera nada bem quando ele saiu de casa pela manhã. Seu rosto estava pálido e ela transpirava muito, mal se alimentara de manhã, o que deixara Gilbert ainda mais apreensivo. Pensara em faltar à aula naquele dia, pois sentia que devia ficar por perto, mas Mary disse que ele estava exagerando, e que não deveria perder aula só por causa de um mal-estar que vinha acompanhando-a desde o início da gravidez. Gilbert não concordara, mas deixara que ela o convencesse, e sentira-se mais aliviado quando a Sra. Ford chegara para realizar as tarefas da casa, pedindo a ela que ficasse de olho em Mary.
Mas ele não conseguia se acalmar, sentia-se inquieto e sentia como se o inverno tivesse penetrado seus poros e tomado conta de sua alma. Era uma sensação ruim, algo que não sentia desde a morte do pai. Não conseguia se livrar desse sentimento que se instalara em seu peito e que fazia com que folheasse o livro que tinha nas mãos aflito.
Gilbert olhou para o portão da escola e viu Anne chegar. Ela tinha os cabelos soltos, bagunçado pela brisa que brincava em seus fios, não usava chapéu e parecia estar sem fôlego por alguma razão. Os olhos dela encontraram os seus e o sorriso que ela lhe deu iluminou todo o seu rosto, como se ela tivesse desvendado o maior segredo do mundo,e Gilbert sentiu o calor que vinha dela chegar até o seu coração, afastando o frio que sentia por dentro.
Ela veio para seus braços sem a sua costumeira calma, como se tivesse pressa de estar com ele. Quando Gilbert se deu conta Anne se pendurara em seu pescoço,olhando-o com uma emoção nova que ele não compreendeu naquele momento. Então ele lhe perguntou, colocando as mãos no rosto dela:
- Anne, o que houve com você? Está ofegante como se tivesse corrido todo o caminho até aqui. Por que está me olhando assim?
- Porque eu te amo. – Anne respondeu deixando-o surpreso e eufórico com as palavras dela.
Gilbert já ouvira Anne lhe dizer aquelas palavras algumas vezes, e elas sempre o emocionavam, mas naquele momento, havia algo diferente na maneira como dissera aquilo, como uma verdade absoluta que brilhava em seu olhar. Ele não pôde se conter, precisava beijá-la, sentir a maciez da pele dela, o perfume dos cabelos, precisava senti-la inteira em seus braços. Suas bocas se colaram, seus corpos se reconheceram, e os suspiros de Anne incendiaram seus sentidos. Anne correspondia aos seus beijos sem se importar com nada, Gilbert podia sentir sua entrega, e estava louco para tocá-la de todas as formas possíveis, mas se lembrou de que não estavam sozinhos e tentou conter seus impulsos, que naquele instante estavam quase sem controle.
Então, ouviram Diana brincando sobre o entusiasmo dos dois, lembrando-os de que estavam ali para estudar, e Anne disse para ele sorrindo:
- Estamos sempre sendo interrompidos. - Gilbert olhou para ela, e percebeu que não tinha vontade nenhuma de interromper aquela troca de carinhos, pois sentia seu corpo gritar de frustração, e foi esse sentimento que o fez perguntar:
- Quer ir para outro lugar? - e ela respondera com outra pergunta
- Está sugerindo que devemos matar aula, Sr. Blythe?- ele concordara, sem pensar. Ele nunca na vida matara uma aula, mas para estar com Anne ele faria qualquer coisa que ela sugerisse. Mas,Anne disse que tinham que entrar e estudar, porém, ele a fizera prometer que iria compensá-lo depois. Gilbert contara os minutos até que a aula terminou, e ele pôde finalmente ter Anne só para ele, fazendo com que ela pagasse a promessa que lhe fizera no pátio da escola.
Assim, ele deixou Anne no portão de Green Gables, e voltou para casa se sentindo leve de novo. Anne era como um tônico de energia que o revigorava, ela já tomara conta de seu sangue e fazia parte de seu corpo inteiro, se não estava com ela era como se algo estivesse faltando. Anne dava sentido a sua vida, e naquela manhã, fora a única capaz de afastar as nuvens negras que rondavam seus pensamentos, e ele se sentia bem novamente.
