Capítulo 122- De alma e coração
Olá, pessoal. Aqui está o capítulo da semana. Acho que ficou um pouquinho pesado por conta dos últimos acontecimentos com os personagens, mas, tentei retratar a verdade de um momento assim na vida de alguém. Como eu disse, anteriormente, as semanas têm sido difíceis para mim, então, me desculpem mais uma vez se o capítulo não tenha alcançado as expectativas de vocês, mas, espero que me deixem seus comentários mesmo assim se acharem que o capitulo valeu a pena. Muito obrigada por tudo. Vou revisar depois. Beijos
ANNE
Estava escuro, e Anne abriu aos olhos em meio ao seu pesadelo, temendo que fosse real a agonia que sentira em sua inconsciência quando Rilla lhe fora roubada. Desesperada, ela levou as mãos à barriga, com um enorme pavor de que tivessem lhe tirado sua filha enquanto dormia, e ao encontrá-la intacta, ela suspirou aliviada, percebendo a incoerência de seus pensamentos, causados por uma imaginação que de tão ativa acabara se tornando cruel demais com ela.
Sentindo-se sufocada, ela sentou-se na cama, passou as mãos pela testa e percebeu o quanto estava empapada de suor. Sua respiração estava um pouco alterada, dando-lhe uma sensação incômoda de falta de ar. Ela olhou para Gilbert que dormia profundamente, e pensou se deveria acordá-lo, mas logo mudou de ideia ao pensar que não deveria perturbar seu descanso, pois Gilbert vinha se desdobrando de todas as formas para dar conta de tudo, já que Anne não podia mais contribuir com as tarefas da casa como antes, e assim, ele acabava se dividindo em três.
Em um mesmo dia, Gilbert era o universitário dedicado, o chefe de laboratório responsável e inteligente, e o marido e futuro pai de família em tempo quase integral. Anne olhou com carinho para as linhas de cansaço em volta dos olhos dele, o maxilar perfeitamente alinhado em um rosto de dar inveja a qualquer um. Ele estava deitado de bruços, e dormia completamente sem camisa, pois Gilbert sempre detestara qualquer peça de roupa na hora de ir para cama, a não ser sua calça de moletom nas noites mais frias, e quando o clima se mostrava mais quente o máximo que ele se permitia vestir era um par de shorts bem curto e confortável, o que dava a Anne uma bela visão das costas musculosas do marido cujas linhas estavam totalmente relaxadas naquele instante. Ela queria tanto tocá-lo, pois adorava a sensação da pele dele em seus dedos, mas, não tinha coragem de ser malvada a esse ponto, e tirá-lo e um descanso tão necessário por um capricho seu.
Ela acendeu o abajur de cabeceira para verificar as horas, e seu relógio lhe mostrou que eram quatro horas da manhã. Muito cedo para se levantar, mas, Anne sentiu que não conseguiria voltar a dormir, pois estava se sentindo quente como se estivesse febril, sua cabeça doía de leve, sua respiração ainda não voltara ao normal, e como não queria atrapalhar Gilbert, ela resolveu se levantar e tomar um copo de água.
A primeira coisa que notou quando se levantou foi que sua vista estava embaçada. Ela até pensou que isso estava acontecendo, por ainda estar sonolenta e ter acordado no meio de um sonho ruim, mas, conforme ela caminhava devagar em direção a cozinha, aquela sensação estranha não desaparecia, e começou a sentir seu peito se apertar a um ponto que se transformou em choro. Quando Anne percebeu, ela tinha mudado sua rota da cozinha para o quartinho de Rilla, e ao entrar naquele ambiente infantil com muitos tons de rosa, uma tristeza profunda a acometeu. Ela se sentou na cadeira de balanço que Gilbert colocara ali pensando que Anne pudesse usá-la em sua amamentação da bebê, e abraçou uma almofada bordada por ela mesmo com o nome de sua filhinha, e deixou que as lágrimas rolassem silenciosas.
Não houve soluços, ou lamentações, apenas aquele choro sentido e solitário que a levava de volta a seu pesadelo onde sua filha não estava mais protegida dentro de seu útero. E supersticiosa como era para algumas coisas, Anne se perguntou se não seria uma premonição do que estava por vir. Ela jamais confessaria isso para Gilbert, mas ela também tinha medo de que Rilla não viesse ao mundo saudável, ou que ela própria não conseguisse chegar ao fim da gestação normal, e sua bebê nascesse prematura, mas, eram riscos que uma mãe tinha que assumir, escolhas que tinha que fazer, e ninguém mais poderia fazer isso por ela.
Anne apertou a almofada em seus braços como se estivesse segurando Rilla, e seu choro aumentou. Ela não estava se sentindo nada bem, pois seu estômago estava enjoado, sua cabeça girava quando ela fazia qualquer movimento com ela para a direita ou esquerda, sua visão continuava embaçada, e ela simplesmente não conseguia parar de chorar.
Às vezes ela pensava se era tão forte quando pensava que era, pois nesses momentos em que se via sozinha sem o olhar vigilante de Gilbert sobre ela, Anne pensava em quantos passos conseguiria ainda dar sem tropeçar? Apesar de sua felicidade por estar gerando uma princesinha do homem que amava, ela temia sucumbir à sua própria fragilidade, e perder a batalha antes que sua missão se cumprisse. Ela sabia que não podia se deixar levar pela depressão tão comum em casos como os dela, mas, às vezes se pegava sem querer contando os dias, e se sentia cada vez mais triste por vê-los passar, sabendo que não voltariam mais, e ela tinha que se forçar a olhar para um futuro do qual não sabia se ainda faria parte.
Não tinha medo de morrer, embora evitasse ao máximo pensar nisso, para não atrair para si mesma vibrações negativas. O que temia era o vazio que deixaria na vida das pessoas que amava, sendo parte da vida delas apenas como uma lembrança singela do ser humano que um dia fora. Ainda assim, ela se perguntava para onde iriam as pessoas depois que deixavam essa vida? Será que virariam parte do arco-íris que sempre surgia depois da tempestade? Ou uma nuvem no céu para serem meros observadores passivos do mundo do qual um dia participaram, e nunca mais poderiam fazer parte? Se ela pudesse escolher, seria uma estrela daquelas que ela e Gilbert sempre admiraram no céu de Avonlea, porque havia uma certa beleza na existência de astros luminosos que passavam sua existência brilhando sobre a vida de outras pessoas, como se assim mandassem a cada ser humano do planeta terra uma mensagem de carinho e amor. Então, ser uma estrela era o que Anne desejaria se tornar quando não pudesse mais ser a garota ruiva e sardenta que tinha uma imaginação progressiva e sem parada.
