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Capítulo 104- Um fio de esperança


Olá, pessoal. Espero que gostem do capítulo. O que posso dizer é que ficou bastante profundo, pleo menos para mim. E por favor leiam as notas finais, pois tem algumas coisas que gostaria de explicar para vocês. E por favor, deixem os seus comentários, pois ficarei imensamente feliz em saber suas opiniões a respeito dele. Eu me emocionei demais ao escrevê-lo, e espero que vocês sintam a mesma emoção que senti. Beijos. Obrigada por tudo e desculpem-se pelos erros ortográficos.


GILBERT

Gilbert despertou em meio a uma névoa, seu corpo sem peso algum, flutuando acima das nuvens. Ele já se sentira assim antes só que não conseguia se lembrar quando acontecera, e a sensação era incrível. Apenas uma emoção em seu peito parecia enchê-lo de alegria, não havia nenhum sentimento ruim. Ele literalmente estava voando feito um pássaro sem asas e nunca pensara que isso fosse possível, a não ser em sonhos. Mas ele não estava sonhando, ou estava?

Aquilo parecia real demais para que fosse apenas parte de sua imaginação. Ele olhou ao seu redor e a imensidão do horizonte nunca lhe pareceu tão possível de ser tocada, e o azul do céu era exatamente da cor dos olhos de Anne, não era à toa que ele amava o olhar dela, porque poderia perfeitamente se sentir dentro daquela maravilha toda quando sua garota olhava para ele. Anne era seu céu particular.

Ao pensar nela, ele a procurou ao seu redor, mas, não a viu, e seu coração deu um salto ao pensar que estava naquela aventura sozinho, precisava voltar e buscá-la, porque queria que ela desfrutasse com ele daquele momento com ele, somente os dois, finalmente em paz. Porém uma força o puxou para longe, tão longe que era impossível resistir, então, ele se deixou ir, sentindo o vento em seus cabelos, uma liberdade infinita fazendo-o levitar, e ele se sentiu como um garotinho dentro de uma bolha gigante cheia de ar.

Ele teve o cuidado de manter os olhos bem abertos, porque queria absorver cada detalhe daquela viagem astral que o levava para o mundo fascinante de cheiros, sons, paisagens que ele nunca vira, e que mais pareciam quadros pintados por dedos de anjos tão impossíveis de reproduzir por mãos humanas em sua totalidade. Gilbert respirou fundo, e o ar que encheu os seus pulmões era tão puro quanto doce, e uma energia vibrante passou por todo o seu corpo, enquanto a fonte da vida era injetada em todos os seus membros, fazendo-o sentir-se tão poderoso, tão forte e quase invencível naquela atmosfera onde ele era mais espírito do que carne.

De repente, Gilbert sentiu que a mesma força misteriosa que o carregava por todo universo diminuiu sua energia, permitindo que ele finalmente colocasse seus pés de volta no chão, E quando o fez, a grama embaixo deles era tão macia que em nada se comparava com a dos campos de Avonlea, então ele sorriu, ao olhar para frente e ver uma plantação inteira de girassóis, as flores preferidas de seu pai, e sem que seus olhos perdessem o foco, ele o viu surgiu em uma estrada mais adiante com aquele seu sorriso característico de homem do campo, amante da terra, fazendeiro nato, que trazia em seus passos a leveza de uma alma que sempre praticara o bem, e não devia nada a ninguém.

- Papai! - Gilbert gritou extasiado, e ele o viu abrir seus braços para os quais o garoto que ele deixara ao partir, corria agora como um homem, e se envolveu naquele amor paterno do qual sentira falta por três longo anos.

- Que bom te ver de novo, meu filho. Você se lembra da última vez em que esteve aqui? - John Blythe perguntou, enquanto Gilbert olhava para aquele rosto que parecia mais jovem do que se lembrava, tentando trazer para sua mente a ocasião que seu pai acabara de mencionar, e então uma luz se acendeu dentro dele, e o rapaz se lembrou do tiro, dos dias em coma, e de um sonho que o trouxera para um lugar exatamente igual a aquele onde seu pai esperava por ele como agora.

- Sim eu me lembro. Isso quer dizer que estou sonhando? - Gilbert perguntou com um certo pesar. Porque se fosse somente um sonho, ele acabaria por esquecer a maioria dos detalhes daquele instante único, e ele não queria esquecer de nada, pois desejava de todo o coração reter na memória aquela sensação de poder estender a mão e tocar qualquer coisa que desejasse, até mesmo a lua que vivia a quilômetros de distância do planeta terra.

- Depende do seu ponto de vista e no que acredita. Se quiser que seja apenas um sonho é o que será. Mas, se desejar que tudo isso seja real, então, a essência desse momento viverá para sempre dentro de seu coração, e poderá se lembrar dele quando quiser. - seu pai disse, acariciando os seus cabelos como quando ele era criança.

- Então, isso tudo não quer dizer que estou morto, não é? - ele perguntou meio incerto. Nunca pensara muito na morte, pelo menos não na sua, porém sempre tivera a sensação de que quando alguém morria deixava um vazio no mundo tão grande que ninguém mais poderia substituir, e fora assim que se sentira quando John Blythe fechara os seus olhos para sempre. Fora como se um buraco fosse cavado no chão, e permanecesse assim sempre como uma triste lembrança de um homem que representara o mundo todo de Gilbert e do qual não sobrara nada a não ser as lembranças doces, e as palavras sábias que o rapaz fazia questão de sempre dizer a si mesmo em determinadas situações. E de repente, ele descobria que a alma continuava eterna, e o sentido da vida se propagava por entre as estrelas, além daquele horizonte para o qual ele olhava todo entardecer. Seria mesmo possível algo tão maravilhoso assim?

- Não, meu filho, você não está morto. Seus sentidos estão entorpecidos apenas isso. Ainda há muita vida em você, e cabe somente a você torná-la rica em experiências e bons frutos.

