Capítulo 14 - A voz que vem de dentro
ANNE
Anne despertou no sábado quase na hora do almoço. A cabeça não doía mais, e o frio que parecia estar congelando seus ossos felizmente tinha ido embora.
Só a sua mente é que lhe trazia lembranças estranhas, pensamentos vagos que se misturavam entre a realidade e a fantasia, causando-lhe a impressão de que o dia anterior não fora como todos os outros. Além de ter ficado alheia a tudo devido a sua recente enfermidade, se perguntava, quais segredos se escondiam no fundo de seu cérebro e dos quais não conseguia se lembrar?
Fechava os olhos e tinha a sensação de mãos tocando o seu rosto, acariciando seus cabelos, e lábios ternos cobrindo os seus com beijos suaves e quentes. Lábios estes que ela conhecia muito bem, e que jamais esqueceria mesmo se estivesse do outro lado do mundo. Será que Gilbert também iria assombrá-la até em seus sonhos? Já não bastava ter que lidar com os sentimentos que tinha por ele durante o dia? Era demais pensar que nem mesmo dormindo teria paz.
Espreguiçou-se bem devagar, depois se aninhou entre os cobertores novamente. Sentia-se melhor, apesar da fraqueza que dominava suas pernas. Não conseguia ficar em pé e isso a aborrecia muito. A ideia de passar outro dia inteiro na cama a desanimava, pois era muito ativa para se conformar com a ociosidade. Seu corpo carecia de movimento, e se ressentia por não poder controlá-lo à sua própria vontade.Quem sabe conseguiria convencer Marilla a deixá-la se sentar na varanda?
Não se lembrava de muita coisa após Gilbert tê-la deixado sozinha em seu quarto em sua última visita há dois dias. Assim que ele se fora, ela se arrastou até a cama, pois seu corpo começara a doer e aquele frio horrendo tomara conta de todas as suas articulações. Se enfiara na cama, rezando pelo alívio do sono, mas o descanso que desejava fora perturbado por delírios provocados pela febre alta.
Nas sombras de sua inconsciência fugia de seus medos, não sabia exatamente o que a deixava apavorada, mas sentia que deveria correr para longe, pois bem atrás dela havia uma ameaça que se aproximava. Viu-se no meio da floresta, suas lágrimas misturadas com a chuva, deixando um rastro de passos enlameados por onde passava. Correu para o nada e para lugar nenhum, gritando o nome de Gilbert, mas o vento levava o som de sua voz para longe e ele não conseguia ouvi-la. Caminhou mais um pouco no meio da chuva, seus pés e pernas estavam pesados e ela ofegava de cansaço. Viu Diana ao longe de braços dados com Jerry, suas risadas felizes chegavam até ela, mas nenhum dos dois conseguia enxergá-la, então Anne apertou o passo e quando parecia que ia alcançá-los, sentiu Marilla sacudindo-a com carinho, arrancando-a daquele sonho desolador.
- Anne. Hora de acordar e ir para a escola.
Ela tentou abrir os olhos, mas suas pálpebras não se mexeram. Estavam tão pesadas que Anne desejou voltar a dormir.
- Vamos Anne. Você precisa se levantar.
A menina tentou responder, mas a garganta estava dolorida e dificultava-lhe pronunciar as palavras.. Sua voz saiu meio rouca quando falou com Marilla..
- Não consigo me levantar. Estou tão cansada. Deixe-me, Marilla.
A velha senhora estranhou aquele comportamento. Anne nunca faltava à escola, adorava estudar, por isso, Marilla não compreendia sua recusa em levantar-se. Chegou mais perto e notou que as bochechas da menina estavam coradas demais. Colocou a mão na testa dela e percebeu que ela estava muito quente. Nervosa disse em voz alta.
- Santo Deus! Você está ardendo em febre. Vou pedir a Matthew que vá buscar um médico imediatamente..- Antes de procurar pelo irmão, Marilla ajeitou os cobertores e travesseiro de Anne.
Matheus retornou duas horas depois acompanhado pelo médico, que examinou Anne e a diagnosticou com uma gripe forte. Ele receitou alguns analgésicos para as dores de cabeça e antitérmico para baixar a febre, e ainda aconselhou Marilla a preparar-lhe uma alimentação leve, além de recomendar-lhe alguns dias de repouso absoluto.
Depois disso, tudo parecia passar por ela como um borrão, pois os remédios a deixavam muito sonolenta, e por essa razão, sentia sua cabeça enevoada e o corpo tão leve que parecia flutuar sobre a cama. Alternava entre consciência e inconsciência, tendo noções vagas de estar sendo alimentada e medicada por Marilla, pois ouvia a voz dela falando com ela carinhosamente..
Depois de algum tempo começou a ouvir outras vozes que não conhecia, e quase podia jurar que tinha visto Gilbert entrar em seu quarto várias vezes e olhar para ela com ternura. Mas é claro que isso era impossível. Ele não terá motivos para visitá-la, pois a última vez que conversaram não tinham se despedido nos melhores termos, então, tinha sido só fruto de sua imaginação tê-lo ali ao seu lado.
Quando Marilla veio ver como ela estava algumas horas depois, encontrou-a recostada no travesseiro, olhando pela janela. Visivelmente aliviada por vê-la um pouco mais corada.
- Que bom que você acordou. Como se sente esta manhã?
- Me sinto melhor, apesar de não confiar nas minhas pernas para ir daqui até na janela.- disse Anne, articulando as palavras devagar, pois a garganta ainda doía um pouco.- Estou tão cansada de ficar aqui neste quarto Marilla. Será que o Jerry ou o Matrhew poderiam me ajudar a ir até a varanda? Preciso muito de ar fresco.