Chegou em casa sorridente, ainda sentindo o toque das mãos dela em sua pele. Fechou os olhos por um momento e o rosto de Anne flutuou em sua mente, e desejou ardentemente que ainda estivessem juntos. Abriu os olhos, e percebeu que a casa estava silenciosa, não ouvia os barulhos habituais indicando que Mary estava na cozinha, preparando um chá ou chocolate quente, esperando que ele chegasse da escola. Talvez estivesse no quarto descansando, ele pensou, indo até lá para se certificar, mas o quarto também estava vazio.
Gilbert passou as mãos pelos cabelos intrigado. Será possível que ela estivesse trabalhando no jardim, mesmo se sentindo tão mal como estava de manhã? Ele saiu na varanda, deu uma volta no jardim, mas não havia nem sinal de Mary.O menino entrou novamente, e foi até a cozinha tomar um copo de água, planejando continuar sua busca por Mary pela casa. Então, ele a viu caída perto do fogão, os olhos estavam fechados e a respiração irregular. Gilbert verificou os pulsos e percebeu que batia fraquinho, deixando-o desesperado. Saiu correndo para o celeiro, gritando o nome de Sebastian. O amigo veio imediatamente, ao ouvir a urgência em sua voz.
- O que aconteceu, Gilbert? – ele perguntou preocupado.
- É a Mary! Encontrei-a desmaiada na cozinha. Precisamos levá-la para o hospital agora.!
Ambos voltaram depressa para casa, e foram em direção à cozinha. Sebastian pegou a esposa com cuidado no colo, e com a ajuda de Gilbert a colocou no carro. Naquele instante a Sra. Ford apareceu e em poucas palavras lhe contou o que acontecera, pedindo a ela que avisasse Anne.
Dessa forma, partiram para o hospital em silêncio, nenhum dos dois tinha vontade de falar. O rosto de Sebastian estava sério, e era impossível saber o que estava pensando, enquanto Gilbert mantinha seus olhos perdidos na paisagem por onde passavam. Sebastian tinha pressa, mas como a estrada estava escorregadia devido as constantes nevascas de inverno que caiam inesperadamente, ele dirigia com cuidado, temendo que sofressem um acidente a caminho do hospital.
Gilbert olhou para Mary, que fora deitada no banco de trás e coberta com uma manta grossa de lã, e seu coração se apertou ao ver que o rosto dela estava mortalmente pálido. Por que não ficara com ela de manhã ao invés de ir para a escola? Por quanto tempo ela ficara desacordada antes de ele tê-la encontrado? Se acontecesse alguma coisa com Mary, ele não se perdoaria.
Quando chegaram ao hospital foram imediatamente atendidos. E as horas de espera pelo diagnóstico que se seguiram,estavam deixando tanto ele quanto Sebastian desnorteados. Após uma eternidade de minutos e segundos que pareciam se multiplicar, um médico jovem apareceu na sala de espera para explicar o que acontecera com Mary.
-Vocês são parentes de Mary Willys? –ele perguntou, levantando os olhos do prontuário..
- Ela é minha esposa. - Sebastian respondeu angustiado. – O que aconteceu com ela, doutor?
- O caso dela é grave. Neste momento ela está na mesa de operação e estamos fazendo de tudo para salvá-la e o bebê.
-Mas o que tem de errado com ela? – Gilbert perguntou.
-Ela estava tendo um acompanhamento médico regular?
- Sim, ela nunca faltou a nenhuma consulta, e Sebastian e eu sempre procuramos ajudá-la a seguir a risca o que o médico lhe pedia para fazer.
- Bem, o que posso dizer é que é realmente muito complicado, e acredito que teremos longas horas de espera pela frente.
- Mas qual é o problema dela?- Gilbert insistiu.
- Eclampsia. -O médico respondeu.
Gilbert sentiu o mundo girar ao a ouvir aquela palavra pela segunda vez. A mãe perdera a vida por causa de eclampsia, e ele não podia acreditar que esse fantasma viera assombrá-lo outra vez. Ele fechou os olhos e lágrimas escorreram pelo seu rosto, enquanto todo o seu mundo começara a ruir espalhando suas alegrias e esperanças impiedosamente pelo chão.
ANNE E GILBERT
Anne entrou no hospital em companhia de Matthew, e olhando para as paredes nuas e frias, ela se lembrou da última vez em que estivera ali. Naquela ocasião da doença de Marilla. Gilbert estivera ao lado dela, e lhe dera todo o apoio que ela necessitara naquele momento. Fora o amor dele que fizera com que ela passasse por aqueles momentos terríveis de maneira calma e serena.