- Senti tanta a sua falta, papai.- Gilbert disse, abraçando o homem mais velho novamente.

- Eu sei, mas, quero que se lembre que estou sempre com você a cada passo do caminho, a cada novo obstáculo que tem que ultrapassar, a cada vitória conquistada, e a cada lágrima derramada. Nunca te deixei sozinho, Gilbert, e continuarei a seu lado até que não precise mais de mim.- o coração do rapaz transbordava de uma alegria sem igual. John Blythe sempre soubera usar as palavras de um jeito que Gilbert nunca conseguira, e esse dom era como um alimento para aquela jovem alma que estava a procura de seu lugar no mundo.

- Obrigado, papai.- Gilbert disse olhando o homem mais velho com adoração.

- Então, você entrou para a faculdade de medicina. Saiba que estou tão orgulhoso de você por isso. Está finalmente seguindo sua vocação. Eu sei que tem momentos em que duvida disso, mas, você nasceu para ser médico, e não será feliz em nenhuma outra profissão.

- Acha mesmo isso?- Gilbert não perdeu a oportunidade de dizer. Quantas vezes se perguntara se estava no caminho certo, se não fizera uma escolha baseada em uma paixão, sem saber com certeza se estava abraçando um ideal apenas por teimosia ou por não ter coragem de encarar suas limitações frente ao seu sonho de criança.

- Pergunte ao seu coração, e ele lhe dará a resposta que deseja.- o pai o aconselhou.

- Acho que não preciso dizer que nunca quis ser outra coisa.- Gilbert respondeu com sinceridade.

- Eis aí a resposta que precisava.

Eles começaram a caminhar e para tudo o que Gilbert olhava havia um colorido tão vibrante, que ele teve que parar algumas vezes por estar tão extasiado com tudo o que via que lhe faltavam as palavras para descrevê-lo. Ao longe ele ouviu o som de uma cascata caindo, e crianças que brincavam ao redor dela deixando que toda a animação que sentiam se traduzissem em sonoras gargalhadas, fazendo o rapaz sorrir também.

- Diga-me, meu filho. Você é feliz?- John Blythe perguntou, assim que pararam perto de um lago onde flores cresciam à margem. O jovem estudante pensou um pouco na pergunta, buscando com sinceridade a reposta para tal questionamento e então respondeu:

- Sim, papai, eu sou feliz. Apesar de tantos percalços pelos quais já passei, eu posso dizer que tenho da vida o que sempre desejei.

- Os obstáculos são importantes para a evolução interior. Aprendemos bem mais com os espinhos do que com as flores. Lembre-se sempre que todo sofrimento contém um ensinamento que se formos sábios o bastante o levaremos para a vida afora.- Gilbert assentiu e olhou para cima de suas cabeças onde o sol brilhava naquele instante, e ele pôde ver seus raios se refletirem nas águas do lago desenhando um arco-íris perfeito no fundo.

- Esse lugar é incrível.- Gilbert murmurou com um grande sorriso tomando conta do seu rosto inteiro.

- Sim, mas, você sabe que terá que voltar, não é? Seu lugar não é aqui.

- Não posso ficar só mais um pouquinho?- Gilbert perguntou desapontado. Estava tão bem ali com seu pai que a ideia de voltar não lhe parecia tão atraente, embora algo em seu peito o incomodasse um pouco, e ele não soubesse o que era, mas, resolveu ignorar porque não queria perder um minuto daquele encontro, pois algo lhe dizia que ele não veria o seu pai tão cedo depois daquilo.

- Só mais um instante, meu filho, pois quando o sol começar a se pôr, você terá que ir.- John disse com bondade, recomeçando a andar com Gilbert a seu lado.

Eles chegaram a um campo imenso onde não havia nada a não ser algumas árvores sob as quais, ambos se sentaram e ficaram em silêncio como se meditassem dentro de suas próprias cabeças. Gilbert deixou que a brisa lhe bagunçassem os cachinhos rebeldes, e sorriu aos sentir a mão carinhosa de seu pai em seu ombro. Era como se tivessem voltado no tempo, especificamente para aquelas tardes quando se sentavam na varanda em companhia de um livro e uma caneca de café quente, e aproveitavam os últimos raios do dia antes que escurecesse. Fazia-lhe tanta falta esses momentos que o rapaz sentiu seus olhos marejarem. Ele costumava fazer a mesma coisa com Bash ou Mary, mas nunca fora igual. A lembrança de seu pai permanecera em sua mente sempre que ele via a lua surgir no céu acompanhada de seu batalhão de estrelas. Quando seu pai morrera, ele levara com ele boa parte das boas lembranças de Gilbert que agora retornavam como se seu cérebro se abrisse para dar passagem a tudo o que ele amara um dia, e que se perdera quando vira seu pai vivo pela última vez.

É lógico que outras boas memórias foram construídas depois, mas, o que partilhara com seu pai tinha sido importante demais para ele que quando garoto somente tivera aquele homem como base e exemplo, já que sua mãe biológica não passava de uma imagem em sua cabeça criada pela descrição de outras pessoas, e nunca a tivera por perto de verdade para dividir nenhum instante feliz. Fora sempre seu pai que estivera com ele em vida, e que agora em seu eterno descanso vinha lhe apertar a mão com afeto e deixá-lo saber que nunca estivera sozinho.

O brilho do sol se tornou mais fraco, seu pai se levantou estendendo-lhe a mão para ajudá-lo a se levantar também e disse:

- Está na hora de voltar, meu filho. – seu pai declarou com um sorriso que fez Gilbert retrucar:

- Tenho mesmo que voltar?

- Não está se esquecendo de uma coisa?- seu pai perguntou, e então, Gilbert sentiu o vento soprar mais forte, e um aroma de rosas chegar até ele. Era um aroma que ele conhecia tão bem, que ao fechar os olhos, o rapaz sentiu o odor inundar o seu sistema inteiro, e assim ele murmurou:

- Anne.

