Capitulo 15 Espelhos da Alma
ANNE
Após o fim de semana terrível que Anne vivera, a menina pensou que Gilbert nunca mais falaria com ela, mas estranhamente nos dias que sucederam ao término inevitável do romance dos dois, ele continuou a tratá-la normalmente e parecia ter esquecido por completo a recusa dela em ficar com ele.
De certa forma, era um alívio para Anne, pois se não podia tê-lo em sua vida para amá-lo livremente, não queria também perder a amizade de Gilbert. Isso pelo menos era um consolo para seu coração que agonizava por dentro.
Não se falavam muito, era verdade, mas Gilbert era sempre educado e cortês, e não demonstrava ter nenhum rancor pela maneira como as coisas terminaram. Anne dizia a si mesma que era melhor assim, mas o que ela não queria admitir é que sentia uma falta tremenda de estar com ele, de se aninhar naqueles braços tão carinhosos, de deitar a cabeça no ombro de Gilbert e beijá-lo quando tivesse vontade.
Agora, tudo o que havia entre eles era uma barreira que ela mesma construíra, e o peso de saber disso era grande demais. Gilbert não a olhava mais como antes, quando seus olhos procuravam por ele entre uma aula e outra, o menino estava sempre concentrado nos estudos e jamais levantava a cabeça dos livros para prestar atenção no que ela estava fazendo. Frequentemente Anne o via conversando com Muddy ou algum outro amigo de sala, brincava e ria com eles, mas nunca mais sorrira para ela daquele jeito que a deixava arrepiada, como se os dois compartilhassem um segredo.
Ele a banira completamente de sua vida. Estava livre para amar quem quisesse e quando quisesse. Mas isso não era o que ela queria? Não era por isso que tinha se afastado dele? Para dar a chance de Ruby se aproximar e tentar conquistá-lo?Devia estar feliz, pois conseguira o seu intento. Gilbert não a queria mais, e podia finalmente se acertar com a menina. Então por que sentia que havia um pedaço seu faltando? Por que não tinha mais prazer em fazer as coisas que adorava?
Até o clube de leitura ela tinha abandonado, fazia dias que não aparecia por lá. Não só por causa do incidente desagradável com Billy Andrews, mas também por causa das lembranças que tinha de Gilbert e ela naquele lugar que antes era seu abrigo particular, que a salvara tantas vezes das tristezas do mundo, mas que agora lhe parecia desolador demais.
Fingia que estava feliz, que continuava a ser a mesma Anne de sempre, só quando estava sozinha é que deixava o manto da tristeza descer sobre ela, e se isolava em seu quarto onde ninguém podia vê-la.
Tentara escrever inúmeras vezes sobre estes sentimentos, mas não conseguira preencher uma linha sequer. Havia um bloqueio mental que a impedia de extravasar com palavras sua infelicidade, e assim guardava só para si esses momentos de solidão. A princesa Cordélia de seus sonhos também se escondera nas sombras, e não havia para ela mais o refúgio de suas fantasias.
Algumas coisas não haviam mudado. Ela ainda adorava estudar e ir para a escola era um prazer, mas o que considerava realmente difícil era acordar de manhã e se lembrar do esforço que teria que fazer para não deixar que ninguém, nem mesmo Diana, descobrisse a verdade sobre como se sentia.
Quando contara à amiga que ela e Gilbert não estavam mais juntos, Diana lamentara o ocorrido e lhe perguntara se ela estava bem. Anne respondera que estava ótima, e logo mudara de assunto por medo de confessar o seu infortúnio.
Mas a vida continuava, o relógio não cessaria de bater ou o mundo pararia de girar só porque seu coração estava partido. Tinha que achar uma maneira de fazer sua vida voltar a ser o que era antes, pois se Gilbert seguira em frente, por que ela também não poderia? Assim os dias iam passando sem grandes novidades, e as coisas melhoraram consideravelmente conforme Anne se adaptou novamente à sua rotina.
Naquela manhã chegara á escola sozinha, Diana viera com o Jerry um pouco antes, e Anne não estava particularmente animada para conversar, portanto, guardou suas coisas no armário e se sentou em sua carteira habitual. Quando passou perto de Gilbert, ele lhe lançou um olhar furtivo, mas a presença dela não lhe prendeu a atenção por muito tempo, pois logo continuou a estudar em seus livros, fazendo várias anotações do que considerava mais importante.
Diana olhou para a ruivinha em um dado momento, avaliando sua carranca e perguntou?
- O que aconteceu Anne? Por que parece tão zangada?
- Não estou zangada, Diana. É que não dormi bem à noite e por isso estou mal humorada. - não quis dizer que sonhara com o Gilbert a noite inteira e quando acordou seu travesseiro estava banhado em lágrimas.
- Pobre Anne! Quer que eu te leve um chá de minha mãe para ajudá-la dormir melhor?- perguntou Diana olhando para a menina preocupada.
- Não, obrigada. Marilla tem um armário cheio deles. Vou pedir para ela preparar um deles para mim esta noite antes de eu dormir.
- Ok. Se precisar de alguma coisa é só dizer.- falou Diana solícita.
- Obrigada.- respondeu Anne.