- Não acho uma boa ideia ,Anne. Prefiro que fique aqui pelo menos hoje. Amanhã se você se sentir mais forte, te ajudo a ir até lá fora, está bem?
- Se não tem outro jeito.- disse Anne, suspirando desanimada.
- Não faça essa cara, menina. Não é o fim do mundo. Agora descanse, vou buscar um pouco de sopa para você, pois precisa se alimentar. - disse Marilla, já saindo do quarto.
- Está bem. - respondeu Anne. Não estava com fome, mas sabia que de nada adiantaria dizer isso a Marilla, pois ela faria com que Anne comesse do mesmo jeito..
Marilla voltou com o prato de sopa e esperou que a menina engolisse até a última colherada. Quando estava saindo, Anne a interrompeu dizendo:
- Marilla, e o seu compromisso com o banco em Charlote town? Você o perdeu por minha causa?
- Não. Gilbert, Sebastian e sua noiva simpática se ofereceram para cuidar de você, enquanto eu e Matthew estivéssemos fora. Ficaram até hoje de manhã quando retornamos no primeiro trem do dia.
Anne sentiu um baque no coração. Então, não fora sonho. Gilbert estivera ali em seu quarto., e tomara conta dela.durante a noite. Diante desse pensamento, Anne se mexeu na cama incomodada. Aquelas lembranças que a assaltavam de repente será que significava que tinham se beijado? Balançou a cabeça, tentando negar esse fato, estava imaginando coisas.
Achava isso pouco provável, uma vez que tanto ela quanto Gilbert estavam magoados um com o outro. Mas não era impossível que aquilo tivesse acontecido, só que não tinha como saber, já que jamais perguntaria sobre tal coisa para Gilbert, pois pareceria uma idiota
Naquela mesma tarde, Diana e Cole apareceram para vê-la, e Anne aproveitando um momento em que Diana tinha saído para ajudar Marilla com o chá que tomariam, perguntou a Cole:
- Que ideia foi essa de contar ao Gilbert sobre o seu segredo?
- Foi a única maneira que encontrei para fazê--lo entender que o ciúmes que ele sente de nós dois não faz sentido algum.- respondeu Cole.
- E como ele reagiu?
- Melhor do que eu esperava. Gilbert ficou um pouco surpreso a princípio, mas depois tivemos uma conversa bastante interessante. Nunca imaginei que ele fosse alguém de mente aberta. Gilbert é realmente alguém muito especial..- Cole deu-lhe um sorriso encantador.
- Ah, não. Outro fã de Gilbert Blythe na minha vida. Era só o que me faltava.- disse Anne, tentando provocar o amigo.
- Não seja boba, Anne Shirley. Não tenho a menor vontade de engrossar a fila de pessoas apaixonadas por Gilbert Blythe.
- Graças a Deus! – exclamou Anne continuando a brincar com Cole.
- Sobre o que estão falando?- disse Diana, aparecendo de repente com uma bandeja cheia de bolinhos e chá de ervas.
- Estamos falando de Gilbert Blythe.- respondeu Cole.
- Soube por Marilla que ele passou a noite aqui, cuidando de você.- comentou Diana.
- O que? Você está me escondendo o jogo, Anne Shirley? - Cole a olhava com uma curiosidade divertida.
- Não tenha ideias erradas sobre a situação, Cole. Eu estava tão mal que nem percebi que ele estava aqui.- em parte era verdade, só não contou que sonhou com Gilbert a noite inteira, mesmo não sabendo conscientemente que ele estava a dois passos dela.
Anne olhou para Diana, e percebeu que ela estava alheia a sua conversa com Cole, tomava o chá distraída como se seus pensamentos estivessem a milhares de quilômetros dali.
- Diana, você está com algum problema?- perguntou Anne.
- Ah, Anne. Minha mãe me pegou conversando com o Jerry. Agora ela não quer que eu o veja mais, pois diz que ele não é do meu nível., e que ela não me criou para eu me envolver com um joão-ninguém. Dá para acreditar? Como se o caráter das pessoas pudesse ser avaliado pela roupa que vestem ou pela classe social a qual pertencem.
- Ela sabe que vocês estão namorando?- perguntou Anne.
- Está maluca? Se ela descobrir nunca mais me deixa sair de casa. Vamos ter que nos encontrar escondidos, pois eu não vou deixar de ver o Jerry só por causa das ideias esnobes de minha mãe.
- Se eu puder ajudar em alguma coisa você sabe que pode contar comigo. - disse Anne, oferecendo seu apoio incondicional à amiga.
Diana foi até a cama e abraçou Anne, dizendo.
- Obrigada, você é mesmo uma grande amiga. Por falar nisso, Cole me contou o que aconteceu entre você e o Gilbert, eu sinto muito.
- Não se preocupe. Eu estou bem, apesar de tudo.
- Eu tenho que te contar uma coisa que você não sabe. Gilbert deu a maior bronca no Billy pelo o que ele fez com você.
- É mesmo? – perguntou Anne espantada. Jamais desconfiara que ele tomasse tal atitude.
- Como foi isso? Adoraria ter visto a cena. - disse Cole, interessado na história que Diana estava contando.
- Ele apareceu na escola logo cedo na segunda-feira, dizendo ao Billy que queria falar com ele.
- Eu não sei o que Billy disse para Gilbert, pois ele ficou muito irritado, pegou o Billy pelo colarinho e gritou que se ele te incomodasse de novo, teria que se ver com ele.
