Capítulo 19- Tempo de recomeçar
ANNE E GILBERT
O miado de Morgana em sua porta fez Anne gemer baixinho, e olhar no relógio. Eram cinco da manhã e fazia um frio tenebroso, daqueles em que se pudesse não se levantaria da cama a manhã toda.
Sua gata tinha esse hábito de começar o dia quase de madrugada, e achava que sua dona tinha que se levantar junto com ela. Se tinha uma coisa que Anne detestava era acordar cedo em dias de inverno sem se preparar psicologicamente para ele. Ela cobriu a cabeça e tentou ignorar o miado sentido que parecia ecoar pelo quarto, por fim desistiu, se levantou quase cambaleante, abriu a porta e deixou que ela saísse. Depois ela foi até a janela e deu uma espiada pela fresta, observando que lá fora uma camada grossa de neve cobria toda a rua.
Era uma visão romântica, digna de um cenário de romance. A luz suave e natural da manhã que ainda nem tinha realmente nascido, se misturava com os telhados cobertos pelos flocos que caíam do céu durante a noite, as árvores com seu aspectos ressecados por conta do frio intenso, mantinham em seus ganhos gotas congeladas que brilhavam como diamantes naquele instante.
Talvez se voltasse a escrever, uma paisagem assim seria perfeita para fazer parte de um capítulo cheio de fogo e paixão, e sem querer aquele pensamento a levou a Gilbert, fazendo-a suspirar profundamente, e voltar para a cama.
Ela se cobriu com o edredom quentinho, e pensou no namorado com quem falava todas as noites, mesmo que tivessem passado o dia juntos. Era um hábito ao qual se apegara rapidamente, e do qual sentia falta se por algum motivo não conseguissem se comunicar daquela maneira, e também era um tipo de intimidade que nunca tivera com Roy, pois o ex-noivo nunca tinha tempo para conversas íntimas no telefone, e pensando sobre tudo aquilo naquele momento, parecia que seu relacionamento com Roy tinha acontecido a séculos, pois mal se lembrava do rosto do rapaz.
Contudo, uma coisa não podia negar para si mesma. Ela era louca por Gilbert. Nunca se apaixonar por alguém tinha sido tão fácil. Ela entrara de corpo inteiro naquele relacionamento, e tinha medo das consequências disso, pois seria extremamente doloroso se não desse certo, e ela torcia para que ela e Gilbert ficassem assim juntos até estarem velhinhos para caminharem sozinhos, e tivessem que se apoiar um no outro.
Talvez fosse prematuro pensar em uma vida com Gilbert a longo prazo, mas a verdade era que não conseguia se ver com outra pessoa. Eles se encaixavam tão bem, seus pensamentos eram parecidos, embora fossem diferentes em temperamento, pois Gilbert era muito mais maleável em alguns assuntos, e bastante flexível no que dizia respeito à relação dos dois. Ele abria mão facilmente de algo apenas para vê-la feliz, e Anne apreciava demais a boa vontade e paciência que ele demonstrava com suas mudanças de humor, pois ela tendia a ficar irritada de uma hora para outra com pequeninas coisas e era assim desde criança.
Provavelmente andava lendo romances demais, e o último que lera que se intitulava Como eu era antes de você, apesar de não ter um final feliz, a fez questionar a si mesma e se perguntar quem ela fora antes de Gilbert. Realmente não conseguia se lembrar, era como se todos aqueles anos com Roy tivessem sido apagados de sua mente, como se tivesse sido abduzida por uma cápsula do tempo, viajado por uma era sideral, e quando voltou ao presente, tivesse renascido como uma pessoa nova.
Com certeza, ela gostava muito mais de quem era agora. Uma mulher resolvida em todas as áreas, e apesar de ainda ter que lutar contra certos medos que a forçavam a ser cautelosa em sua vida amorosa, o que era normal após um relacionamento longo de três anos ter fracassado, Anne sentia que não lhe faltava mais nada.
