Capítulo 129- Amor maior que tudo
Olá, pessoal. Mais um capítulo postado. Preparem seu coraçõezinhos, pois muita emoção os espera, e por favor me enviem seus comentários. Beijos . PS: A foto acima é como imagino que Rilla será quando for mais velha.
GILBERT
Gilbert caminhou pelo hospital pela terceira vez naquela semana. Seus pés que já conheciam o caminho de cor, o levaram exatamente ao seu destino que era o quarto de Anne na UTI daquele hospital, onde ela estava internada desde o nascimento de Rilla.
Ele entrou, e a observou com seu coração pesaroso, cheio de saudade e amor. Era tão difícil vê-la assim calada, naquele doloroso silêncio que magoava seu coração. Logo ela, que sempre tinha algo a dizer, um elogio a fazer ou um conselho a dar. Gilbert sentia falta de tudo dela, desde seu pequeno sorriso até seu olhar cheio de sentimentos que falava por ela em seus momentos mais solenes e íntimos. Estar com ela sempre fora uma dádiva, e ficar sem ela era sua mais interna maldição. Ele não conseguia entender como tudo que estava tão perfeito havia se tornado uma dor infinita que ele carregava em seu peito a exatamente sete dias longos e inteiros.
Sua saudade o fez se aproximar mais, e se sentar ao lado dela no mesmo lugar onde ele se obrigava a ficar todo aquele tempo em que Anne entrara em coma. O rapaz não a abandonava um minuto sequer, assim como ela fizera nas duas vezes em que ele ficara ausente desse mundo, Gilbert estava ali dia após dias para lembrá-la do quanto ela era amada, e por isso, ela devia lutar para sair daquele seu mundo de isolamento no qual se enterrara, depois de dar a ele seu presente tão prometido que era a filhinha deles.
Rilla crescia a olhos vistos, e mais uma semana ela seria liberada pelo médico, e então poderia ir para casa com ele, porém ainda sem Anne. Gilbert respirou fundo ao pensar no apartamento vazio e tão triste sem sua alma verdadeira dentro dele. Anne tornara aquele lugar tão seu, que sem sua presença, Gilbert sentia que tudo estava morto, sem graça, e dolorosamente triste. Ele evitava ao máximo ficar por lá, dividindo sua vida em etapas diurnas.
De manhã ele ia para a faculdade, depois para o trabalho, e quando seu expediente acabava, o rapaz corria para casa para alimentar Milk, e então ele se dirigia ao hospital, onde passava as horas seguintes visitando Rilla no berçário ou fazendo companhia a Anne. Nesses momentos, ao lado dela, Gilbert costumava lhe falar tudo o que acontecera durante seu dia na faculdade e no trabalho. Ele também descrevia como o tempo estava lá fora, as pessoas que vinham visitá-la diariamente, e de tudo o que fariam assim que ela saísse do hospital. Quem o visse assim falando para o nada, poderia achar que ele tinha perdido a razão, porém, ele acreditava do fundo do coração que Anne o estava escutando, e só não se manifestava porque estava impossibilitada de fazê-lo.
Havia tanta vida naquela garota ruiva que era quase impossível acreditar que ela não abriria os olhos a qualquer momento, e ralharia com ele por não desgrudar dela um único segundo e viver a vida dele fora do hospital. No entanto, sua vida era ela e sempre fora ela, e sem Anne no comando do seu barco, Gilbert se sentia perdido.
Ele lera e relera a cartinha que ela havia lhe escrito, pois era a única coisa recente dela que Anne lhe deixara, e toda vez que fixava seu olhar naquelas palavras tão doces, ele quase podia ouvir a voz dela se declarando para ele com tanto amor. A imensidão do seu sentimento por ela sempre o deixava surpreendido, porém, ele sabia que não havia uma gota de sangue em suas veias que não corresse por ela, e assim seu amor ia se multiplicando cada vez mais.
Sentado ao lado dela naquele instante, Gilbert se deixou divagar, se lembrando de cada detalhe dos últimos meses, começando pelo seu casamento no qual seu sonho maior tinha se realizado, passando pela descoberta da doença de Anne, os dias que oscilavam entre depressão e alegria, seus planos para o futuro, o parto emocionante de sua filha, o coma de Anne e sua inconformidade com aquela situação que se arrastava sem que ele pudesse fazer algo para mudar todo aquele cenário desesperador.
O medico de Anne lhe dissera que ela tivera uma hemorragia depois do parto, e por isso, ela entrara em coma, embora eles tentassem de tudo para reanimá-la. Ele não soubera precisar quando ela voltaria a si, e essa incerteza deixava Gilbert louco. Entretanto, ele não podia deixar de lembrar que Anne também passara pelo mesmo processo que ele nas duas vezes em que ele estivera hospitalizado, e em uma delas, ela ainda enfrentara sua amnésia e nunca desistira dele.