Neste momento, a Srta Stacy chegou toda animada e disse:
- Bom dia, queridos alunos. Como sabem, o verão está quase começando, e todos os anos fazemos eventos aqui na escola para comemorar o início desta estação tão maravilhosa. Desta vez, decidi que vamos fazer uma peça de teatro, e até já escolhi a obra. Creio que muitos de vocês vão achar meio clichê, mas a peça que encenaremos é Romeu e Julieta de William Shakespeare. Farei o sorteio de quais personagens vocês caracterizarão.
Todos bateram palmas e sorriram pela escolha da professora, só alguns alunos não apreciaram muito, pois não eram muito fã de romantismo, mas teriam que participar de qualquer maneira, assim não reclamaram muito.
O sorteio então foi realizado pela professora, e os alunos estavam cheios de expectativas para saber quem seriam na peça, e logo a Srta Stacy divulgou o resultado. Julieta seria o personagem de Ruby, Diana e Anne seriam as aias de Julieta e Josie encenaria a mãe da menina. Tebaldo, primo de Julieta seria feito por Muddy, e Romeu seria o personagem de Gilbert. Os outros personagens foram distribuídos ao restante dos alunos.
"Ah, claro! Ele tinha que ser o Romeu. E Ruby, obviamente, tinha que ser a Julieta.
- Está triste por que o papel da Julieta não saiu para você?- perguntou Diana.
- Claro que não. No fim acho que tudo ficou perfeito. - respondeu Anne com o rosto sério.
-Não seria o máximo se você encenasse a peça com o Gilbert. - disse Diana, sorrindo marota.
- O que eu acho é que você seria uma linda Julieta com o Jerry- brincou Anne
- Eu adoraria.- suspirou Diana com a voz sonhadora.
No intervalo, todos só conversavam da peça, entusiasmados com o início dos ensaios. A professora já tinha distribuído as falas e marcou ensaios para próxima semana.. Ruby, Diana , Anne e Muddy discutiam sobre seus respectivos papéis na peça e como deveriam interpretá-los. Foi quando Muddy perguntou à Anne:
- Você não acha que Gilbert e Ruby vão ficar ótimos juntos como Romeu e Julieta?- Ruby não sabia, mas o menino tinha uma quedinha por ela.
- Sim, acho que vão ficar fabulosos. -respondeu Anne, mais para agradar a amiga do que por acreditar mesmo no que tinha dito. Não percebeu que Gilbert estava por perto, então, ouviu-o dizer:
- Bem Ruby. Como ficamos com o papel principal, acho que seria uma boa ideia passarmos as falas juntos. Gostaria de ensaiar comigo hoje, depois da aula?
- Claro que sim, Gilbert.- Ruby respondeu muito vermelha. Não se atrevia a dizer mais nada.
- Então te espero mais tarde no anfiteatro da escola.- e saiu deixando Ruby nas nuvens:
- Diana, pode me beliscar. Não acredito que Gilbert me convidou para ensaiar com ele.
-Que ótimo, Ruby.- mas a menina olhava para Anne, que tinha ficado calada de repente.
A ruivinha parecia que tinha sido fulminada por um raio. Não podia ter ouvido direito. Gilbert convidara mesmo Ruby para praticar com ele? Mas por que se importava? Não era esse o plano? Fazer Gilbert se interessar por sua amiga? Então não compreendia por que estava sentindo aquela maldita pressão no peito como se lhe faltasse o ar.
Voltou para aula um tanto cabisbaixa, disfarçando o quanto pôde o seu desconforto, mas sua cabeça estava à mil. A todo o momento, imagens de Gilbert e Ruby juntos invadiam seus pensamentos e Anne não conseguia mais prestar atenção em nada. Quando a aula terminou, ela se dirigiu a saída com Diana, mas quando estavam do lado de fora, a ruivinha estacou de repente e disse:
- Diana, esqueci uma coisa. Vou buscar e volto já.
Sabia que não deveria fazer isso, se sentia uma intrusa, mas não era a razão que comandava sua vontade e sim suas emoções. Correu para o anfiteatro, pois precisava ver o que estava acontecendo. Iria espiar só um pouquinho e depois iria para casa sem que ninguém soubesse que estivera ali.
Escondeu-se atrás da porta, tentando ver o que se passava lá dentro, mas de onde estava a visão era ruim. Ouviu Gilbert dizer algo que devia ser engraçado, pois o riso de Ruby enchia o ar. Sentiu a ferroada do ciúme em seu peito, sua cabeça começou a latejar sem parar, se esticou toda, olhado pelo vidro, mas continuava sem conseguir ver nada.
- Anne, o que você está fazendo aqui?- deu um salto, e teria caído se não se apoiasse no batente da porta. Olhou para trás e viu Diana, olhando para ela de maneira inquiridora.
- Nada de especial. Estava apenas passando, e fiquei curiosa para ver o ensaio. - sabia que era uma desculpa ruim, mas nada melhor lhe passava pela cabeça no momento.
- Você estava espionando o Gilbert com a Ruby?- perguntou Diana muito séria, mas Anne viu em seus olhos um brilho divertido.
- Não estava espionando, só fiquei curiosa. - já disse.
- Anne, você está com ciúmes dos dois?
- Claro que não, de onde você tirou essa ideia?- Anne perguntou, fugindo do olhar de Diana.
- De lugar nenhum. Eu só penso que quando gostamos muito de alguém, não deixamos de ter sentimentos por essa pessoa de um dia para o outro. - respondeu Diana, tentando mostrar à amiga que entendia seu comportamento.
- Não é o que está pensando, Diana. Acho melhor irmos para casa, pois está ficando tarde. - Anne começou a andar em direção à porta de saída.