- Eu te disse que o Gilbert é uma pessoa admirável. - comentou Cole, olhando para a amiga.
- É talvez ele tenha seus pontos positivos. - disse Anne,pensativa.
- Que bom que você consegue reconhecer isso. Acho que existe esperança para você. Afinal- disse Cole divertido.
- Não seja irritante, garoto.- disse Anne atirando o travesseiro em Cole.
Os três amigos começaram a rir e passaram algum tempo juntos colocando a conversa em dia. Depois que eles foram embora, Anne pensou que novamente devia uma para o Gilbert, e teria que agradecê-lo por defendê-la contra Billy Andrews. Parece que estavam sempre um no caminho do outro. Que bela peça o destino lhes pregava.!
Passou o resto do dia no seu quarto, lendo um livro. Um pouco antes do jantar, Marilla ajudou-a tomar um banho e serviu-lhe uma refeição reforçada. Anne adormeceu logo naquela noite, conseguindo descansar sem sonhos perturbadores.
A manhã de domingo amanheceu esplendorosa, e a menina sentindo-se mais forte, desceu as escadas e foi tomar café com Marilla e Matthew. Em seguida, se acomodou em uma cadeira de madeira na varanda, apreciando o dia de sol, e foi assim que Mary e Sebastian a encontraram quando foram visitá-la naquele dia.
- Olá. Que alegria ver vocês. - disse Anne animada, assim que os viu se aproximando.
- Que bom encontrá-la com uma aparência melhor. - disse Mary sorrindo.
- De fato me sinto ótima esta manhã. Queria aproveitar a visita de vocês, e agradecer por terem tomado conta de mim na noite de sexta-feira. Espero não ter trapalhado nenhum programa de vocês.
- É claro que não, querida. O prazer foi nosso. O mais importante é que você está bem agora..- respondeu Mary.
- Não querem entrar? Podemos tomar um chá. - convidou a menina.
- Não, obrigada, querida. Na verdade viemos aqui para ver como você estava e também para te fazer um convite. - os olhos de Mary brilhavam tanto que Anne se sentiu curiosa.
- É mesmo?- quis saber a menina.
- Sim. Eu e a Mary vamos nos casar no próximo fim de semana, e nós queríamos saber se você aceitaria ser nossa dama de honra.- disse Sebastian, aguardando a resposta de Anne.
_ Dama de honra? Que incrível! Claro que aceito!- depois ficou séria e perguntou um tanto hesitante .- Mas, vocês têm certeza disso? É que esse meu cabelo ruivo é um desastre. Não combina com quase nada, e eu não quero estragar o dia da noiva com essa minha figura patética.
- Que é isso, menina. Você é maravilhosa. Já se olhou no espelho? Com esse cabelo e esses olhos azuis incríveis você causa inveja em qualquer garota. Você devia se valorizar mais.- disse Mary, acariciando o cabelo da menina.
- Obrigada pelo elogio, Mary. - disse Anne encabulada.
- Mary está dizendo a verdade, e Gilbert tem a mesma opinião. - disse Sebastian, o que lhe rendeu um beliscão de Mary que repreendeu o rapaz por expor Gilbert daquela maneira.
Anne ficou tão vermelha quanto o seu cabelo, e mudou de assunto o mais rápido que pôde dizendo:
- Neste caso, serei a dama de honra de vocês.
- Que maravilha! – disse Mary, realmente feliz por Anne ter aceitado seu convite. - Bem, temos que ir agora, pois existem milhares de coisas que ainda precisam ser resolvidas. Podemos nos ver aqui em Green Gables na próxima terça-feira depois da escola, para escolhermos seu vestido?
- Claro. - respondeu Anne.
- Combinado. Até lá então. – Mary se despediu, dando um beijo na bochecha da menina, agarrando o braço de Sebastian e indo em direção a saída da fazenda.
- Até logo. - disse Anne, acenando para eles até que desapareceram do seu campo de visão.
Ficara muito feliz com o convite, fazia-a se sentir importante, pois nunca tinha sido uma dama de honra antes. Quando Marilla e Matthew chegaram da igreja, Anne lhes contou a novidade e ambos ficaram satisfeitos com a alegria da menina.
Assim, o domingo passou tranquilamente avançando para a chegada da noite. Anne foi para cama pensando que no dia seguinte veria Gilbert na escola, e esse pensamento a deixava nervosa. Estaria mentindo se dissesse que não estava com saudades dele, mas também continuava magoada pelas palavras dele no dia que a encontrara com Cole, e tanta mistura de sentimentos a deixavam agoniada, por isso, tratou de dormir logo. Não queria passar a noite em claro, sofrendo com suas lembranças.
A segunda-feira enfim chegou, e Anne foi para a escola em companhia de Diana e Jerry. Quando chegaram na entrada da sala,Anne deixou a amiga se despedindo de Jerry e foi para o seu armário guardar suas coisas. Gilbert já estava lá e ficou observando-a se aproximar com aqueles olhos castanhos que ela aprendera amar.
Vê-lo assim, depois de todos os acontecimentos dos últimos dias a afetava de um jeito que ela não esperava. Não estava preparada para aquela vontade imensa de se jogar nos braços dele, mas disfarçou o quanto pôde seus sentimentos dizendo:
- Bom dia Blythe. - ao dizer isso, percebeu que o menino franziu a testa como se não tivesse gostado de algo que ela tinha dito, mas logo afastou esse pensamento continuando:
- Obrigada por ter cuidado de mim neste fim de semana. Espero não ter sido uma paciente desagradável.