- Sim, ela está te esperando. Não consegue sentir o amor dela aqui dentro?- seu pai tocou o lado esquerdo do seu peito, e um calor imenso o envolveu deixando Gilbert emocionado. Em sua mente, os fios rubros esvoaçavam em um mundo inteiro de mechas onduladas e brilhantes, os olhos azuis em meio as estrelas brilhavam como elas, e o sorriso lhe prometia uma felicidade que ele somente encontraria nos braços dela.

- Você a ama muito, não é?- o pai perguntou com suavidade.

- Ela é tudo o que existe para mim. - Gilbert disse com uma lágrima de amor escorrendo por seu rosto.

- Ela também ama você exatamente dessa forma. Vocês são almas gêmeas, e por isso, você deve voltar. Anne tem uma surpresa para você. - John disse em um tom misterioso que deixou Gilbert curioso.

- Não pode me contar do que se trata? - John gargalhou tão agradavelmente que fez Gilbert rir com ele.

- Você vai saber logo, não se preocupe. Agora deve voltar. - John caminhou com Gilbert até onde eles tinham se encontrado a pouco, e antes de partir, Gilbert perguntou:

- Nunca mais vamos nos ver?

- Quando precisar de mim, apenas siga o seu coração e é lá que irá me encontrar. Agora feche os olhos. - e Gilbert obedeceu, e no mesmo instante, ele sentiu que caía suavemente, perdendo altitude como se mergulhasse do alto de uma montanha até o fundo do mar. Uma luz cada vez mais brilhante o guiou de volta a sua consciência, e quando ela se apagou, ele voltou a dormir enquanto sua própria imagem de mãos dadas com uma criança povoou seu sonhos.

ANNE

Olhos azuis se abriram um tanto confusos e ainda sonolentos, encarando as paredes nuas a sua frente. A mão quente entre as suas a fez se lembrar imediatamente de onde estava, ao mesmo tempo em que ela observava o rapaz deitado sobre a cama, de olhos fechados cujos batimentos cardíacos eram monitorados pelo aparelho ao seu lado, mostrando-lhe que o coração de Gilbert Blythe continua a bater forte e intensamente.

Anne se espreguiçou tentando aliviar a tensão de seus membros que tinham permanecido na mesma posição a horas. O dia tinha amanhecido, marcando o segundo dia após a cirurgia de Gilbert, e Anne esperava pacientemente que as quarenta e oito horas fossem vencidas, e finalmente Gilbert pudesse despertar.

Um medo absurdo a fez se levantar da má posição em que dormira para olhar para o rosto de seu noivo de perto. Ele quase sorria, sua expressão era tão serena que a fez imaginar que ele estava no meio de um sonho bom. Os curativos em sua cabeça tinham sido refeitos naquela manhã pela enfermeira responsável pelo turno do dia, e ela lhe dissera que estava cicatrizando bem, e que Anne não deveria se preocupar.
Mas, como não se preocupar? Ele ainda não havia acordado, e enquanto isso não acontecesse, ela não conseguiria ter paz. Ela precisava ter certeza de que não passaria pelo mesmo estresse da outra vez, só de imaginar Gilbert olhando para ela como se nunca a tivesse visto na vida a fazia ter vontade de chorar. Ela não suportaria passar por essa dor de novo.

Anne se aproximou mais da cama, e tocou a lateral do rosto de Gilbert, desejando que ele abrisse os olhos e lhe sorrisse naquele instante. Ela sentia falta daquele sorriso que sempre fora o seu combustível do dia, e daquele olhar que nunca deixava de surpreendê-la com sua beleza.

Quarenta e oito horas sem ouvir a voz dele era tudo o que podia aguentar, mais um minuto além disso estava fora do limite de suas forças.

A ansiedade fez seu coração disparar, e suas mãos suarem sem parar. Elas as enxugou na lateral de sua calça jeans, e depois tocou os cabelos escuros de Gilbert, encostando sua testa na dele por um instante, e desejou de novo que ele pudesse ouvi-la em seus pensamentos enquanto ela chamava por ele desesperadamente.

A medicação que o deixava completamente sedado havia sido diminuída gradativamente. Agora dependia apenas dele abrir os olhos e voltar para a vida que deixara a exatamente dois longos dias de uma espera que a estava deixando exausta.

- Por favor, amor. Estou aqui, e preciso tanto de você, o nosso bebê precisa de você. - ela disse baixinho, sentindo que suas lágrimas restantes estavam a ponto de rolar.

Anne não saira de perto de Gilbert naqueles dois dias. Dormira e acordara na cama desconfortável ao lado dele. Tomara seus banhos na casa de Cole que era o local mais próximo do hospital que o seu apartamento e do Gilbert, mas, todas as suas refeições ela fizera na cantina do hospital, apesar de todos os esforços de seus amigos e os de seu noivo para que ela saísse de lá, pelo menos para se alimentar decentemente, mas, Anne se recusara. Não conseguiria ficar longe, pois se Gilbert acordasse, e ela não estivesse lá para segurar na mão dele como prometera antes de ele entrar na sala de cirurgia, Anne nunca se perdoaria.