- Tem certeza de que não quer ficar mais pouco e continuar dando uma espiadinha?- disse Diana brincando com a amiga.
- Diana, você sabe ser impertinente quando quer. - respondeu a ruivinha, continuando a andar sem esperar por Diana.
- Anne, eu só estava brincando!
Assim, foram caminhando para casa quase completamente em silêncio boa parte do caminho, pois Diana percebeu que Anne estava muito aborrecida e não quis perturbá-la. Então, se despediram com um abraço dizendo:
- Até logo, Anne.
- Até logo, Diana.
Anne chegou a Green Gables dez minutos depois, foi para seu quarto imediatamente com o pretexto de que tinha que estudar. Ficou horas olhando para a página do livro que estava lendo sem conseguir entender uma palavra. Já era tarde quando decidiu ir para cama, mas não conseguia adormecer. "Vai ser mais uma noite daquelas.", pensou a menina.
No dia seguinte teve dificuldades para se levantar, mas foi para a escola sem reclamar. Quando chegou, Diana percebeu que ela estava com o humor pior que no dia anterior, então não perguntou nada, sentando-se ao lado dela em silêncio.
Foi quando Ruby e Josie se sentaram nas carteiras atrás das duas amigas, e começaram a conversar. Anne ouviu Ruby dizer:
-- O Gilbert foi incrível, ontem. Ajudou-me bastante com minhas falas. Ele é um perfeito cavalheiro. - disse Ruby, com os olhos brilhando.
- Realmente Gilbert Blythe é um encanto. Tenho certeza de que essas horas de ensaio que você terá com ele vai render alguma coisa. - disse Josie para Ruby.
- O que quer dizer com isso? - perguntou Diana curiosa.
- Quero dizer que tenho certeza de que depois que o Gilbert passar algumas horas com a Ruby vai se apaixonar com certeza. – Josie soltava seu veneno para ver se conseguia atingir Anne de alguma forma.
- Quem sabe? Tudo que posso dizer é que ele é tão lindo e maravilhoso. – Ruby continuou elogiando Gilbert.
- Concordo.- disse Josie.
Anne tentou se controlar, mas perdeu a paciência e disse irritada:
- Por que vocês não fundam logo um fã clube intitulado "Esta perfeição chamada Gilbert Blythe?"
- Está com ciúmes, Anne? – perguntou Josie.
- Não, querida, só estou enjoada desta conversa. por que não discutimos o figurino da peça. Ninguém falou sobre isso ainda. - tentou mudar de assunto a todo custo, mas sentia sua garganta se apertar tanto a ponto de sufocá-la. Levantou-se de supetão, e perguntou à professora:
- Srta. Stacy posso sair para tomar água?
- Claro. Algum problema? Quis saber a professora, pois Anne raramente pedia para sair da aula.
- Não, é só sede mesmo. - respondeu a menina.
- Tudo bem, então. Mas não demore.
Assim que se viu fora da sala de aula, Anne se dirigiu ao bebedouro mais próximo quase correndo. Quando estava próxima a ele, se se encostou à parede, fechou os olhos e disse a si mesma baixinho:
- Respire. Respire.
Estava a ponto de chorar, mas não se permitiu. "Que droga!" pensou. Desde que Gilbert voltara parecia que estava sempre pronta a debulhar em lágrimas. Nunca chorara com facilidade antes, mas agora vivia com os olhos marejados, e odiava a si mesma por isso.
- Anne, você está sentindo alguma coisa? – era a voz de Gilbert.
Não era possível que o menino a tivesse seguido até ali. Não queria que ele a visse em seu momento mais vulnerável, por isso disse com a voz extremamente irritada:
- O que está fazendo aqui, Blythe?
- Fiquei preocupado com você..
- Pois não precisa, estou bem.
- Você sabe que sou seu amigo e pode contar comigo, não é?- disse ele, olhando- nos olhos.
Amigos! Começava a odiar aquela palavra, mas fora ela que provocara toda aquela situação, por isso não podia se queixar de nada. Então para escapar daquele momento delicado disse:
- Soube que seu ensaio com a Ruby foi um sucesso.
Ao ouvir o comentário de Anne, Gilbert deu um sorriso enigmático e respondeu:
- É verdade. Ruby tem talento, além de ser uma menina muito meiga e muito bonita também.
Anne tentou não esboçar nenhuma reação ante aquelas palavras, então, disse da maneira mais natural que conseguiu:
- Que bom que estão se entendendo.
Gilbert não disse nada, olhou bem dentro dos olhos de Anne, chegou mais perto e arrumou uma mecha de cabelo dela atrás da orelha, fez um carinho em suas bochechas e falou com a voz cheia de magnetismo:
- Se precisar de mim, sabe onde me encontrar. - virou as costas e voltou para a sala, deixando Anne sozinha no corredor.
Ela foi soltando a respiração devagarzinho, e depois sentiu a raiva atingi-la em um só golpe. "Por que ele faz isso comigo?" Será que ele não percebe que acaba comigo quando me trata dessa forma tão carinhosa?"
Voltou para a sala de aula devagar, rezando para que o dia da peça chegasse logo, pois caso contrário acabaria por perder sua sanidade mental ou o que restava dela.