Pensamentos mórbidos assim aquela hora da madrugada não deveriam agradá-la, mas lhe davam um certo conforto ter algo sobre o que ponderar, já que seu mal-estar tinha piorado, e ela tentava a todo custo se animar para sair dali e voltar para cama. Mas, simplesmente não conseguia se levantar, e tinha medo que se tentasse dar um passo acabaria caindo e se machucando, por isso se ajeitou o melhor que pôde na cadeira de balanço e esperou.
- Anne.- ela ouviu alguém chamá-la depois do que parecia ter se passado horas, e quando abriu seus olhos, a claridade do ambiente quase a cegou. Ela colocou as mãos na frente dos olhos, pois o incômodo era enorme enquanto ouvia a voz preocupada de Gilbert:- O que está fazendo aqui? São quatro e meia da manhã.
- Tive um pesadelo, e não estou me sentindo bem.- ela tentou responder de um jeito calmo, mas, para seu horror começou a chorar e a dizer:- Por favor, me ajuda, Gilbert.- De repente, os braços dele estavam em volta dela, e aquela voz confortadora, cujo som sempre ia direto a seu coração disse:
- Estou aqui. O que você está sentindo?-
- A minha cabeça dói, e não consigo enxergar direito.- ela disse em meio a seu choro desconsolado.
- Espere aqui, eu já volto.- Gilbert disse, e Anne quase o chamou de volta quando percebeu que ele a tinha deixado ali. Ela não queria que Gilbert saísse de perto dela, porque estava com medo, pois nunca se sentira tão mal assim. Porém, não demorou muito, ele estava de volta fazendo-a respirar aliviada, e logo seu marido estava verificando sua pressão como ele metodicamente fazia todos os dias.
- Sua pressão está um pouco alta.- Gilbert disse, após checar-lhe a pressão duas vezes, e Anne pôde sentir que ele estava tenso.- Por que não me chamou antes, Anne?
- Eu não quis incomodá-lo, você estava dormindo tão bem, que não me pareceu justo tirá-lo de seu sono naquele momento.
- Amor, isso se trata de algo sério. Você não pode ignorar nenhum sintoma quando eles aparecem. Deveria ter me chamado. - ele a repreendeu de leve, mas, mesmo assim, ela sentiu seu coração se partir. Anne estava tão péssima física e emocionalmente naquele momento, que mesmo com toda a gentileza de Gilbert ao dizer-lhe aquelas palavras desencadeou uma onda de sentimentos de todos os tipos que ela não conseguiu evitar de soluçar desesperada. – Anne, por favor, não fique assim, eu vou cuidar de você. Tome isso. - ele lhe entregou um copo de água e o comprimido que ela devia tomar quando tinha uma crise de pressão alta, e esperou enquanto ela engolia a medicação, tomava um gole de água e lhe devolvia o copo. Em seguida, ele a fez se levantar da cadeira de balanço, se sentou nela e trouxe Anne para seus braços, enquanto ela descansava a cabeça em seu peito.
- Se você não melhorar, eu vou ter que te levar para o hospital.- ele disse quase em um sussurro, e Anne reagiu imediatamente às palavras dele.
- Não, por favor. Quero ficar aqui com você. – ela disse quase em desespero.
- Querida, eu sei que não é nada agradável ficar em um leito de hospital, mas, é uma ação necessária no seu caso.- ele disse com os lábios colados nas bochechas dela.
- Não, não quero que tirem meu bebê.- ela respondeu ainda se lembrando com terror do sonho.
- Ninguém vai tirar Rilla de você. Por que está pensando isso?- ele disse segurando o rosto dela com as mãos para observar-lhe as feições.
- Eu tive um pesadelo onde tiravam minha filha. Por favor, Gilbert, não deixem que tirem a Rilla de mim.- ela agarrava nas mãos dele como se Gilbert fosse desaparecer de repente, deixando-a ali sozinha em meio ao seu terror mental.
- Foi apenas um pesadelo, provavelmente causado por sua crise de pressão alta. Ninguém pode tirar nossa princesa de você.- ele não estava entendendo, e Anne não tinha coragem de falar o que se passara em sua cabeça enquanto ficara sozinha ali madrugada adentro. O sentimento ruim persistia, e ela sentia que tinha que fugir dele antes que dominasse seu emocional e a fragilizasse mais ainda. No entanto, mesmo com os beijos suaves de Gilbert em sua testa, o afago confortador de suas mãos em seus cabelos, o pavor não a deixava se acalmar. Estava exausta, mas se recusava a fechar os olhos e reviver em sua cabeça toda a angústia de seu sono ruim.
Ela nem percebeu quando Gilbert a carregou de volta para o quarto deles. Somente notou que não estava mais na cadeira de balanço quando sentiu os lençóis macios tocando suas costas. Anne se virou para Gilbert no momento em que ele se deitou a seu lado, e o abraçou apertado enquanto murmurava chorosa.
- Salve nossa bebê. Não posso perde-la. Por favor, Gilbert.
- Calma, querida. Você não está sozinha, é apenas um mal-estar passageiro, vai passar assim que você relaxar.- ouvir Gilbert falando com ela era tão bom, pois enquanto se concentrava na cadência modulada do som da voz dele, sua respiração ia se normalizando devagar, e ela quase podia sentir toda sua corrente sanguínea fluir vigorosamente em suas veias. Gilbert tinha aquele poder calmamente sobre ela, era sempre para seu marido que ela corria quando sentia que iria desmoronar. Não podia ter escolhido companheiro melhor de vida que aquele.
Havia tanta força naquelas mãos que acariciam seu rosto agora, assim como havia tanta nobreza naquele coração. Passar por tudo aquilo não estava sendo fácil, mas, sem Gilbert teria sido cem vezes pior. A paciência dele e seu amor era o que alimentavam o espírito de Anne agora, que tentava se equilibrar dentro de um caos emocional em uma jornada que parecia infindável.
Aos poucos, Anne sentiu seu corpo tranquilo, enquanto sua mente ia mudando seu foco, e ela já não se sentia tão deprimida quanto minutos atrás. Embora não conseguisse voltar a dormir, sentir o corpo de Gilbert junto ao seu, enquanto ouvia o som da respiração dele embalar a sua no mesmo ritmo, a fazia perceber que naquele momento, só isso lhe bastava.