O rapaz não acreditava em compensação, e nem que estava sendo desafiado a passar pelas mesmas coisas que Anne para entender tudo o que ela vivera em sua ausência. Era apenas mais uma triste coincidência que o deixava aflito demais, pois Anne não merecia o que estava lhe acontecendo, e esse pensamento o revoltava mais do que queria admitir.
Ele levantou sua mão direita e tocou o rosto macio dela. Anne continuava tão linda que sua beleza de anjo fazia seus olhos marejarem. Gilbert precisava dela ali com ele, do som da sua voz, de seus beijos carinhosos, de sua presença marcante e de seu amor infinito por ele. Uma semana inteira sem tê-la a seu lado era terrivelmente difícil, pois ele não aguentava mais ficar sozinho com seus pensamentos, pois eles eram massacrantes demais.
- Ah, meu amor. Sinto tanto a sua falta.- ele disse segurando na mão dela, e beijando-a em seguida.- Queria que pudesse ver Rilla, ela é tão linda quanto você. Eu sempre disse que ela seria ruiva, mas os olhos são meus. Daqui a alguns dias, ela poderá ir para casa comigo, e sinto tanto por você não estar lá para curtir esse momento incrível comigo. Você precisa acordar logo, cenourinha, pois a vida não é mais a mesma sem você, eu não posso viver sem você, e a Rilla precisa da mãe dela a seu lado. Por favor, volta para mim, pois só vou conseguir ser feliz de novo quando você abrir esses olhos lindos e dizer que continua me amando como antes.- ele parou de falar, pois a emoção o pegou no meio da próxima frase, e assim, ele apenas beijou Anne na testa e saiu para tomar um pouco de ar.
Ele se sentou no Jardim do hospital, e ficou observando o sol se esconder no horizonte. Algo mais para se lembrar de Anne. Era ela quem gostava desses fenômenos da natureza, e de tanto que ela o fizera participar com ela desses momentos, Gilbert acabara gostando também, e era triste estar ali sozinho enquanto ela continuava a dormir em sua inconsciência solitária.
- Olá, Gilbert. Como está?- ele olhou para o lado e viu Dora. Ela tinha se tornado presença constante em sua vida naqueles dias, já que era estagiária no hospital, e Gilbert havia feito dali sua morada provisória.
- Estou bem na medida do possível. – Ele respondeu com um sorriso triste.
-E Anne,? Nenhuma mudança?- ela perguntou, se sentando ao lado dele no banco.
- Não. Continua tudo igual.- ele respondeu com um longo suspiro.
- Não desanime, Gil. Ela vai acordar e ficar bem.- Dora disse tentando animá-lo.
- Eu quero tanto acreditar nisso.- ele disse, abaixando a cabeça e fechando os olhos.
- Não perca sua fé. Anne nunca perdeu a dela quando você estava na mesma situação que ela. O amor de vocês é grande demais para que acabe dessa maneira.
- Eu queria ter feito mais por ela. – Ele disse com a voz embargada.
-O que mais poderia ter feito, Gilbert? Desde que te conheço, eu tenho visto você se dedicar de corpo e alma a essa garota, e a tudo a que se refere o relacionamento de vocês.
- Eu sei, mas às vezes me sinto em falta com ela. Como se eu não a tivesse amado ou cuidado dela o suficiente. E agora ela está assim, onde todo o meu sentimento não consegue alcançá-la.- ele balançou a cabeça com suas ideias se misturando dentro dela feito um caos gigantesco, pois ele não sabia mais no que pensar.
- Para de se sentir culpado. Está regredindo outra vez. Você se lembra do que meu tio te disse? Você não pode proteger Anne de tudo. Ninguém nesse mundo seria capaz de impedir que outra pessoa sofra o que ela tiver que passar. Vocês sempre foram incríveis juntos. Um sempre zelou tanto pelo outro. Eu nunca vi um amor tão grande assim.- Dora disse colocando a mão no ombro de Gilbert para confortá-lo, pois naquele instante ele parecia tão perdido.