- O prazer foi todo meu. Anne. Você sabe que pode contar comigo sempre que precisar.- a voz de Gilbert parece que a acariciava a cada palavra dita por ele, e ela quase fechou os olhos para ouvi-lo melhor, mas logo depois disse a si mesma "Quer parar de fantasiar, garota. Se controle, pelo amor de Deus", se repreendeu energicamente.
- Vou me lembrar disso no futuro, Blythe. - deu as costas para ele e foi se sentar com Diana. Seu coração estava disparado. Como era difícil falar com Gilbert como se ele fosse apenas um colega de sala, depois de ter conhecido o amor nos braços dele. Só ela sabia como era ser beijada e acariciada por aquele garoto, que era capaz de fazê-la se sentir como se pudesse caminhar nas nuvens toda vez que suas bocas se encontravam. O que faria para que ele não percebesse o quanto a afetava? Será que teria que congelar seu coração, flagelar a sua alma, sangrar até a última gota para se proteger de si mesma?
Sacudiu a cabeça desgostosa pelo rumo que seus pensamentos estavam tomando, olhou para trás e viu Ruby que a fitava de maneira dura e estranha.
- Oi, Ruby. Como você está? Faz dias que não conversamos. - sorriu para a amiga que não retribuiu.
- Estou bem, mas você parece estar se sentindo excelente, hoje. Nem parece que estava doente. - Anne notou um tom de ironia na voz da menina que não era comum, pois Ruby era sempre tão educada. Ignorando aquele pensamento disse simplesmente:
- É verdade, estou me sentindo bem melhor. - ia dizer mais alguma coisa, mas foi interrompida pela Srta Stacy que começava sua aula.
Nas horas seguintes Anne ficou envolvida por problemas de matemática, histórias de Charles Dickens e fórmulas de física. Só teve tempo de falar com Ruby na hora do intervalo.
A menina estava com cara de poucos amigos, mas mesmo assim Anne foi sentar-se com ela na mesa em que lanchava, enquanto Diana preferiu sentar-se com outras colegas da turma.
- Oi,Ruby.Você parece estar chateada com alguma coisa. Não quer me contar o que está acontecendo?- perguntou a ruivinha.
- Ah,você não sabe por que estou chateada?- disse Ruby, olhando para Anne sem sorrir.
- Claro que não. Por que não desabafa comigo?
- Eu quero saber por que você não me contou que está saindo com o Gilbert?- Anne podia ver claramente a raiva de Ruby estampada no rosto dela agora.
- Desculpe, Ruby. Eu ia te contar, mas aconteceram tantas coisas que não encontrei uma forma apropriada para te falar sobre o assunto.
- Como você pôde fazer isso, Anne. Nunca escondi de ninguém o quanto o Gilbert é importante para mim, e você mesmo sabendo disso, agiu pelas minhas costas e o tirou de mim.- agora Ruby quase chorava.
Anne estava tão envergonhada que não encontrava palavras para se defender. Sentia-se como se fosse a última das criaturas. Por isso,tentou ser o mais sincera possível:
- Eu nunca quis que isso acontecesse, tentei evitar, eu juro. Mas quando percebi já estava envolvida com o Gilbert.
- Eu achei que fosse minha amiga. Todas as vezes em que Josie me dizia que você não era digna de confiança eu te defendi. Mas agora eu vejo que ela tinha razão, você é uma pessoa de duas caras e não consigo mais confiar em você.
A cada palavra de Ruby, o coração de Anne ia se encolhendo. Nunca quisera magoá-la. Antes de vir para Green Gables jamais tivera amigas de verdade, e percebia neste momento que estava prestes a perder uma de suas amigas mais queridas.
- Ruby, por favor, me perdoe. Eu sou sua amiga e sempre vou ser sua amiga. O que aconteceu entre Gilbert e eu já acabou.N ão passou de um breve engano.
Ao ouvir aquilo da boca de Anne, Ruby se acalmou um pouco, mas isso não a impediu de dizer:
- Só quero que saiba que o Gilbert é meu. Ele sempre foi meu, e não vou desistir dele sem lutar.- Ruby olhava para Anne, esperando ver a reação dela à suas palavras.
- Fique tranquila. Pode ficar com Gilbert Blythe quando quiser.- Anne não acreditou que tinha dito aquilo. Sua voz interior gritava, "Ficou maluca"? Ouviu o que acabou de dizer? Vai mesmo entregar o Gilbert de graça para essa garota?", mas Anne a ignorou. Queria tanto salvar sua amizade com Ruby que não percebia o egoísmo da menina.
Amigas verdadeiras não imponham condições, não colocavam sua amizade em cheque e nem exigiam lealdade incondicional, mas Anne em sua pureza de espírito acreditava que fazendo o que Ruby queria estaria pagando sua dívida com ela , uma vez que tinha quebrado sua promessa antes e não faria isso novamente.
- Muito bem, então acho que podemos continuar a ser amigas agora que colocamos tudo em pratos limpos.- disse Ruby,voltando a sorrir para Anne.A ruivinha assentiu com a cabeça, pediu licença,pois precisava tomar água, sua garganta tinha ficado seca de repente.
Estava com a jarra de água na mão quando viu que Josie Pye estava bem a seu lado, e ouviu-a dizer:;
- Quer dizer que a Miss certinha se revelou uma traidorazinha barata?