Gilbert sempre fora seu abrigo contra as tempestades da vida, e agora queria dar a ele a mesma segurança que ele precisava para enfrentar as horas de angústia que ainda estavam por vir.
Ela e Matthew foram até a recepção em busca de notícias sobre Mary, mas, a atendente disse que não podia dar ainda nenhuma informação. Assim, se encaminharam para a sala de espera, procurando por Sebastian e Gilbert. Anne os encontrou sentados no mesmo lugar no qual ela ficara quando Marilla estava doente. Sebastian tinha um copo de café nas mãos, e olhava para o chão completamente perdido. Anne lançou um olhar em direção a Gilbert, e percebeu que seu rosto estava pálido, os olhos vermelhos como se tivesse chorado, e seu rosto tinha uma expressão tão vazia que a assustou.
Ela abraçou Sebastian com carinho, e enquanto ele deixava Matthew a par da situação de Mary, ela foi sentar-se ao lado de Gilbert. Pegou nas mãos dele que estavam terrivelmente frias e disse:
-Estou aqui, meu amor, e vou ficar ao seu lado o tempo que precisar. -Deu-lhe um beijo nos lábios, mas ele não correspondeu. Ao invés disso, olhou para o outro lado como se não quisesse ver o rosto de Anne. A menina sentiu uma pontada no coração, mas disse a si mesma que precisava entender que Gilbert estava passando por um momento difícil, e demonstrações de carinho não seriam nada fáceis para ele naquele momento. Anne tocou no rosto dele e disse:
- Não quer me contar o que aconteceu , Gilbert?
O menino olhou para Anne, e por um momento, ela achou que ele não fosse falar nada, mas então, Gilbert começou a relatar tudo o que acontecera depois que a deixara em Green Gables, até o momento do terrível diagnóstico do médico.
- Ela teve eclampsia, Anne, dá para acreditar? O médico dela esteve aqui, e disse que Mary sabia disso desde a vigésima semana de gestação,, mas não deixou que ele contasse nem para mim nem para Sebastian, pois queria nos poupar da preocupação que isso nos causaria.
- Mas, o que é eclampsia? – Anne perguntou confusa.
- É uma doença que acontece na gravidez associada ao mau funcionamento dos rins, que eleva a pressão arterial, colocando em risco a vida da mãe e do bebê. – Gilbert explicou pacientemente.
- Mas, não existe tratamento para isso? – ela tornou a perguntar.
- Sim, é necessário que haja um acompanhamento médico para o controle da tensão arterial. Em muitos casos é e necessário que a paciente seja internada.. O médico de Mary sugeriu isso à ela, mas Mary não quis, você sabe como ela é teimosa. Então, estavam fazendo o tratamento em casa mesmo, com medicação, que eu achei que eram vitaminas , por causa da falta de apetite dela. Ele também disse que na última consulta, ela estava melhor, mas pediu que se Mary sentisse qualquer coisa diferente, ela deveria avisá-lo para que adiantassem o parto, o que é algo também comum nesses casos, mas pelo jeito ela não obedeceu. – Gilbert deu um longo suspiro, levantou-se de onde estava e ficou de costas para Anne e disse:
- Como eu não vi os sinais? Percebi o inchaço das mãos, dos pés, mas nem imaginei o que realmente estava acontecendo com ela, pois as mulheres grávidas às vezes apresentam esse quadro, e hoje de manhã, notei que ela não estava bem, mas deixei-a convencer-me que eu estava me preocupando à toa. E fico imaginando o quanto ela sofreu ,sozinha em casa sem minha companhia ou a de Sebastian. Ela estava agonizando enquanto eu, enquanto nós... – ele parou de falar no momento em que sua voz falhara.
Anne pensou que não tivesse ouvido direito. Gilbert estava mesmo se culpando ,ou melhor culpando a eles dois por estarem juntos, quando Mary se sentiu mal? Ela balançou a cabeça, colocou sua mão no ombro dele e disse:
- Você não podia adivinhar o que aconteceria, Gilbert. Como nós dois poderíamos saber? Não adianta ficar se culpando agora, isso não vai ajudar a Mary em nada.
Gilbert virou-se para Anne, seu rosto estava transtornado pela raiva e disse:
- Eu deveria saber. - Gilbert deixou Anne sozinha no corredor , e se sentou de novo no banco, com o olhar perdido no nada.