Gilbert lhe dava tudo o que precisava, e em questões íntimas muito mais. Ela até admitira que Cole estivera certo quando dizia que no passado ela fora sexualmente frustrada, pois depois de passar noites e noites sendo amada por Gilbert Blythe, Anne descobrira que definitivamente Roy nunca soubera fazê-la se sentir tão satisfeita e realizada como mulher. Gilbert tinha esse mérito, e esse era um de uma série de fatores que a fazia se sentir ligada a ele como nunca se sentira com qualquer pessoa antes.
Anne se virou de lado e olhou mais uma vez para o relógio. Ainda era cedo para se levantar e tomar café, por isso deveria tentar conciliar o sono e voltar a dormir até o horário que normalmente acordava para se arrumar para o trabalho, mas a única coisa que permanecia em sua mente era a imagem de seu namorado e seu inconfundível sorriso.
Como queria que ele estivesse ali, deitado a seu lado com seu rosto afundado em seus cabelos, e as mãos em sua cintura, segurando-a tão perto de si que seria impossível não sentir cada músculo moldado ao seu. Eles dormiam assim toda vez que passavam a noite juntos, e havia mais do que sensualidade na maneira como Gilbert a abraçava depois que faziam amor. Havia carinho, proteção e cuidado, e como ela apreciava esses pequenos detalhes dele, porque lhe dava a sensação de estar em casa, como um bom lar deveria ser cheio de confiança e conforto.
Como se estivessem na mesma sintonia, uma mensagem de Gilbert chegou com um emoji de bom dia, muitos corações e beijos. Na mesma hora ela discou o número dele e esperou que ele atendesse, ansiosa para ouvir-lhe a voz. Porque ele estava acordado tão cedo naquele frio, ela não conseguia imaginar, mas estava feliz que pudesse falar com ele antes de ir para o trabalho já que aquilo era tão raro de acontecer.
-Oi, pensei que ainda estivesse dormindo.- ela ouviu-o dizer e respondeu:
-Eu estava até Morgana me acordar com seu hábitos matinais de felino. - só mesmo Gilbert para deixá-la de bom humor com todo aquele frio. Ela nascera no país errado, só podia ser. Detestava o inverno tanto quanto amava o verão e a primavera, e já estava contando os dias para aquela estação miserável acabar.
-Que pena. Hoje está uma manhã incrível para ficar na cama. - ele afirmou.
-Concordo, e se eu estivesse acompanhada seria ainda melhor. - ela disse de forma direta.
-Eu penso da mesma maneira. Mas ontem te convidei para passar a noite comigo e você não aceitou. Se não tivesse recusado, tenho certeza de que estaria devidamente acompanhada, e de bônus teria seu café da manhã servido na cama.- ele falou deixando que ela notasse o tom de divertimento na voz dele.
-Você sabe porque recusei. Minha mãe anda estranha essa semana, e fiquei preocupada em deixá-la sozinha. - Anne explicou. Bertha andava em um humor complicado nos últimos dias e embora toda vez que Anne perguntasse, ela respondesse que estava bem, a ruivinha a conhecia melhor que ninguém e sabia que alguma coisa a estava incomodando.
-Eu sei, e por isso não insisti tanto.- Gilbert respondeu.
-Bem, já que está acordado e eu também porque não vem até em casa? Falta bastante tempo para irmos trabalhar, e eu não me incomodaria em dormir umas duas horas agarradinha com meu namorado. E depois tomaríamos nosso café na cama como sugeriu. - Era um convite ousado que nunca tinha feito a ele antes, mas sentia-se perfeitamente bem após tê-lo verbalizado em voz alta.
-Eu adoraria, mas estou na academia nesse momento, e ainda tenho uma hora e meia de treino pela frente.- Gilbert respondeu, e foi aí que Anne entendeu alguns ruídos que estava ouvindo durante a ligação.
-Como você consegue ir para a academia a essa hora e com esse frio?- ela perguntou espantada pela coragem dele, pois de sua parte ela ainda estava lutando com a sensação térmica baixa que a fazia se enrolar em dois edredons ao mesmo tempo.
-Tenho esse hábito a anos. Me deixa com mais disposição para o trabalho. Sem contar que preciso manter meu físico para a namorada linda que eu tenho.- ele disse com aquele tom de voz mais íntimo que a deixava elétrica. As cinco da manhã Gilbert Blythe já conseguia colocar ideias na sua cabeça ao imaginá-lo todo suado e sem camisa, exercitando aqueles músculos incríveis. Como ia conseguir voltar a dormir depois daquilo?