GILBERT
A fazenda estava calma aqueles dias, pois Bash e Mary tinham viajado em lua de mel, por esta razão, Gilbert estava sozinho em casa. De certa forma, aquilo o deixava satisfeito. Gostava da companhia de Sebastian, mas naquele momento tudo o que desejava era ter aquele tempo consigo mesmo, pois precisava descobrir que caminho tomaria, após Anne ter rejeitado seu pedido de ficar com ele.
Não tinha desistido, isto estava fora de cogitação, precisava apenas de um plano de ação novo, pois o antigo tinha fracassado miseravelmente. Talvez tivesse sido apressado demais, mostrando a Anne seus sentimentos tão abertamente que a assustara. Precisava encontrar uma maneira nova de estar por perto sem impor sua presença e seus sentimentos a ela, assim, nos dias que se seguiram, tentara ser o mais neutro possível para que Anne não o afastasse de vez.
Não estava sendo uma tarefa fácil manter-se como um amigo desinteressado. Tentara não olhar para ela durante as aulas, tratando-a como se fosse uma colega comum, não a abordara em nenhum momento, deixando-a livre para falar com ele quando e se quisesse.
Vira-a rir, divertir-se com as amigas, mas em alguns momentos tinha certeza que ela procurava por ele, quando fingia olhar para a sala inteira, em uma tentativa de fazer com que ele não percebesse quem ela realmente procurava. Nestes momentos seu coração se alegrava, e animava-o mais ainda em continuar com sua decisão de conquistá-la definitivamente.
O único problema é que quanto mais longe ela lhe parecia, mais tentadora ela ficava aos seus olhos. Não deixara de amá-la nem um milímetro, e não tinha ilusões de que seu amor por ela diminuiria com o tempo, estava resignado a sentir-se dessa maneira o resto da vida, mesmo sendo jovem demais para estar tão convicto do sentimento que carregava dentro de si.
Gilbert nunca fora do tipo de garoto que se atirava de cabeça em coisas ou situações que não lhe oferecessem algum tipo de segurança. Não se lembrava de ter se apaixonado por alguém algum dia, embora sempre soubesse admirar um rosto bonito e jogar seu charme quando tinha uma oportunidade, afinal era bem filho de seu pai que na juventude tinha sido bastante namorador, mas quando conhecera sua mãe fora atingido por uma paixão fulminante, e o mesmo tinha acontecido com Gilbert ao ver Anne pela primeira vez.
A princípio ela tinha lhe parecido apenas uma garota mal criada e atrevida, mas com o tempo percebera o quanto estava enganado. Anne tinha uma personalidade única, e sua inteligência brilhava no fundo de seus olhos azuis. Podia falar com ela sobre qualquer coisa, pois ela nunca se mostrava aborrecida ou entediada. Tinha uma curiosidade natural pelas coisas, e não era como as outras garotas que passavam o tempo falando sobre enxovais, bordados ou o último vestido da moda.
Ela possuía uma vaidade sem pretensões e isso era o que mais o atraía. Anne era linda por fora e por dentro, mesmo que ela própria não acreditasse que alguém pudesse achá-la bonita. Era também cabeça dura, irritante ás vezes, complicada, mas quando foi que ele fugira de um bom desafio? Gostava dela do jeito que era, sem disfarces ou artimanhas, e seu único objetivo agora era fazê-la acreditar nisso.
Por esta razão, quando a Srta Stacy falara sobre a peça que encenariam, ele resolvera participar. Embora apreciasse muito a sétima arte, não se considerava um bom ator, preferindo apenas ser um espectador ou trabalhar nos bastidores, onde pensava que seria mais útil do que em cima de um palco. Mas como ele sabia que Anne adorava esse tipo de evento, se candidatara sem realmente esperar que o papel principal fosse seu. Fora uma bela surpresa quando a Srta Stacy anunciara que ele seria Romeu, mas quando soubera que Ruby seria Julieta, seu entusiasmo diminuíra consideravelmente. Desejara muito que Anne fosse a protagonista junto com ele, pois assim poderia tê-la mais perto de si com a desculpa de que tal proximidade aconteceria por causa da peça, entretanto isso não ocorrera. Agora só lhe restava tentar encenar aquele papel o melhor possível, mesmo que Ruby não fosse a parceira que ele desejava.
Mas um incidente naquele mesmo dia, fez com que Gilbert mudasse de ideia quanto a isso. Estava passando casualmente perto do grupo de Anne no intervalo, enquanto conversavam sobre a peça e ouvira o comentário de Muddy sobre ele e Ruby serem o par perfeito para encenarem Romeu e Julieta, e Anne concordara com ele. Então uma ideia lhe ocorreu. Se a ruivinha estava tão empenhada em atirar Ruby em cima dele, Gilbert faria a sua vontade só para ter um pequeno prazer de descobrir como ela realmente se sentia a respeito de vê-lo com outra garota.
Não pretendia usar Ruby para provocar ciúme em Anne, mas não resistira àquela oportunidade, então dissera:
- Bem, Ruby.Como ficamos com o papel principal, acho que seria uma boa ideia se passássemos nossas falas juntos. Gostaria de ensaiar comigo depois da aula?
A menina prontamente aceitara o convite de Gilbert, fazendo-o sentir uma pontinha de culpa ao ver o sorriso que ela lhe dera Mas, ao olhar para Anne, percebeu que ela parecia incomodada com aquilo, então decidiu continuar com seu plano, prometendo que tomaria todo o cuidado para não magoar Ruby.
