Capítulo 140 - Um novo Blythe
Olá, pessoal. Último capítulo postado. Amanhã postarei o epílogo e assim fecharemos esse ciclo de dois anos dessa fic enorme. Espero pelos comentários e votos, caso queiram deixá-los aqui para que eu saiba o que acharam da história até aqui. Beijos, Rosana.
GIILBERT E ANNE
Passada a euforia inicial de notícias tão inesperadas, Gilbert levou Anne para casa. Eles combinaram de não contar nada para ninguém até que tivessem a confirmação de um médico para não gerar expectativas demais, deixando Anne mais nervosa do que seria recomendável.
Entretanto, naquela noite após o jantar, quando Anne já estava confortavelmente adormecida na cama de casal que dividia com Gilbert, o rapaz se mantinha acordado, ouvindo o tique taque do relógio, e observando as sombras estranhas que a fraca iluminação que vinha do lado de fora desenhava no teto do quarto, sem conseguir parar de pensar na notícia que Anne lhe dera.
Ele estava feliz, mas ao mesmo tempo temeroso, pois em sua cabeça, os acontecimentos de cinco meses atrás ainda estavam frescos em sua memória, e pensar que poderia enfrentar uma maratona como aquela novamente quase o fazia entrar em uma onda de ansiedade crescente que piraria seu cérebro se ele não se controlasse a tempo.
Sem conseguir dormir, ele saiu devagar da cama, desceu as escadas e foi até a cozinha, onde encheu um copo com água gelada e a tomou devagar sentado à mesa e perdido em pensamentos.
Ele se lembrava bem das recomendações do Dr. Miller a respeito de uma nova gravidez, e os riscos que Anne enfrentaria se caso resolvesse engravidar novamente. A questão ali era que acontecera, sem planejamento de nenhum dos dois, e como acontecera apesar de Anne se cuidar com os remédios que o médico prescrevera, ele só podia intuir com certo humor que o ar de Paris tinha um certo afrodisíaco sobre os dois, pois o primeiro bebê deles fora concebido lá também.
Brincadeiras à parte, e pensando mais seriamente sobre a questão, a única certeza que tinha era que dessa vez ficaria ao lado de Anne do começo ao fim, pois não queria ter que passar por situações que colocassem mãe e filho sob um estresse desnecessário.
As mãos macias de Anne em suas costas o fizeram se virar e dizer:
- O que está fazendo aqui? Deveria estar na cama amor.
- Você também-.- ela respondeu, olhando-o com certo receio, pois conhecia bem a mania de seu marido de ponderar demais em determinados assuntos. Ela entendia que a surpresa fora grande, e estava temerosa pelo que viria agora que toda a excitação da novidade tinha passado.
- Senta aqui. - Ele disse, puxando-a para seu colo, e olhando-a por alguns segundos em silêncio.- Está se sentindo bem?
- Estou sim, mas e você? Como está seu sentindo?- Anne perguntou, passando o dedo indicador pela testa franzida de Gilbert onde rugas de preocupação se formavam.
- Muito feliz.- ele respondeu com sinceridade. Apesar do perigo iminente, sua preocupação não diminuía sua alegria de ser pai pela segunda vez.
- Então, por que está na cozinha a essa hora da madrugada?- ela perguntou, afundando os dedos nos cachos sedosos do rapaz.
- Não conseguia dormir e não quis te acordar. - Gilbert disse, passando o dorso de sua mão direita na bochecha de Anne vagarosamente.
- Está preocupado, não é? Eu sei, pois sinto seu coração bater diferente. - Anne disse colocando a mão no peito de Gilbert.
- Não vou mentir e dizer que não estou preocupado. Mas fui sincero quando disse que também estou feliz. É mais um presente lindo que me dá. - Gilbert respondeu, beijando-a na testa.
- Eu quase não acreditei quando descobri. Pensei que nunca mais sentiria essa emoção de novo. - Anne disse, enquanto Gilbert pegava em sua mão e a levava aos lábios, beijando seus dedos um a um.
- Vou estar do seu lado a cada segundo dessa vez . Amanhã quero te levar a uma médica obstetra que é bastante conceituada na faculdade, pois tenho uma sensação boa de que ela pode nos ajudar quanto a sua gravidez. Eu vou cuidar de vocês dois com todo o meu amor.- ele a trouxe para mais perto e Anne respondeu:
- Você sempre cuidou de mim, amor.
- Não, na gravidez de Rilla. Eu te deixei emocionalmente sozinha várias vezes, e isso não vai acontecer novamente. - Ele ainda sentia culpa por aquela época, e ao ver sua filha crescer tão saudável, Gilbert tentava compensar aquela falta com toda a dedicação de pai que ela merecia.