- Eu quero a Anne de volta. Eu não consigo viver sem ela.- ele disse sentindo seus olhos úmidos. Eram tantas emoções que duelavam dentro do seu coração, que Gilbert não conseguia mais controlar. Doía demais, o corroía de tal maneira que ele se sentia sufocar. Agora ele entendia o que Anne passara com o seu coma, pois era uma incerteza que não tinha fim. Nunca se sabia o que um novo dia traria, se seriam notícias boas ou ruins. As horas se arrastavam, e aquele vazio dentro se si se tornava tão grande que era quase impossível ter esperanças quando via cada uma delas serem arrasadas todos os dias por sua própria impotência diante dos fatos que se desenrolavam diante de seus olhos. Gilbert não sabia até quando suportaria, pois apesar de tentar se manter firme em suas crenças, ele nunca fora como Anne, e ela sempre se mostrara mais forte do que ele.
- Gilbert, eu sei o quanto você está sofrendo com tudo isso. Dá para ver em seus olhos. Mas, você não pode se esquecer que agora você tem uma filha que depende de você, e terá que encontrar forças para continuar vivendo, senão por si mesmo, pelo menos por ela.
- Eu sei, Dora. Pensa que não digo isso a mim mesmo a todo momento? Eu amo minha filha tanto quanto amo a mãe dela e jamais a abandonaria, por mais ferrado que eu esteja por dentro.
- Eu acredito em você, e sinto tanto que esteja enfrentando uma barra tão pesada quanto essa, mas, você tem seus amigos para te apoiar, não se sinta sozinho.- ele não respondeu porque as palavras se tornaram difíceis naquele momento. Ele sempre tivera dificuldade em expressar seus sentimentos falando, principalmente se fosse sobre o seu amor por Anne. Gilbert preferia demonstrar com gestos, pois a intensidade com que sentia tudo dentro de si era enorme e não existiam palavras suficientes ou apropriadas para descrever suas emoções em sua magnitude.
- Anne é tudo para mm, Dora. E sabe o que dói mais? É que ela esperou tanto tempo pelo nascimento de Rilla, e sequer pôde aproveitar o momento de seu nascimento. Ela costumava descrever como ela imaginava que seria o parto de nossa princesinha, e eram tantos detalhes que eu acabava rindo de sua imaginação rica demais, como também me envolvia totalmente em sua narrativa. Anne sempre foi boa em descrições como é boa em tudo onde coloca seu coração. Minha esposa é tão rara quanto uma pedra preciosa, e é por isso que nunca pude amar mais ninguém além dela. – Gilbert terminou o que dizia, e baixou sua cabeça, pois as lembranças eram fortes demais e magoavam seu coração já dolorido por todos aqueles dias de aflição e tristeza. Dora também ficou em silêncio intuindo que nada do que dissesse iria dar o alívio e ânimo que Gilbert precisava.
O rapaz por fim se levantou, e disse com o semblante carregado:
- Preciso voltar. Quero ficar mais um pouco ao lado de minha esposa.
- Tudo bem, e por favor se cuida também. Anne precisa de você forte ao lado dela
- Vou tentar .- foi tudo o que ele pôde prometer.
E assim, enquanto caminhava e ouvia os próprios passos ecoarem no corredor, ele ainda carregava lembranças doces e amargas dentro de si . A vida lhe dera tanto, mas também lhe cobrara muito, e Anne sempre fora seu sopro de felicidade e seu alento, agora sem ela, tudo parecia desmoronar lentamente.
Ele entrou no quarto novamente, e se sentou no mesmo lugar de antes, segurou a mão dela onde se podia sentir um pouco de calor, e disse com duas grandes lágrimas rolando por seu rosto.
- Estou aqui, meu amor, e não sairei do seu lado até que eu possa ver esse lindo olhar sobre mim novamente.
E assim, ele ficou muitas horas depois, até que as luzes se apagaram e ele adormeceu com seus dedos entrelaçados nos dela.
ANNE
Flutuar ou voar? Ela não sabia bem a diferença naquele instante em que seu corpo pesava menos que uma pena. Tudo o que podia sentir era que não existia mais dor, e seus pezinhos descalços mal tocavam o chão. Ela olhou para o lado, e Gilbert estava lá, mas os olhos dele não a viam, pois estavam perdidos no nada, como se estivessem vazios de amor, de alegria, ou felicidade. Seu marido chorava, e Anne tocou-lhe a face, confessando-lhe seu amor, mas ele não ouvia como se tivesse construído entre ambos um muro que os separava e que de tão alto, não permitia que ela chegasse até ele. Ela chamou-o pelo nome, mas sua voz foi como uma brisa que sequer chegou-lhe aos ouvidos, por isso, ela tentou mais três vezes, porém desistiu ao perceber que seus esforços estavam sendo inúteis.