Anne estava se sentindo péssima, por tudo o que Gilbert dissera, mas mesmo assim, pediu a si mesma calma, e foi sentar-se ao lado dele novamente.. Após alguns minutos, ela ouviu-o dizer:
- Vá para casa, Anne.
- Não. Eu vou ficar aqui com você..- seus olhos encontraram os de Gilbert, e Anne viu a ira que havia dentro deles explodir como se fosse uma bomba-relógio , fazendo com que a voz dele soasse extremamente zangada quando falou com ela novamente:
- Será que não entende? Eu não quero você aqui! - Gilbert se levantou, e saiu andando pelo corredor do hospital, com passos duros que ecoavam por onde passava.
A mágoa tomou conta de Anne em questão de segundos. Seus olhos se encheram de lágrimas, que começaram a rolar sem que pudesse impedi-las a tempo. Sebastian, que ouvira as palavras de Gilbert, se aproximou de Anne e disse:
- Anne, não leve em conta o que o Gilbert disse. Ele não falou de verdade.
- Eu não consigo entender toda essa raiva que ele está sentindo de mim. –ela disse com a voz entrecortada pelas lágrimas.
- Ele não está com raiva de você. Gilbert sempre reage assim quando está apavorado. Eu já o vi assim antes, quando estávamos no navio. Ele se faz de forte, mas lá no fundo eu sei que sofre demais. Foi assim com a morte do pai dele, pois Gilbert tem uma extrema dificuldade em lidar com perdas. Ele se isola e acaba magoando quem está por perto.
- Mesmo assim, acho melhor eu ir para casa. Não quero que ele fique ainda mais zangado por me ver aqui. – Anne disse enxugando as lágrimas com o lenço que Sebastian lhe oferecia.
- Não vá embora, Anne. Gilbert precisa de você do lado dele, mesmo que ele diga que não. Eu sei que se você sair por aquela porta, ele vai desabar.
- Está bem, Sebastian. Vou tentar ajudá-lo como puder.
- Obrigado. – Sebastian disse sorrindo. De leve.
Gilbert andava pelo hospital de um lado para outro. Se arrependera do que dissera para Anne no momento em que as palavras saíram de sua boca. Não queria magoá-la, pois tudo o que mais desejava era enterrar seu rosto na cabelo dela, abraçá-la apertado, e se afogar na doçura daquele amor que ela lhe dava sem pedir nada em troca. Mas, ele tinha que mantê-la longe dele. Não podia maculá-la com sua culpa, pois Anne era tão inocente, tão doce, tão linda, e doía tanto não poder tocá-la, mas ele tinha que se manter firme em sua decisão, mesmo que lhe custasse partir o seu próprio coração.
Horas depois, Gilbert voltou para onde Anne estava, mas não se sentou do lado dela, preferindo outra poltrona do corredor. Anne tentou não se importar com isso, mas parecia que Gilbert estava fechando as portas do coração dele para ela, e Anne não suportava ficar fora de sua vida, aquilo a feria tanto que ela teve que se controlar para não gritar de dor.
A madrugada chegou e os encontrou exaustos ,insones e preocupados. Somente Matthew cochilava em uma poltrona com o jornal que lia caído do seu lado. Finalmente, no meio da manhã, o médico de Mary veio dar-lhes a notícia que eles tanto esperavam.
- O parto foi bem sucedido, e devo dizer que o Sr. Sebastian é pai de uma linda garotinha. – Sebastian abraçou Gilbert e Anne, chorando de alegria, e depois perguntou:
- Podemos vê-la?
- Ainda não. As enfermeiras estão fazendo a higienização dela. Talvez mais tarde eu possa liberar as visitas.
- E minha esposa? – seu rosto mostrava toda a tensão que lhe ia por dentro.
- Vamos ter que transferi-la para a Unidade de Terapia Intensiva,. Ela continua desacordada, e ainda não sabemos como o quadro irá evoluir.
- Obrigado, Doutor.. – Sebastian disse com pesar na voz. Virou-se para Gilbert e disse:
- Vá para a casa, Gilbert. Não há mais nada que você possa fazer aqui.
- Eu não vou deixar você aqui sozinho.
- Você precisa descansar comer alguma coisa, pois não se alimenta desde ontem. Mando notícias assim que puder. – Gilbert ia protestar, mas Matthew o interrompeu dizendo:
- Eu fico com ele. Vá para casa com Anne e peguem um táxi. – Gilbert assentiu finalmente, percebendo que não adiantava discutir.