- Foi uma situação difícil para nós dois. Nunca te culpei por nada. Você fez o melhor que pôde. - Anne respondeu, e lágrimas inesperadas começaram a escorrer pelo rosto de Gilbert que foi abraçado por ela, ao ouvir os soluços baixos do marido.
- Anne, me perdoe. Eu sei que não fui o homem que você merecia. Mas eu tinha tanto medo de te perder, que deixei que a revolta e a raiva tomassem conta do meu coração quando eu devia ter sido o seu apoio incondicional.
- Você foi o meu apoio incondicional, Gilbert. Se não fosse por você, eu não teria conseguido superar tudo aquilo. Não se culpe por ser humano. Você agiu com seu coração, e nunca desistiu de mim, mesmo quando o médico te deu poucas esperanças que eu voltasse do coma. Você é o melhor marido do mundo, e precisa se perdoar, meu amor.- as palavras alentadoras de Anne entraram no coração de Gilbert como um bálsamo necessário e tão esperado. Ele chorou por alguns minutos, deixando que a dor, o remorso e a mágoa saíssem de dentro se si e suas feridas ainda abertas por tanto tempo fossem se curando uma a uma.
Quando a crise passou, o rapaz sentia como se um peso enorme tivesse sido tirado de suas costas. Ele carregara aquela culpa dentro de si por tempo demais, e agora que uma nova fase de sua vida estava se iniciando ao lado de Anne, Gilbert prometeu a si mesmo que faria tudo diferente dessa vez.
-Vamos para a cama? Acho que consigo dormir agora. - Anne concordou e quando ia se levantar, Gilbert a pegou no colo e disse:- Eu te falei que ia cuidar de você, e esses cuidados começam neste instante.
- Vai me deixar mal acostumada desse jeito, Dr. Blythe. - Anne disse sorrindo, ao pensar no quanto amava aquele rapaz que tinha um coração enorme e que nunca media esforço para que ela fosse feliz.
- Eu não me importo. Vou te carregar a gravidez inteira se for necessário. - Gilbert respondeu, sorrindo de um jeito que fez o coração apaixonado de Anne dar um pulo dentro peito, enquanto ela se aconchegava ao peito dele, se sentindo completamente sonolenta. Quando chegaram ao quarto e Gilbert a colocou com cuidado entre os lençóis macios, Anne já estava dormindo.
O dia seguinte chegou para ambos cheios de expectativas e ansiedade. Logo que se levantaram, se vestiram e tomaram o café juntos, e depois cuidaram de Rilla, saindo de casa quase que imediatamente. Sebastian e Mary haviam viajado para visitar parentes dela por alguns dias, o que tornou mais fácil ir ao médico sem ter que explicar porque tinham se levantado tão cedo em seu período de férias.
Enquanto dirigia para Charlotte Town onde o consultório da médica se localizava, Gilbert lançava olhares furtivos em direção a sua esposa que tinha as mãos apertadas no colo, e uma postura tensa que lhe daria mau jeito no pescoço se continuasse naquela posição. Ele imaginava o que devia estar passando na cabeça de Anne, pois seu cérebro também não parava de trabalhar. Ela tinha todo um histórico complicado de uma gravidez que durara oito meses, um coma de vários dias e uma recuperação de sucesso, mas que não deixara de ser difícil. Infelizmente, aquela não era sua área de estudo para poder ajudá-la a se acalmar. Tudo o que podia fazer e faria era ficar ao lado dela como prometera, e torcer para que tudo acontecesse de uma forma mais suave dessa vez.
Ao mesmo tempo em que seu marido tentava manter a coerência de seus pensamentos, Anne também não conseguia deixar de pensar nos oito meses que tivera Rilla dentro de si, e rezando para que ela viesse ao mundo sem nenhum problema recorrente de sua gestação complicada. Ela também se perguntava se tinha o direito de arrastar Gilbert para uma nova jornada desconhecida, como se fosse um mergulho no escuro, sem saber em que direção estavam indo mais uma vez. No entanto, por mais dura que fosse essa nova provação, não podia desistir desse bebê como não desistira de Rilla, e lutaria por ele com a mesma força que encontrara em si mesma da última vez, pois essa criança merecia vir ao mundo e experimentar todas as maravilhas que a aguardavam do lado de fora. Deus lhe confiara mais uma vez um de seus anjos, e cuidaria dele até que não lhe sobrassem mais forças.
- Está nervosa?- Gilbert perguntou, preocupado com a expressão cada vez mais tensa de sua esposa.
- Um pouco.- ela respondeu, tentando sorrir.