Assim, seu coração se apertou de angústia por não conseguir alcançar Gilbert que ainda chorava desconsolado, o que a deixou extremamente surpresa, porque seu marido quase nunca chorava. Ele guardava suas mágoas dentro de si e deixava que o mundo visse apenas seu sorriso, mas, Anne o conhecia bem e sabia quando o peso de suas mágoas estava a ponto de transbordar. O motivo daquelas lágrimas, ela ainda não descobrira, mas intuía que era algo relacionado a ela ou a Rilla. Sua pequena havia nascido bem, Anne se lembrava entre as ondas de dor e sua testa suada, ela ouvira o chorinho de sua filha, mas não permitiram que ela se aproximasse, dizendo que logo estariam novamente lado a lado.
Um outro choro a fez ficar tensa, e ela olhou ao seu redor sem saber ao certo de onde vinha, e não encontrando nada que lhe desse uma pista, Anne decidiu deixar Gilbert um pouco sozinho e caminhar pelos corredores do hospital até encontrar o som que a tinha perturbado. Contudo, um vento estranho e forte a arrastou pelo universo como se ela fosse uma folhinha seca sem forças para resistir aquele fenômeno da natureza. Quando se sentiu segura para abrir os olhos, Anne se viu em seu antigo quarto em Green Gables.
Ela correu os olhos pelos móveis antigos, sua cama coberta com a velha colcha feita a mão por Marilla, seus livros favoritos abarrotando as prateleiras e sua cerejeira em flor tão antiga e tão amada.
Anne caminhou até a janela e respirou o ar puro que vinha do lado de fora. Ela amava aquele lugar, seu lar verdadeiro, sua conexão com um suas origens, a descoberta do primeiro e único amor, suas alegrias e tragédias pessoais. Tudo estava interligado como uma teia gigantesca de sonhos e decepções, de conquistas e frustrações. Ali sempre seria o único lugar capaz de curar suas feridas e devolver lhe a paz quando os tombos da vida se tornassem grandes demais.
Ela saiu da janela e desceu as escadas indo em direção à sala. Matthew estava sentado lá ouvindo as notícias em seu programa favorito no rádio, e parecia tão concentrado que nenhum tipo de ruído o distraía. Anne observou melhor seus traços e concluiu que não ocorrera nenhuma mudança no rosto daquele homem que desde o começo lhe oferecera o seu amor de graça sem questionamentos.
Ele não era seu pai biológico, mas agia como se fosse, se alegrando com ela em seus momentos felizes e sofrendo com ela nos seus momentos de agonia. Sempre foram tão ligados como se houvesse entre eles um cordão umbilical invisível, onde conexões biológicas não eram necessárias ou importantes. O amor que se davam era genuíno, como se pertencessem a mesma família, e embora suas origens estivessem em outras terras, Anne sempre se considerará uma Cuthbert de coração, e era em Green Gables que queria terminar seus dias quando sua hora derradeira chegasse.
O aroma delicioso da comida de Marilla chegou até ela, levando-a até a cozinha onde a boa mulher estava atarefada com uma enorme quantidade de broas caseiras que acabavam de sair do forno.
Marilla também continuava a mesma. Seus cabelos parcialmente brancos presos em um coque austero, o avental sempre impecável por cima de seu vestido de algodão, e suas mãos calejadas sempre prontas para o trabalho. Embora seu relacionamento com Marilla nunca tivesse sido muito caloroso, havia uma afeição verdadeira entre elas,
Diferente do irmão que apesar de ser de natureza mais calada sabia expressar seus sentimentos, a boa mulher era muito pouco expansiva. Porém, sua generosidade e cuidados com seus amigos estavam explícitos na sua forma de oferecer auxílio quando necessário, nas comidas que preparava e os presenteava em ocasiões especiais, ou em uma palavra de conforto nos momentos difíceis.
O carinho que Anne tinha por Marilla era imenso, pois ela fora a única mãe que conhecera a vida toda. A ruivinha sabia que apesar do jeito de amar de Marilla ser reservado, ela nunca sentira que não era bem-vinda naquela casa. Fora na fazenda que crescera e se tornara a pessoa que era, e Marilla Cuthbert tinha grande participação nisso.
Anne ficou por alguns minutos observando a boa mulher trabalhar, enquanto resmungava alguma coisa que a ruivinha não entendeu, mas que a fez sorrir mesmo assim. Algumas coisas nunca realmente mudavam, e Marilla era a prova disso, o que dava certo conforto a Anne por saber que seu lar sempre seria aquele, não importava por quais lugares se mudasse antes de voltar definitivamente para Green Gables.