Ele e Anne andaram juntos pelo corredor sem se falar ou tocar, como se fossem dois estranhos. Tomaram um táxi como Matthew sugerira, e fizeram toda a viagem em um silêncio doloroso. Anne percebeu que Gilbert fazia de tudo para não encostar nela. Aquilo a deixou tão mal que quase pediu ao motorista que parasse o carro para que ela pudesse descer e fazer o resto do trajeto a pé até Green Gables, mas depois pensou no absurdo de tal ideia, e ficou quieta perdida em seus pensamentos.
Gilbert notou a tensão dentro do carro crescer, e ele tinha plena consciência que a maior parte da culpa era sua, mas ele sentia que bastava que estendesse a mão e trouxesse Anne para seus braços para que o ar pesado entre ele desaparecesse, mas ele sabia que isso não mudaria como estava se sentindo, e ele não queria arrastar Anne com ele naquele pesadelo. Ela não merecia isso, ele não a merecia.
Chegaram à fazenda de Gilbert em uma hora, o menino viu Anne desceu do carro e perguntou:
- Não vai para Green Gables?
- Não. Vou ficar aqui com você. - Gilbert ia dizer que ela devia ir para casa, mas viu o olhar de teimosia que ela lhe lançou, abafando os seus argumentos.
Entraram na casa e encontraram a Sra. Ford esperando por eles. Gilbert relatou tudo o que ocorrera com Mary, e a boa senhora se ofereceu para passar a noite com eles .Gilbert aceitou de pronto, e ela preparou aos dois um café tardio, que ambos comeram sem muita vontade. Em seguida, Gilbert foi para o seu quarto, enquanto Anne ajudava a Sra. Ford a arrumar a cozinha.
Como Anne e Gilbert dispensaram o jantar, a boa senhora se recolheu cedo, ficando a disposição caso precisassem de alguma coisa.
Então, Anne decidiu tomar um banho no quarto de hóspede, onde passaria a noite. Não havia trazido nenhuma camisola, por isso, resolveu ir até o quarto de Mary e procurar por umaque lhe servisse. Somente esperava que a esposa de Sebastian não se importasse com isso.. A única camisola que lhe serviu foi uma azul marinho de renda que mal chegava às suas coxas, mas vestiu-a assim mesmo, pois não tinha mais nada para vestir a não ser as roupas que estivera usando. Porém, antes de ir para cama, decidiu dar uma olhada em Gilbert, pois não o via desde que ele subira para o próprio quarto. Vestiu um roupão curto por cima da camisola que encontrara no banheiro, e foi para o quarto de Gilbert.
A porta não estava trancada quando Anne girou a maçaneta, e por isso, abriu a porta com facilidade e entrou. Encontrou Gilbert deitado em sua cama, com os olhos fechados, e parecia descansar. Anne percebeu que ele tinha tomado banho, pois seus cachos escuros ainda estavam úmidos, e ele apenas usava a calça do pijama, exibindo seu peito nu que a coberta não escondia. Ele parecia um garotinho, com o rosto sereno, e respirava calmamente enquanto dormia.
Anne sentiu uma vontade louca de tocá-lo, pois estava com tanta saudade daqueles lábios nos seus, que sentia quase uma dor física, pela abstinência dos carinhos de Gilbert. Sem pensar muito, ela tirou o roupão, e se deitou ao lado do menino, aconchegando-se ao corpo dele e se deliciando com o prazer de sentir aquele calor tão bom que vinha dele. Em seguida, estendeu a mão, e deslizou-a por todo o peito de Gilbert, acariciando devagar cada músculo e pedacinho de pele que conseguia alcançar.
De repente, as mãos de Gilbert seguraram a sua,impedindo-a de continuar. Ele abriu os olhos, e piscou duas vezes, como se não acreditasse que ela estava ali deitada em sua cama. Gilbert então, se levantou em um salto, colocando uma distância segura entre os dois.
- O que pensa que está fazendo? – ele lhe perguntara, enquanto ele passeava o olhar sobre a camisola que Anne usava e que mal cobria o corpo dela. Quantas vezes sonhara em tê-la assim, sem nenhuma barreira que o impedisse de tocá-la como desejasse?
- Eu estava com saudades. – Anne respondeu, sentindo-se abandonada naquela cama tão grande.