GILBERT
Gilbert lavou o rosto várias vezes na pia do banheiro antes de encarar o próprio reflexo no espelho.
A imagem que viu não lhe agradou nenhum pouco, porque podia ver com nitidez as linhas de expressão ao redor dos olhos e da testa que indicavam seu cansaço, e o enorme esforço para manter tudo funcionando perfeitamente em sua vida e na de Anne como antes, porém, não estava sendo fácil e cada dia estava lhe custando muito em questão de ânimo e determinação.
Não se importava de ter que fazer quase tudo sozinho. Na verdade, cuidar da casa, manter notas altas nos estudos, e dar conta de um laboratório inteiro sob sua supervisão não eram tarefas tão impossíveis assim.
As atividades do apartamento, ele realizava nos períodos que estava em casa, o que sempre acontecia depois que ele saía do laboratório. Estudar para as provas ou para os trabalhos de pesquisa, ele sempre o fazia ou nos intervalos das aulas, ou à noite antes de dormir, e tomar conta das suas obrigações no trabalho, o que ele simplesmente fazia era testar amostras, enquanto delegava o restante das tarefas para cada funcionário em seu setor, assim não tinha que acumular funções desnecessárias.
Contudo, o que realmente o deixava esgotado era lidar com barreiras emocionais, pois essas sim estavam às vezes além do seu controle. Ele vivia na berlinda entre o desespero e a alegria como se fosse bipolar, e tivesse que se equilibrar entre dois extremos E sempre acordava pensando o que o nascer do sol lhe traria, se seria a tranquilidade de um dia comum de trabalho e estudo, ou um maremoto de emoções inconstantes.
Sua preocupação maior sempre era sua ruivinha. Anne vinha dando o seu melhor para que as responsabilidades de tudo não pesasse sobre ele, e na maior parte do tempo ela cuidava de si mesma, não deixando que ele tivesse motivos para achar que ela dependesse dele para tudo.
Anne fazia o jantar de ambos, tomava seus remédios nos horários indicados, cuidava de pequenas tarefas que podia realizar por ordem médica, e tinha sempre uma expressão agradável no rosto quando ele chegava em casa exausto do trabalho.
Por isso, ele imaginava o quanto deveria ser difícil para ela lidar com o fato de que estava limitada a certas coisas, já que fora tão ativa antes e cuidava da casa quase sem nenhum auxílio dele no passado, e devia ser muito mais difícil ainda ter que deixar seu lado mais frágil vir à tona, não por vontade própria, mas porque o corpo o exigia como acontecera naquela madrugada.
Ele a tinha observado bem quando a encontrara encolhida na cadeira de balanço no quarto de Rilla. Gilbert não tivera dificuldade nenhuma de saber onde ela estava, pois era para lá que Anne fugia agora toda vez em que não estava se sentindo tão bem fisicamente e psicologicamente. Era como se o quarto da filha fosse sua injeção de ânimo para aqueles momentos em que suas incertezas quase a deixavam maluca, e era ali que recobrava a sanidade e a calma que precisava para lidar com as questões que envolviam sua doença na gravidez.
Gilbert a admirava por estar levando tudo aquilo adiante com coragem. Ele sempre soubera que ela era forte, mas agora vendo-a lutar diariamente para realizar seu sonho de ser mãe apesar de todos os obstáculos físicos e mentais, ele descobrira que havia uma leoa dentro dela que nunca a deixaria desistir. Ao vê-la tão empenhada em trazer sua filha ao mundo apesar de todos os riscos, estava fazendo Gilbert repensar sobre suas próprias limitações emocionais. Ele estava aprendendo com ela a viver um dia de cada vez sem pensar demais no que os esperava mais a frente, e ele sabia que só por isso não tinha enlouquecido de preocupação.
Anne dizia que cada novo dia que nascia era uma oportunidade de fazer melhor o que não ficara tão bom no dia anterior, e cada anoitecer era o momento de agradecer por ter se chegado ao fim de mais uma jornada diária com um sorriso no rosto, e mais esperanças de que o dia seguinte seria melhor que o que acabara de passar.
Gilbert às vezes se perguntava de onde ela conseguia tirar tanta força, pois se pensasse em tudo que Anne passara desde o dia em que nascera, era de se esperar que o pessimismo, a revolta e até mesmo a amargura fizessem parte constante de sua personalidade, e no entanto, ela tinha sempre um sorriso nos lábios, aquele brilho no olhar que o fazia se apaixonar por ela todos os dias, e aquela luz maravilhosa no rosto que fazia dela a garota mais linda que ele já tinha visto. Ela estava sempre brigando por tudo que achasse que valia a pena. Principalmente pelo relacionamento dos dois que ela nunca deixava que esfriasse ou caísse em uma rotina insuportável. Estar com Anne era receber uma lição de vida diária, e como ele era grato por poder aprender com ela a viver em um mundo com tão pouca compaixão, e ainda assim conseguir enxergar quanta beleza podia existir em um simples pôr do sol.
Entretanto, havia certos momentos que Gilbert sabia que Anne estava no limite, e aquela madrugada fora uma delas, e o rapaz temia que conforme os meses fossem passando, esses momentos se tornassem mais frequentes do que ele desejaria. E naquela madrugada um desses momentos surgira, e fora a primeira vez desde que toda aquela situação começara que o rapaz vira Anne baqueada, quase sem forças e infeliz. Ele sabia que tudo aquilo fora causado pela crise de pressão alta, mas, o jovem vira algo mais naqueles olhos que Anne ocultara dele. Ela estava com medo, mesmo que o confessasse por conta de um pesadelo que tivera ou sentindo-se deprimida por causa da gravidade de sua doença, mas a verdade era que Gilbert não queria vê-la enfraquecida em sua fé, ou que ela sentisse suas esperanças indo embora, porque da mesma maneira que Anne se apoiava nele quando sentia sua força física abalada, Gilbert se apoiava na maneira dela encarar a vida com leveza e simplicidade, pois ele passara a enxergar boas perspectivas de futuro depois de conhecê-la, por isso, ele precisava que ela continuasse lutando e acreditando que aquilo tudo era passageiro, e que quando ela tivesse Rilla nos braços tudo aquilo teria valido a pena.