Ela deu uma última olhada para a boa mulher que continuava entretida com seus afazeres diários, e saiu pela porta da cozinha, alcançando o jardim, e em seguida em um piscar de olhos, como se fosse pura mágica, Anne estava no meio da floresta, próxima ao seu clube de leitura que também continuava praticamente o mesmo. Um dia, quando acordasse desse sonho que estava tendo sobre sua vida, ela queria trazer Rilla até ali para que ela também conhecer aquele lugar mágico onde tantas vezes fora seu refúgio. Quem sabe sua filhinha não pudesse se apaixonar pelos seus poemas, e livros antigos, e fazer daquele espaço seu próprio recanto particular ?
Anne continuou andando, sentindo o frescor da relva debaixo de seus pés, e o cheiro das folhas úmidas pela recente chuva da estação, encantando-se mais uma vez com a beleza crua da paisagem, sendo mais uma vez arrastada pelas lembranças.
Um coro de vozes de crianças se fez ouvir a alguns passos de onde ela estava e curiosa, ela andou até lá, pois queria compreender o que se passava naquele lugar onde supostamente não deveria ter ninguém àquela hora.
Ela chegou em uma clareira onde várias crianças brincavam de roda, e onde risadas enchiam o ar de alegria e animação. Atraída pelo som, Anne se aproximou, e então, um menino de mais ou menos dois anos veio correndo em sua direção e disse com sua vozinha docemente infantil:
- Que bom, mamãe que você chegou!- e se agarrou na barra de sua saia de onde não mais se soltou.
Intrigada Anne olhou para o garotinho cujos olhos castanhos lhe lembravam tanto alguém. Foi então que o reconhecimento chegou como um baque em seu coração, e ela levou a mão ao rosto e começou a chorar.
Ela se abaixou na altura do garotinho, e encarou seu rostinho rosado com tanto a traços seus e de Gilbert misturados, e não pôde acreditar que estava diante do bebê que perdera, cujo pesar ainda magoava seu coração
- Por que está chorando, mamãe? – ele disse passando seus dedinhos suaves pela face de Anne.
- Estou chorando de felicidade por finalmente te conhecer, meu amor. – ela então o abraçou, tocando os cachinhos castanhos de bebê com os quais sonhara tanto um dia, e ficou nessa posição cerca de cinco minutos, depois se afastou um instante para observar cada detalhe do irmãozinho de Rilla que nunca veria a luz do dia, mas que ali em seu sonho estava mais vivo do que nunca.
Internamente ela agradeceu pela oportunidade de estar diante de seu bebê tão amado, o qual não pudera cuidar e ser a mãe que ele merecia, sentindo pela primeira vez em tanto tempo sua antiga ferida se cicatrizando.
- Venha brincar com a gente, mamãe. – o garotinho disse com o sorriso tão incrivelmente parecido com o de Gilbert, que o coração dela suspirou de alegria.
- Eu irei, mas, antes me diga qual é o seu nome?
- Eu me chamo Walter.- e mais uma vez Anne chorou, ao ouvir o nome que fora de seu pai e que agora pertencia aquele garotinho que moraria para sempre em seu coração.
- Você ficou triste de novo, mamãe?- o garotinho perguntou se segurando em sua mãe.
- Não, meu anjinho. Não estou triste. Agora vamos brincar com os seus amigos. – Assim, ele a levou pela mão até a roda onde estava antes, e Anne se juntou a todas aquelas crianças em cantigas de e brincadeira de esconde esconde.
A felicidade que ela sentia naquele instante era indescritível, e só não era maior porque Gilbert não estava ali para partilhar com ela a alegria infinita de ter conhecido seu filho, porém, Anne entendia que aquele sonho era somente dela, e talvez por isso não fosse possível para Gilbert alcançá-la naquela esfera.
Depois, eles se sentaram para um piquenique onde uma enorme quantidade de comida fora apresentada, e dividida igualmente entre todas as crianças. Anne nunca tinha provado alimento mais delicioso ou bebida mais doce, e quando deu a primeira mordida foi que percebeu o quanto estava faminta.
Dê vez em quando, Walter tocava seu rosto e lhe sorria, pois parecia maravilhado com o cabelo ruivo de Anne, o qual sua mãozinha pequena acariciava a todo momento. Anne sentia seu coração se aquecer e um desejo enorme de ficar morando naquele sonho parecia crescer dentro dela. Ali não havia dor, ou solidão, somente aquela sensação de plenitude e paz. Ela estava simplesmente encantada com seu pequeno, um mini Gilbert perfeito, de olhar inteligente e rosto desenhado por anjos, assim como ela sempre pensava quando admirava os traços lindos de seu marido.