Gilbert examinou o rosto sério de Anne, e tudo o que ele não queria estava acontecendo. Ele a magoara e isso doía mais nele do que ela pensava.
Anne baixou a cabeça entristecida, depois a levantou de novo e o encarou.
- Eu não consigo entender, Gilbert. Nós estávamos tão bem, oque deu errado?Acho que você se cansou de mim, e não me deseja mais. - ela disse em um sussurro.
O que ela estava dizendo? Gilbert se perguntou. Como ela podia pensar que ele não a queria, quando ela era a coisa que mais desejava na vida? Sentou-se na cama novamente, pegou o rosto dela nas mãos e disse com os olhos nos dela:
- Anne, mesmo quando tivermos cem anos eu não vou me cansar de você, pois você é a melhor parte de mim, e desistir de tê-la em minha vida é como desistir de mim mesmo.
- Então, por que você não me deseja mais?- ela insistiu. Gilbert deu um longo suspirou. Como poderia fazê-la entender o que ele sentia? Seus olhos mergulharam fundo nos dela, deixando-a perceber o ardor que havia neles, e então ele disse com a voz quente e rouca:
- Vou te mostrar como eu te desejo..
Gilbert deitou Anne com delicadeza sobre sua cama, cobrindo o corpo dela com o seu. Os lábios dele procuraram pelos dela, ansiosos por encontrar a doçura que ela lhe prometia, e quando suas línguas se enroscaram uma na outra, ele perdeu a sanidade de vez. Ele abandonou a boca dela para explorar- lhe o pescoço, descendo um pouco mais até chegar ao ombro, onde afastou a alça da camisola, explorando a pele exposta com seus lábios. Em seguida, ele deixou que suas mãos escorregassem pelo corpo dela, sentindo a maciez da pele sobre a camisola diminuta que ela usava.
Anne sentia seu corpo se incendiar como se tivesse chegado perto demais do fogo, e ela sentiu as mãos dele avançarem até suas coxas, acariciando-as por baixo da camisola. Então, Gilbert subiu suas mãos um pouco mais, e chegou até a barriga lisa de Anne, onde tocou sua pele nua.. Anne vibrava de encontro ao corpo de Gilbert, adorando as sensações que ele lhe provocava, mas então ele parou, fazendo com que ela abrisse os olhos sem entender por que ele a tinha abandonado de novo.
Gilbert esperou um instante, até que as batidas de seu coração diminuíssem. Ele olhou para Anne e viu seu rosto adoravelmente afogueado, sentindo o corpo macio dela embaixo do seu. Ele teve que apelar para todo o bom senso que tinha para se afastar da menina, enquanto todo o seu corpo gritava por ela. Gilbert foi até a janela, e procurou se concentrar na neve que começava a cair, tentando não pensar na garota que estava em seu quarto e na sua cama.
Mas, Anne não se deu por vencida. Foi até onde Gilbert estava e depositou beijos quentes pelas costas dele. Gilbert fechou os olhos, sentindo seu corpo corresponder àquela carícia tão delicada, não resistiu e virou-se de frente, pegando Anne pela cintura e beijando-a com toda volúpia de que era capaz. Mas ele se afastou novamente dizendo:
- Por favor, Anne, pare.
- Por que, Gilbert? Fiz algo errado? Por que não quer me tocar? – o olhar dela exigia uma resposta que ele não sabia se queria dar.
- E quero, mas eu não posso. – ele respondeu por fim, angustiado.
- Por quê?
-Por que não quero maculá-la com meu crime. - Gilbert disse por fim baixando o olhar.
- Crime? Do que está falando?- Anne não conseguia entender o que aquelas palavras de Gilbert significavam.
- Anne, minha mãe morreu no meu parto, e eu sou o responsável por isso. - os olhos de Gilbert estavam atormentados por algo que Anne não podia compreender naquele instante.
- Isso não é verdade, Gilbert. Foi uma fatalidade. Ninguém poderia ter feito nada.A culpa não foi sua.
- Você não vê que estou sendo castigado novamente? Minha segunda mãe está passando pelo menos que minha mãe biológica passou. O que acha que isso significa? – Gilbert se sentou na cama, e Anne podia ver toda angústia dentro dele entrar em ebulição e explodir para fora como dinamite. Queria fazer algo, queria aliviar aquela dor que o torturava por dentro. Mas, ela sabia que podia dar a ele somente o conforto de sua presença e de suas palavras, e esperava que isso fosse o suficiente por ora.