Ele foi para cozinha e preparou seu cereal matinal, assim como fez uma vitamina nutritiva para Anne, pois ela precisava reforçar sua parte imunológica para não se sentir enfraquecida durante o dia. Talvez não fosse possível para ela ir faculdade naquele dia, e isso era outro problema urgente a considerar. Anne não podia ficar sozinha, e Gilbert tinha duas provas importantes que não poderia perder, mas, como não tinha ninguém para ficar com ela, sua preocupação com o bem-estar da esposa venceu, e ele decidiu que faltaria também, e depois conversaria com seus professores a respeito disso, e tentaria convencê-los a deixa-lo fazer uma segunda chamada das provas, o que somente era concedida por justa causa.
Gilbert voltou para o quarto com a intenção de chamar Anne, e ver como ela estava passando desde a hora em que ministrara a medicação que o médico dela prescrevera para ser utilizada somente quando ela tivesse picos mais altos da doença, e a encontrou deitada na cama olhando pra o teto como se meditasse, e então, ele disse:
- Oi, meu amor. Acho melhor se levantar e tentar se alimentar um pouco. Faz tempo que não come nada.- ela levou o seu olhar até ele, analisou-o por longos dois segundos e respondeu:
- Estou sem fome, Gilbert.
- Sabe que isso não é uma opção. Você tem ordens médicas para não deixar de se alimentar em hipótese alguma.
- Diz isso para meu estômago enjoado. Só de pensar em comida tenho vontade de vomitar. - ela disse com a voz seca, o que fez o rapaz perceber com pesar que ela continuava se sentindo mal.
- Anne, eu sei que não deve ser fácil, mas, você sabe que a Rilla precisa de você, pois é a única que pode alimentá-la. Se não comer não estará prejudicando apenas a si mesma. - Anne assentiu, se levantando na mesma hora da cama, mas, Gilbert pôde ver o desanimo naquele olhar opaco que o deixava aflito. Se ao mesmo pudesse dividir com ela todo aquele desconforto, mas, tudo o que podia fazer era tentar ajudá-la a seguir em frente naquela missão a qual se propusera a dar a luz a filha deles, e observar silenciosamente sua batalha contra si mesma.
Ela caminhou até a cozinha a passos lentos, seguida por Gilbert, depois se sentou à mesa, segurando o grande copo de vitamina nas mãos, o qual ela analisou como se fosse seu inimigo. Corajosamente, ela tomou dois grandes goles, engolindo com dificuldade e fazendo uma careta, porém, não pareceu enjoar ou achar o sabor da bebida desagradável. Assim, ela foi tomando aos pouquinhos até que o copo jazeu vazio sobre a mesa, e Gilbert sorriu ao ver que ela vencera sua primeira luta do dia.
- Acho melhor ficar em casa hoje. Sua pressão ainda está alterada e você continua indisposta.- Anne concordou com a cabeça, mas Gilbert viu seus olhos marejados, pois ele sabia o quanto ela odiava perder aula. A faculdade era onde ela podia viver sua paixão pela literatura a altos níveis, pois havia a interação com os outros alunos, os debates e as discussões onde ela podia por a prova todo o conhecimento pela área a qual sempre se dedicava desde menina.- Não fique assim, meu amor. Depois você recupera toda a matéria perdida. Você é tão inteligente que um dia não vai atrapalhar em nada seu ano letivo.- Gilbert pegou a mão de Anne e beijou cada dedo delicado com devoção, e depois confessou:- Se te deixa mais tranquila, saiba que ficarei aqui te fazendo companhia hoje.- Anne o olhou espantada e com a testa franzida, ela perguntou:
- Você não tem duas provas importantes hoje?
- Tenho sim, mas, estou planejando falar com os professores depois e conseguir que me deixem fazê-las na segunda chamada.
- Isso não é justo, Gilbert. Não quero que perca as provas por minha causa. Depois, vai ficar com as matérias pendentes , e sabe o quanto vão lhe custar em questão de nível acadêmico.- ela estava brava, e ele conhecia bem sua ruivinha. Ela não iria aceitar fácil que ele deixasse de fazer algo importante para si mesmo por conta de sua enfermidade. Anne era a pessoa menos egoísta do mundo, Gilbert só queria saber até que ponto isso era bom, já que ela acabava sempre se prejudicando quando pensava no bem alheio.
- O que não é justo é você ficar aqui sozinha quando não se sente bem. Eu não conseguiria me concentrar nas provas, sabendo que você estaria aqui sem a supervisão de ninguém. E além do mais você poderia se alegrar com o fato de que vai me ter o dia inteirinho só para você.- ele disse em tom de brincadeira, que para seu alívio a fez sorrir. Ele estendeu os braços, e ela se levantou indo em direção a cadeira dele, e se sentou sem cerimônia no colo de Gilbert que a envolveu toda em seus braços.
- Ele acariciou o rosto dela por um segundo, e em seguida disse olhando-a cheia de carinho:
- Você sabia que está cada vez mais linda?- aquilo era mesmo verdade, pois não se passava um só dia em que ele não se encantasse pela beleza ruiva de Anne. Era algo tão raro de se ver, que ele não se cansava de admirar cada pequena mudança que ocorria na aparência dela pela gravidez ou pela maturidade que ia aos pouquinhos dando um brilho único e especial àquele espírito que um dia prometera nunca se apaixonar por ninguém a não ser por si mesma, e era todinha dele de alma e coração.
- Se consegue me dizer isso a essa hora da manhã, mesmo eu estando com meu rosto todo amassado, cabelo desarrumado, e pálpebras inchadas por ter dormido pouco durante a noite, então, eu realmente acredito que esteja me dizendo a verdade.- ela disse com um belo sorriso enfeitando seus lábios rosados. Gilbert ia beijá-la, mas a campainha tocou, interrompendo o momento dos dois, e então, ele se lembrou que combinara com Jonas e Sharon de irem todos juntos para a faculdade naquele dia. Ele deu um selinho em Anne, e foi atender a porta. Quando Jonas vu que ele ainda não estava pronto, o rapaz perguntou:
- Perdeu hora, Blythe?
- Não, Anne não passou bem essa madrugada, e eu decidi que vou ficar em casa com ela.
- Mas, e as provas? Você sabe como nossos professores são rígidos a esse respeito.- o amigo o lembrou.