-Seu físico já é perfeito, Sr. Blythe. Não que eu esteja reclamando de seu gosto por exercícios, mas realmente eu preferia que estivesse aqui na minha frente para eu poder verificar se seus abdominais e levantamento de pesos estão fazendo o seu trabalho como devem. - ela se sentia ousada o suficiente para falar aquilo tudo por telefone, mas não podia garantir que teria a mesma coragem se tivessem frente a frente. Era mais fácil para ela se expressar quando não tinha que encará-lo diretamente nos olhos.
- Você também tem o corpo perfeito, srta. Cuthbert, e posso visualizar cada curva sua como se estivesse vendo-a pessoalmente agora , é uma pena que tocar você em minha imaginação não é o mesmo que te tocar pessoalmente. - Anne ouviu a respiração pesada de Gilbert do outro lado da linha, e soube que seus pensamentos estavam em sintonia. Como ela havia mudado em menos de dois meses. Quem diria que no passado a garota que enrubecia toda vez que ouvia alguém falar abertamente de sua vida íntima, estaria falando de sexo com seu namorado às cinco da manhã? Cole Mackenzie ficaria orgulhoso.
-Você só não está tocando de verdade porque não quer. - ela disse antes que perdesse a coragem.
-O que você está vestindo? - ele perguntou de repente, fazendo-a rir de canto e respondeu:
-Uma camisola azul claro.
-Comprida ou curta?- ele tornou a perguntar, fazendo com que Anne sorrisse mais uma vez antes de responder:
-Curta.
-O que está usando embaixo dela? - Anne prendeu a respiração antes de responder, tentando entender o que o namorado tinha em mente com todas aquelas perguntas íntimas.
-Uma lingerie preta de renda com detalhes de rosas na cor branca nas laterais. - Anne pensou ter ouvido Gilbert gemer baixinho do outro lado da linha, mas não pôde ter certeza, pois logo ele tornou a falar com ela com a voz completamente normal:
-Preciso terminar a próxima série de exercícios. Ligo para você mais tarde.
-Está bem. - ela respondeu, se sentindo decepcionada. Ele tinha despertado os seus sentidos, e depois a deixava sozinha com sua imaginação. Típico de Gilbert Blythe, provocar e deixá-la naquela espera ansiosa até o próximo encontro.
-Até mais tarde.
-Até mais tarde. - Anne respondeu, ouvindo-o desligar do outro lado.
Ela tentou voltar a dormir, mas vinte minutos tinham se passado e nada dela conseguir pegar no sono. Por esta razão, ela se levantou, desceu as escadas e foi até a cozinha tomar um copo de leite quente com mel. Quando estava passando pela sala, o toque suave da campainha a fez franzir a testa e pensar em quem poderia estar ali aquela hora da manhã naquele frio insuportável.
Com cautela, Anne abriu a maçaneta da porta, e ficou extremamente surpresa ao ver Gilbert parado do lado de fora. Ela o fez entrar, e disse:
-O que você...- ela não chegou a terminar suas palavras, pois Gilbert a encostou na porta, atacando seus lábios em um beijo selvagem que a fez agarrá-lo pelo pescoço, enquanto as mãos dele desciam por sua camisola, apalpando todas as suas curvas. Quando não puderam mais continuar, Gilbert disse com sua testa grudada na dela.
-Me desculpe vir sem avisar, mas fiquei louco imaginando você na lingerie que me descreveu e tive que vir até aqui pessoalmente para vê-la com meus próprios olhos.
-Eu não acredito que está aqui. - ela disse, se perdendo nos olhos castanhos, nos lábios vermelhos por conta dos beijos que trocaram, e naquele homem todinho à sua frente. Estava de quatro por ele, e nem adiantava negar, pois seu coração já batia rápido demais, e sua pressão sanguínea tinha subido de maneira perigosa.