O que ela também não contara era o seu pavor por Gilbert abrir os olhos e não se lembrar de nada do que vivera com ela. Por isso, ela precisava estar lá para que quando se encarassem de novo, ela soubesse exatamente em que terreno estava pisando. E o pior de tudo ou melhor de tudo, era que Anne sabia que se fosse preciso, faria tudo de novo o que fizera meses atrás. Ela ficaria ao lado dele até que Gilbert se lembrasse aos poucos de tudo o que significavam um para o outro, e agora ela tinha o seu bebezinho para considerar, e queria olhar nos olhos de Gilbert e ver aquele castanho incrível brilhar quando contasse que seriam pais dentro de alguns meses. Ela tinha certeza de que seu noivo se emocionaria tanto quanto ela ao saber que o milagre finalmente acontecera, que todo o amor que fizeram em todo aquele tempo apaixonadamente lhes trouxera aquele presente tão maravilhoso, e só por isso, Anne amava Gilbert ainda mais do que antes, porque se não fosse por sua paciência, dedicação, e abnegação, ela nunca sentiria aquela emoção na pele, e ela faria de tudo para preservar aquele sentimento até que pudesse dividi-lo com ele, apenas esperava que fosse ainda naqueles dias.

Cole se preocupava demais com ela, e o fato de Anne estar grávida e isso se constituir um certo risco, fizeram com que seus cuidados com ela passassem a ser maiores. Como a ruivinha se negara a ir para casa, ele preparava todos os dias as refeições que ela deveria comer por conta de seu estado, e as levava ao hospital diariamente, se não pessoalmente, ele usava Sharon ou Pierre como seus intermediários, e mais uma vez Anne se sentiu em dívida com aquele rapaz de alma tão linda, que lhe dera sua amizade tão desinteressadamente anos atrás, e que naquele momento era um dos seus maiores apoios.

A própria Sharon era sua companhia constante, assim como Jonas, Patrick e Carlos. Mesmo Dora tinha aparecido algumas vezes, e embora Anne se mostrasse mais aberta a essas visitas, a antiga parceira de laboratório de Gilbert parecia ter recuperado seu velho bom senso, e não tornara suas aparições na ala em que Gilbert estava internado algo constante. Mas, Anne tinha que agradecer a ela também por essas visitas, pois fora ela que socorrera Anne em um episódio de crise de ansiedade na primeira noite em que a ruivinha passara com seu noivo.

Anne tinha saído do quarto por alguns minutos para tomar um pouco de água fresca quando tudo começou a rodar, seu coração parecia ter se acelerado mais do que o normal, enquanto um suor frio brotava em sua testa. Ela se apoiou na parede para não cair, e então, ouviu a voz de Dora no corredor. Ela cumpria suas horas de estágio quando passara perto de onde Anne estava e a vira naquelas condições. Imediatamente, ela se aproximara perguntando preocupada:

- Anne, está se sentindo mal?

- Não consigo respirar. – a ruivinha dissera sentindo certo sufocamento em sua garganta. Seus olhos pareciam que tenham areia, não deixando que ela enxergasse direito, um calor insuportável encharcava suas roupas, e seus sentidos estavam tão grogues, que ela mal conseguia falar. Dora examinou-lhe a pulsação, sua pressão, e chamou o médico de plantão para atendê-la.

Anne revelou ao médico que estava grávida, e por sorte seu ginecologista estava de plantão naquele dia, e viera vê-la ao primeiro chamado de seu colega.

Felizmente, ele diagnosticara apenas uma crise de ansiedade por conta da situação que estava enfrentando, e aconselhou-a a ir para casa, mas, teimosamente, ela se recusou, e explicou que se sentiria pior se estivesse que ficar em seu apartamento sem notícias constante do estado de Gilbert. O médico autorizou que ela ficasse ali, desde que se cuidasse melhor, pois, ela não podia se esquecer que além do bem-estar de Gilbert, outro ser humano precisava que ela se mantivesse lúcida, e tranquila para se desenvolver sem maiores riscos para ambos.

Assim, ela prometera, e não tivera mais nenhuma crise. Ela entendia que não estaria ajudando a Gilbert e a si mesma se estressasse além da conta. Entretanto, isso não a poupara da visita do Dr. Spencer na manhã seguinte, e quando o vira entrando pela porta do quarto de Gilbert, Anne soube que fora Dora que o chamara. De certa forma, ficara aliviada por ter aquele tipo de apoio, pois o Dr. Spencer era a única pessoa que não a tratava como se fosse desmoronar a qualquer momento, e nem a faria desistir de estar ali por Gilbert. Ele entendia que estar perto de seu noivo era o que Anne precisava para se manter mentalmente estável, mesmo que a pressão psicológica fosse um pouco mais alta do que deveria ser. Porém, impedi-la de estar ali só faria sua ansiedade piorar, e colocaria em risco seu bebê. Assim, ele entendia que era melhor para Anne ficar onde teria assistência médica no momento que precisasse, do que trancada em seu apartamento, sofrendo todo tipo de ataque de uma imaginação fértil demais.

- Como você está? - ele perguntara ao ver seu rosto cansado e pálido.

- Estou me aguentando como posso. - Anne respondeu com sinceridade. Não tinha porque mentir para o médico que perceberia como ela estava se sentindo no minuto em que olhasse para ela.

- Você é mais forte do que pensa, Anne. Mas, também tem que saber que não tem que passar por isso sozinha.- ele disse com seu olhar paternal para aquela garota corajosa que ele aprendera a respeitar e admirar.

- Eu sei.- ela disse com os olhos pregados no rosto de Gilbert.

- Eu conversei com o médico que te atendeu, e ele me contou de sua gravidez. Quero parabenizá-la, pois sei o quanto você desejava ser mãe.- Anne sorriu com tristeza.

- Não acha uma ironia que o momento mais feliz da minha vida seja ofuscado por outro tão triste?

- Anne, não deve pensar assim. Você sabe que mesmo que se sinta frágil nesse momento, você precisa acreditar que o Gilbert vai ficar bem. É o que ele lhe diria se pudesse. - Anne apenas balançou a cabeça ao pensar na carta que Gilbert lhe deixara. Ele lhe dissera que se não pudesse voltar para ela, Anne deveria seguir em frente e fazer todas as coisas que planejaram fazer juntos. Como ele pudera lhe pedir algo assim? Paris nunca seria a mesma sem ele, assim como ela nunca poderia morar em uma casa onde ela idealizara uma vida inteira com ele. Ela poderia até criar o filho deles sozinha, mas, nunca mais seria feliz de novo. Gilbert era sua felicidade, sem ele, a única coisa que a faria prosseguir seria a criança que ela carregava no ventre e na qual concentrava todas as suas energias e seu amor.

- Gilbert sempre quis o melhor para mim, eu sei. Porém, Dr. Spencer, eu não sei se terei forças para fazer tudo o que preciso se ele...- ela parou de falar, porque apenas o ato de imaginar um Gilbert totalmente alheio a sua presença lhe tirava a respiração. Ela sentiu a mão pesada de Dr. Spencer sobre a dela enquanto ele dizia:

- Eu preciso te contar que um dia antes do Gilbert ser operado ele me procurou. - Anne o olhou espantada e perguntou:

- Por que?

- Ele estava preocupado com você Anne. Pode imaginar o quanto esse rapaz te ama? Ele deixou de lado a preocupação consigo mesmo para ir até meu consultório me pedir que tomasse conta de você. Ele temia que você pudesse ter uma crise de depressão e ficasse mal demais por causa dele. Ele já estava se culpando bastante por deixá-la de novo nessa situação de incerteza quanto ao futuro, e me disse que não aguentaria pensar que você se afundaria na escuridão da sua alma de novo se caso a cirurgia dele não acabasse como vocês dois esperavam. - Anne levou a mão ao coração. Gilbert tinha feito aquilo por ela? Quantas surpresas seu noivo ainda reservava para ela? Como alguém podia ser tão maravilhoso assim? E como ela poderia viver sem ele sabendo que nunca mais ninguém a amaria com a própria alma como Gilbert a amava?

- Por que ele não me contou? - Anne disse tocando o rosto ainda pálido do rapaz.

- Talvez ele não quisesse que você soubesse da extensão da preocupação dele por você. Gilbert sempre foi muito cuidadoso com tudo que diz a respeito de você, Anne. Quando você começou a fazer terapia, eu o alertei de sua super proteção em relação às suas necessidades, e embora, ele tenha realmente tentado com vontade, Gilbert nunca se libertou do sentimento de que deveria te proteger a todo custo. O seu histórico de abandono despertou isso nele, e não o culpo. O sentimento entre vocês é muito raro, e mesmo eu, um cético de carteirinha em relação ao amor não posso negar o óbvio. E também quero te dizer que ele sente muito orgulho da mulher que você é.

- Ele disse isso ao senhor? - Anne pegou a mão de Gilbert que descansava sobre o próprio peito e a apertou. Como era difícil vê-lo assim tão quieto, quando ela daria tudo para que ele dissesse apenas uma palavra para consolar seu coração saudoso demais do timbre rouco que a fazia se arrepiar inteira quando sussurrava em seu ouvido que a amava.

- Ele não disse com essas palavras, mas, a maneira como ele sempre a descreveu para mim me deu a certeza nítida de ele te admira demais. Existe muito amor dentro desse rapaz, Anne, e também muito respeito por tudo o que você é.- Anne não respondeu por um instante, pesando os sentidos das palavras do médico dentro de sua cabeça. Depois, quase como se falasse para si mesma, ela deixou que o Dr. Spencer a ouvisse dizer:

- É engraçado pensar sobre isso agora quando me lembro de minha vida paralela no orfanato. Todo o tempo em que vivi lá nunca conheci sequer uma palavra de carinho. Era como se estivessem nos fazendo um favor por nos dar comida e um teto sobre nossas cabeças. Eu só soube o que era ser cuidada por alguém quando os Cuthberts me adotaram. Ainda assim, eu achava que eu não merecia o amor de ninguém, já que tinha sido abandonada pelos meus próprios pais. E então, Gilbert apareceu em minha vida, e eu não pude evitar de me apaixonar por ele. Apesar de no começo eu pensar que um garoto como ele, que podia ter quem quisesse jamais olharia duas vezes para mim, porém ele me provou justamente o contrário, e aqui estamos nós. - Anne deslizou a mão pela testa lisa de Gilbert, e continuou suas reflexões em voz alta. - Ele foi meu primeiro e único em tudo. Meu primeiro beijo, meu primeiro amor, meu único amante. Como o senhor acha que me sinto vendo-o assim novamente? – Ela fechou os olhos se sentindo tão exausta, ainda assim, bem pouco inclinada a desistir daquele rapaz que teria feito o mesmo por ela em condições semelhantes.

- As circunstâncias não são as mesmas, Anne. Vocês dois têm tudo a seu favor. – o Dr. Spencer disse bondosamente.

- A única coisa que me importa é que ele volte para mim intacto como antes. - um soluço seco escapou de seus lábios, e ela levou a mão a boca tentando se controlar. Ela prometera que não ia chorar, mas, com a gravidez seus hormônios estavam loucos demais, e ela sentia vontade de chorar até quando olhava para uma rosa e se lembrava de quando Gilbert costumava deixar uma sobre o seu travesseiro quando fugia por sua janela de madrugada em Green Gables. Tanto tempo atrás, e tão vívido em sua memória como se tivesse sido no dia anterior.

- Anne, estou aqui se precisar. Sabe disso, não é? E faço isso não somente porque o Gilbert me pediu, mas, sim porque quero te ver bem e forte para enfrentar o que vier- O Dr, Spencer disse apertando o seu ombro com afeto.

- Obrigada. - foi tudo o que ela conseguiu dizer, antes que o seu terapeuta saísse pela porta se despedindo com um sorriso.

Assim, estavam no segundo dia após a cirurgia, e como no dia anterior, ela permaneceu mais algumas horas sentada ao lado de Gilbert. Para passar o tempo, Anne se entreteu com um livro, mas, não desviava a atenção de seu noivo um minuto sequer. Por várias vezes, ela se levantou e ajeitou-lhe as cobertas, acariciou-lhe os cabelos e beijou-o no rosto, desejando que dessa forma ele se sentisse amado onde quer que estivesse. O tempo corria, e sua angustia também, porque ela tido sido informada pelos médicos que a qualquer momento Gilbert poderia acordar, mas, no entanto já estavam no meio da tarde e nada de ele abrir os olhos. Ela andou pelo quarto, foi até a janela, e não suportando mais a espera, Anne saiu no corredor e por coincidência, ela encontrou Jonas que terminava seu turno de estágio naquele momento.

- O que foi. Anne? O Gilbert acordou? - ele lhe perguntou ao notar a agitação dela.

- Não.- ela respondeu sem conseguir falar mais nada.

- Você tem que entender que isso não acontece de uma hora para outra, Anne. Precisa-se de um tempo, até que a medicação que o manteve em coma induzido perca o efeito. Entende o que eu digo, não é?- ele disse notando com preocupação o olhar distante de Anne.

- Desculpe. Acho que estou cansada demais.

- Vamos, fazer o seguinte. Vou te levar para casa. Assim, você toma um banho, come algo e dorme em um cama de verdade.

- Não. Eu não posso deixar o Gilbert aqui. - ela disse protestando.

- Anne, talvez ele ainda demore para acordar, mas, para que fique tranquila. Vou pedir para a enfermeira da noite me ligar imediatamente se algo mudar no estado dele. Você precisa descansar um pouco ou vai acabar desmaiando de exaustão. – ele pegou o telefone, discou um número e disse: - Sharon, vou levar a Anne para casa. Você pode nos esperar lá? Ótimo. - ele desligou o telefone, pegou no braço de Anne com cuidado e a conduziu para fora do hospital até seu carro. Assim, que ela se sentou no banco do carona, ela encostou a cabeça no encosto da poltrona, e deixou que uma lágrima escorresse pela sua face, rezando silenciosamente para que quando voltasse para perto de Gilbert, todas as lágrimas que derramasse daí em diante fossem apenas de alegria.

ANNE E GILBERT

Nunca fora tão difícil entrar no apartamento, sabendo que não veria o rosto que sempre esperava por ela quando chegava em casa, depois do trabalho ou de um tempo fora de casa. Tudo ali era uma lembrança do que lhe faltava, e dessa vez não era a saudade de poucas horas que a machucava, e sim de dois dias inteiros. Nos últimos tempos, ela e Gilbert não se largavam, especialmente depois que descobriram sobre o problema do coágulo e tudo o que envolvia aquele novo obstáculo que teriam que enfrentar. E agora tudo o que tinha dele naqueles dois dias de espera eram as lembranças dos instantes mais doces e intensos de sua vida.

Jonas entrou com ela no apartamento, e a seguiu por cada canto observando seu comportamento silencioso que gerava uma preocupação a mais, porque ele preferia vê-la gritando e se lamentando pela casa do que naquele mutismo doloroso. Ela parecia ter sido quebrada ao meio e um único sopro do vento a derrubaria ao chão. Jonas esperava que Sharon chegasse logo, para que ela o ajudasse a convencer Anne a dormir um pouco e a se alimentar.

Alheia ao olhar observador de Jonas sobre ela, Anne continuou sua excursão pelo apartamento. Ela olhava cada canto ansiosa procurando por algo que lhe desse mais alento do que tivera desde que chegara ali. Então seus olhos encontraram a boina vermelha de Gilbert sobre uma cadeira onde fora deixada por ele dias atrás. Ela sorriu em meio a sua tristeza, ao pensar que aquela boina tinha uma ligação forte entre ela e Gilbert.

No mesmo instante em que ela a pegou nas mãos, a campainha tocou, e ela foi atender, e logo se deparou com Sharon que lhe sorria abertamente, trazendo nos braços inúmeras sacolas, o que fez Anne imaginar que ela trazia o supermercado inteiro para o seu apartamento. Logo atrás dela, um Cole hesitante a olhou, enquanto Milk, a quem ele trazia em sua cestinha já pequena demais para a bolinha peluda que pulou aos seus pés ganindo, cheio de saudade. Anne o pegou no colo, avaliando-lhe o peso. Em dois dias ele parecia ter crescido vários centímetros, e em pouco tempo seria quase impossível carregá-lo como um bebê. Milk tinha seis meses agora, e Anne se lamentou por estar perdendo algumas fases de seus crescimento ao mesmo tempo que sentia-se orgulhosa por vê-lo se tornar um cachorrinho adulto lindo, todo branco e fofinho, perfeito para ser o bichinho de estimação de uma criança.

- Olá, querida. Desculpe a demora. Mas, Jonas me ligou em cima da hora para me avisar que estava trazendo você para casa, e imaginei que não havia muita coisa fresca na geladeira, por isso, eu passei no supermercado para comprar comida de verdade para você3. Está com fome?- Sharon perguntou, colocando todas as compras sobre a mesa da sala.

- Não muita.- Anne disse desanimada.- Na verdade, o Jonas me convenceu a vir para casa, mas, não estou bem certa que deveria mesmo ter vindo.- Ela se sentou no sofá com Milk no colo, onde ele se acomodou confortavelmente.

- Anne, é bom para você sair um pouco de lá. Faz dois dias que não respira fora daquele hospital. Isso não é saudável para você. - Cole disse se sentando ao lado dela.

- Cole tem razão, Anne. Por que não vai tomar um banho, depois descansa e mais tarde eu te levo um jantar bem levinho?- Sharon disse acariciando os cabelos dela.

- Como posso descansar se o Gilbert não está aqui? Eu não quero ficar longe dele.- Ela disse com seus olhos azuis atormentados.

- Meu bem, você sabe que ele não aprovaria isso, principalmente agora?- Cole disse, e Anne sabia que o amigo tinha razão. Gilbert ficaria zangado se soubesse que ela não arredara os pés do hospital nem mesmo para dormir, mas, ele não estava ali, e não podia julgá-la por sentir tanto a falta dele que o único recurso que encontrara para aguentar a ausência dele fora ficar perto dele pelo menos fisicamente, já que conscientemente, Gilbert não lhe dera nenhum sinal de que podia sentir essa proximidade entre eles, porém, Anne esperava na profundidade do mundo do sono no qual ele estava mergulhado, Gilbert pudesse sentir o amor que ela lhe enviava pelas vibrações de sua alma.

- E se ele acordar enquanto eu estiver aqui? E se ele pensar que eu o abandonei? - ele ficou agitada de repente, e Cole, tentando acalmá-la disse:

- Ele nunca pensaria isso, Anne. Agora você precisa ficar tranquila. Vamos para o seu quarto.- ele olhou significativamente para Sharon e Jonas, e acompanhou a ruivinha até o quarto.

- Vá tomar um banho, querida. Depois vamos conversar, tudo bem?- ela assentiu meio à contra gosto. Ela adorava seus amigos e se sentia grata pelo apoio que estavam lhe dando, porém, a estavam tratando como uma criança sem vontade, e isso a deixava aborrecida, principalmente porque queriam mantê-la longe de Gilbert no momento em que ele mais precisava dela, e Anne se sentia como se estivesse falhando com ele. Mesmo se sentindo chateada, ela acatou o conselho de Cole, e quando saiu do banho, Sharon estava com ele e tinha colocado uma bandeja com a refeição que prometera em cima do criado mudo.

- Coma enquanto está quente, depois poderá descansar por alguma horas. – Anne a olhou seriamente, e no mesmo momento Sharon entendeu o que ela queria dizer com seu silêncio e respondeu:- Não se preocupe. Jonas prometeu que assim que tiver alguma notícia de Gilbert, ele te avisa imediatamente. - Anne tornou a não responder, e apenas pegou o prato que Cole lhe estendia e comeu a sopa acompanhada de torradas. Seu estômago reclamou um pouco, mas, ela não chegou a ter um enjoo forte, por isso, conseguiu comer tudo até o fim sem passar mal.

- Se sente melhor? - Cole perguntou ainda preocupado com o silêncio dela.

- Sim. - Anne disse. Sua voz soou um pouco sonolenta, pois o cansaço de todos aqueles dias começou a tomar conta de seu corpo, e Cole percebendo que ela precisava dormir disse:

- Vou ficar com você até que adormeça, está bem? - Anne balançou a cabeça concordando, pois se sentia exausta demais para falar. Assim, ela deitou a cabeça no travesseiro e adormeceu. E então ela sonhou, com a risada de Gilbert que chegou até o seus ouvidos como música. Ansiosa, ela olhou para todos os lados em busca do som tão amado, e foi quando ela o viu vindo em sua direção, mais lindo do que sempre fora, com o brilho do sol em seus cabelos, os olhos como um poço de sentimentos todos por ela. Ela sentiu a felicidade invadi-la ao vê-lo tão saudável, e ele parecia em paz assim como ela se sentia ao olhar para aquele rosto que era seu porto seguro. A voz dele chegou até ela como se dançasse pelo ar, e as palavras mágicas "eu te amo" a fizeram ofegar, mas, então o tempo escureceu, de repente apagando a luz do sol, e uma chuva triste e fria começou a cair sobre ela como um choro dolorido e sem esperanças. A imagem de Gilbert foi ficando cada vez mais distante, e sumiu diante de seus olhos como um adeus inesperado, e assim, ela gritou a plenos pulmões, e o som de sua voz estrangulada a fez acordar enquanto chorava desesperada.

Em menos de um minuto, Cole estava a seu lado e a abraçava, acariciando-lhe os cabelos como se ela fosse uma criança, do mesmo jeito que Matthew fazia quando ela tinha um pesadelo quando fora morar em Green Gables.

- Calma, meu amor. O que quer que a tenha feiro chorar assim foi apenas um pesadelo. -

- Eu preciso ver o Gilbert. Por favor, Cole. Leve-me até o hospital. Eu quero estar perto dele, e ter certeza de que tudo está bem. - ela tremia tanto que Cole temeu pelo bebê.

- Por que não espera até amanhã?

- Não posso. Eu preciso voltar para lá nesse momento. - Anne disse se levantando apressadamente, e procurando uma roupa limpa no armário.

- Anne. Você precisa pensar no seu bebê. Está agitada demais, e tenho medo de que isso acabe prejudicando sua gravidez.

- Meu bebê está bem, Cole. E eu também vou ficar, assim que eu voltar para o hospital e ver Gilbert acordado. Isso é tudo o que preciso. - Cole suspirou resignado. Anne já tinha tomado sua decisão, e convencê-la do contrário era dar murro em 'ponta de faca. Ele conhecia bem a teimosia da amiga. Assim, ele esperou que Anne terminasse de se arrumar, e saiu com ela do quarto, e quando Jonas e Sharon olhou interrogativamente para ambos, o amigo de Anne respondeu:

- Ela quer voltar para o hospital. E é melhor fazermos o que ela pede.

- Está bem. – Jonas disse sem discutir.

Enquanto isso, Gilbert Blythe continuava preso em seu imaginário. Dessa vez não era seu pai que ao acompanhava, e sim seu passado que voltara para ele como se uma cápsula do tempo tivesse sido acionada. Ele se viu em mar aberto, com Bash a seu lado ralhando com ele por cantar suas músicas americanas ruins como ele costumava dizer, as noites em que seu olhar se perdera na escuridão de um céu estrelado sentindo falta de tudo que deixara para trás, mas ainda assim, sem vontade de retornar para o único lugar que conhecera como lar. E então a certeza de sua vocação para a medicina, e seu anseio em entrar para a faculdade. O reencontro com Anne, a descoberta de um amor que ultrapassava qualquer limite ou razão. Sua paixão por ela crescendo a cada dia, a alegria que sentira quando ela se entregara a ele, e depois a felicidade plena quando ela aceitara seu pedido de casamento. Os dias longe dela quando estivera na faculdade, e logo o seu retorno fortalecendo ainda mais os laços de amor entre ambos. A viagem a Paris onde ele se vira ainda mais apaixonado por aquela criatura tão singular que era sua noiva, o tiro que quase lhe tirara a vida, a amnésia que quase lhe roubara Anne, a perda do filho de ambos quando ele não pudera estar presente, a culpa, a tristeza, o amor recuperado em Nova Iorque e a vida que planejara ter com ela dali em diante.

Tudo passava em sua cabeça como se estivesse acontecendo naquele exato momento, ele sequer conseguia se mexer, era apenas um mero expectador de sua própria história que desfilava à sua frente como pedaços recortados de um jornal que foram sendo colados em um velho álbum de memórias, contando assim sobre uma vida inteira rica de paixões, um amor imenso correspondido, e tudo o que ainda poderia e viria a ser se ele e Anne tivessem mais uma chance juntos.

Gilbert viu os olhos azuis dela encontrarem os seus naquele mesmo horizonte onde ele flutuara ao encontro de seu pai, e seu coração se encheu de uma emoção tão poderosa que ele sentiu que poderia explodir dentro de si mesmo tamanha energia que sentiu. As mãos dela entre as suas era algo tão real que ele desejou que pudessem entrelaçar seus dedos para sempre. O calor dela era suave e afastava o frio que começara a tomar conta dele de repente, e quando ela encostou seu rosto no dele, foi que Gilbert sentiu o pulsar do sentimento dela por ele se duplicar como se dois corações batessem dentro dela e não somente um. Ele se perdeu ali, naquele momento, lutando para abrir os olhos, mas não conseguiu, preso ao seu próprio corpo e a sua inconsciência.

Naquele momento, Anne chegou ao hospital, escoltada por seus amigos que a seguiam em silêncio, temerosos pelo que ela encontraria, ao mesmo tempo que rezavam pelo final daquela agonia que se arrastava por dois dias. A ruivinha se sentia do mesmo jeito. Estava exaurida de qualquer emoção, seu peito doía por conta do sonho que tivera, mas, ela se recusava a pensar que aquilo seria um presságio real do que seria sua vida dali para frente. Perder Gilbert estava fora de questão. Imaginar que ele nunca conheceria o filho que ela carregava era outro ponto no qual ela se obrigava a tirar da sua mente. Se a fé a esperança que estavam com ela desde o dia em que soubera da luta que teriam que travar morressem naquele instante, então, ela nunca mais conseguiria acreditar que havia um lugar ao sol para ela no mundo lá fora.

De repente, ela olhou para frente, e viu Nora encostada na recepção. A boa senhora lhe acenou e sorriu. Anne tentou retribuir, mas, sentiu como se suas emoções estivessem travadas demais para que pudesse esboçar qualquer reação.

- Anne, está tudo bem?- Sharon perguntou, e Anne se obrigou a olhar para amiga e responder.

- Sim.- e então, a ruivinha se virou de novo para a recepção, pois ela tinha a intenção de ir até lá falar com Nora, antes de ir até o quarto de Gilbert, mas, ela não estava mais lá. Uma sensação de irrealidade tomou conta de Anne como da outra vez na igreja, mas, ela balançou a cabeça, dizendo a si mesma que tinha uma imaginação absurda.

Em seguida, ela se encheu de coragem e caminhou pelo corredor até chegar ao quarto de Gilbert. Ela entrou sozinha, pois apenas uma pessoa era permitida ali além da enfermeira que acabava de trocar o soro de seu noivo. Quando ela viu Anne, tratou de terminar rapidamente o que estava fazendo e saiu do quarto deixando-a com Gilbert.

Anne se aproximou mais e pegou na mão dele, sentindo imediatamente a energia que sempre conectara a ambos tão bem. Ela deitou sua cabeça no peito dele enquanto seus olhos observavam cada pedacinho do rosto de Gilbert. Suspirando, ela chegou perto do ouvido dele e disse baixinho:

- Amor, abra os olhos para mim. Eu te amo.

Duas lágrimas rolaram pelo rosto de Gilbert, enquanto ele sentia um chamado forte vindo de seu coração. Era uma força que o arrastava das profundezas de seu ser e o trazia de volta para luz irresistivelmente. Suas pálpebras tremeram, enquanto ele se debatia entre a vontade de continuar dormindo e atender aquele chamado que era como um fio que o conduzia para fora do casulo onde ele estava envolto o que parecia ser uma eternidade. Então, com um esforço sobre humano, ele abriu os olhos.

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Notas Finais


Olá pessoal. Eu queria explicar que com este capítulo, eu não estou fazendo apologia a nenhuma crença religiosa. Deixo a cargo de vocês acreditarem no que desejarem a respeito dos momentos de Gilbert com o pai. Eu somente escrevi desta forma, pois curiosa como sou, já li muitos relatos de pessoas que ficaram em coma, e muitas acreditavam que realmente tinham vivido um fenômeno pós morte e outras apenas imaginavam que sonharam todo o tempo com entes queridos que perderam e desejavam reencontrar. Portanto, minha descrição sobre os momentos que Gilbert viveu com o pai foi somente fruto de minha imaginação, quando tentei pensar o que se passaria na mente desse rapaz tão apaixonado por uma mulher, e ao mesmo tempo tão saudoso de seu pai a quem perdeu em um momento tão inesperado em um momento crítico como esse em que ele estava envolto em sua inconsciência. Então, sintam-se livre para imaginar o que quiserem. Espero ter agradado. Beijos. Até o próximo capítulo.

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