- Eu sei, mas, o que sugere que eu faça? Anne ainda não está bem, e eu não posso deixá-la aqui, pois se ela tiver outro pico de pressão alta quem vai ajudá-la? Não posso correr esse risco.- Gilbert disse impaciente. Ele sabia que poderia pegar dependência naquelas duas matérias se os professores não deixassem que ele fizesse as provas de segunda chamada. Mas, Anne precisava dele naquele momento, e não ia abandoná-la de jeito nenhum. Ele tinha suas obrigações de esposo que para ele eram mais importantes que qualquer outra coisa, pois Anne era a coisa mais preciosa que tinha no mundo além da bebezinha que ela carregava em seu ventre.
- E seu eu ficasse com ela?- Sharon se ofereceu.
- Mas, e sua faculdade?- Gilbert perguntou.
- Não teremos aulas muito importantes hoje, e não me custa nada fazer companhia para Anne. Afinal ela é minha amiga do coração.
- Vou falar com ela, por favor, entre e fiquem à vontade.- ele disse ao casal de amigos, e voltou apressadamente para a cozinha, onde deixara Anne esperando por ele.
- Amor, Jonas e Sharon estão aí, e ela se ofereceu para ficar com você para que eu possa ir para a faculdade fazer as provas. O que acha?- ela o olhou aliviada e respondeu:
- Eu também não gostaria que ela perdesse aula por minha causa, mas como eu sei que você não irá para a faculdade se não tiver ninguém para ficar comigo, então eu aceito.
- Obrigado, meu amor. Vou avisar ao Jonas para me esperar que vou me arrumar rapidamente para sairmos.
Assim, ele o fez e em menos de dez minutos, já estava totalmente equipado para ir para a faculdade.
- Por favor, fique bem. Eu prometo que volto assim que puder.- Anne sorriu,mas não disse nada que pudesse lhe dar uma indicação de como estava se sentindo naquele momento.
- Vá tranquilo , Gilbert. Eu e Anne vamos nos divertir muito juntas nesse apartamento, não é amiga?- Anne sorriu de novo, porém, uma sombra passou pelos olhos dela que deixou Gilbert preocupado, mas, ele precisava ir e não tinha como voltar atrás.
- Eu volto logo.- ele disse baixinho, e beijou-a na testa antes de sair com Jonas.
E enquanto caminhava ao lado do amigo, Gilbert tentava se convencer de que fizera o certo ao deixar Anne com Sharon, e ir para a faculdade fazer suas provas, mas, algo dentro dele não tinha tanta certeza.
ANNE E GILBERT
Os sentimentos de Anne naquela manhã eram diversos. Ela nunca se sentira tão dividida entre milhares de emoções diferentes, e pela primeira vez em todos aqueles meses vivendo a felicidade de se ver grávida, ela não tinha certeza de nada.
Talvez fosse porque acordara tão mal de madrugada que seu estado físico frágil estava influenciando negativamente em seu emocional, mas, a verdade era que lidar com tudo isso a estava arrastando para uma depressão que não sentia a muito tempo.
Por isso, assim que Gilbert saíra pela porta, ela simplesmente se desfez do sorriso falso que se obrigara a colocar nos lábios para que ele não visse como realmente se sentia por dentro, e com um olhar triste para Sharon que tinha no próprio rosto uma expressão confusa, ela caminhou para o quarto sem dizer qualquer palavra que explicasse porque estava se fechando naquele seu mundo solitário e vazio.
Ela se deitou na cama, sentindo-se completamente exausta, mas não se atrevia a dormir, porque ela percebia que aquela escuridão que no passado tantas vezes a tinha envolvido em suas garras, a estava cercando novamente, e ela temia que assim que fechasse os olhos ela a alcançaria de vez, e Anne simplesmente não podia deixar isso acontecer, porque precisava de todas as formas preservar seu espírito e suas forças para continuar se agarrando a única coisa que ainda fazia sentido naquele momento que era seu amor maternal incondicional .
Como se sentisse que Anne precisava de um sinal para manter sua mente sã, Rilla se mexeu no ventre de sua mãe, e uma lágrima solitária escorreu pelo rosto da ruivinha, que levou suas mãos carinhosamente até sua barriga e a acariciou como fazia todos os dias. Ali estava a prova de que não devia desistir de nada, e de fato não era esse sentimento que predominava ali, pois se tinha uma coisa que Anne nunca faria era esquecer pelo que estava lutando tanto, mas sua energia naquele instante estava no vermelho, e por isso, ela não conseguia ver as coisas com clareza ou cultivar sua costumeira positividade.
Ela sabia o que lhe faltava, e ele não estava ali, não por vontade própria, mas por um motivo necessário, e ela não conseguira usar de seu sentimento mais egoísta para fazê-lo ficar.
Gilbert era o único capaz de arrancá-la daquele tsunami emocional pelo qual estava sendo engolida, pois a voz dele acalmava qualquer tempestade que seus medos ou vulnerabilidade conseguiam criar. Ela só conseguia se levantar se tivesse os braços dele como apoio, ele era seu bote salva- vivas quando sentia que estava se afogando, e não conseguia mais subir a superfície, e naquele exato momento ela até duvidava que conseguiria respirar sozinha, pois tinha uma mão gelada apertando o seu peito que a deixava quase sem ar.
- Anne, posso entrar?- era a voz preocupada de Sharon na porta de seu quarto, que a fez se sentir culpada por não ter dado a ela a devida atenção, afinal a menina tinha deixado de ir a aula para ficar com ela, e Anne mal tinha lhe dirigido a palavra. Então, sentindo-se envergonhada com sua atitude, ela disse:
- Pode sim. Não está trancada.- a porta foi aberta, e Sharon disse de um jeito tímido assim que encarou o olhar de Anne.
- Desculpe-me. Não quero te incomodar em sua hora de descanso.
- Você não está me incomodando. Eu é que tenho que te pedir desculpas pela maneira pouco amigável que te recebi.
- Eu não fiquei magoada, e nem levei para o lado pessoal, pois imagino que deva estar se sentindo terrivelmente mal, e ninguém em sã consciência teria o direito de te cobrar gentileza nesse momento.
- Obrigada, Sharon, por estar aqui e cuidar de mim.- Anne disse imaginando que se Diana estivesse por perto com certeza seria ela ali a seu lado, e Sharon estava lhe mostrando uma lealdade que Anne só compartilhara com sua grande e eterna amiga de Avonlea.