-Você me desafiou a vir, se lembra? Me disse que eu estava perdendo tempo imaginando quando podia tocar com as próprias mãos, então viu cobrar o que me prometeu.- ele a agarrou pela cintura, colando seus corpos instantaneamente. Ela jogou os cabelos para trás, enquanto encarava aquele rosto desenhado a mão, e disse fazendo um carinho no peito dele:
-Você é louco. O que fez para chegar aqui em tempo recorde? - ela calcularia mais de uma hora da academia que ele costumava frequentar até sua casa.
-Não queira saber. Acho que ultrapassei todos os sinais vermelhos que encontrei pela frente, e olha que sou um excelente motorista que respeita todas as leis de trânsito. Mas a culpa é sua, minha feiticeira linda. Me induz a fazer coisas que até mesmo eu duvido.- os lábios de Anne se abriram em um sorriso, ao se imaginar a musa inspiradora de Gilbert Blythe, e segurando as mãos fortes entre as suas, ela quase sussurrou:
-Já que veio até aqui, vou cuidar para que valha a pena todo o seu esforço. Vamos para o meu quarto. - eles assentiu, a seguiu escada acima, e quando Anne fechou a porta com Gilbert atrás dela, ele a encostou outra vez contra ela e a beijou. Dessa vez, apesar do beijo ser intenso, foi mais controlado por parte do rapaz, e ele permitiu que ela conduzisse o ritmo como desejava, pois estava totalmente envolvido no encanto daquele ruiva espetacular. Quando Anne por fim descolou os lábios dos dele, o rapaz pediu:
-Agora eu quero ver com os meus próprios olhos se sua lingerie é como imaginei. - com um olhar divertido Anne deu um passo para trás e tirou a camisola rapidamente, deixando que Gilbert tivesse uma visão de seu corpo coberto com o pedaço de renda que ele tanto fantasiou a respeito.
O olhar dele passeando por cada parte sua, fez Anne sentir um calor insuportável começar a subir por seus membros inferiores até chegar a zona de perigo um pouco abaixo de sua barriga
-Por Deus,Anne! Eu não estou acostumado a ser provocado a essa hora da manhã, mas confesso que essa coisinha que está vestindo é realmente uma tentação a todos os meus sentidos masculinos.- Gilbert disse, passando de leve a ponta dos dedos pela renda lateral do conjunto que Anne usava.
-Então, fui aprovada? - ela perguntou, lançando um olhar maroto a Gilbert.
-Totalmente. Precisa usar algo assim quando for passar a noite comigo, apenas para me dar o prazer de tirá-lo de você. - o rapaz respondeu com a voz tão quente, que Anne já sentia sua pele entrar em combustão. Então, ela o olhou de cima embaixo e falou:
-Agora é a hora da minha recompensa. - e em seguida se aproximou do rapaz, levando a mão a barra da camiseta que ele usava, a levantou rapidamente, fazendo com que Gilbert a tirasse em questão de segundos. E quando o viu seminu a sua frente, a pele brilhando contra a luz do quarto, a primeira coisa que fez foi levantar as mãos para tocá-lo, mas antes que alcançasse aquela parede de músculos rígidos, Gilbert segurou o seu pulso e disse:
-Eu estou todo suado.- Anne inclinou a cabeça meio centímetro para que ficasse na altura do ouvido de Gilbert, e afirmou:
-Deve estar uma delícia. - e assim, após palavras tão surpreendentes e de certa forma excitantes, ele permitiu que ela o tocasse, sentindo-a apertar e acariciar toda a região de seu peito e abdômen, enquanto ele tentava a todo custo controlar a direção de seus pensamentos. Anne era um perigo para sua razão, e ele não pensava direito quando estava com ela.
Como um adolescente, ele ficara sonhando com ela depois que desligara o telefone, e quando se deu conta já estava dentro do carro indo em direção a casa dela. Era a primeira vez que uma mulher o arrancava de um treino pesado na academia somente para vê-la, e ter consciência da atração que Anne tinha sobre ele e a maneira como ela conseguia fazê-lo agir como se não tivesse controle nenhum sobre suas próprias ações o fazia temer para onde aquilo tudo o levaria.
Gilbert estava a ponto de admitir que a amava em voz alta, mas ainda tinha dificuldade em dizer. Ele tinha certa resistência em encarar o fato de que o único sentimento que jurara nunca experimentar na vida criara raiz em seu coração, e prometia se tornar mais forte que qualquer coisa que ele já tivesse sentido antes.