Anne não respondeu. Já se sentia mal o bastante pelo que ocorrera entre ela e Ruby, não precisava de Josie para piorar ainda mais a situação. Mas a garota parecia que estava mesmo disposta a provocá-la, pois continuou com sua ironia dizendo:
- Não vai falar nada? Quer dizer que concorda comigo? A verdade dói, não é Shirley?
Anne sentiu a fúria tomar conta dela tão intensamente que mal conseguia respirar. Tinha que acabar com aquele risinho cínico de Josie, era demais para ela ter que suportar seu sarcasmo daquela maneira. Sua raiva era tanta que nem percebeu que tinha atirado toda a água da jarra que segurava no rosto da menina. Josie deu grito assustada enquanto os outros alunos olhavam para a cena sem acreditar no que Anne tinha feito.
- Nunca mais fale comigo desse jeito ou juro que da próxima vez será muito pior. Vou fazê-la engolir cada palavra que me disse.- falou Anne quase cuspindo sua raiva em cima da menina.
Humilhada, Josie correu par o banheiro feminino, jurando mentalmente que iria se vingar daquela ruiva na primeira oportunidade que tivesse.
Diana correu para o lado de Anne perguntando:
- Anne, o que deu em você?
- Ela estava pedindo por isso há muito tempo, só dei o que ela mereceu.- Anne respondeu simplesmente.
- Então me lembre de ficar longe de seu caminho no seu próximo ataque de fúria.- disse Diana ainda assustada com a reação da amiga.
- Você sabe que eu jamais faria isso com você, pois te considero a pessoa mais doce que conheço. Acho melhor voltarmos para a aula, me sinto bem melhor agora.- ela pegou na mão de Diana e ambas voltaram para a sala juntas
O resto da aula transcorreu tranquilamente. Josie se manteve bem longe de Anne. Até mudou de carteira, o que Anne achou ótimo, não queria mesmo olhar para a cara dela.
Enquanto pegava suas coisas no armário, Ruby se despediu dela toda animada. Parece que o humor dela tinha melhorado depois que Anne lhe assegurara que Gilbert estava fora da vida dela. Vendo-a se afastar, Anne suspirou. Teria que manter aquela promessa a todo custo, mesmo que isso significasse o fim de sua paz de espírito.
Ao chegar ao portão de saída, viu Gilbert caminhar em sua direção, mas ela não esperou que ele se aproximasse, se reuniu com Diana e Jerry e foram para casa juntos.
Mesmo sabendo que tinha feito a coisa certa, seu pensamento estava em Gilbert. Será que teria força de vontade suficiente para ficar longe dele? Esperava apenas que nesse processo, não perdesse sua alma completamente, e que pudesse colar os cacos de seu coração despedaçado pelo caminho.
GILBERT
Gilbert deixara a casa dos Cuthbert no sábado de manhã assim que ambos chegaram de sua pequena viagem a Charlotetown. Queria ter ficado mais um pouco, até ter certeza de que Anne acordaria melhor, mas pensou que talvez Marilla e Matthew não aprovassem, por isso, voltou para sua fazenda com Mary e Sebastian.
Passou o resto do dia ansioso por notícias dela, mas não tinha como obtê-las sem ir até Green Gables. Mary, percebendo seu estado de espírito lhe disse que visitaria Anne no dia seguinte, e lhe traria as notícias que tanto desejava.
Agradecido, Gilbert voltou sua atenção para os estudos, mas frequentemente se pegava pensando em Anne. Queria ficar perto dela o máximo de tempo possível, mas não sabia se conseguiria depois de tudo o que acontecera e com ela doente, a situação tinha piorado consideravelmente.
O que o animava é que talvez na segunda feira, se ela estivesse melhor, ele tinha esperanças de que ela fosse para escola e assim poderiam conversar. Quem sabe teriam a chance de resolver aquela pendência entre eles?
Mary e Sebastian não demoraram a voltar da fazenda dos Cuthberts trazendo ótimas notícias. Anne estava quase completamente recuperada, e tinha aceitado o convite de Mary para ser a dama de honra no casamento dela e Sebastian.
Gilbert sorriu feliz. Tinha sido dele a ideia daquele convite. Quando Mary dissera que precisava encontrar alguém para levar as alianças na hora da cerimônia, imediatamente, a imagem de Anne veio a cabeça de Gilbert e Mary tinha adorado a sugestão dele, pois a ruivinha era linda e sua presença acrescentaria ainda mais brilho ao casamento tão esperado.
Assim, o menino passara o fim de semana inteiro contando as horas para a segunda-feira chegar. No domingo à noite, sua ansiedade estava no auge, tentou de tudo para se acalmar, até jogou xadrez com Sebastian, mas perdeu todas as partidas, pois seu pensamento estava longe dali.
Finalmente amanhecera e Gilbert caminhou para a escola o mais rápido que pôde, e assim que chegou encontrou com Anne perto dos armários dos alunos. Apesar de ainda estar um pouco pálida, ela estava linda como sempre. Usava uma boina azul que retirava naquele momento para guardar em seu armário pessoal, deixando a mostra seu cabelo ruivo incrível preso em uma única trança.
Gilbert se aproximou ansioso para falar com ela, e a primeira coisa que ela disse quando o viu a seu lado foi:
- Bom dia Blythe. - ele sentiu um aperto no coração. Então tinham voltados ás formalidades? Estava acostumado a ser chamado assim por seus amigos, então que importância tinha um nome? Ele sabia que tinha, pois quando Anne o chamava assim ele tinha a impressão que ela colocava milhares de quilômetros de distancia entre os dois.