- Eu estou aqui com você, meu amor e vou segurar em sua mão, prometendo nunca a soltar até que nosso filho esteja em seus braços. - Anne sentiu sua garganta se apertar diante daquela demonstração de amor tão grande. Em sua primeira gravidez, Gilbert não pudera estar com ela desde o princípio para lutar contra a dor da perda. Na gravidez de Rilla, ele tentara apoiá-la, mas estava perdido demais dentro de suas próprias emoções para conseguir ajudá-la com as dela, e agora, Gilbert estava ali, inteiro, firme como uma rocha na qual Anne sabia que poderia se agarrar e que não a deixaria se afundar em momento nenhum.
- Eu sei.- foi tudo o que conseguiu dizer, porque em seus olhos estavam todos os seus sentimentos por aquele rapaz incrível, que não precisava de nenhuma palavra dela para entender como ela se sentia por ele estar ali com ela.
A espera pela médica durou cerca de trinta minutos, e quando foram finalmente chamados, Gilbert segurou na mão dela como prometera, e naquele momento, ela sentiu que tudo ficaria bem.
- Bom dia, meu nome é Elisabeth Simpson. Você é a Anne, esposa de Gilbert Blythe. - A médica loira de olhos castanhos disse, reconhecendo imediatamente o rapaz como sendo um de seus alunos nas aulas de laboratório.
- Sim.- Anne respondeu, se sentando ao lado de Gilbert de frente para a médica.
- Em que posso ajudá-la, Anne?
- Essa é minha filhinha Rilla de cinco meses, e suspeito que estou grávida novamente.- Anne disse, encorajada pelo sorriso simpático da médica que não parecia ter mais que trinta anos.
- E como se sente ao suspeitar que está grávida novamente depois de tão pouco tempo de sua primeira gestação?
- Eu estou feliz, mas um pouco apreensiva. - Anne confessou, enquanto Rilla agarrava uma mecha do seu cabelo.
- Por que?- a médica perguntou, pegando o prontuário de Anne para começar a traçar o histórico da paciente naquele momento.
- A gravidez de Rilla foi complicada, mas antes dela aconteceu um outro incidente.
- Estou ouvindo. - A médica a incentivou a continuar falando, enquanto anotava cada detalhe que Anne estava lhe contando.
Assim, com o apoio de Gilbert que segurava em sua mão, Anne foi capaz de relatar cada pedacinho de sua história desde seu bebê perdido até o momento presente. Quando terminou, seu rosto estava banhado em lágrimas, e ela se perguntava se um dia conseguiria lembrar de tudo aquilo sem chorar.
- Antes que eu fale qualquer coisa sobre o que me contou, eu vou examiná-la primeiro. - A Dra. Simpson disse a Anne, que a seguiu até uma sala privada, onde a ruivinha se despiu no banheiro ao lado, vestindo o avental característico para exames, e esperou que a médica terminasse todo o exame, para se vestir novamente, e voltar para perto do marido que ao vê-la retornar, perguntou:
-Tudo bem?- Anne assentiu, e ele voltou a segurar a mão dela.
- Bem, Anne, pelos exames que fiz, pude constatar que você está mesmo grávida. - Anne imediatamente olhou para Gilbert que tinha Rilla no colo. O rapaz lhe deu um sorriso e beijou Rilla no topo da cabeça enquanto esperava pelo que a médica tinha a dizer.
- O que posso dizer para vocês dois é que uma gravidez nem sempre é igual a outra, e as chances de você ter pré eclampsia em uma segunda gravidez é mínima, especialmente porque o bebê é filho do mesmo parceiro. Se o pai desse bebê fosse outro, as chances seriam maiores. Você é jovem, e saudável apesar de tudo o que me contou. Eu entendo a preocupação de seu outro obstetra que lhe disse para não engravidar uma segunda vez por motivos óbvios, mas como estudante de medicina, seu marido sabe que a ciência tem avançado todos os dias, e muito do que poderia parecer impossível no passado, hoje é totalmente possível. É lógico que levarei em conta tudo o que me contou, vou pedir mais exames, mas sou otimista o bastante para pensar que essa gravidez será mais tranquila que a primeira. Vamos monitorar sua pressão arterial de perto, aumentar a frequência de seu pré natal, ficar atentos a qualquer alteração em seu metabolismo, e lhes prometo que farei o impossível para que esse bebê venha ao mundo lindo e cheio de vida.- Elisabeth disse com um sorriso.
- Obrigada. - Anne disse, apertando a mão de Gilbert.
- Eu sei que está com medo, Gilbert, posso ver isso em seus olhos.- a médica disse, olhando para o marido de Anne. - E também compreendo os seus motivos para se sentir assim, mas peço apenas que confie em mim e eu prometo que em nove meses você terá sua esposa e filho a seu lado sãos e salvos.- Gilbert olhou para Anne que ainda tinha os olhos úmidos de lágrimas e respondeu:
- Foram dias difíceis, mas eu estou disposto a tentar tudo para que Anne e meu filho fiquem bem. Por isso, eu confio em você.