Lutara tanto para não gostar tão profundamente de alguém, e por um certo tempo ele realmente tinha conseguido se manter neutro em tudo o que envolvesse um relacionamento mais profundo com uma pessoa, mas como um tolo que era caira na armadilha de olhos azuis que o flechara como um cupido desde a primeira vez, e embora estivesse morrendo de medo, ao mesmo tempo Gilbert queria viver aquele sentimento com Anne em toda sua complexidade.
-Tem a minha total aprovação para continuar com os exercícios matinais, Sr. Blythe. Esses seus músculos são a perfeição na terra. Nunca pensei que teria um namorado tão gato.- ela o enlaçou pelo pescoço enquanto os braços dele lhe rodeavam a cintura, e ela pode sentir nesse momento em que a renda de sua lingerie pressionava a pele nua do peito dele que a temperatura do corpo de Gilbert estava tão elevada quanto a dela.
Ele a fez se deitar na cama, sustentando o peso do próprio corpo com um braço de cada lado da cabeça dela e confessou:
-E eu nunca pensei que teria uma namorada tão gostosa.- e em seguida, o rapaz distribuiu beijos pelo pescoço de Anne, moldando as curvas dela com seus dedos firmes, enquanto seus lábios não poupavam nenhuma parte do rosto dela, traçando com o língua o formato da boca feminina, que ansiosa se entreabria, louca pela invasão da dele que lhe provocaria milhões de sensações prazerosas e fortes.
Gilbert a provocou por um tempo antes de dar a Anne o que ela queria, mas quando ela avançou para a calça de ginástica que ele usava, tentando arrancá-la do corpo dele, o rapaz entendeu qual era a intenção da namorada e a barrou dizendo:
-Calma, querida. Eu não vou tocá-la mais do que fiz até agora, pois o que tenho em mente para nós dois não pode ser feito aqui com sua mãe dormindo ao lado . E a não ser que suas paredes sejam a prova de som, eu prefiro que não percamos a cabeça nesse momento. - Anne sentiu a frustração atingi-la e não disse nada por alguns segundos, pois embora sua mente estivesse completamente encantada pela consideração do rapaz, seu corpo com certeza o odiava com todas as forças. Porém, seu suspiro não passou despercebido ao rapaz que a puxou para debaixo do edredom e completou. : Venha, vou colocá-la para dormir. Você disse que queria minha companhia, e aqui estou, todo seu.
-Senti muito sua falta.- ela disse, enterrando a cabeça no ombro dele, enquanto ele acariciava seus cabelos e lhe abraçava com carinho, trazendo-a para perto de seu corpo.
-Eu também. Prometo que vou compensar isso no próximo fim de semana. Vamos fazer algo especial juntos.- Gilbert respondeu. A vida dele naqueles dias estava cheia de compromissos, mas não deixava de falar com Anne um só dia, embora soubesse que não compensava a falta da presença física.
Apesar de não ser exatamente isso que tinha em mente para os dois, Anne decidiu aproveitar a presença do namorado que havia mudado um pouquinho sua rotina daquela manhã para estar com ela. Assim, ela enroscou suas pernas no meio das dele, colocou a cabeça encostada no peito dele, e com as batidas do coração do rapaz contra o seu, ela adormeceu em segundos. Estava no meio desse sonho bom, quando um beijo na testa a acordou. Ela detestou ter seu sono interrompido, e tentou ignorar outro beijo em sua testa que pareceu mais insistente que anterior, porque o calor contra seu corpo era convidativo demais.
-Vamos, Chapéuzinho, acorda. Preciso ir.- ele sussurrou com a respiração próxima ao rosto dela, fazendo cócegas em sua pele.
-Não precisa não. - ela resmungou. Por nada nesse mundo, deixaria que ele fosse embora antes das oito da manhã.
-Querida, estou falando sério. Preciso ir para casa tomar banho e ir para o trabalho. - ele explicou, desejando ficar, mas seu dia ia começar complicado, e não podia se atrasar, pois o primeiro compromisso era extremamente importante.