O que esperava? Que ela se jogasse em seus braços depois do modo como a tinha tratado lá no clube de leitura? É verdade que tinha tentado se desculpar, mas parece que não tivera muito sucesso, pois podia sentir o quanto ela se afastara dele de novo. Também estava na cara que Anne não se lembrava dos momentos que tivera com ele quando o menino entrara em seu quarto para cuidar dela. Ele sabia que naquela noite ela estava muito doente, mas lá no fundo de seu coração tivera uma esperança tola de que ela pudesse se recordar dos carinhos trocados entre eles.
Em meio a sua frustração, tentou se concentrar no que ela estava falando e teve tempo de ouvi-la dizer:
- Obrigada por ter cuidado de mim neste fim de semana. Espero não ter sido uma paciente desagradável.
Gilbert olhou para Anne e ia dizer que adorara cada momento com ela, mesmo a menina ter estado o tempo todo inconsciente de sua presença, e que qualquer lugar do mundo com ela era o paraíso para ele, mas achou melhor guardar só para si mesmo aquele pensamento, então disse simplesmente:
- O prazer foi todo meu. Anne. Você sabe que pode contar comigo sempre que precisar.
Ao que ela respondeu:
- Vou me lembrar disso no futuro, Blythe. - Gilbert não entendeu exatamente o que ela quisera dizer com aquilo. Será que aquelas palavras significavam que eram amigos?
"Anne e seus enigmas" pensou Gilbert. Por que ela tinha que ser tão difícil? Por que tudo com ela tinha que ser oito ou oitenta? Mas não era exatamente por isso que se apaixonara por ela, por não ser uma garota comum?
Suspirando profundamente, o garoto foi para sua carteira, pois a Srta Stacy acabara de entrar e começava sua aula. Não tivera mais oportunidade de falar com Anne, pois tiveram muitas atividades na sala naquele dia, e ele teve que se forçar a concentrar-se em todas elas, por ultimamente, devido a tantos conflitos particulares tinha relaxado um pouco nos estudos, o que o deixava com a consciência pesada, mas prometera a si mesmo que isso não mais aconteceria. Tinha que aprender a manter suas emoções sobre controle, ou caso contrário ia acabar perdendo o foco de seus objetivos e atrapalhando os planos profissionais que tinha para o futuro.
No intervalo estava conversando com alguns colegas quando viu Anne atirar a jarra de água no rosto de Josie Pye, ele tentara disfarçar, mas não pudera evitar de sorrir ao presenciar a cena. Aquela sim era sua garota! Nunca deixava barato um desaforo, e tinha certeza de que se Anne tomara tal atitude foi porque Josie devia tê-la provocado além da conta. Aquela menina era tão desagradável que Gilbert achou ser bem merecido o banho que Anne lhe dera, quem sabe assim ela aprendesse alguma coisa e deixasse de importunar as pessoas.
De volta à sala de aula, as coisas não mudaram muito. A Srta Stacy os bombardeou com muitos conteúdos, pois os exames estavam próximos e ela queria prepará-los o melhor possível a fim de que tivessem um bom desempenho.
Às três horas em ponto foram dispensados pela professora. Gilbert viu Anne se arrumando para ir para casa e tentou se aproximar dela, mas a menina logo se juntou à Diana e Jerry, indo para casa com eles.
Assim, ele voltou para sua fazenda sozinho, e todo o tempo pensava de que maneira ia resolver aquela situação. Será que não seria melhor encarar a realidade e entender de uma vez por todas que sua história com Anne era complicada demais, e para seu próprio bem deveria deixar isso tudo de lado, focando somente em seus objetivos profissionais? Mas o que era sua vida se não pudesse tê-la ali com ele? Como Anne podia ter se tornado tão importante para ele em tão pouco tempo?
Na verdade, desde que a conhecera ela exercia aquele fascínio sobre ele que só aumentara com o tempo, e depois de tê-la beijado, tornara-se dependente daquele sentimento que crescia dia a dia e era a única coisa que dava sentido à vida dele agora.
Amar Anne não fora escolha dele, mas tinha sido inevitável e não havia como voltar atrás. Só lhe restava ter esperanças de que ela voltasse a confiar nele, e lhe desse a chance de provar que o amor que sentia não era só uma chama de verão que desaparecia ao primeiro sinal de tempestade, e sim uma fortaleza que a protegeria de todos os seus medos, se assim ela o desejasse e permitisse.
ANNE e GILBERT
A semana passara voando, e o dia do casamento finalmente chegara. Pelo menos não havia sinal de chuva, pensara Mary, cheia de expectativa pela cerimônia que aconteceria em poucas horas.
Inspecionara cada detalhe pessoalmente, desde a decoração da igreja até a seleção de comida que seria servida mais tarde aos convidados. Planejara um casamento simples, só para os amigos mais íntimos, mas o dono da fábrica onde Mary trabalhava a presenteara com a festa, dizendo que poderia convidar quantas pessoas quisesse, deixando-a muito feliz e agradecida por aquela surpresa inesperada.
Mary era uma pessoa muito querida por todos que a conheciam, por isso não foi difícil para ela conseguir toda a ajuda que necessitava para a escolha do cardápio, do vestido que usaria e do local onde a festa aconteceria. Agora que estava tudo pronto, ela podia relaxar e curtir cada momento que a levaria até o instante mais importante de sua vida. Estava se casando com um homem bom e honrado, e mal podia acreditar na sorte que tinha.