Assim, naquela tarde, ele e Ruby foram até o anfiteatro para começar os ensaios. Só que Ruby parecia tão tensa que gaguejava toda vez que tinha que dizer as falas de Julieta. Gilbert tentara fazer piada, dizendo coisas engraçadas em uma tentativa de fazê-la relaxar, mas não conseguira. .Depois de quase uma hora desperdiçada sem nenhum progresso, disse a ela que deveriam ir para casa e tentar ensaiar outro dia.
Não estava particularmente ansioso para isso, mas não poderia comprometer o sucesso da peça só porque a protagonista era incapaz de dizer uma palavra com coerência. Então, disse a Ruby que deveriam decorar as falas em casa e repassá-las quando a menina se sentisse mais segura.
Assim, Gilbert acompanhou Ruby até a casa dela, conversando sobre coisas sem importância. Ruby parecia estar nervosa, pois falava sem parar, e Gilbert estava ficando cansado de todo aquele discurso sem consistência nenhuma, por isso, ao chegar à porta de onde a menina morava, se despediu dela com apenas um "até amanhã", indo em direção á sua própria casa sem dar chance para que a garota falasse qualquer coisa que o prendesse ainda mais em companhia dela.
No dia seguinte na escola, percebeu que ela lhe lançava olhares apaixonados, o que ele ignorara totalmente, fingindo interesse excessivo no que estava lendo na sala de aula.
Só levantou os olhos do livro quando ouviu Anne pedir para sair da sala. A Gilbert ela não parecia bem, pois quando a professora lhe deu permissão para ir até o bebedouro, ele percebeu que ela tinha o rosto estranho como se sentisse alguma dor. Sua preocupação aumentara quando ele próprio saira da sala disfarçadamente, e encontrou Anne encostada na parede de olhos fechado. Aquilo o assustou de tal maneira que quase o fez correr para o lado dela, mas se controlou a tempo e tentou apenas demonstrar uma preocupação casual.
Anne não recebeu bem aquela aproximação, perguntando com a voz irritada:
- O que está fazendo aqui Blythe?
- Fiquei preocupado com você. - respondeu Gilbert, sentindo-se de repente zangado por não poder abraçá-la e cuidar dela como queria. Naquele momento, amaldiçoou a teimosia de Anne em mantê-los separados. Por isso, quando ela disse que ele não devia se preocupar, e logo em seguida comentou sobre seu ensaio com Ruby, ele viu ali uma maneira de alfinetá-la um pouquinho dizendo:
- É verdade. Ruby tem talento, além de ser uma menina muito meiga, é muito bonita também.
Gilbert percebeu imediatamente a reação de Anne à suas palavras, pois uma veia começou a saltar em sua têmpora direita e seus olhos escureceram de repente, e o menino sabia exatamente o que isso significava. Anne estava furiosa, mesmo tentando não deixá-lo notar o que estava pensando naquele exato momento, Gilbert sabia que conseguira mexer com ela, e aquele pensamento fez com que ele se aproximasse dela sem perceber. Não tivera a intenção de tocá-la, mas não conseguira sufocar a onda de ternura que tomara conta dele ao olhar nos olhos de Anne. Ele então afastara uma mecha de cabelo ruivo que caia ao redor do rosto da menina, acariciara sua bochecha e dissera desejado ardentemente poder chegar ainda mais perto:
- Se precisar de mim, sabe onde me encontrar. - e com essas palavras a deixara sozinha no corredor, pois temera que se demorasse um pouco mais ali acabaria por tomar uma atitude que depois lamentaria. Não iria forçá-la a uma situação a qual ainda não estava preparada.
Gilbert desejava Anne ao seu lado de todo o coração, mas quando isso acontecesse queria que fosse pela própria vontade dela e não por uma imposição sua. Com esse pensamento ele voltara para a sala de aula, sentando novamente em sua carteira como de costume, mas seu coração não estava mais ali. Tinha ficado no corredor junto a garota ruiva que naquele momento acabara de entrar na sala, fazendo-o compreender com uma nitidez cristalina que jamais amara alguém como amava Anne naquele momento.
GILBERT e ANNE
Ruby chegou à casa de Anne com o rosto banhado em lágrimas. Estava transtornada, as mãos tremiam e soluçava tão alto que quando a ruivinha a recebeu, pensou que havia sucedido alguma tragédia.
- Ruby, o que aconteceu? – perguntou a menina preocupada com o estado em que a amiga se encontrava.
- Ah, Anne. Por favor me ajude.- Ruby disse enquanto se atirava nos braços da amiga, continuando a chorar desconsolada.
- Sente-se aqui e me conte o que a deixou assim tão aflita.- disse Anne puxando a mão da amiga para que se sentasse com ela em um banco do jardim de Marilla.
- O problema é que não consigo decorar as falas da peça. Todas aquelas palavras difíceis me confundem. O que vou fazer? Vai ser um desastre! – Ruby colocou o rosto entre as mãos desesperada.
- Calma, Ruby. Não pode estar tão ruim assim..
- Está péssimo. O pior de tudo é a vergonha que estou sentindo de Gilbert. Ele tem tentado me ajudar nos ensaios, mas não consigo memorizar essas malditas falas. Acho que não devia ter aceitado esse papel.
Anne sentiu pena da menina. Sabia como ela devia se sentir, e decidiu que iria ajudá-la.
- Não chore, Ruby.Eu vou te ajudar. Encontre-me todos os dias depois da aula aqui em Green Gables, e passaremos suas falas juntas.