A imagem de Gilbert chegou até ela, e uma saudade imensa invadiu seu coração. Ela sentia falta do abraço dele e dos beijos que sempre recebia ao acordar, mas, se quisesse vê-lo teria que abrir os olhos, e se o fizesse Walter desapareceria instantaneamente e Anne nunca mais o veria. Por que ela não podia ter tudo? Walter, Rilla e Gilbert? Por que tinha sempre que abrir mão de alguma coisa, se quisesse seguir em frente com seus novos sonhos? Anne estava exausta de desistir do que a fazia feliz, e ali onde estava naquele momento não havia mais tristeza ou angústia nenhuma e podia ficar morando ali para sempre.
Mas, então ela se lembrou de Gilbert e Rilla novamente e seu coração doeu ao pensar em ficar longe deles. Ela olhou para Walter que tinha seus olhos fixos nela e Anne tocou sua face suave de bebê. O garotinho fez o mesmo e disse:
- Eu te amo, mamãe.
Anne sentiu que chorava , e por isso, ela o abraçou apertado e respondeu:
- Eu amo você também, meu querido bebê.
- Você vai ficar, mamãe?- ele perguntou com seu rostinho cheio de expectativa.
- Eu queria muito, mas seu papai e irmãzinha precisam de mim, e não posso deixá-los agora, mas eu prometo que um dia eu vou voltar e nunca mais vamos nos separar .
- Adeus, mamãe. – Walter disse, beijando-lhe a face, que fez Anne sorrir por entre as lágrimas.
- Até logo, meu amor.
E então, tudo ficou escuro.
GILBERT E ANNE
Quinze dias haviam se passado, e Gilbert continuava em sua via sacra, da faculdade para o trabalho, de casa para o hospital. O dia emendava a noite, e ele já não sabia mais o que era dormir em uma cama de verdade. Seu cansaço era nítido, as olheiras se avolumavam embaixo de seus olhos, o sorriso já não era espontâneo, e enquanto o mundo girava lá fora, sua vida havia estacionado.
Ele realmente não se importava se havia sol ou chuva do lado de fora, pois nenhum prazer existia para ele sem Anne, e a indiferença e o vazio dentro de si o ajudavam a continuar levando seus dias mecanicamente, pois quando se permitia sentir, a dor era agonizante, e a saudade de Anne o assombrava mesmo quando estava dormindo. Ele sonhava com os dias felizes do início do namoro, passando pelo noivado até o casamento, e sempre acordava com a sensação de que o que estava vivendo era um sonho, porém, logo a realidade do coma de Anne o fazia despertar para sua infelicidade e desesperança que se tornava maior a cada dia, e tantas dúvidas cercavam seu coração que faziam Gilbert querer gritar seu desespero, mas, então ele se lembrava que sua esposa passara por isso com ele duas vezes, e em nenhuma ela desistira, assim como ele também nunca desistiria até tê-la de volta.
Assim, ele sobrevivia de suas lembranças do passado, dos planos que ele e Anne tinham feito para o futuro, do amor que ainda alimentava sua alma e de sua necessidade quase urgente de acreditar que a recuperação dela estava a caminho, e que viveriam felizes não importando quanto tempo levariam para superar aquele pesadelo.
Sua única alegria naqueles dias era Rilla. Ela era tão linda que Gilbert perdia um tempo considerável no berçário apenas observando-a. Sua garotinha tinha tanta coisa de Anne que o deixava mais dolorido ainda, ao mesmo tempo que o fazia sorrir feito bobo por ter criado com sua ruivinha o ser mais perfeito do mundo. Um anjo de cabelos ruivos cacheados, e olhos castanhos como os seus, a pele rosada das bochechas, e os lábios bem feitos eram como uma pintura daquelas feitas por Cole. Em todo aquele caos, era naquela princesinha que Gilbert encontrava forças para se manter em pé, porque sem Rilla, o rapaz não sabia como prosseguiria, sentindo-se definhar a cada dia sem a presença de sua esposa que sempre fora seu raio de sol.
Os amigos mais íntimos de Anne apareciam quase todos os dias para visitá-la ou ter notícias, e Gilbert se sentia grato por ter pelo menos essa distração. Cole era uma excelente companhia, e Diana sempre zelava pelo bem-estar de sua amiga. Naquela manhã, quando ele voltara para o quarto de Anne, após ter ido até a cantina do hospital para tomar café da manhã, ele a encontrou penteando os cabelos de sua esposa com o mesmo zelo que tinha quando viviam em Avonlea e faziam a noite das garotas.
- Bom dia, Diana.- ele disse, se sentando na poltrona ao lado da cama que se tornara naqueles dias seu ponto de observação e lugar para velar pelo sono profundo de sua esposa.