- Não precisa agradecer, pois eu sei que se estivesse no meu lugar, faria a mesma coisa. - Sharon apertou lhe a mão com afeto, e depois perguntou:- Não quer me contar a razão dessas lágrimas?- ela apontou para o rosto molhado da ruivinha que respondeu suspirando:
- Estou me sentindo tão fraca. Queria tanto que o Gilbert estivesse aqui.
- Por que não disse isso a ele, antes que Jonas e ele fossem para a faculdade?
- Porque eu não podia pedir-lhe que perdesse provas importantes por mim. Eu escolhi passar por isso, e tenho que ser forte para suportar o que vier. - ela disse sentindo que ia começar a chorar de novo.
- Ninguém escolhe passar por algo assim. O que você está fazendo é lutar por um sonho, e eu te admiro muito por isso, mas não precisa ser forte o tempo todo. Precisar de apoio às vezes faz parte. Isso não te torna mais fraca, pelo contrário, só mostra o quanto é humana e que precisa recarregar suas energias como agora. Você, Anne Shirley é a garota mais extraordinária que conheço.
- Obrigada. Porém, não me sinto tão extraordinária nesse momento.- Anne disse com a voz cansada.
- Mas, você é. Nunca duvide disso. E tenho certeza de que todos que te conhecem pensam da mesma maneira.- Sharon disse com a voz firme que fez Anne sorrir e responder:
- Você também é uma garota incrível.
- Vindo de você, esse é um elogio e tanto e vou guardá-lo para sempre em meu coração. Saiba que você é uma inspiração para mim.- Anne deu-lhe um beijo no rosto e não disse nada quanto à afirmação dela, pois nunca pensara em si mesma como inspiração para ninguém. Vinda de um orfanato onde nunca sentira que tivesse valor, e sendo na maioria da vezes rejeitada, ouvir tais palavras lhe massageavam o ego mais do que ela poderia pensar.
No entanto, não pensava que fosse assim um grande exemplo a ser seguido, e por mais provas que tivesse de que era uma vitoriosa em todos os sentidos, Anne ainda tinha a tendência de se ver por uma janela pequena da baixa estima, onde qualquer ponto positivo seu era anulado pela sua visão tão equivocada de si mesma. E especialmente naquele momento em que se sentia exaurida em suas emoções, qualquer elogio, por mais sincero que fosse lhe soaria como um sopro de brisa vazio.
Enquanto isso, Gilbert se encontrava naquele exato segundo em frente à sua primeira prova do dia, e nunca se sentira tão perdido. Ele leu as questões tantas vezes, que até as tinha decorado, o único problema era que as respostas não lhe ocorriam com tanta facilidade quanto antes, e quanto mais pensava nelas, mais sua mente parecia uma folha em branco cujo teor não lhe fornecia as informações que precisava para concluir cada uma delas com a perfeição e rapidez que lhe eram característico.
O pânico começou a tomar conta dele, assim como suas mãos começaram a tremer, enquanto um suor frio brotava em sua testa como consequência daquele momento incrivelmente tenso. A ideia de tirar um zero justamente naquela matéria para a qual ele tinha estudado com afinco, começou a aterrorizar seu cérebro que tentava a todo custo superar seu boqueio mental, e para acalmar seu coração disparado, Gilbert fechou os olhos e contou mentalmente até cem, hábito que adquirira através dos anos, e o qual utilizava sempre quando alguma situação o desiquilibrava a ponto de lhe causar um profundo desconforto. Após dois longos minutos em busca de sua habitual praticidade, ele abriu os olhos novamente, e foi aos poucos se lembrando de cada resposta e adquirindo segurança o suficiente para terminar a prova com exímia eficiência.
Logo, ele se levantou e entregou a prova ao professor da matéria que o olhou de maneira curiosa, mas não fez nenhum comentário desfavorável ao fato de Gilbert ter demorado mais tempo para fazer a prova do que normalmente demoraria em um dia diferente daquele.
Ao sair da sala, ele respirou fundo e tentou se preparar para a segunda prova do dia que aconteceria em vinte minutos. Para aliviar um pouco a tensão, ele se sentou no refeitório e comprou para si mesmo um cappuccino, pois intuía que a cafeína poderia ajudar a estimular sua memória que quase o tinha deixado no vácuo minutos antes, e não desejava que ocorresse o mesmo no seu próximo exame.
- Oi, Gilbert. Tudo bem? – ele se virou e viu Dora se aproximar. Desde o seu casamento que ele não a via, e parecia séculos a última vez que tinham conversado. Depois de tudo o que havia se passado, parecia ridículo e um sentimento tão pequeno guardar qualquer rancor por ela. Ele já se sentia pesado demais com aquele problema com Anne e a bebê, e não precisava de mais carga negativa em cima dele naquele dia em especial, por isso, com um sorriso sincero ele respondeu:
- Olá, Dora. Estou bem.
- Desculpe-me dizer, mas, sinto que tem algo te incomodando, pois eu te observei durante a prova e parecia tão nervoso. Nunca te vi assim diante de um teste. Não quer falar a respeito? Eu sei que não somos amigos com antes, mas, acho que nessas horas essas questões devem dar espaço para outros valores. Você pode contar comigo, e quero que saiba disso.- Gilbert suspirou pesadamente e pensou que precisava mesmo desabafar, mesmo que ele e Dora tivessem perdido a afinidade que tinham antes, ele tinha que considerar que ela sempre fora boa ouvinte, e era exatamente disso que ele tanto necessitava naquele momento.
- Para falar a verdade, eu tenho passado por muita coisa nos últimos dias, e é tão difícil me equilibrar no meio de tudo isso.
- Você está falando da doença de Anne? Não pense que andei xeretando, mas, Carlos me contou sobre o problema da gravidez dela e sinto muito. Deve estar sendo uma barra para vocês dois.- Dora disse com sinceridade. Apesar dos atritos que tivera com a esposa de Gilbert no passado, ela nunca deixara de admirá-la por sua fortaleza interior.
- A barra maior tem sido de Anne, pois eu ajo apenas como um mero espectador, já que posso fazer muito pouco para ajudá-la a suportar mais esse fardo pesado.- ele coçou a nuca e depois acrescentou:- Anne tem sido maravilhosa, e sinceramente eu não sei como ela aguenta tanto peso sobre si mesma. Eu tento dar-lhe o meu apoio, mas, acho que já não é mais tão eficiente quanto antes. Hoje de manhã eu quis ficar com ela, pois sua noite de sono não foi nada boa, e ela teve uma crise de pressão alta que a deixou um tanto debilitada, mas ela não permitiu, porque estava preocupada com minhas provas. Felizmente, eu consegui alguém para ficar com ela, no entanto, por mais que tentasse disfarçar, eu senti que ela não estava nada bem emocionalmente.