- Obrigada, Anne. Você é uma boa amiga. Virei aqui amanhã depois da aula, então - Ruby deu um abraço na ruivinha, e voltou para casa, suspirando aliviada. Estavam a exatamente três semanas do dia da peça, e quase desistira. O papel de Julieta era muito complexo para ela, e não pensara nisso quando fora escolhida para encená-la, pois seu pensamento estava na oportunidade que teria de ficar próxima de Gilbert. Agora pagava por sua insensatez. Tinha esperanças de que com a ajuda de Anne, pudesse pelo menos dar um tom menos amador para sua personagem.
Ensaiaram exaustivamente todos os dias,logo após o chá da tarde de Marilla, e embora Ruby não estivesse cem por cento conectada com seu papel, pelo menos tinha conseguido decorar todas as falas de Julieta.
Anne não considerava Ruby uma tola, apesar de muitas pessoas da cidade a considerarem mimada demais e desprovida de imaginação. Mas a ruivinha gostava da amiga, ainda que sentisse certo ressentimento por ela ser a razão de seu distanciamento de Gilbert.Anne tentava apenas levar em conta sua amizade por Ruby, deixando os outros problemas para trás.
O dia tão esperado chegou finalmente, e todos os participantes da peça assim como os figurantes estavam animados para a apresentação. O cenário estava magnífico, e fora produzido pelos alunos e pela Srta Stacy que trabalharam por várias semanas depois da aula para que tudo ficasse perfeito, e o resultado tinha superado as expectativas. Até Cole quisera ajudar, pintando vários painéis que agora enfeitavam a entrada, abrilhantando ainda mais aquela tarde gloriosa.
Os figurinos estavam impecáveis e muitos deles tinham sido produzidos por Marilla, Rachel e outras senhoras de Avonlea que entendiam de costura, e quiseram ajudar na peça da escola. Tudo parecia correr as mil maravilhas, e os alunos mal podiam conter sua ansiedade.
Anne estava ajudando Diana a vestir seus trajes, quando viu Gilbert chegar com seu figurino nas mãos e se aproximar delas sorrindo.
- Acho que teremos um espetáculo daqueles. Avonlea inteira parece ter vindo assisti a peça hoje . O anfiteatro está lotado. - ele disse muito animado.
- Que bom. Espero que nada saia errado, especialmente depois de todos os nossos esforços para que essa peça agradasse. -comentou Diana, também sorrindo.
- Espero que você tenha uma ótima apresentação,,Gilbert.- ao dizer estas palavras , Anne sorriu para o menino timidamente.
- Obrigada. Vocês também.. Bem, preciso me arrumar. Vejo vocês mais tarde. - Gilbert as deixou e se dirigiu para o vestiário masculino.
- Alguém viu a Ruby?- Anne ouviu a Srta Stacy perguntar.
- Ela ainda não chegou?- perguntou Diana.
- Não.Combinamos que todos estariam aqui às duas horas da tarde e ela já está vinte minutos atrasada.- disse a Srta Stacy, franzindo a testa de preocupação.
- Não se preocupe, ela deve estar chegando.- disse, Anne, tentando acalmar a professora. Mal tinha dito essas palavras e viu a menina surgir na porta de trás da entrada.
- Ruby, finalmente. Por que demorou tanto para chegar?- questionou a professora visivelmente aliviada.
- Professora, me desculpe, mas minha voz está péssima, não posso encenar a peça.- falava tão baixinho que mal dava para ouvi-la. Em seguida, começou a tossir sem parar.
- Meu Deus! O que vamos fazer?. Quem a essa altura .poderia substituir Ruby.? Sem a personagem principal não teremos peça nenhuma.- disse a Srta Stacy desolada.
- Anne pode substituir a Ruby. Ela sabe as falas de cor. Tem ensaiado com ela todos os dias.- disse Diana de repente.
- Não, eu não posso. Eu não ensaiei com o Gilbert nenhuma vez, não sei as marcações da cena, onde devo ficar. Acabarei arruinando tudo.
- Anne, por favor. Não quero obrigá-la a nada, mas não tenho mais ninguém para nos ajudar agora. O destino da nossa peça está em suas mãos.
Anne pensou por alguns momentos. Tinha decorado todas as falas para ajudar Ruby, então isso não seria um problema para ela.Mas com o teatro cheio daquele jeito será que seria capaz? Nunca se apresentara em público antes e não queria fazer algo tolo que pudesse comprometer a peça toda. Olhou para a Srta Stacy que esperava sua resposta com a respiração suspensa, então tomou uma decisão.
- Está bem. Aceito substituir a Ruby.
- Que maravilha! Muddy, vá dizer ao Gilbert que houve uma mudança de planos.- disse a Srta Stacy feliz por ter conseguido superar aquela pequena crise momentânea.
Anne começou a se vestir com a ajuda de Diana e outras meninas da peça e em vinte minutos estava pronta. Quando a Srta Stacy veio verificar se tudo estava bem, ficou encantada quando viu Anne.e disse:
- Garota,você está maravilhosa. Este vestido parece que foi feito sob medida para você.
Anne agradeceu encabulada.Não estava acostumada a receber elogios deste tipo de outras pessoas que não fosse Diana ou Cole.
Dez minutos depois foram avisados que a peça começaria e Srta Stacy se dirigiu a audiência começando a contar a história de Romeu e Julieta para o público.