- Gilbert, pare de se martirizar assim. Já disse, não é culpa sua. - mas ele pareceu não ouvi-la e continuou a falar sobre tudo o que o magoava. Anne permaneceu em silêncio, apertando sua mão, encorajando-o a pôr para fora toda sua tristeza.
- Quando eu era criança, eu ouvia meu pai chorar no quarto dele pela falta dela, e me sentia péssimo. Então, ele me dizia que eu era a melhor parte que sobrara de minha mãe, e isso me matava por dentro, pois eu sabia que ela não estava ali por minha culpa. - Anne sentiu seu coração se apertar ao ouvir palavras tão doloridas, vindo do garoto que ela mais amava na vida, então, ela disse em uma tentativa de amenizar o sofrimento dele:
- Gilbert, nem mesmo o seu pai te culpou, por que você tem que fazê-lo? Eu tenho certeza de que sua mãe ficou feliz em sacrificar a vida dela pela sua. Olha o garoto maravilhoso que você se tornou. Ela teria orgulho. – depois ela continuou – Por que nunca me contou isso, Gilbert? Como conseguiu carregar toda essa dor sozinho? Eu podia tê-lo ajudado a superar.
- Porque eu não queria que você me odiasse Anne. Eu não poderia suportar se você me afastasse da sua vida.
- Como eu poderia odiá-lo por algo que você não teve culpa Gilbert? Será que não entende que eu te amomais que tudo que já amei na vida.? Você é o meu mundo. - ela parou de falar antes de se engasgar com as lágrimas e os soluços que subiram pela sua garganta. Então, ela chorou pelo garotinho triste que Gilbert fora, carregando uma culpa maior do que ele. Chorou por não ter estado lá quando o mundo parecia tão frio e duro para ele. Chorou simplesmente por amá-lo tanto que podia sentir a dor dele em sua pele.
- Por favor, Anne. Eu não suporto vê-la chorar. – Gilbert disse, pegando-a em seus braços tão delicadamente, como se ela fosse se quebrar em suas mãos. E enquanto estavam enroscados um nos braços do outro, ele pensava que ali estava a garota de seus sonhos. Ele queria tudo dela, não somente seus beijos, seu toque ou seu corpo, ele queria sua alma e coração também.
Anne parou de chorar, passou as mãos pelos cabelos, e disse com toda a sinceridade do seu coração:
- Gilbert, você é a pessoa mais maravilhosa do mundo. Deu-me tantas coisas boas que eu não conseguiria enumerá-la aqui. Antes de você eu sentia que tudo o que eu tinha era apenas um empréstimo que alguém me roubaria na primeira oportunidade. Eu nunca tive muito amor na vida, eu somente podia imaginar como é amar alguém através dos livros de romance que eu lia. Mas você me ensinou a ter orgulho de mim mesma, a amar sem medo, a me entregar sem reservas, e por todas essas coisas eu sou lhe grata. –Anne fez uma pausa, e depois continuou – A Mary vai ficar bem, e logo voltará para casa, e tenho certeza que seremos todos felizes juntos.
Gilbert ouviu cada palavra de Anne com uma emoção desconhecida para ele. Uma avalanche de sentimentos o engoliram de uma só vez, e ele teve que respirar fundo para não perder o fôlego. As lágrimas então chegaram como uma represa aberta, e ele se deitou no colo de Anne e chorou sem se sentir constrangido por isso. Choro pela mãe que não conhecera, mas que lhe dera sua vida tão preciosa. Chorou pelo pai que tanto amara, e que partira tão cedo deixando um buraco em seu coração. Chorou pela solidão que sentira enquanto viajava pelo oceano, e por fim,chorou pela Mary e seu filho tão desejado. Anne ouviu Gilbert colocar para fora todo o seu desespero com lágrimas nos olhos. Seu coração estava apertado por vê-lo naquele estado, mas sentia que Gilbert precisava daquele momento para desabafar anos de tristeza e desolação, por isso, não disse nada, só afagou os cabelos dele, esperando seu pranto cessar.
Assim que a tempestade de dor passou, Gilbert levantou a cabeça e seus olhos pousaram em Anne que o fitava transbordando de amor. Ela era suas manhãs ensolaradas, suas noites cheias de estrelas, ela era a paz que ele precisava por dentro, ela era a sua cura.