- Bom dia, Gilbert. Eu pensei que você já tinha ido para a faculdade.- Diana disse, trançando os cabelos de Anne do jeito que ela mais gostava.
- Eu resolvi não ir hoje.- ele respondeu simplesmente. Desde que Anne entrara em coma, ele perdera a vontade de estudar. Só não desistia totalmente porque ele sabia que investira tempo demais naquela faculdade para jogar tudo para o alto de repente. No entanto, Gilbert não sentia que era o mesmo aluno dedicado de antes, embora sua boa memória o ajudasse a manter suas notas altas.
- Você sabe que Anne ficaria zangada com você. Ela sempre te incentivou tanto.- Diana disse, passando um pouco de batom nos lábios rosados que Gilbert morria de saudades de beijar.
- Eu sei.- ele respondeu, baixando a cabeça.- Mas, hoje eu sinto que não tenho cabeça para mais nada.- ele suspirou desanimado.
- Você precisa reagir, Gilbert. Anne sempre foi forte por você, agora ela precisa que você seja forte por ela e Rilla. Não se entregue dessa maneira.- Diana disse, guardando a maquiagem na bolsa e se sentando ao lado de Gilbert, que apenas balançou a cabeça diante de suas palavras, pois ele se sentia cansado demais para retrucar. Diana observou seu rosto por alguns segundos e depois continuou:- Quanto tempo faz que você não dorme direito ou come uma refeição decente? Eu tenho te visto nesse hospital todos os dias, mais parecendo um morto vivo que o rapaz corajoso por quem minha amiga se apaixonou. Você precisa parar de se machucar desse jeito.
- Eu não consigo, Diana. Anne sempre foi o meu mundo. Viver sem ela é duro demais. Eu sequer consigo ficar no nosso apartamento, porque cada pedacinho daquele lugar está cheio de lembranças dela.- ele colocou a cabeça entre as mãos, pois não conseguia encarar a amiga de Anne sem soluçar.
- Eu imagino o quanto deva ser difícil, principalmente agora com o nascimento de Rilla. Mas, a vida continua, e se enterrar vivo desse jeito não vai ajudar minha amiga a se recuperar. Tanto ela quanto Rilla precisam de você inteiro, e infelizmente não é o que tenho visto aqui.- Gilbert não respondeu de pronto, pois não podia dizer que ela não estava certa. Porém, quem podia condená-lo por se sentir tão cansado que sequer tinha interesse em outras coisas além de Anne e sua filha? Até o trabalho se tornara um fardo, mas ele continuava a desempenhar suas tarefas com a mesma eficiência de sempre, apenas não tinha motivação ou animação para ver um futuro promissor no que estava fazendo, pois antes, por influência de suas atribuições no laboratório ele pensara em migrar para a área de pesquisa, mas, nem mesmo isso o animava mais.
- Sinto muito decepcionar você e Cole, Diana. E creio que Anne também ficaria profundamente desapontada comigo, mas, eu simplesmente não consigo ser tão forte quanto preciso, e nisso Anne sempre foi melhor do que eu.
- Eu não estou decepcionada com você, e duvido muito que Anne também se sentisse assim. Ela sempre te amou demais, Gilbert, e para ela até seus defeitos são qualidades. Eu apenas estou preocupada ao vê-lo abandonando tudo para viver dentro desse hospital. Por que não vai para casa, e tenta ter mais horas de sono em uma cama de verdade?
- Eu não posso.- ele disse quase em pânico. Como dizer para Diana que ele tinha medo de sair o lado de Anne, e algo ruim acontecer? Ele sabia da incoerência desse pensamento, mas ainda assim não conseguia deixar de imaginar que era sua presença que mantinha Anne ali, e por isso, ele não conseguia se afastar, pois seu terror de perder Anne era maior que seu cansaço.
- É claro que pode, Gilbert. Eu não acho que algumas horas longe daqui vai mudar alguma coisa no estado de Anne. Você precisa descansar de verdade, pois está à beira de um esgotamento físico e psicológico.
- Eu não posso voltar para casa, pelo menos não agora.- ele disse balançando a cabeça.
- Você é quem sabe, Gilbert. Eu estou apenas preocupada com sua saúde mental e física.
- Eu sei, Diana, e te agradeço por se preocupar comigo, e tudo o que me disse provavelmente seria o que Anne me diria, mas, eu não posso mudar quem eu sou, e a maneira como me sinto em relação a algumas coisas. Eu nunca tive o mesmo tipo de fé que Anne tem. Às vezes acho que todas as minhas experiências de vida fizeram de mim o que eu sou, e é difícil mudar certas crenças quando elas estão enraizadas em você. Antes, eu colocava todas as minhas certezas na ciência da Medicina, mas, hoje, depois de tantas decepções pessoais, eu não penso mais assim. Eu sempre quis ser médico por acreditar que poderia ajudar pessoas, mas, o que posso fazer com todo o meu conhecimento se não posso ajudar a mulher que eu amo a sair do estado vegetativo no qual se encontra?- ele desabafou a pior angústia de seu coração.