O primeiro ato mostraria o momento em que Romeu e Julieta se conheciam na festa dos Capuletos, família de Julieta.,e se apaixonavam perdidamente para depois descobrirem que eram inimigos mortais.
Gilbert foi o primeiro a entrar, e Anne o observou atrás das cortinas dos bastidores. Ele parecia um príncipe perfeito em seu figurino azul e boina combinando, e Anne sentiu seu coração se acelerar em vê-lo tão a vontade naquele papel que o fazia parecer o próprio Romeu encarnado.
Após a entrada de Gilbert, Anne foi avisada que seria sua vez . .Então ela respirou fundo, relembrando mentalmente cada linha daquela cena, e pisou no palco se juntando a Gilbert.
Assim que Gilbert a viu, ficou tão extasiado que quase esqueceu sua fala. Anne usava um vestido vermelho escuro, que realçava seus cabelos ruivos presos no alto da cabeça por uma tiara prateada, caindo pelas costas em lindas ondas.. Quando seus olhos se encontraram na parte da cena em que Romeu e Julieta flertavam na festa um com o outro, Gilbert duvidava que alguém já tivesse visto uma Julieta tão bonita.
Ficara imensamente satisfeito quando Muddy o avisara da mudança de atrizes, e pensara que aquela peça agora tinha um novo significado para ele, pois encená-la com Anne seria tão incrível, que Gilbert estava disposto a tornar aquele momento inesquecível para os dois.
O segundo ato mostrava a cena do balcão, onde Julieta olhava as estrelas sonhadoras e eis que surgiu Romeu todo apaixonado e dizia a famosa frase:
- Meu doce anjo. Nem mesmo a lua é tão linda quanto você. Meu coração e alma são completamente seu. Não posso mais viver sem você agora que descobri que é quem eu tanto procurava.
E Julieta também apaixonada respondeu:
- Romeu, meu Romeu. Por que você tem que ser um Montecchio? Renegue seu pai, esqueça seu nome, mas se não puder fazê-lo só diga que me ama e não serei mais uma Capuletto.
Tanto Anne quanto Gilbert disseram estas palavras com tanta emoção que arrancaram aplausos entusiasmados de todos os presentes, inclusive de Matheus e Marilla que estavam na primeira fila orgulhosos da menina.
O terceiro ato mostrava o momento no qual o casamento de ambos se realizava em segredo, e logo em seguida Romeu se envolveu em uma briga com o primo de Julieta e acabou matando-o, tendo que fugir para escapar da prisão.
Neste ponto da peça, os espectadores estavam tão envolvidos pela encenação tão perfeita de Gilbert e Anne que nem piscavam, esperando pelo fim eminente dos dois protagonistas.que por vezes se olhavam cúmplices e sorriam. Anne se sentia a própria Julieta e seu amor proibido, tendo que escondê-lo nas sombras para poder viver seus momentos com Romeu, enquanto Gilbert continuava encantado pela naturalidade que Anne representava aquele papel como se tivesse vivido sobre um palco a vida inteira. Sabia que ela era capaz de grandes paixões, mas não como aquela que ela tão brilhantemente apresentava a todos que estavam ali presentes, e a observavam hipnotizados por sua figura pequenina que se agigantava quando recitava as falas de Julieta com perfeição.
Enfim chegaram ao último ato quando Julieta tomava uma poção que a deixava como morta e acordaria quando Romeu chegasse para que pudessem fugir juntos e viver felizes para sempre, mas o plano fracassava, pois Romeu não era avisado a tempo, e desesperado tomava as últimas gotas de veneno que restaram no frasco e morria quase que imediatamente. Julieta ao acordar via seu amado morto, encontrava uma faca junto a Romeu e tirava a própria vida, dizendo as palavras que fez todos que assistiam a peça chorarem de emoção:.
-- Romeu, meu Romeu. O que você fez? Você não pode morrer. Eu não sou nada sem você, amor da minha vida. O que é isso? Oh, uma faca. minha amiga e me deixe morrer por meu Romeu.
Anne parecia estar vivendo realmente todas as emoções da personagem, vendo seu amado sem vida ao seu lado, chorava como se fosse ela a sofrer aquela perda terrível. Até Gilbert que se mantinha de olhos fechados, sentiu-se emocionado com a carga de emoção que Anne foi capaz de dar à cena.
O anfiteatro quase veio abaixo com aplausos e assovios das pessoas presentes que aplaudiam de pé todo o elenco que participara daquela produção maravilhosa. Gilbert e Anne não desviavam o olhar um do outro, ainda envolvidos por tudo o que acontecera naquele palco. Ambos sabiam que tinham compartilhado de algo tão imenso que jamais poderiam esquecer., ficaria marcado em seus corações para sempre.
Assim que as cortinas se fecharam, todos os alunos que participaram da peça vieram cumprimentar Anne e Gilbert. A Srta Stacy não cabia em si de contentamento e disse toda entusiasmada.
- Vocês dois foram fantásticos. Não poderia ter escolhido protagonistas melhores para essa peça. Me lembrem de escalá-los novamente em produções futuras.- deu um abraço e beijo em cada um, depois saiu para falar com alguns pais que se aproximavam.
- Com o canto do olho Anne viu Ruby se aproximar de Gilbert e começarem a conversar. Eles pareciam tão a vontade um com o outro que todo o entusiasmo que ela sentia por dentro morreu. De repente ir para casa era a única coisa que queria fazer.