-Por que não toma banho aqui? - ela sugeriu, logo imaginando que poderia se juntar a ele, pois tomar banho juntos era ainda uma das coisas que não tinham feito, mas o rapaz frustrou seus planos quando disse:
-Eu ainda teria que ir para casa trocar de roupa.
-Então, acho que está na hora de começar a deixar algumas roupas aqui.- ela sugeriu, abraçando-o pelo ombro, sentindo como era agradável ficar com ele naquela posição.
-Você também precisa deixar algumas em meu apartamento, pois assim não terá desculpa nenhuma para não ficar a noite toda.- Gilbert respondeu, percebendo que se o relacionamento evoluisse para aquele ponto, isso queria dizer que estava ficando sério, e ele não sabia como se sentir a esse respeito. Parecia que entre eles tudo andava acontecendo tão rápido demais, e se pensasse bem, desde o início a velocidade de seus sentimentos por ela o surpreenderam e agora não sabia como colocar um freio em suas próprias emoções.
-Posso pensar sobre isso se me convidar mais vezes para ficar em seu apartamento. - Anne respondeu, passando a ponta do nariz pela lateral do rosto dele.
-Você não precisa de convite, Anne. Basta decidir que quer ficar. - Gilbert respondeu com a voz suave, atraindo-a para um beijo, que durou mais tempo do que deveria, pois quase o fez mudar de ideia sobre voltar para casa naquele instante.
Por isso, ele terminou o beijo, e se sentou na cama, pegando sua camiseta que estava jogads sobre o tapete do quarto. Ao vesti-la, seu olhar caiu sobre o livro de cabeceira de Anne e disse:
-Você começou uma nova leitura, pelo que vejo. Garota exemplar é um romance bastante complexo, não sabia que apreciava livros que exploram o lado psicológico dos personagens.
-Eu leio qualquer coisa que me caia nas mãos. Esse livro foi indicação do Cole. Ele o leu e ficou uma semana inteira falando sem parar dessa história, e então decidiu arriscar.- ela explicou, se sentando ao lado do namorado.
-É uma ótima história, e mostra com clareza quais são as consequências de um amor obsessivo, as emoções levada ao limite até que se perca a razão.- Anne o olhou com um sorriso indecifrável, e disse:
-Se o cara da história for parecido com você, Blythe, então eu entendo porque a garota do livro desenvolveu um amor doentio por seu marido. - surpreso com as palavras de Anne, Gilbert perguntou:
-Você quer dizer que minha personalidade inspira paixões obsessivas? Nunca pensei em mim mesmo como um imã para problemas. - Gilbert disse aquilo como certo humor, porque na verdade nunca tivera relacionamentos longos para colocar aquela teoria à prova.
-Não, seu bobo. Seu ar de príncipe encantado e essa aparência perfeita faz qualquer garota ficar louca por você. - logo ela já estava sentada no colo dele, e por mais que Gilbert quisesse bancar o bom rapaz por respeito a Bertha e sua casa, era bem difícil resistir a linda ruiva em seus braços apenas de lingerie.
-Então você é louca por mim? - ele perguntou de olhos fechados, enquanto Anne o beijava por todo rosto.
-O que você acha?- ela perguntou de volta, alcançando os lábios dele sem nenhuma dificuldade, e demonstrando assim toda sua paixão por ele, pois logo as mãos dela já estavam embaixo da camiseta do rapaz, tocando-o com tanta intimidade e desejo que Gilbert sentiu seu corpo pegar fogo. Já estava atrasado para tudo o que tinha que fazer naquela manhã, mas simplesmente não conseguia deixá-la. Anne tinha um jeito de envolvê–lo que varria qualquer outro pensamento de sua mente. Ele perdia o foco, a direção, enquanto seus sentidos apenas o faziam ter consciência da mulher em seus braços e de como ela o fazia se sentir.
-Querida, não faça isso comigo. - ele disse quando Anne abandonou seus lábios para seguir para a região do seu pescoço.