Ela tinha combinado de se arrumar em Green Gables, pois Matthew fizera questão de ser ele a conduzi-la em seu carro até a igreja, e era para lá que encaminhava agora. Tinha contratado uma cabeleireira local para cuidar tanto do seu cabelo quanto o de Anne. A maquiagem ficaria por conta de uma de suas amigas, que era uma excelente profissional nesta área.
O casamento aconteceria às quatro horas da tarde, quando o relógio de Marilla marcava três e meia, a noiva estava pronta. Ao descer as escadas, Mary deixou a todos impressionados com sua beleza. Optara por um vestido branco longo, de renda simples. Não tinha mangas e a cintura era bem marcada dando à noiva um porte elegante. Prendera os cabelos em um coque alto, de onde pendia um véu curto, preso a uma tiara cheia de pedrinhas brilhantes.
Chegaram à igreja exatamente às 4 horas, e assim que as portas se abriram, Mary entrou na igreja de braços dados com Gilbert ao som da marcha nupcial, tocada por Diana que tinha sido especialmente convidada pelo Pastor Jackson, pois sabia que a menina era uma ótima pianista.
No momento da troca das alianças, Anne entrou na igreja deixando Gilbert extasiado. Ela usava um vestido branco que ia até seus joelhos. A cintura era marcada por uma fita azul e nos pés calçava sapatos de cetim também azul. Os cabelos tinham sido deixados soltos e caiam em cachos perfeitos por seus ombros, dando a impressão a Gilbert que ela era um anjo que tinha descido do céu especialmente para aquela cerimônia.
Enquanto caminhava com uma cesta de rosas vermelhas nas mãos, ia entregando uma a uma a todas as pessoas ali presentes. Ao chegar ao altar, entregou ao noivo as alianças, e se acomodou ao lado de Marilla que estava sentada no primeiro banco junto com Matthew.
Sem querer seus olhos se depararam com Gilbert que estava posicionado ao lado dos padrinhos, e ele lhe deu aquele sorriso maravilhoso do qual ela tanto sentira falta nos últimos dias. Como ele estava lindo vestido em um terno escuro, ressaltando a beleza de seus traços adornados por seus cachos negros. e brilhantes.
Ao vê-lo ali, olhando para ela como se não existisse mais ninguém no mundo, Anne sentiu toda a força de seu amor por ele, mas tratou logo de sufocar aquela emoção, pois no fundo sabia que ele não era dela, nunca fora. Ela se iludira achando que poderiam ter um futuro juntos. Os momentos que tivera com ele lhe foram apenas emprestados pelo destino que adorava zombar dela. Com uma mão lhe dera instantes perfeitos que ela jamais esqueceria, mas com a outra lhe tirava tudo, jogando-a em um estado de total desespero. Tinha que se lembrar da promessa que fizera a Ruby, só assim encontraria forças para deixá-lo para trás. Afastou o olhar do rosto dele, pois não suportava a angústia que estava sentindo.
A cerimônia enfim terminou e todos se dirigiram para o salão de festas alugado por Sebastian, onde havia um jardim florido e quiosques enfeitados, onde músicos tocavam embalando os casais que procuravam por alguns momentos às sós.
Quando os noivos chegaram, uma chuva de pétalas de rosas caiu sobre eles, e todos os convidados os aplaudiram, inclusive Anne que assistia a cena encantada. Depois, ela foi se reunir a Diana e Jerry que estavam em um canto conversando, tentando não chamar muita a atenção, pois a mãe da menina só permitira que ela viesse à festa porque não sabia que Jerry estaria ali. Anne não queria atrapalhá-los, mas desconfiava que se ficasse sozinha, Gilbert viria falar com ela, e a ruivinha queria fugir desse encontro.
Gilbert esperava pacientemente que Anne ficasse sozinha para abordá-la,mas a menina parecia que fugia dele. Então, chegou perto de Diana e Jerry e disse:
- Desculpem-me, será que posso roubar Anne por alguns minutos?
- Claro, sem problemas. - disse Diana, não percebendo o olhar de aflição que Anne lhe lançou.
- Gilbert, eu estou conversando com Diana e não posso falar com você agora.- disse ela, tentando evitar de ficar sozinha com ele.
- Prometo que não vou demorar. - e sem esperar pela resposta dela, pegou em sua mão e a levou para fora.
- O que é tão urgente, que não pode esperar?- perguntou Anne de cara amarrada. Detestava ser forçada a fazer algo que não queria.
- Você vai ver. Venha comigo. - e dizendo isso, ele a levou para um dos quiosques que estava vazio..
Imediatamente, os músicos começaram a tocar, e Gilbert olhou para Anne e perguntou:
- Dança comigo?
- Você não acha que já dançamos vezes demais juntos? – disse Anne.
- Não. Nunca é o bastante para mim.- Gilbert estendeu a mão para a menina, e ela não teve outra alternativa se não aceitá-la.
Enquanto dançavam, Gilbert colou o rosto no dela, e Anne começou a se sentir tensa. Não queria ser tocada por ele, não queria estar sozinha com ele, mas seu coração como sempre a traía. O aroma que vinha dele era delicioso e as mãos em suas costas a mantinham tão próxima ao corpo de Gilbert que conseguia sentir todos os músculos dele em contato com os seus.
De repente seus olhos foram atraídos várias luzes vermelhas brilhantes dentro do quiosque, que juntas formavam a frase: "Fica comigo, Anne". Ela parou de dançar imediatamente, afastou-se de Gilbert, sem entender direito o que estava acontecendo.
Neste momento, viu o menino colocar a mão no bolso e de lá tirar uma caixinha dourada, entregou-a a Anne dizendo;
- Isto é para você.