- Não depende de você, meu querido. Apenas Anne pode decidir quando deve voltar para nós. - Diana disse com um leve sorriso pesaroso.
- E se ela não quiser voltar, Diana?- Gilbert disse com os olhos marejados.
- Então, você terá que ser forte e deixá-la ir.- Diana disse apertando a mão de Gilbert com carinho.
Gilbert fechou os olhos, negando o que ouvira porque não podia aceitar que seu amor partisse. Como deixar partir alguém que era tudo, que representava as cores do arco-íris inteiro, que era a música de sua alma, que vivia em seu coração vinte quatro horas por dia. A vida não podia ser tão cruel com ele, ou será que podia?
- Preciso de ar.- foi tudo o que disse, antes de sair e deixar Diana sozinha com Anne.
Ele andou pelo hospital, observando cada detalhe. Um dia sonhara em trabalhar em um lugar tão grande quanto aquele, e de repente se dava conta que não existia mais essa vontade dentro dele. Ser médico não parecia mais uma certeza absoluta em seu coração, pois diante de tantos infortúnios, vivenciar a dor de outro ser humano parecia intolerável. Ele perdera seu pai, e nunca pensara que vivera um sofrimento pior do que aquele. John Blythe definhara até morrer, e Gilbert participara ativamente desse sofrimento, e agora via a mulher de sua vida perdida entre dois mundos e não pertencer a nenhum deles. Não, ele não podia deixa-la partir, pois ele sabia que iria com ela mesmo que emocionalmente, e o que sobraria dele seria uma casca vazia e sem consistência nenhuma.
Seus passos o levaram ao berçário, onde Rilla permanecia acordada com seus olhinhos castanhos encarando-o, e Gilbert tinha a impressão de que ela estava lhe sorrindo.
- Será que posso pegá-la?- ele perguntou para a enfermeira do dia.
- Claro, amanhã ela estará pronta para ir para casa. O médico me pediu para dizer-lhe caso aparecesse aqui.
- Obrigado. Eu já sabia. Ele me encontrou no quarto da minha esposa, quando passou por lá para visitá-la ontem a noite.- a enfermeira balançou a cabeça concordando e lhe entregou Rilla, que imediatamente pareceu confortável no colo dele, como se já estivesse acostumada a ficar assim com seu pai desde o seu primeiro dia de vida.
A emoção transbordou em seus olhos ao observar aquele ser tão pequeno que dependia completamente dele agora, e então, Gilbert chorou cheio de dor, cheio de alegria e cheio de amor. Era Anne que deveria estar ali com ele naquele momento, porém, ela não estava, e Gilbert não conseguia se conformar. Por isso, ele voltou para o quarto de Anne com Rilla nos braços, pois estava na hora da garotinha conhecer a mãe fantástica que ela tinha.
Ele entrou no quarto, onde Anne dormia a tantos dias, e se aproximou da cama com sua filhinha no colo, cujos olhos não abandonavam seu rosto nem por um segundo, e disse;
- Oi, meu amor. Olha só quem veio te ver. Rilla está aqui e te ama tanto quanto eu. Por favor, querida. Você precisa acordar, pois nós dois precisamos demais de você. Eu sei que deve estar cansada, e quer muito descansar, mas será que não pode apenas fazer um pequeno esforço, e abrir os seus olhos lindos para mim? Eu te amo, Anne, muito mais do que todos os dias que eu já te amei, e esse meu sentimento deve valer alguma coisa para você. Por isso, eu imploro que volte para mim, porque eu não sou nada sem você.
Anne continuou na mesma posição, respirando calmamente como se o mundo todo tivesse parado, e apenas a sua inconsciência fosse sua única ligação com as pessoas que um dia a conheceram e a amaram. Gilbert não pôde mais suportar aquela cena, e por isso com o rosto banhado de lágrimas, ele se virou para sair e levar Rilla de volta para o berçário, pois o milagre que esperara não aconteceu. Porém, quando estava na porta pronto para sair, ele ouviu uma voz fraca que disse:
- Gilbert...- sem conseguir acreditar que estivesse realmente ouvindo aquela voz tão amada, ele se virou, e então olhos castanhos e azuis mergulharam um no outro.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro