Capítulo 8 - O que os olhos não veem
Olá, mais um capítulo de all about. Espero que ao lê-lo se animem em me deixar seus comentários e votos. Muito obrigada por acompanhar mais essa história. Beijos.
ANNE E GILBERT
O mês de outubro estava quase no fim, e Anne já estava se programando para as festas de fim de ano que era a época mais próspera para o comércio em geral.
Era também uma época que ela amava, pois toda a cidade se vestia com uma roupagem alegre, festiva, cheia de solidariedade e amor. Era tempo de compartilhar, de deixar os rancores de lado, de se aproximar daqueles a quem se amava, de fazer as pazes com o passado, viver o presente de forma mais amistosa, e fazer planos mais promissores para o futuro.
A única coisa que a deixava triste era a ausência do pai, e o alheamento da mãe, que se enterrava mais ainda em seu mundo e se recusava a comemorar com a filha uma data que para ela nada tinha de alegre, depois que seu companheiro de uma vida tinha partido.
No passado, o Natal tinha todo um significado diferente para Bertha. Ela era sempre a primeira a iniciar os preparativos, seu dom para decorar a loja e a árvore de Natal de sua casa eram memoráveis, e os quitutes que preparava para a grande ceia onde metade da família e amigos sempre compareciam eram de dar água na boca.
Infelizmente, Anne não tinha herdado da mãe o dom das mãos de fada, como seu pai a havia apelidado, e acabava comprando tudo pronto por medo de arruinar uma noite tão especial com pratos salgados demais ou doces passados do ponto.
Por conta dos humores instáveis de Bertha nessa época, e especialmente na noite de Natal, a quantidade de pessoas que participava da ceia dos Cuthberts era bastante reduzida, por isso, Anne tinha o cuidado de convidar somente as pessoas mais íntimas para não aborrecer demais a mãe, que sempre aparecia na sala para cumprimentar as visitas, mas se recolhia antes da meia noite. Assim, naqueles três anos, Anne aprendera que o Natal nunca mais teria o mesmo sabor do passado, que os anos de glória dos Cuthberts no dia vinte e cinco de dezembro tinha sido relegado a apenas uma foto bem guardada em um álbum familiar, e que a alegria que um dia tinha sido a marca mais invejada naquela casa se fora quando ela perdeu seu pai.
Por isso, enquanto andava pelo centro de Nova Iorque naquela manhã antes de ir para o trabalho, Anne se perguntava se não devia fazer algo diferente naquele ano, já que era penoso para a mãe se lembrar da falta que seu marido lhe fazia, especificamente em uma época que famílias deveriam estar comemorando juntas, e o esforço que a ruivinha andara fazendo para recuperar pelo menos em parte a tradição natalina que se repetiu por anos em sua casa tinha sido um fracasso.
Nada ainda lhe ocorria, mas talvez pudesse contar com a sensatez de seu noivo que era um homem prático, e por essa mesma razão, tinha sempre uma solução prática para apresentar em qualquer situação. De alguma forma, aquele pensamento tinha-lhe parecido desagradável, e a fazia lembrar o que Cole sempre criticava em Roy. Ele era extremamente enfadonho, não havia um pingo de entusiasmo naquelas veias, tudo devia seguir um padrão milimetricamente estudado, e assim não havia espaço nenhum para o elemento surpresa.
Todo esse perfil descrito pelo seu amigo de longa data a levava a fazer um outro tipo de comparação que ela sabia que não era justa com Roy, e o que a conduzia irremediavelmente a Gilbert Blythe.
Ele era o oposto de Roy em todos os sentidos, a começar pelo seu sorriso sacana, olhares explícitos e intenções mais explícitas ainda. Gilbert nunca usava meias palavras quando queria deixar alguém saber o que ele desejava, era direto e verdadeiro, e por mais que ela detestasse o tipo garanhão que ele representava, Anne gostava de sua maneira sincera de expressar suas opiniões. Ele era um homem de negócios como seu noivo, mas não mergulhara no mundo burocrático como Roy, não perdendo assim sua identidade pessoal. Porque, por mais que defendesse a posição de seu noivo e sua maneira de ser, Anne tinha que ser verdadeira consigo mesma e admitir que Roy era muito mais divertido quando o conhecera.
Ainda assim, ela tentava manter seus princípios, e ser fiel ao noivo não importando as circunstâncias, mas seu coração tinha uma opinião diferente sobre isso, a fazendo trair Roy em pensamento sempre que tinha uma oportunidade. E mesmo lutando contra seus sentimentos inconstantes por Gilbert, Anne não conseguia se manter indiferente quando alguém mencionava o nome dele ou ela se lembrava inesperadamente daqueles olhos que pareciam querer invadir sua alma, e desvendar cada segredo que ela pudesse manter escondido em seu íntimo. Ele a fazia se sentir despida emocionalmente diante dele, e isso a deixava completamente insegura.
Ele dissera que queria ser seu amigo e ela simplesmente aceitara sem realmente pensar no que aquilo significava, e agora se perguntava se essa nova nomenclatura presente no relacionamento dos dois a protegia de alguma forma de como andava se sentindo. Será que as borboletas parariam de transformar seu estômago em um arsenal de emoções confusas? Ou seu coração não falharia mais nenhuma batida quando ele dissesse seu nome com aquele tom sensual, que não saia de sua cabeça até nos momentos mais inapropriados? E será que ela cessaria de imaginar como seria beijar aquela boca máscula que tornara um fetiche seu até nos sonhos? Ela já sabia a resposta, e não ia colocar à prova nenhuma teoria maluca, por mais que o desejo de pecar fosse maior que seu senso de realidade.
Anne não podia também esquecer que estavam em uma competição. Gilbert mesmo lhe propora um desafio, e como ia administrar sua atração física, sua agora recente amizade e sua rivalidade com ele era outra questão, a qual teria que pensar em como iria resolver.
A ruivinha caminhou por mais alguns minutos, e quando deu por si estava em frente à construção da nova livraria que parecia bastante avançada da última vez que estivera ali. Seu coração se apertou de apreensão, pois por mais que dissesse a si mesma que seu pequeno negócio tinha tradição, não podia deixar de se preocupar com tudo o que estava vendo ali. A nova livraria dos Blythes era tudo o que a propaganda prometia, e quando ficasse pronta, Anne já podia imaginar a legião de pessoas que atrairia até ali. Ela somente esperava que seus clientes não a abandonassem por conta disso, porém lá no fundo, perguntou a si mesma a quem estava enganando?
As pessoas gostavam de novidade, e tudo o que era moderno era um chamariz para os consumidores compulsivos de plantão. Viviam em um tempo onde as pessoas acabavam por acumular coisas em seus lares que às vezes nem sabiam o seu real significado, e esqueciam de valores mais importantes.
A livraria para Anne não era apenas um meio de sobrevivência, era uma vida toda construída por amor , e sentir que estava a ponto de perder isso a deixava magoada profundamente, porque era como perder seu pai pela segunda vez.
Aquele fora o legado que ele lhe deixara, e o qual fizera crescer e prosperar junto com sua mãe. Por isso, ela tinha por obrigação lutar por ele, e mantê-lo no mesmo nível que lhe fora delegado, e não aceitava fracassar ou deixar que seu oponente, Gilbert Blythe a vencesse.
Seus olhos passaram por uma foto de corpo inteiro dele, logo em frente à loja, onde sua expressão séria era um pouco diferente da que Anne conhecia na intimidade. Nela havia breves informações sobre o empreendimento que estava sendo construído ali, a data da inauguração e um convite bem humorado para que as pessoas viessem conhecer o local em suas compras de fim de ano, o que fez Anne balançar a cabeça inconformada.
Era tão engraçado essa infinidade de coisas que sentia por Gilbert, e como eram separadas em sua cabeça por momentos e seu estado de humor. Naquele segundo, olhando para o rosto de príncipe dele, totalmente profissional, sem nenhum traço de seu costumeiro sarcasmo debochado, ela sentia ressentimento pelo que ele estava tentando fazer ali, ou seja, roubar um espaço que tinha sido dela e de sua família por tanto tempo.
Racionalmente, Anne sabia que não havia regras para isso. Naquele tipo de ramo, se saía melhor quem tinha oportunidade, criatividade e sagacidade, e as empresas Blythes não estavam fazendo nada ilegal ou antiético. Eles agiam como muitos empreendedores que investiam seu dinheiro em algo rendoso, que lhes traria um retorno a curto ou longo prazo, e pelo que ela já tinha lido sobre os negócios da família de Gilbert, eles nunca jogavam para perder. Eram extremamente inteligentes na arte de ganhar dinheiro, sabiam como fazer esse dinheiro girar e voltar para suas mãos ainda mais lucrativo do que antes.
O que ela tinha a seu favor era sua paixão, seu amor pelos livros e sua dedicação por uma arte que herdara da mãe, mas Anne não sabia se só isso seria suficiente para salvar sua livraria se realmente entrasse em uma competição dura com a novidade do momento.
Sentindo-se desgostosa com a situação, ela finalizou suas compras do dia e ao olhar para o relógio, descobriu que ainda tinha um tempo de vantagem antes de chegar na loja, por isso, como estava no seu caminho, e era quase um costume seu diário, ela passou na panificadora para levar pãezinhos quentes para tomar café com seus amigos, antes que o dia de trabalho realmente se iniciasse.
Ela estava distraída, pensando em sua agenda do dia, quando ouviu bem atrás de si, especificamente em seu ouvido direito:
- Bom dia, Chapeuzinho ruivo.- involuntariamente, seu corpo se arrepiou, e ela teve que fechar os olhos para não passar pelo vexame de suspirar alto com aquela rouquidão sexy que a fazia se perguntar se a sensação de acordar com ele do seu lado também seria tão delicioso assim. Horrorizada e mortificada com o que acabara de pensar, Anne sentiu vontade de bater em si mesma. Deus! O que aquele homem fazia com ela era quase um atentado ao pudor.
Ela se obrigou a abrir os olhos, e virar a cabeça sob o ombro, para encontrar Gilbert na fila bem atrás dela. Ela quase sorriu diante de um pensamento que teve ao constatar que ele estava aprendendo a ter modos, e não agir como se fosse a pessoa mais importante ali.
Contudo, ela refreou o sorriso a tempo, pois logo em seguida se lembrou que a poucos minutos atrás estava zangada com ele por um motivo bastante consistente, e não podia mudar de ideia em poucos segundos que o estava encarando.
Todavia, seu corpo traidor já a estava colocando em uma situação constrangedora, pois mesmo que Gilbert não pudesse saber o que ela estava pensando, todas as partes de seu corpo sabiam, e não era nenhum pouco confortador perceber o controle que aquele rapaz tinha sobre seus sentidos. Ela quase ofegou quando disse secamente:
- Bom dia. - e se virou para frente, enquanto esperava impaciente que sua vez de ser atendida chegasse logo para poder sumir dali.
- Algum problema? Você parece irritada.- ele tornou a dizer perto de seu ouvido, só que dessa vez a respiração dele tocou de leve seu pescoço, e Anne ficou irritada com os arrepios que aquilo provocou em lugares específicos de sua pele, e respondeu:
- Problemas pessoais, Blythe. Eu não tenho que te contar nada.
- Pensei que éramos amigos. Por que não confia em mim?- ele tornou a dizer, e agora tinha colocado a mão em seu ombro, o que piorou a situação toda. Anne sentiu que precisava sair dali o quanto antes. Ela não respondeu ao que ele perguntara, e sentiu um enorme alívio ao ser atendida pela recepcionista. Assim, ela comprou o que desejava, pagou pela conta e saiu da panificadora.
Não tinha dado nem dois passos para fora do local, quando sentiu seu pulso sendo puxado, e sem surpresa nenhuma ficou cara a cara com Gilbert Blythe.
- Qual é o problema, Anne? Eu te fiz alguma coisa que te desagradou? - Anne olhou para aquele rosto que era todo o seu problema, e pensou no que responderia. Não podia contar a Gilbert que toda vez que ele chegava perto demais, ela acabava tendo pensamentos que não deveriam estar em sua mente para começo de conversa. Ela estava prestes a se casar com alguém que já fazia parte de sua vida a três anos, e no entanto, não conseguia parar de pensar naquele beijo que não acontecera, e que nem poderia acontecer, e tê-lo à sua frente, olhando-a daquela forma magoada, não ajudava em nada, principalmente, porque ele não tirava os olhos da boca dela, assim como ela fazia com a dele.
-Você não fez nada, eu só não tenho tempo para jogar conversa fora. Preciso ir para o trabalho. - ela respondeu, se virando para ir embora, mas, ele não parecia estar disposto a encerrar a conversa de forma tão abrupta, e a impediu de ir novamente dizendo:
- Eu entendo. Só me diz como está o seu joelho? Não sentiu mais nenhuma dor? - Anne o olhou, sentindo seu coração se encantar com aquela demonstração de preocupação. "Droga, Blythe. Por que tem que ser tão fofo?" Só dificulta meu trabalho em tentar odiar você.', ela disse para si mesma.
- Está melhor, obrigada. Não sinto nenhuma dor. Eu te disse que não era nada. – ela se obrigou a responder.
- Que bom. Eu fico feliz em saber disso. - ele disse, sorrindo daquele jeito que a fazia querer se jogar nos braços dele, e antes que as coisas começassem a ficar intensas por ali, ela disse:
- De verdade, Gilbert, eu preciso mesmo ir.
- Tudo bem. A gente se vê depois .- ele disse, dando-lhe um beijo no rosto, e assim, Anne se afastou com o coração aos pulos, andando o mais rápido que podia, como se assim pudesse recuperar o bom senso.
Gilbert a viu atravessar a rua, e depois desaparecer de seu campo de visão, e suspirou, antes de seguir seu próprio caminho. Anne era tão escorregadia que tornava difícil qualquer aproximação dele. Quando pensava que tinha feito algum progresso, ela dava três passos para trás.
O lance da amizade fora para que pudesse estar por perto sem que tivesse que encontrar uma desculpa para isso, mas não estava funcionando como esperava. O que o fez pensar se não era melhor deixar aquele assunto de lado, pois Anne era comprometida e ele não queria atrapalhar a vida amorosa dela de jeito nenhum.
Contudo quanto mais pensava nisso, mais motivado ele ficava em continuar fazendo o que planejara, pois quando se lembrava do insípido e oportunista noivo dela, ele chegava a conclusão que era um desperdício Anne ficar com alguém que não sabia apreciar cada detalhe dela como ela merecia.
Jerry lhe contara que Roy ficava bastante tempo fora, e Anne acabava passando muitos finais de semana sozinha. Como alguém em sã consciência deixava uma mulher daquelas sozinha? Se fosse ele, não deixaria Anne longe de suas vistas um minuto, e daria um jeito, mesmo em suas viagens de tê-la com ele de alguma maneira. Definitivamente, o homem certo para Anne Cuthbert não era Roy Gardner, e diante desse pensamento, ele se assuntou com a raiva que sentiu por ela estar ligada a um homem que dava mais valor ao trabalho que à própria noiva.
"Calma aí, Blythe. Você não pode estar tão interessado nessa mulher assim.", ele disse para si mesmo. Mas, outra voz lhe disse que ele já estava encrencado o suficiente, só não tinha percebido ainda.
Gilbert chegou desanimado no trabalho naquele dia, fato que não passou despercebido a Jerry que estava acostumado a ver seu patrão a todo vapor todas as manhãs, atendendo clientes, respondendo a e-mails e dando ordens por todos os lados. E vê-lo sentado em sua mesa, com uma xícara de café nas mãos, olhando para o nada não era a imagem usual dele que tinha na cabeça.
- Problemas, Chefe?- Jerry perguntou, tentando uma abordagem indireta.
- Ainda não sei. - Gilbert respondeu distraído, fazendo Jerry entender que não era uma boa hora para conversar. Ele saiu da sala de Gilbert, e foi para a sua, mas logo teve que fazer o caminho de volta até o seu chefe para lhe dar um recado, que a recepcionista da empresa acabara de lhe passar:
- Desculpe-me te incomodar , mas seu pai acabou de chegar.
Gilbert olhou para Jerry um tanto surpreso, pois não era do feitio de John vir para a empresa sem avisar antes. Uma ruga de preocupação se formou em sua testa ao dizer:
- Obrigado, Jerry.
- Por nada. - Jerry respondeu de forma educada e voltou para seus afazeres, enquanto Gilbert esperava pela chegada do pai, o que não demorou a acontecer, pois após dez minutos que Jerry tinha avisado sobre a presença de John Blythe na empresa, ele surgiu na sala de Gilbert. com seu sorriso simpático de sempre, e disse:
- Bom dia, filho.
- Bom dia, papai. Aconteceu alguma coisa?- Gilbert perguntou após apertar a mão que John lhe estendia.
- Não. Eu sei que apareci de repente, mas, como fui visitar sua mãe, resolvi passar por aqui e te convidar para almoçar comigo depois.
- Acha que foi uma boa ideia visitar a mamãe? O senhor sabe como ela anda se sentindo a respeito do seu namoro.- Gilbert perguntou, já imaginando que a mãe ligaria para ele mais tarde, contando desse encontro.
- Apesar de estarmos separados, eu me preocupo muito com ela, Gilbert. Eu continuo amando sua mãe. Isso não mudou, mas vivermos juntos se tornou insuportável e então a melhor coisa a fazer foi nos separarmos, antes que nos magoássemos de forma irreparável.
- Mas, ela não pensa assim, papai, e sofre muito com tudo o que aconteceu até hoje.- Gilbert disse, sentando em sua mesa novamente.
- Ela vai aprender a aceitar isso com o tempo.- John disse como se a separação dos pais tivesse acontecido outro dia, e não a mais de seis anos. Entretanto, o rapaz não comentou nada, pois sabia que era inútil discutir com o pai um assunto já bem resolvido na cabeça de John Blythe.
- Você é que não parece tão bem assim. - John observou.
- Estou tentando resolver algo dentro da minha cabeça.- Gilbert respondeu, inclinando seu corpo para frente, e apoiando os cotovelos na mesa.
- Tem a ver com a filha de Bertha Cuthbert?- John perguntou, se sentando de frente com Gilbert.
- Como sabe disso, papai?
- Por que você sempre foi transparente para mim. E no dia em que me falou sobre ela, eu vi um brilho diferente nesses olhos.- John disse, passando a mão pelos cabelos.
- Ela é especial, mas eu ainda não sei o que ela significa na minha vida. Estou tentando descobrir.- Gilbert sorriu meio sem jeito.
- Já tentou se aproximar dela para descobrir?
- É complicado. Anne está noiva e não me permite chegar muito perto. É quase como se tivesse medo de mim. - ele disse, pegando a caneta e começando a desenhar corações no papel que estava sobre sua mesa.
- Isso pode significar várias coisas. Você sabe disso.
- Sim, como pode significar que ela me odeia. - ele disse, aborrecido com esse pensamento. Não queria que houvesse sentimentos negativos entre eles que dificultassem ainda mais sua aproximação com Anne.
- Acho pouco provável. Você sempre foi uma ótima pessoa, e não consigo imaginar ninguém tendo motivos para te odiar.- John disse com franqueza ao que Gilbert respondeu:
- Eu queria ter essa certeza.
- Eu vou dizer o que vamos fazer.- John disse como se tomasse uma súbita decisão.- Nós vamos sair para almoçar, e depois vamos fazer uma visita para Bertha Cuthbert.
- Com que pretexto, papai?- Gilbert perguntou com a testa franzida, tentando imaginar o que o pai estava aprontando.
- Não precisamos de nenhum. Bertha foi minha amiga por muitos anos, vamos dizer que quero reatar nossos laços de amizade. Você sabe onde ela mora?
- Sei sim, mas não sei se é uma boa ideia.- Gilbert disse, preocupado com o fato de Anne se aborrecer com isso.
- É claro que é. Vou dar uma volta pela empresa, e passo aqui ao meio dia para sairmos para almoçar. - John disse com aquela teimosia que Gilbert conhecia a anos. Ele não mudaria de ideia, assim só lhe restou concordar.
Enquanto o dia seguia de forma satisfatória para Gilbert Blythe, para a ruivinha da loja da esquina as horas pareciam se arrastar. Era a primeira vez em tempos que desempenhava de mau humor algo que sempre fora fonte de prazer para ela.
Cole e Diana se entreolharam o dia todo, pois cada vez que faziam uma pergunta para Anne, ela respondia por monossílabos, e como ela não dava espaço para perguntarem o que tinha acontecido, ambos os amigos ficaram sem entender a causa do comportamento tão estranho de sua chefe.
Eles sequer podiam imaginar como Anne estava se sentindo frustrada por dentro. Encontrar Gilbert Blythe naquela manhã tinha sido a principal causa de sua irritação, e nem tivera um motivo aparente. Era só que não conseguia lidar com a maneira como ele a fazia se sentir, e fingir o tempo todo que seu corpo não queria algo que ela sabia que não saía de sua cabeça a estava deixando maluca.
Quando seu dia no trabalho terminou, Anne suspirou aliviada por poder ir para casa e finalmente relaxar. E assim, ela deixou que Cole e Diana fechassem a loja, pois não suportava mais o peso daquele dia que estava piorando seu humor a cada segundo.
Assim que abriu a porta da sala de sua casa, depois de ter caminhado até ali, Anne ouviu vozes e estranhou, porque não se lembrava de a mãe ter lhe dito que receberiam visitas, e nos últimos tempos, os amigos e parentes, sabendo do estado depressivo de Bertha, raramente apareciam sem avisar antes.
Sua surpresa foi imensa quando deu de cara com Gilbert sentado na sala com uma xícara de café nas mãos, acompanhado de um homem mais velho que pelos traços faciais parecidos com o do rapaz, ela deduziu que seria o pai dele, e sua mãe sorridente totalmente envolvida em uma conversa animada com os dois homens.
Quando a viu, Bertha continuou a sorrir e disse:
- Querida, que bom que chegou. Olha quem veio até aqui para nos visitar. Esse é John Blythe, pai de Gilbert e um velho amigo.
- Muito prazer, minha querida. Tenho ouvido muito falar sobre você. E vejo que meu filho tem razão, você é tão bonita quanto sua mãe. - John disse de forma galante, beijando Anne no rosto.
- O prazer é todo meu.- Anne respondeu, tentando sorrir. Depois, ela se voltou para o homem que foi a causa de seu mau humor o dia todo e disse:- Boa tarde, Gilbert.
- Boa tarde, Anne.- ele respondeu, lhe lançando um olhar tão profundo, que ela sentiu sua garganta secar. Aborrecida consigo mesma por não conseguir não se deixar afetar por ele, Anne tentou ignorar o tremor das mãos quando aceitou a xícara de café que a mãe lhe ofereceu. Ela se sentou no sofá em frente a Gilbert e participou precariamente da conversa que estavam tendo ali, pois não quis parecer mal-educada, embora tudo o que desejasse fosse ir para o próprio quarto e não sair mais de lá até o dia seguinte. De vez em quando, ela sentia o olhar do rapaz sobre ela, mas a ruivinha tentou não dar muita atenção aquele fato, pois não queria dar espaço para que ele começasse a flertar com ela.
A gota d'água aconteceu quando Morgana passou por ela na sala e foi se aninhar no colo de Gilbert, e por mais que a ruivinha a chamasse, a gata a ignorava, preferindo manter toda sua atenção no rapaz que lhe acariciava a cabeça, como se tivesse também se enfeitiçado pelo olhar amendoado de Gilbert.
A indignação tomou conta de Anne, que amaldiçoava aquele homem que tinha entrado em sua vida sem ter sido convidado, e parecia não ter pressa nenhuma em sair dela. Sentindo que não aguentaria ficar ali mais nenhum segundo, ela disse:
-Se me dão licença, eu preciso responder a alguns e-mails em meu quarto, mas fiquem à vontade. - e saiu da sala, fingindo não ver a testa franzida de Gilbert e o olhar interrogativo de sua mãe que sabia que ela nunca trazia trabalho para casa.
Já em seu quarto, ela sentia sua raiva ferver. Como ele ousava aparecer em sua casa com o pai dele a tiracolo, sem sequer tê-la avisado antes? Aceitar ser amiga dele não lhe dava o direito de pensar que poderia aparecer ali quando bem quisesse, como se já fossem íntimos de anos. Teria que impor certos limites antes que aquilo saísse do controle. Gilbert realmente a desestabilizava, e Anne precisava ficar longe dele o máximo que pudesse.
Ela foi até o banheiro para lavar as mãos e rosto, tentando acalmar sua agitação. Assim, Anne tirou o anel de noivado do dedo e o colocou na borda da pia, enquanto higienizava suas mãos com água e sabonete. Quando ela foi secar as mãos, por acidente, esbarrou no anel que para seu desespero escorregou e caiu no ralo da pia. Não sabendo como retirá-lo de lá, ela desceu as escadas quase correndo, e disse para Gilbert que continuava a conversar com sua mãe:
-Será que você poderia me ajudar com uma emergência em meu quarto?
- Claro. - Ele respondeu, seguindo-a escada acima, e deixando John fazendo companhia para Bertha. - O que foi? - Gilbert perguntou, assim que entraram no quarto dela, observando o rosto aflito de Anne.
- Meu anel de noivado caiu no ralo da pia, e não sei como tirá-lo de lá, e se eu não recuperá-lo, Roy vai ficar aborrecido comigo.- Gilbert quase riu de satisfação ao receber aquela informação, e quase ficou tentado a dizer que não tinha como recuperar o anel, mas, ao olhar para Anne naquele estado, ele disse:
- Vou ter que retirar o cano da parte de baixo da pia, no entanto, você terá que fechar o registro de água. Sabe onde fica?
- Sei sim.- Anne respondeu visualmente aliviada. Ela fez o que Gilbert pediu, e voltou para o banheiro onde o rapaz tentava retirar a parte inferior do cano que parecia estar travada.
- Quer ajuda? - Anne pergunto, se ajoelhando ao lado dele no chão do banheiro.
- Acho que dou conta. - ele disse, puxando o cano de uma vez, ao mesmo tempo que um jato de água o atingia e a Anne, deixando-os encharcados e fazendo-os gritar de surpresa.
- Você não fechou o registro? - Gilbert perguntou, enquanto lutava para conter o fluxo de água manualmente.
- É claro que fechei.- Anne disse, sentindo a água escorrer de seu cabelo, enquanto a frente da blusa ficava arruinada.
- Então, é melhor verificar. - ele gritou, com a água ainda espirrando em seu rosto e roupas.
Anne correu de volta para o local onde ela tinha fechado o registro de água, e percebeu que tinha se equivocado e fechado o do banheiro da mãe, e não o dela. Assim, após corrigir seu erro, ela foi ao encontrar de Gilbert se sentindo envergonhada por ter causado aquela situação e disse:
- Me desculpe. Você tinha razão. Eu fechei o registro errado.
- Tudo bem. Eu encontrei seu anel. - ele disse, lhe estendendo o objeto brilhante, e só naquele instante foi que ela percebeu que ele tinha tirado a camisa.
Seus olhos indiscretos correram por cada parte daquele abdômen firme e desenhado, e ela teve que se controlar para não estender a mão e tocá-los apenas para sentir a dureza de cada músculo, ao mesmo tempo em que ela percebia o olhar dele grudado em seu corpo, e ao lançar um olhar para o espelho do banheiro, ela percebeu que sua blusa branca estava quase transparente, e seu sutiã por baixo também, dando a Gilbert uma clara visão de seus seios. Com o rosto em chamas, ela disse:
- Vou pegar uma camisa seca para você. - assim, ela saiu do banheiro apressada, trocou a blusa branca por uma camiseta preta, e pegou uma das camisas de Roy que ele deixara ali da última vez que dormira em sua casa, e a entregou para Gilbert, que ao vê-la de volta com a peça de roupa na mão disse:
- Não precisa, Anne.
- É claro que precisa. Fui eu quem causou toda essa situação. O mínimo que posso fazer é te oferecer roupas secas. - sem dizer mais nada, o rapaz vestiu a camisa que ela lhe estendia, e depois fixou os olhos no rosto de Anne como se estivesse hipnotizado. Sentindo-se agitada por estar sendo observada por Gilbert daquela maneira, ela perguntou:
- O que foi? Por que está me olhando assim?- ele se aproximou um pouco mais, deixando o rosto a poucos centímetros do dela, e afastando uma mecha de cabelo molhada do rosto de Anne, ele respondeu com a voz rouca:
- Você é maravilhosa.- e então seus olhos se prenderam um no outro, suas respirações se chocaram, os lábios a poucos centímetros de se colarem, seus corações batendo rápido, porque desejavam aquilo desde que se conheceram, sentindo a necessidade de realizar aquela vontade que já tinha tomado completamente conta de suas mentes. Assim, Gilbert se inclinou para frente e quando sua boca estava quase sobre a dela, eles ouviram a voz de Bertha vir do andar de baixo que dizia:
- Anne, o Roy está aqui.-
Decepcionado, Gilbert encostou sua testa na de Anne, e por um segundo ambos ficaram de olhos fechados, esperando que suas respirações se regulassem.
Anne foi a primeira a abrir os olhos, e dizer:
- Preciso descer.
- Está bem.- ele respondeu sem tirar os olhos dos dela, fazendo-a sentir o impacto da intensidade do desejo que havia ali, percebendo a tempo que se sentia do mesmo jeito, e saindo do quarto apressada antes que sucumbisse ao que via nos olhos de Gilbert, e acabasse magoando o seu noivo irremediavelmente.
Ela encontrou Roy a sua espera, que lhe beijou os lábios de maneira suave, para logo em seguida seu olhar cair em Gilbert que vinha logo atrás dela e perguntar surpreso.;
- Anne, o que Gilbert Blythe faz com a minha camisa?
-Ele estava me ajudando com um problema na pia do banheiro, e acabou se molhando. Então eu lhe emprestei sua camisa. Espero que não se importe. - ela explicou sem coragem de encarar Gilbert, que tinha o rosto vermelho de raiva por estar vestindo uma peça de roupa do homem que considerava seu rival sem saber daquilo antes, e disse para o pai:
- Eu esqueci que tenho um compromisso. Podemos ir, papai?-
- Claro que sim, meu filho.- John Blythe respondeu, e em seguida disse para Bertha. - Foi um prazer revê-la, Bertha.
- O prazer foi meu. Espero que volte outras vezes. - Bertha respondeu sorrindo.
- Pode apostar que sim, minha querida.- John disse, lhe dando um beijo no rosto, gesto imitado por Gilbert. Em seguida, John se despediu de Anne e Roy de forma simpática, enquanto Gilbert só lhes disse um até logo de forma quase ríspida.
E enquanto via Gilbert atravessar a porta com seu pai por companhia, a ruivinha se perguntava por que ele parecia tão zangado.
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