- Ótimo. Você não vai se arrepender.- depois se voltando para Anne, a médica disse:- Por hoje eu quero que descanse e até que tenhamos os resultados dos exames, não quero que faça nenhum esforço desnecessário.- Anne assentiu, sabendo que o que Elisabeth queria dizer era que ficasse inativa a maior parte do tempo como acontecera quando sua gravidez de Rilla estivera em risco, mas ela entendia que seria por pouco tempo ou pelo menos até que os exames atestassem que estava tudo bem com ela.- Nos vemos em uma semana.- a obstetra disse, terminando a consulta.
Eles voltaram para casa mais animados, porém cautelosos em partilharem seus pensamentos. Ambos tinham receio de ficarem esperançosos demais e depois se decepcionarem com os exames, por isso guardaram para si qualquer sentimento sobre o que estava por vir.
Como recomendado pela médica, Anne ficou de repouso naquele dia, e por isso não pode comparecer ao aniversário de Brian. A fim de que Diana não ficasse chateada, Anne pediu a um empregado da fazenda que lhe passasse o recado, e ainda pediu que se ela pudesse que comparecesse a sua casa à noite para que Anne lhe explicasse melhor o que tinha acontecido. A ruivinha e Gilbert ainda combinaram que Matthew e Marilla deveriam estar presente na fazenda, além de Mary e Sebastian que estariam em casa naquela tarde, pois contariam de uma só vez a novidade e assim não precisariam inventar desculpas para o repouso de Anne.
Desta forma, quando Mary e Sebastian chegaram, Gilbert apareceu com Matthew e Marilla, seguidos de Diana e Jerry. A ruivinha até pensou na coincidência de tudo aquilo, mas também admitiu que era melhor assim, pois deste modo não teria que segurar sua ansiedade para contar sobre a sua gravidez.
- Parece que fomos convidados para uma reunião, e não sabíamos.- Marilla comentou, enquanto Matthew a encarava sem entender nada.
- Anne, isso não tem nada a ver com seu desmaio ontem, tem?- Diana perguntou preocupada.
- A Anne desmaiou ontem?- Mary perguntou, olhando para Gilbert.
- Filha, você não está doente, está?- Matthew questionou Anne, e se aproximou um pouco dela com a fisionomia apreensiva.
- Calma, eu não estou doente. Chamamos todos aqui, porque queríamos dar uma notícia maravilhosa.- ela esperou um momento e revelou, sentindo os braços de Gilbert ao redor de seus ombros.- Estou grávida.
- Meu Deus! Mais um netinho? Que felicidade! - Matthew disse, abraçando Anne, e beijando o rosto da ruivinha sem parar, enquanto Marilla fazia o mesmo.
- Estou muito feliz por vocês dois.- Mary disse quando chegou sua vez e de Sebastian cumprimentar Anne e Gilbert. Apenas Diana não parecia feliz com a notícia, e quando se aproximou do casal ao lado de Jerry, ela disse em um tom mais baixo para que os outros não escutassem:
- Anne, tem certeza? Você se lembra do que o médico disse sobre uma segunda gravidez?
- Gilbert me levou hoje de manhã a uma obstetra maravilhosa, e ela me pediu mais exames, e disse que não vê motivos para que eu não tenha uma gravidez normal.- Anne explicou, vendo Diana encará-la com os olhos marejados e dizer:
- Eu juro que queria ficar feliz por você, porque sei o quanto desejou isso, mas tudo no que consigo pensar é na gravidez de Rilla e no quanto ficamos perto de perder você. E não sei se consigo passar por aquilo de novo.
- Eu vou ficar bem. Vocês não vão me perder. Só me dê um abraço e diz que me vai me apoiar como sempre fez. - Anne pediu. Diana lhe deu o abraço, mas não disse o que Anne queria ouvir, e por mais que entendesse as razões da amiga. Anne foi dormir naquela noite chorando nos braços de Gilbert, que fez de tudo para consolá-la.
- Não chora, amor. É lógico que ela vai te apoiar. Diana apenas foi pega de surpresa pela notícia, mas quando o bebê nascer, ela estará do seu lado com certeza. - Anne quis com todas as forças acreditar nas palavras de seu marido, mas se passou um bom tempo até que ela conseguisse parar de soluçar, e adormecesse com a cabeça apoiada no peito de Gilbert.
E assim, nos dias que se seguiram, os exames que a médica pediu foram feitos, e quando os resultados atestaram que Anne estava forte e sadia para levar aquela gravidez adiante, tanto ela quanto Gilbert puderam pelo menos momentaneamente, respirar aliviados pelas boas novas. Porém, ainda havia o fantasma da pré-eclâmpsia rondando sua felicidade e que nunca surgia no primeiro ou segundo mês. Era necessário que esperassem até o quinto ou sexto mês para saber se Anne desenvolveria de novo a doença, e deste medo o medo e a preocupação se tornaram itens diários na vida de Anne e Gilbert que procuravam viver um dia de cada vez, sem deixarem que aquela espada suspensa sobre suas cabeças uma segunda vez atrapalhasse a felicidade que estavam sentindo. No entanto, Gilbert não se descuidava um minuto da saúde de Anne, e passou a monitorar sua pressão diariamente, cumprindo sua promessa de ser seu fiel parceiro naquela inesperada e linda jornada de lutar pela vida daquele bebê que a vida havia lhes dado como presente.
Pelo seu lado, a ruivinha estava feliz por estar em casa, e cercada de tanto amor e carinho ela foi florescendo aos poucos. Matthew parecia estar no céu por poder participar dessa vez da gestação de Anne, e falava sem parar do nascimento do seu netinho a quem ensinaria absolutamente tudo a respeito de como tomar conta de uma fazenda, compartilhando assim, a opinião de sua filha adotiva que aquele bebezinho já tão amado por todos seria um lindo menino.
Marilla já começara a bordar um enxoval completo para o filho de Anne, deixando escapar em sua expressão carrancuda um de seus raros sorrisos de vez enquanto, mostrando mesmo que de forma sutil sua alegria por mais uma criança estar a caminho, a qual encheria Green Gables com seus risos deliciosamente infantis.
Até Rilla parecia estar envolvida naquela atmosfera leve e feliz, mesmo não compreendendo que em breve teriam um novo integrante na família, a menininha parecia pressentir que algo importante logo aconteceria, deixando seu ambiente familiar ainda mais colorido, e por esse motivo, se mostrava mais risonha e carinhosa com a mãe que continuava a cuidar dela com todo amor e carinho. Sem contar Milk, que voltara toda sua atenção para sua verdadeira dona, com seu instinto animal maravilhoso o preparando para ser o fiel escudeiro de mais uma criança que estava para chegar à família Blythe.
A única que se mantinha um pouco distante de toda essa animação era Diana. Ela continuava a visitar Anne com assiduidade, fazendo-lhe companhia quase todas as tardes, mas havia em seus modos uma certa reserva que magoava Anne. Ela esperava que com o tempo, Diana mudasse sua postura em relação à sua gravidez, mas conforme os dias foram passando, a morena continuava tratando Anne com certo distanciamento, e assim a ruivinha desistiu de esperar por um apoio que nunca existiria.
O que Anne não imaginava era que internamente Diana sofria, e tentava se proteger por meio de atitudes frias e controladas de uma possível crueldade do destino que poderia lhe roubar de uma hora para outra sua amiga tão querida. Só Jerry sabia de sua dor e angústia porque a amparava em seu colo todas as noites enquanto ela chorava por saber que estava magoando Anne, mas não conseguia evitá-lo. Ela sempre fora como uma irmã, e vê-la em coma por conta de algo que desejara tanto a marcara profundamente, e ainda tivera que ajudar Gilbert a se manter em pé, quando por dentro, ela desmoronava. Por isso, lhe era tão difícil ficar feliz com um fato que deveria ser uma bênção dentro de uma família, mas por conta de tudo o que aconteceu, Diana não conseguia enxergar a situação daquela maneira.
Deste modo, os meses foram passando lentamente, e como prometido Anne e Gilbert se mudaram para a casa nova, que se tornou bastante movimentada por conta da gravidez da ruivinha, pois sempre havia alguém com ela, cuidando para que ficasse bem enquanto Gilbert ia para o trabalho ou estava na faculdade, o que deixou o rapaz bastante aliviado, pois ficar afastado dela, mesmo que por poucas horas causava-lhe grande ansiedade no estado em que ela se encontrava.
Enquanto seu marido usava todos os seus talentos acadêmicos para conseguir ganhar cada vez mais conhecimento na área que escolhera como profissão, Anne voltou a realizar seus estudos em casa, pois sua médica lhe aconselhara a ter uma vida menos estressante possível até o nascimento do bebê, e assim com a autorização da reitoria que acatou ao pedido médico da obstetra de Anne, a ruivinha pôde concluir seu semestre no conforto de sua sala de estar, em companhia de Rilla, Milk e qualquer um de seus amigos que a estivesse visitando na ocasião e uma saborosa xícara de chá.
O Natal daquele ano trouxe a Anne inúmeras surpresas como um excelente presságio do que estava por vir. Cole veio morar definitivamente em Avonlea com Pierre, e a ajudara a decorar o quarto do bebê de jeito que imaginara, já que Gilbert estava totalmente focado em suas provas finais antes das festas de fim de ano.
Aquele também foi o primeiro Natal de Rilla no qual a garotinha podia ver flocos de neve caindo pela janela, e se maravilhar com aquele cenário totalmente branco.
- Venha, Rilla. Vamos construir um boneco de neve para presentear a mamãe.- Gilbert disse em uma tarde de sábado, ao ver os olhos da garotinha brilharem ao observar a quantidade de neve em frente à casa.
- Coloque o casaco de lã nela, Gilbert. Eu não quero que ela fique resfriada.- Anne disse, sentada em frente a lareira com um de seus livros favoritos em mãos, e coberta até a cintura com uma manta quentinha.
- Pode deixar, amor.- Gilbert respondeu, entrando no quarto de Rilla e saindo de lá com a garotinha vestindo casaco e calças de lã pretas, nos pés um par de bolinhas de inverno que acabara de ganhar de Marilla, e um gorrinho vermelho na cabeça que era quase da cor de seus cachinhos ruivos.
O rapaz também teve o cuidado de colocar uma cadeirinha na frente da casa onde pôs Rilla sentada. Aos oito meses, ela já não precisava mais de apoio nenhum para se manter em uma posição ereta, o que foi considerada por sua pediatra algo bastante precoce, pois somente aos nove meses a maioria das crianças conseguia essa proeza. Fato que não espantou Anne nem um pouco, pois sendo filha de quem era sua capacidade de realizar coisas antes do tempo era apenas um mero detalhe.
Deste modo, Gilbert começou a construção do boneco de neve sobre a cuidadosa supervisão de sua filha, que ria sem parar pelas caretas que o pai fazia, enquanto executava aquela tarefa que aos seus olhinhos inocentes parecia extremamente divertida. Anne acabou sendo atraída pelo som animado da filha, e resolveu se juntar a sua pequena família do lado de fora mesmo detestando o frio, pois estar com eles era mais importante do que qualquer temperatura desagradável.
- Quer ajuda?- Anne perguntou, observando Gilbert colocar uma cenoura como nariz no boneco.
- Então, a Princesa Cordélia, resolveu sair de seu castelo e se juntar a esse pobre plebeu?- o rapaz disse com uma alegria invejável. O humor de Gilbert andava excelente nos últimos dias, principalmente porque era Natal e estavam em casa.
- Acho que seu boneco precisa de algo.- Anne disse estendendo a velha boina vermelha de Gilbert que ela lhe dera de presente a tantos natais atrás.
- Ei, essa é minha antiga boina? Onde a encontrou? Achei que a tinha perdido. - Gilbert disse, acariciando os pontos tricotando com carinho.
- Estava em sua caixa antiga de recordações.- Anne explicou, enquanto se lembrava do primeiro Natal que passaram juntos.
- Isso me traz tantas lembranças. - O rapaz comentou com olhar sonhador.
- A mim também. - Anne disse com um sorriso cúmplice para o marido. Logo, ele ajeitou a boina na cabeça do boneco, pegou Rilla no colo com um braço, com o outro envolveu os ombros de Anne, e contemplou sua criação murmurando:
- Ficou perfeito. - Anne colocou as mãos sobre sua barriga e respondeu:
- Como nossa pequena família.
Ainda naquela noite, uma ceia foi preparada na casa da fazenda por Mary e Marilla, e Matthew em um de seus raros momentos de descontração se vestiu de Papai Noel, e distribuiu vários presentes para as pessoas ali presentes, fazendo tanta graça que Rilla não conseguia conter suas gargalhadas infantis. Era incrível como aquela garotinha conseguia arrancar Matthew de sua zona de conforto e o transformar em outra pessoa quando estava com ela. Aquele aos olhos de Anne fora o melhor Natal de sua vida.
O quinto mês da gravidez de Anne chegou, em pouco tempo o sexto mês também ficou para trás, levando embora o receio absurdo de que uma pré eclampsia pudesse voltar a se desenvolver, e estragar a onda de felicidade na qual Anne e Gilbert estavam vivendo desde então. O alívio de Anne foi tão grande e a fez se sentir tão leve por dentro, que ela decidiu que estava na hora de acabar com o último fantasma do seu passado.
Era uma quarta-feira à tarde, tinha nevado bastante na noite anterior. Anne estava sentada no sofá da sala, vestindo um pijama confortável, meias coloridas e pantufas de gatinho que Cole havia dado para ela no Natal, e tentava acompanhar os pontos de tricô que Marilla ensinava, pois Anne decidira que queria aprender a fazer sapatinhos de bebê, embora não tivesse a mesma habilidade com agulhas e linhas que Marilla tinha.
Observando a irmã de Matthew fazendo uma carreira perfeita de pontos azuis, a ruivinha pensava em como abordar um assunto tão complicado como aquele após tanto tempo de segredo guardado.
- O que foi, Anne? Está difícil de acompanhar? Se quiser eu te explico desde o começo de novo. - Marilla disse, ao perceber que Anne tinha parado de tricotar e parecia perdida.
- Não, eu preciso te contar uma coisa, mas não sei por onde começar. - Anne disse, apertando as mãos apreensiva.
- Eu posso ser uma velha rabugenta, mas sempre te dei liberdade para me contar o que quisesse. Então, não se acanhe, minha filha, e me conte o que preciso saber. - Marilla disse, continuando a tricotar.
- Eu não sei o que vai pensar do que vou te dizer, mas quero que saiba que eu não te contei antes, porque não sabia como fazê-lo.
- Ande logo, menina, me diga o que tem que me dizer, ou vamos ficar aqui o dia todo.- ela disse, com aquele seu jeito seco que sempre usava na maioria das situações.
- Você se lembra quando o Gilbert levou o tiro? - Anne perguntou bem devagar.
- Claro, como poderia esquecer um episódio triste daqueles? Graças a Deus que terminou tudo bem. - Marilla comentou sem levantar o olhar da peça que tricotava, dando a Anne a coragem para dizer o que precisava.
- Nesse dia, eu descobri que estava grávida e não sei por qual razão eu perdi o bebê. - o ar parecia ter parado, não se ouvia mais o tique taque do relógio, e por um breve segundo Anne não olhou para onde Marilla estava, por medo do que ela diria, mas então um soluço cortou o silêncio da sala, o que fez a ruivinha encarar rapidamente a mulher mais velha, e ver consternada que ela tinha uma mão sobre os lábios como se quisesse conter os próprios soluços, enquanto lágrimas grossas escorriam pelo seu rosto cansado.
- Marilla.- Anne murmurou, e sem dizer nada, a irmã de Matthew lhe estendeu os braços e envolveu Anne em um abraço apertado enquanto dizia com a voz trêmula:
- Minha querida, como você deve ter sofrido. E que péssima mãe eu fui por ter não percebido o que estava acontecendo.
- Você não tinha como saber.- Anne respondeu, sentindo que o último peso que tinha em seu coração acabava de ir embora.
- Eu tinha sim se você tivesse me contado, mas se não confiou o bastante em mim para isso, a culpa foi minha. - Marilla disse se lamentando.
- A culpa não foi sua. Eu não contei porque fiquei com medo que você não entendesse, e pensasse que eu tinha te desrespeitado e desrespeitado Matthew.
- Eu nunca pensara isso de você, minha criança. Eu sinto muito que tenha passado por isso, e eu não ter estado lá para te dar apoio. Mas, estou aqui agora, e quero que saiba que pode contar para mim o que precisar. Somos uma família, Anne e os Cuthberts sempre ajudam uns aos outros. - Marilla disse abraçando Anne apertado. Logo, ela se afastou, enxugou os olhos com a manga do vestido e continuou: - Vamos começar de novo esse ponto, eu sei que pode fazer melhor que isso. - Anne sorriu ao entender que aquele era o jeito de Marilla dizer que estava tudo bem, e que não falariam naquele assunto novamente a não ser que fosse necessário.
Mais meses se passaram, dessa vez com uma velocidade surpreendente, e em uma madrugada do fim de maio, Anne acordou com uma forte dor na barriga, e ao se sentar na cama, ela percebeu que estava toda molhada.
- Gilbert.- ela sacudiu o marido que dormia profundamente, ao mesmo tempo que tentava respirar entre uma contratação e outra. Foi apenas na terceira vez que Anne o chamou que Gilbert abriu os olhos sonolentos, e logo em seguida os arregalou ao ver o rosto de Anne crispado de dor. - A bolsa estourou. - Ela explicou antes que ele perguntasse alguma coisa.
- Mas não era para esse bebê nascer só no meio de junho?- ele perguntou enquanto se vestia e pegava as chaves do carro, tentando manter seu nervosismo sob controle.
- Acho que seu filho está com pressa de nascer, Dr.Blythe. - Anne disse, tentando sorrir, mas outra contração a alcançou e tudo o que conseguiu fazer foi gemer bem alto.
Gilbert pegou Anne no colo e desceu rapidamente as escadas com ela em seus braços. No caminho, ele encontrou Mary que também tinha acabado de acordar e explicou:
- A bolsa de Anne estourou, e estou levando-a ao hospital.
- Quer que eu vá com vocês? - Mary se ofereceu.
- Não é necessário. Avise os Cuthberts, por favor.
A ida até o hospital foi como uma maratona entre Gilbert tentar dirigir com segurança e rapidez, causando-lhe menos desconforto possível e as milhares de vezes que lhe disse para ficar calma quando a pessoa mais nervosa ali era ele. Anne até teria rido da expressão do marido se o desconforto que estava sentindo não estivesse tirando-lhe todas as forças.
Quando finalmente chegaram ao hospital, os enfermeiros de plantão naquele dia, colocaram Anne em uma maca, levando-a rapidamente para a sala de emergência onde seria preparada para o parto. Quase trinta minutos haviam se passado, e Gilbert não havia conseguido ainda ter nenhuma notícia do estado de Anne. Ele já tinha caminhado tantas vezes pela sala de espera, que não se admiraria se olhasse para o chão, e encontrasse um buraco com o sinal de seus sapatos.
-Gilbert, como ela está?- Diana perguntou quase sem fôlego. Ela parecia ter corrido todo o caminho da portaria do hospital até ali, e também não havia trocado de roupa, pois usava pijamas com um casaco jogado por cima, e pantufas marrons. Jerry vestia o mesmo tipo de roupa que ela, o que indicava que eles tinham saído da cama e indo direto para o hospital.
- Como você soube? - Gilbert perguntou.
- Mary mandou nos avisar. Mas, por favor, me diga como ela está.?
- Ainda não sei. - Ele respondeu desanimado, para logo em seguida ouvir a enfermeira dizer:
- Sr. Blythe. Sua esposa o chama.
Sem pensar duas vezes, Gilbert a seguiu e após colocar roupas apropriadas para aquele procedimento, o rapaz entrou ansioso na sala de cirurgia a tempo de ver Anne fazendo força para que o bebê nascesse, enquanto uma enfermeira limpava sua testa suada.
- Gilbert, por favor, me ajuda.- Anne pediu assim que o viu parado na porta.
O rapaz se aproximou, segurou na mão dela e disse:
-Vamos, meu amor. Eu estou aqui, você consegue.- Gilbert disse a encorajando.
- Força, Anne. Agora! - a médica dela disse e Gilbert viu Anne fazer o que ela pediu até quase cair em exaustão.
Dez minutos agonizantes desse processo se repetiu, até que um choro alto se fez ouvir, e Gilbert soube que o bebê deles tinha nascido.
-É um garotão. Bom trabalho, Anne. - Elisabeth disse para a ruivinha com o rosto exausto, mas cheio de lágrimas emocionadas.
Então, a médica entregou o bebê a Gilbert devidamente higienizado e falou:
- Aqui está o seu filho.
Ao pegar o bebê no colo e observar cada partezinha perfeita dele, Gilbert se aproximou de Anne e disse quase soluçando:
-Você conseguiu, Anne. Ele é perfeito.
Assim, ele colocou o menininho recém-nascido nos braços de Anne, beijou-a na testa, e emocionados ambos ficaram olhando para aquele maravilhoso e lindo anjo de Deus que segurava no polegar de Gilbert com toda confiança do mundo.
Um tempo depois, Anne foi levada ao quarto ,e ao saber por Gilbert que Diana estava na sala de espera, aflita por notícias suas, ela pediu ao marido que trouxesse a amiga até ela. O que não demorou a acontecer, e no momento em que Diana timidamente entrou no quarto, Anne sorriu para a amiga e disse:
-Venha conhecer seu novo sobrinho.
- Ele é lindo.- Diana disse, tocando a cabecinha onde uma penugem castanha se sobressaia, e depois olhando para Anne com lágrimas nos olhos, ela falou:- Me perdoe, Anne por todos esses meses não ter te dado o apoio que você merecia. Eu estava com tanto medo de te perder.
- Eu sei, está tudo bem. Você esteve lá comigo, Diana, mesmo não aceitando muito bem minha gravidez, e não saiu do meu lado um só dia.
- É isso o que irmãs fazem. Apoiamos umas as outras, mesmo quando não concordamos em todas as coisas. - Diana disse, e Anne sabia que aquilo era mesmo verdade, e que entre ela, Diana e Cole sempre fora assim, como os três mosqueteiros, um ao lado do outro.
- Já sabe que nome vai dar a ele? - Diana perguntou, passando o dedo indicador pela bochecha do bebê que admiravelmente acabara de bocejar.
- Já sim. Ele vai chamar, Walter James Blythe.- Anne respondeu, e ao encontrar o olhar de Gilbert, ele lhe sorriu e ela soube que ele aprovava totalmente sua escolha.
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