- Gil, isso é só uma fase. Se ela seguir as prescrições médicas direitinho, as chances desse parto dar certo são muito maiores do que fracassar.
- Eu sei, mas, às vezes eu a sinto tão solitária, e me pergunto se eu deveria mesmo tê-la trazido para Nova Iorque. Pelo menos em Avonlea, Anne tinha suas amigas íntimas para darem-lhe apoio, e seus pais adotivos, além de outras pessoas que a conhecem desde que foi viver em Green Gables.- aqueles pensamentos andaram visitando sua cabeça nos últimos dias, e realmente ele questionou suas escolhas nos últimos dois anos. Ele amava a vida que tinha com Anne em Nova Iorque, mas , pensando no bem dela, o que estava pesando mais era vê-la passar por maus momentos tendo apenas ele como ponto principal de apoio quando poderia estar cercada de amor e carinho por todos os lados.
- Não diga tolices. Você sabe que ela sempre vai preferir estar onde você está. Além do mais, em Nova Iorque ela tem tudo o que precisa em termos médicos para ajudá-la a passar por essa gravidez com sucesso. Você não errou ao trazê-la para cá, esse foi o seu maior acerto.- Dora disse o encorajando, e Gilbert já sentia sua mente mais clara depois daquela conversa.
- Talvez você esteja certa, mas, agora tudo o que eu quero é terminar essa prova e ir para casa , pois eu avisei no laboratório que não iria trabalhar por conta do estado de saúde de Anne.
- Acha que ela ficaria chateada se eu fosse vistá-la um dia desses?- Dora perguntou sem jeito.
- É claro que não, ela já deixou tudo o que aconteceu para trás. Acho que seria até bom para ela ter mais alguém para conversar.
- Que alívio ouvir isso. Não queria mais carregar essa culpa comigo.- Gilbert apertou a mão dela com carinho e respondeu:
- Está tudo bem, e muito obrigado por me ouvir. Não vou esquecer isso, pode ter certeza.
- Disponha sempre que precisar. – ela consultou os relógio e disse em tom de brincadeira:- Está pronto soldado para mais uma batalha?
- Estou prontíssimo .- Gilbert disse no mesmo tom, e lá se foram os dois para a sala de aula, enquanto Gilbert se sentia aliviado por ter acertado tudo com Dora finalmente.
A segunda prova se mostrou mais fácil que a primeira, talvez porque ele estivesse mais relaxado para realizá-la. Em pouco tempo, ele já a tinha terminado, e correu de volta para casa, pois algo lhe dizia que Anne estava precisando de seus cuidados. Ao entrar em seu apartamento, ele encontrou Sharon à sua espera, e ele também não pôde deixar de notar a bandeja de comida em cima da mesa intacta.
- Ela não se alimentou?- essa foi a primeira coisa que perguntou assim que olhou para Sharon.
- Eu fiz de tudo para tentar convencê-la a comer, mas, ela me disse que não ia conseguir engolir nada. Acho que não sou tão boa como você para cuidar dela.- Sharon disse se lamentando.
- Anne te adora, Sharon, o problema é que ela não está bem hoje, e é por isso que está reagindo assim.
- Na verdade, ela me confessou que queria muito você perto dela, e acho que sua presença seria melhor que qualquer remédio.- Gilbert assentiu e perguntou:
- Ela está dormindo agora?
- Até meia hora atrás quando fui verificar se ela precisava de algo, Anne ainda estava acordada, então, eu realmente não sei se ela acabou adormecendo depois que a deixei sozinha.- Sharon explicou.
- Obrigado. Se quiser, pode ir para casa. Eu cuido dela a partir de agora.
- Se precisar de mim de novo, pode me chamar que virei te ajudar com prazer.- Sharon disse, pegando sua bolsa.
Assim que a garota se despediu, Gilbert foi em direção ao quarto, pois estava ansioso com seus pensamentos que o atormentavam a todo momento por medo que o estado de Anne tivesse se agravado naquelas poucas horas em que ficara afastado dela. Pé ante pé , ele entrou no quarto sem fazer barulho, pois caso ela não estivesse acordada, ele não queria despertá-la, mas, para sua surpresa ela estava apenas deitada na cama, com os olhos fixos na janela que permanecia fechada. Ele se aproximou devagar, se sentou aos pés da cama e tocou o ombro dela suavemente para chamar-lhe a atenção. Ela o olhou por uma fração de segundos, e depois perguntou:
- Como foi a prova?
- Tudo bem. Acho que terei uma boa média no fim das contas.- ele disse sorrindo, ao que ela respondeu:
- Graças a Deus. Eu nunca me perdoaria se você fosse mal por minha causa.- ela disse nitidamente aliviada pela notícia que ele acabara de lhe dar.
- Pare de se sentir responsável por tudo. Se eu tivesse ido mal, a culpa seria somente minha e não sua como quer tentar deixar transparecer.- ela não respondeu a isso, e ele aproveitou para dizer:- Por que está trancada nesse quarto com a janela fechada? Você sabe que isso não te faz nada bem.
- Não estou com vontade de sair daqui hoje, por isso, eu precisava de algumas horas sozinha comigo mesma.- Anne respondeu, deixando Gilbert ver a tristeza que se instalara em seu coração desde que acordara do pesadelo, e não queria mais ir embora.
- Não é disso que precisa. Eu sei exatamente o que te fará se sentir melhor.- ele se levantou da cama, estendeu a mão para ela e disse:- Venha comigo.
- Gilbert, eu não estou com humor para nada.
- Você vai adorar para onde vamos.- ele deixou claro pelo olhar que não aceitaria nenhum protesto dela, e Anne disse:
- Mas, eu estou de camisola.
- Não importa, pois para onde vamos tenho certeza que ninguém vai reparar.- ele olhou para a camisola amarela dela de algodão que facilmente se passaria por um vestido, e continuou:- Quem sabe você não lança uma nova moda?- Anne acabou sorrido de leve, e acatou a vontade de Gilbert, que não desistiria do que estava planejando somente por conta de uma peça de roupa que ele não fazia questão nenhuma que ela trocasse, e como Anne confiava cegamente no seu marido, ela se deixou conduzir sem mais protestos.