-Por que? Não estou fazendo nada que você não queira.- ela sussurrou, deslizando suas mãos cada vez mais, até que parou em cima de sua calça de ginástica, na região mais sensível de seu corpo. Ele sequer conseguiu responder ao sentir os dedos delicados acariciando-o devagar e depois aumentando a pressão de seu toque. A ponto de perder a cabeça para a força do desejo que cresceu dentro dele, Gilbert afastou a mão dela com delicadeza e disse:
-Eu adoro tudo o que faz comigo, mas eu tenho uma reunião importante essa manhã e não posso me atrasar. Não quero que pense que estou te rejeitando, Chapéuzinho. Você não sabe o esforço que estou fazendo para sair desse quarto, mas infelizmente, vamos ter que deixar esse nosso momento para outro dia.- ela o olhou com certo desapontamento. Anne sabia que tinha jogado com as emoções dele para convencê-lo a ficar um pouco mais, pois estava com saudades e queria estar com ele o mais tempo possível, porque nos últimos dias falar com ele por telefone mesmo que fosse por vídeo chamada não fora suficiente. Ela queria tocá-lo, beijá-lo, olhar naqueles olhos incríveis e vê-los brilharem cada vez que ele lhe falava sobre uma de suas paixões. No entanto, ela não podia ser egoísta e fingir que ele não tinha uma vida além dela, porque estaria apenas enganando a si mesma.
-Desculpe. Eu me esqueci que meu namorado é um homem de negócios. - Ela disse. Sua intenção não foi parecer magoada, mas foi dessa maneira que suas palavras soaram a Gilbert que lhe respondeu:
-Eu não sou o Roy, querida. E jamais trocaria você pelo meu trabalho. Mas a questão é que preciso levar em conta algumas prioridades nos negócios e essa reunião é muito importante para futuras parcerias. - ele afirmou, beijando-lhe as mãos com carinho.
-Eu sei. Você me dá muito mais do que mereço. Me desculpe por minhas palavras a pouco.- Anne pediu, beijando-o no rosto.
-Não, eu te dou tudo o que precisa, e te daria mais se pudesse, pois sei que falho com você às vezes como agora.- Gilbert a abraçou e Anne sentiu naquele abraço exatamente o que ele quis dizer com suas palavras.
-isso não é falhar comigo. Não pense assim. Você veio até aqui me ver, mesmo estando ocupado, e não posso te pedir mais que isso. - A verdade era que ninguém nunca fizera isso por ela. Roy jamais deixara que o namoro de ambos interferisse nos negócios, e também nunca se importara se ela se incomodava com isso ou não. Seu ex-noivo era centrado em si mesmo e o resto do mundo ao seu redor tinha que se adaptar a ele e suas necessidades, e não o contrário.
Anne vestiu um roupão sobre a lingerie, e desceu as escadas com Gilbert. Quando estavam no andar debaixo, a ruivinha perguntou:
-Não quer ao menos tomar um café?
-Não vai dar tempo. Como alguma coisa quando chegar no escritório. Te ligo mais tarde. Eu prometi à minha mãe que almoçaria com ela hoje, então só vou para casa no fim da tarde.
-Tudo bem. Vou ficar esperando sua ligação. Tenha um bom dia de trabalho. - ela deu-lhe um selinho.
-Você também. - ele respondeu, e depois se foi, deixando Anne na janela observando sua partida com tristeza .
Ela voltou para o quarto, mas logo percebeu que não conseguiria pegar no sono. Havia muita adrenalina dentro dela misturada com outros sentimentos que ela identificou como excitação, desejo frustrado e carência. Por isso, tomou um banho quente e depois foi até a cozinha preparar o café da manhã.
Quem normalmente cuidava dessa tarefa era Bertha, mas como ainda não eram sete da manhã, ela mesma resolveu se ocupar com aquela refeição, pois precisava manter sua mente focada em outra coisa que não fosse o almoço de Gilbert com a mãe. Ela não conseguia se simpatizar com Olga por mais que tentasse, o que era diferente de John por quem nutria uma admiração crescente. A mãe de Gilbert era seca, não fingia simpatia, e não se esforçava em ser amável. Ela era ciumenta e ótima atriz, pois Anne já a vira representar na frente do filho a mulher solitária e incompreendida, e desta forma manipulava-o como desejava. Gilbert tinha o coração bom demais para perceber que sua genitora não era quem ele pensava, e era isso que preocupava Anne imensamente, pois não podia dizer nada ou se indisporia com Gilbert que não aceitaria aquela verdade sobre a mãe.