Diana se aproximou neste momento toda sorridente e disse para a amiga:
- Anne você e Gilbert foram incríveis.
- Obrigada, Diana.- disse Anne tentando disfarçar sua tristeza.
- Você sabe que haverá uma pequena comemoração na casa da Srta Stacy. Você virá.
- Não, prefiro ir para casa. Todas essas emoções da peça me deixaram exausta..
- Tem algo errado, Anne.Você parece um pouco triste.- disse Diana. Ela sempre sabia quando Anne estava tentando esconder alguma coisa dela.
- Não, é só cansaço mesmo..- Anne respondeu, sorrindo com toda alegria de que foi capaz..
- Nos vemos depois então.- Diana se despediu dando um beijo em Anne ,se juntando as outras amigas da peça.
Anne trocou de roupa, deixou a escola e começou a caminhar em direção à Green Gables.. Seu coração estava pesado, apesar de todo o sucesso daquela tarde. Ver Gilbert com Ruby tirara todo o brilho do momento que vivera com ele.
Sua mente lhe dizia que era melhor assim, mas suas emoções não tinham tanta certeza. Será que devia ter lutado por ele, arriscando perder a amizade de Ruby para sempre? Não, ela nunca se perdoaria se tivesse magoado Ruby de maneira irremediável. Mas que preço pagara por isso? Perdera o único garoto que importara para ela e a constatação desse fato a deixava arrasada. Será que aquele tormento se amenizaria algum dia? Será que aquela agonia que paralisava seus sentidos a deixaria finalmente em paz? Chorar até que seus olhos não pudessem mais derramar uma lágrima ajudaria? Ela se sentia no meio de uma tormenta, e não havia abrigo para o seu coração.
De repente ouviu passos atrás de si e uma voz conhecida chamando seu nome.Ela sabia quem era, mas teve que se certificar de que não fora apenas sua imaginação que trouxera até ela aquele som tão amado.
Olhou para trás e viu Gilbert caminhando em sua direção. Anne estranhara o fato de ele estar ali e não com Ruby na festa da Srta Stacy. Por que será que não tinha ido? Aquela pergunta ficou martelando em sua cabeça enquanto esperava que ele se aproximasse:
- Posso te fazer companhia?- disse ele ao alcançá-la.
- Claro. Por que você não foi à festa de comemoração da peça?- Anne fez a pergunta com cautela. Não queria que Gilbert percebesse seu interesse por tudo que ele fazia.
- Não sou exatamente uma pessoa muito sociável. Prefiro ficar sozinho às multidões. E depois das emoções dessa peça, acho que mereço um momento comigo mesmo.
- Você esteve incrível, tenho que admitir. Não sabia que havia uma veia teatral em você. Realmente me surpreendi. – Anne evitava olhar diretamente para ele, pois qualquer contato visual mexeria com seus nervos, e ela achava melhor manter essa barreira velada entre eles, para não correr o risco de se trair e dizer algo que revelasse seus verdadeiros sentimentos.
- Você é que foi fantástica. Eu sempre imaginei que você tinha talento, mas só percebi o quanto hoje a noite. Você me inspira, Anne. Sabe disso, não é? – o tom de voz que ele usou para dizer-lhe aquelas palavras deixou-a com as pernas bambas. Ela quis dizer alguma coisa para quebrar o silêncio que se seguiu, mas apenas levantou os olhos que se prenderam nos de Gilbert.
Aqueles olhos castanhos eram sua perdição. Tinham um brilho tão intenso que tocavam no fundo de sua alma. Parece que sempre conseguiam descobrir qualquer segredo que ela escondesse, e sempre exigiam mais do que ela poderia revelar.
Gilbert também não ficou indiferente a essa troca de olhares. Quando fitou aquele rosto suave, só conseguiu ver um par de imensos olhos azuis que lhe diziam tanta coisa sem que precisasse perguntar. Mar e oceano se misturavam como se fossem ondas gigantescas se quebrando no recife,e ele se sentia atraído por aquela força da natureza que era Anne.
Não souberam por quanto tempo ficaram se olhando e nem quanto tempo se passara, mas quando se moveram, fizeram isso ao mesmo tempo, e em um segundo estavam nos braços um do outro.
Se beijaram diminuindo a distancia que os tinha separado até ali. Anne sentia tantas saudades de Gilbert que se esquecera completamente porque se afastara dele. Será que não podiam congelar o tempo e ficar abraçados assim pelo resto da vida? ela pensou.
Gilbert se sentia da mesma maneira, e os últimos dias parece que foram para ele uma provação. Anestesiara seus sentimentos para não sentir a dor da ausência dela, mas agora percebia que só mascarara aquela sensação de infelicidade que apenas ia embora quando podia tê-la junto ao seu coração.
Sentiu as mãos de Anne em seu peito empurrando-o suavemente. Ele quis protestar, porém, a ruivinha com a ponta dos dedos tocou seus lábios, impediu-o de dizer qualquer palavra. Em seguida, fez um carinho no rosto de Gilbert como se despedisse, virou as costas e foi pra casa, deixando-o sem entender o significado daquele gesto.
Gilbert recomeçou a andar, esperando que suas emoções se acalmassem. Sabia dos riscos e da tarefa árdua que teria pela frente para reconquistar aquela garota que nunca saia de seus pensamentos, mas destruiria cada maldita barreira que ela insistia em colocar entre eles, e encontraria definitivamente o caminho para o seu coração.
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