Eles desceram até o térreo no elevador, e depois com cuidado, Gilbert a levou até o carro. Anne conseguiu caminhar sozinha dessa vez, pois sua visão tinha voltado ao normal, e apenas o cansaço parecia não querer abandonar seu corpo. Em pouco tempo Gilbert estava dirigindo a uma velocidade média, e em menos tempo ainda ele estava estacionando em gente ao local onde ele planejara levá-la.
Ela o olhou surpresa, e depois deixou que seu olhar se perdesse no mar a sua frente, que mesmo dentro do carro lhe dava uma visão incrível da água azul e límpida.
- Você me trouxe na praia.- ela disse olhando de volta para o seu marido.
- Sim, porque eu sei que esse é o único lugar que te deixa em paz além de Green Gables.- Anne sorriu para ele agradecida, enquanto uma lágrima boba teimava em cair. Como ele a conhecia tão bem, e como ela o amava por isso.
- Obrigada.- ela disse tão baixo que não passou de um sussurro, enquanto Gilbert passava o polegar por seu rosto para enxugar outras lágrimas que surgiram de repente para fazerem companhia à primeira.
- Ei, eu te trouxe aqui para te deixar feliz e não triste. Vamos dar uma volta na praia?- ela assentiu, e assim que chegaram na parte coberta de areia, Anne arrancou os sapatos, e pisou descalça naquela superfície branquinha que lhe fazia cócegas nos pés. Era uma sensação tão boa de paz que pela primeira vez naquele dia caótico ela sentiu sua respiração fluir normalmente. Sem que esperasse, Gilbert a puxou para a água, e ela acabou gritando de susto quando uma onda pequena surgiu do nada, e acabou molhando a barra de sua camisola. Ela se agarrou rindo na cintura de Gilbert, e o olhou com seus olhos agora mais cheios de vida do que estivera momentos atrás e disse:
- Você é maravilhoso. Muito obrigada por sempre saber como melhorar meu dia. Eu nunca vou conseguir te mostrar o tanto que eu te amo. - Gilbert a puxou para ele, e respondeu.
- Eu só quero que seja feliz, Anne, e que não se esconda nessa casca que insiste em manter toda vez que se sente deprimida. Eu sinto como se parte de você fosse se afastando de mim. E eu odeio essa sensação. - ela olhou para o horizonte por um segundo e depois respondeu de cabeça baixa quase como se se envergonhasse do que iria dizer:
- Eu estou com medo.
- Medo do que?- Gilbert perguntou preocupado com aquela afirmação.
- Não sei ao certo. Tenho medo de perder a Rilla, de não conseguir chegar ao final dessa gravidez, e de ...te ..deixar.- essa última parte foi dita tão baixo que Gilbert quase não ouviu, e como não podia deixar de ser, o coração dele se contraiu de dor, mas ele se recusou a deixar que aquelas palavras o atingissem com toda a sua força, e por isso, ele apertou Anne entre seus braços e disse:
- Você não vai perder a Rilla, e também não vai me deixar, porque eu não vou permitir nunca que isso aconteça. Você é a metade do meu coração, como acha que posso viver somente com a outra metade dele? Nós vamos passar por isso juntos, e vamos vencer cada maldito obstáculo que insistir em nos fazer desistir, porque o que sentimos um pelo outro é o que nos dá força para seguirmos em frente. Eu sei que algumas vezes eu recuei nesses últimos meses, e te fiz pensar que estava sozinha, mas, isso nunca mais vai acontecer. Eu te juro, Anne, que vou fazer cada minuto valer a pena, e nunca mais você vai ter motivos para duvidar que não é forte o suficiente para conseguir o que quer. Você é minha ruivinha valente, minha cenourinha que nunca leva um desaforo para casa. Minha Anne com e, amada e adorada para sempre por mim, e quero te avisar que depois que coloquei essa aliança no seu dedo, eu nunca mais vou te largar.- Anne balançou a cabeça, enquanto seus olhos não se afastavam do rosto de Gilbert. Seu coração estava a ponto de explodir com todas aquelas palavras que ela não esperava ouvir dele especialmente nesse dia e nesse lugar, mas, o que parecia era que aquele cenário era mais que perfeito para tudo o que tinham que dizer um ao outro, e que não podia esperar mais, por mais que já soubessem de cor de cada palavra que seria declarada ali. Suas mãos foram parar no rosto dele, e ela o puxou em sua direção, fazendo com que o castanho dos olhos dele mergulhasse no azul do seus e deixou que tudo saísse de dentro dela como uma cascata se derramando por tudo ao seu redor.
- Você é a melhor pessoa do mundo, nunca duvide disso. Você não sabe o bem que me faz estar aqui com você e te ouvir falar tudo isso, porque você Gilbert Blythe tem o dom de me fazer sentir a mulher mais feliz do mundo, mesmo que tudo esteja desmoronando em minha cabeça. Você é tudo o que preciso, e basta apenas sua presença para que eu sinta que sou forte como preciso ser. Você é meu mar, minha calmaria, meu pôr do sol, e minha estrela mais linda e brilhante. Se sou hoje essa mulher completa foi porque você me ajudou a enxergar tudo o que eu podia alcançar com apenas o toque de minhas mãos. Eu nunca vou me esquecer de todas as coisa que já me deu com seu amor e sua dedicação. Você disse que sou a metade do seu coração, mas, quero eu saiba que você é minha alma inteira, e cada parte dela te pertence. Sou sua pelo tempo que quiser, e espero que seja pelo resto da vida.- o sorriso que Gilbert lhe deu foi como se iluminasse a praia totalmente, e assim ele lhe respondeu:
- Ainda duvida disso? – e assim a puxou para um beijo calmo, que foi intenso em todas as suas particularidades, pois falava de uma amor que nenhum dos dois esperara um dia encontrar, mas que viera para eles como um presente valioso demais para ser deixado de lado ou ignorado. Em suas mãos unidas estava a força de seus corações, e naquele abraço apertado estavam todos os sentimentos que não precisavam ser ditos, porque cada parte de seus corpos já os conhecia, e por eles valia a pena lutar e viver cada segundo mergulhados na essência pura de sua face verdadeira.
Quando se separaram, o sol brincava nas ondas do mar, e o brilho se espalhava por toda parte. Anne sentiu como se aquele brilho também renascesse dentro dela só porque naquele lugar e naquele momento Gilbert segurava sua mão, e ela sabia que jamais a soltaria enquanto vivesse.
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