Anne abriu a caixinha com cuidado, prendeu a respiração e dentro dela viu um pingente em formato de coração preso a uma corrente prateada brilhar na escuridão.
- Esse pingente simboliza o meu coração, e se o aceitar será seu para sempre. – Anne ouviu Gilbert falar aquelas palavras de um jeito tão terno que teve vontade de chorar.
Ali estava ela, frente a frente com o príncipe encantado de suas histórias, o cavaleiro de armadura brilhante de seus sonhos. E ele lhe oferecia em uma bandeja de prata o seu coração. Deu um passo em direção a Gilbert, tomou o rosto dele entre as mãos e o beijou com toda paixão de que era capaz.. Disse a si mesma que seria o último beijo, antes de sair da vida dele para sempre, ela merecia pelo menos aquele último instante de felicidade antes que tudo se acabasse de vez.
Então, lentamente como em um filme, as lembranças tomaram conta de sua mente e a envolveram, como se estivesse presa a uma máquina do tempo. Se lembrou quando ele voltara, a confusão de sentimentos que tomaram conta dela, a emoção do primeiro beijo, e a descoberta pura e simples de que o amava, e sentiu seu coração se despedaçando em milhares de fragmentos e se espalhando pelo chão. Eram sentimentos tão poderosos e tão dolorosos, que ela se afastou de Gilbert antes que começasse a soluçar ali mesmo na frente dele.
- Gilbert, eu sinto muito, mas não posso aceitar. -disse isso, devolvendo a caixinha para ele.
- Por que não, Anne? O beijo que me deu agora a pouco diz o contrário, então, não entendo porque não quer ficar comigo.
- Existem tantas coisas entre nós, tantos sentimentos a considerar que não acho que deveríamos continuar com isso.
- Anne, o que está dizendo? Eu continuo não te entendendo.
- Estou dizendo que somos jovens demais para nos envolvermos assim. – Deus! Ele ia mesmo dificultar as coisas como sempre. Por que não aceitava a recusa dela e deixava ir?
- Anne, ninguém é jovem ou velho demais para amar. Se pensa assim, está errada. - disse Gilbert, tentando convencê-la a aceitar seu pedido.
Na verdade Anne também pensava assim. O amor não tinha idade, bastava apenas senti-lo para que se pudesse vivê-lo intensamente, mas naquele momento teria dito qualquer coisa para fazer Gilbert desistir dela, só que não estava conseguindo.
- Gilbert, nós nunca daremos certo. Somos diferentes demais. Tenho certeza de que um dia você irá encontrar alguém que te fará muito feliz.- disse tudo aquilo com um nó na garanta que tornava difícil pronunciar cada palavra, mas disse assim mesmo, rezando para que ele acreditasse em tudo que falava.
- Anne, eu não quero outra pessoa. Será que não entende? Eu só quero você.. – Anne podia ver nos olhos de Gilbert a sinceridade do que ele sentia por ela, e aquilo doeu ainda mais fundo. Tinha que sair dali ou acabaria desabando na frente dele.
- Por favor, entenda. Não podemos ficar juntos. - disse isso e se virou para ir embora. Ouviu Gilbert chamando o nome dela, mas não se virou, porque se o fizesse voltaria correndo para os braços dele de onde nunca mais sairia..
Viu o rosto de Ruby acusando impiedosamente, e isso fez com que caminhasse ainda mais rápido. Todo o tempo dizia a si mesma "não vou chorar, não dessa vez", e repetiu essas palavras vezes sem conta, em uma tentativa de desfazer o nó em sua garganta, mas dentro de si sentia seu coração bater tão rápido como se fosse explodir, e toda sua alma gritava tão alto que teve que tapar os ouvidos para não enlouquecer de dor. Queria se deitar no chão e deixar que a terra a engolisse, silenciando para sempre aquele lamento ensurdecedor.
A única coisa na qual conseguia pensar era que apesar de sua pouca idade, Gilbert era sua única e verdadeira paixão. Poderia conhecer e se apaixonar por milhares de pessoas diferentes, mas sentir todas aquelas emoções só conseguiria com Gilbert. E mesmo que passasse mil anos, ela se lembraria desse sentimento de plenitude que apenas encontrara nos braços daquele garoto que nunca deveria ter amado, mas amava, e arrancá-lo de sua vida era tão difícil quanto deixar de respirar.
Continuou a caminhar até que retornou para a festa, mas percebeu que não suportaria ficar em um lugar onde só a alegria predominava enquanto sua alma estava mergulhada em uma profunda escuridão. Protestando cansaço, pediu a Matthew que a levasse para casa, então, se despediu de Diana e Jerry, e deixou a festa o mais rápido que pôde.
Enquanto isso, Gilbert permanecia sentado no quiosque, tentando entender tudo o que acontecera ali. Olhou para o pingente em forma de coração que Anne rejeitara, e sentiu-se tão triste. Mas logo afastou aquele sentimento negativo, pois não ia desistir dela. Mesmo que ela batesse a porta na cara dele milhões de vezes, ele insistiria até que a menina cedesse. Não ia perdê-la de jeito nenhum, a recusa de Anne em vez de afastá-lo tinha surtido o efeito contrário. Gilbert sabia que a ruivinha tinha sentimentos por ele, só não compreendia por que tentava afastá-lo dela a todo custo. Não importava, se ela não queria lutar com ele pelo amor que sentiam, então ele faria isso pelos dois. Só sossegaria quando ela estivesse do lado dele, e nunca mais permitiria que ela o afastasse de sua vida novamente.
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