- Obrigado, Anne, por tudo o que me disse. Sinto-me mais aliviado agora. - Gilbert sentia a calmaria chegando de repente, e pela primeira vez seu coração estava leve como uma pluma. Puxou Anne para seus braços novamente, e a beijou tão docemente que fez com que Anne sentisse que ambos se derreteriam naquele momento tão especial. Como ela um dia pudera pensar que Gilbert era só mais um garoto que zombava dela? Como ela pudera demorar tanto para perceber que ele era seu anjo disfarçado de menino, e que lhe dava razões todos os dias para se apaixonar por ele, e amá-lo ainda mais? Lá no fundo de sua alma, Anne sabia que nunca mais haveria ninguém nesse mundo para ela.
Gilbert se separou de Anne e segurou em sua mão por um momento, querendo registrar a imagem dela em sua mente. Ele se sentia limpo e revigorado, e o mais importante, ele não sentia mais culpa nenhuma.
- Anne, passe a noite comigo, hoje. - ele pediu carinhosamente tocando o seu rosto. Ele só queria tê-la em seu braços e dormir com ela ao seu lado.
- Está bem. Eu não pretendia me separar mesmo de você hoje. - Anne disse sorrindo.
- Eu amo você, Anne. – ele disse enquanto se deitavam e se aconchegavam um ao outro.
- Eu também te amo, Gilbert.
E assim, adormeceram abraçados e passaram uma noite calma e tranquila. Quando o sol daquela manhã de inverno começou a surgir palidamente no céu, derretendo a neve que caíra na noite anterior, Anne resolveu ir para o quarto de hóspede, antes que a Sra. Ford a pegasse saindo do quarto de Gilbert e ficasse constrangida.
Horas depois, ambos se levantaram e desceram para o café. que a Sra. Ford acabara de preparar, Anne notou o que Gilbert estava com uma aparência melhor, o rosto estava calmo e sorria para ela com o semblante relaxado. Ele voltara a ser o velho Gilbert de antes, e isso a deixava extremamente satisfeita.
Quando estavam terminando de lavar a louça da cozinha, Sebastian chegou em casa, com o rosto cansado, mas estava sorrindo, o que fez Anne imaginar que ele tinha boas novas para contar a eles. Sebastian lhes dissera que Mary havia acordado, que já estava no quarto e voltaria para casa em poucos dias com a garotinha deles, e que se Gilbert e Anne quisessem visita-las, poderiam fazê-lo no dia seguinte. Anne olhou para Gilbert, e percebeu que ele estava visivelmente aliviado, e um sorriso de alegria estampava em seu rosto, deixando-o ainda mais bonito.
Enquanto voltava para Green Gables, de mãos dadas com Gilbert, Anne pensava no quanto caminhara para chegar onde estava agora. A vida para ela não havia sido fácil, mas conseguira com seu incomparável otimismo encarar cada infortúnio com coragem e sem medo, trazendo dentro de si a esperança que nunca morrera, nem mesmo nos tempos mais escuros e doloridos. E o rapaz ao seu lado era a prova de que tudo valera a pena, e ela não trocaria cada minuto que vivera por nada nesse mundo.
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Olá queridos leitores. Estou postando mais um capítulo, e gostaria de falar um pouco sobre ele. Este capítulo fala da libertação de muitas culpas que às vezes carregamos, e não conseguimos partilhá-las, pois nos colocam em situações que temos que enfrentar nossos medos de frente, e isso nem sempre é algo simples de fazer. Não pensem que foi fácil escrevê-lo, porque tive que me despir de todas as minhas culpas, colocá-las sobre a mesa para encontrar o tom certo de cada palavra. Então, este capítulo é sobre mim, é sobre vocês, é sobre qualquer pessoa que deseja ser livre de alguma forma. Eu tentei fazer com que os personagens fossem tão reais para vocês, quanto foram para mim, pois enquanto escrevia pode sentir as emoções e o sofrimento de cada um em minha pele. Foi um processo doloroso, mas prazeroso ao ver o resultado final. Anne e Gilbert se amam de verdade,, mas para que esse amor seja cada vez mais forte, ele têm que deixar para trás todas as suas culpas e medos, colocá-los às claras para que o processo de cura seja completo. Espero que entendam a mensagem que tentei passar, que se libertem e sejam felizes.
Por favor, não deixem de comentar. Quero muito saber o que acharam. Beijos, Rosana.
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