-Está sem sono, filha?- Anne se virou para encarar Bertha na porta da cozinha que a observava com curiosidade.
-Bom dia, mamãe. Acordei mais cedo do que pretendia. - Anne respondeu, dando atenção a cafeteira que começava a passar o café fresco que estava preparando.
-Tive a impressão de ouvir vozes hoje mais cedo . - Bertha comentou, se sentando à mesa enquanto Anne adoçava o café, e o colocava na garrafa que normalmente mantinham sobre a mesa.
-Gilbert passou por aqui antes de ir para o trabalho. - Anne explicou meio sem jeito, enquanto Bertha exibia um sorriso divertido no rosto.
-Já estão nessa fase? De não conseguirem começar o dia sem se verem? Isso vai acabar em casamento. Escute o que estou dizendo.
-Eu sou jovem demais para me casar, mamãe. E não acho que Gilbert pense nisso com seriedade.- Anne respondeu. Ela não ousava se imaginar em um altar com Gilbert Blythe, embora soubesse que se ele a pedisse em casamento, ela não hesitaria em dizer sim.
-Não existe idade para o amor, Anne. Como não existe idade para o casamento. O que importa é o que vocês sentem, como vocês se amam. -Bertha disse , pegando a xícara de café que Anne lhe estendeu.
-Gilbert nunca conversou comigo sobre amor, mamãe. Eu não sei se ele se sente assim a meu respeito.- Anne concluiu se sentando na mesa de frente para sua mãe que naquele dia parecia muito pálida. -Está se sentindo bem? Você me parece mais pálida que o normal.
-Estou bem querida. Não se preocupe. Mas não estamos falando de mim, e sim de você. Gilbert pode não dizer que te ama, mas ele demonstra isso de outras formas. Ele te olha como se você fosse o mundo dele, e isso eu tenho percebido todas as vezes que os vejo juntos. Por isso, eu te afirmo. Aquele rapaz te ama, querida, talvez esteja só esperando uma oportunidade para dizer.- Bertha falou.
-Não sei. Gilbert é complicado. Ele tem questões mal resolvidas dentro dele quando se trata de sentimentos mais profundos. Acho que a separação dos pais o marcou mais do que se pensa. Ele não fala muito sobre isso, mas eu já percebi que ele tem muita mágoa deste período.- Anne contou. Ela sabia que Gilbert trazia uma carga muito negativa dentro de si quando se tratava do casamento dos pais. Ele vira a deterioração do relacionamento acontecer diante de seus olhos, e talvez a constatação de que algumas coisas não eram eternas tinha pesado demais dentro dele para que ele conseguisse abrir seu coração para o amor.
Anne por outro lado, tivera uma experiência diferente. Observar o casamento dos pais e tudo que partilharam juntos, a fizera desejar encontrar em alguém a mesma cumplicidade que vira na relação de seus pais, e mesmo que seu noivado com Roy tivesse culminado em um grande fracasso, ela ainda carregava dentro de si a esperança de que viveria um amor como o de seus pais com alguém algum dia, e secretamente esperava que esse alguém fosse Gilbert.
-Talvez você apenas precise ter um pouco mais de paciência. Algumas pessoas demoram um pouco mais para admitirem o que sentem, principalmente se tiveram uma experiência negativa na área afetiva. Gilbert é um rapaz incrível, e tenho certeza que em breve ele te dirá aquilo que quer tanto ouvir. - Bertha afirmou, tomando um gole grande de café.
-Eu realmente espero que ele o faça algum dia, porque eu o amo, mamãe e não pensei que isso aconteceria tão cedo depois de Roy.- Anne confessou. Ela sempre contava tudo para a mãe e poder dizer o que sentia em relação a Gilbert era um grande alívio.
-Isso acontecerá antes do que imagina, meu amor. - Bertha disse, colocando a xícara vazia no pires em cima da mesa.
-E John? Não o tenho visto muito por aqui. - Anne mudou de assunto.
-Ele está viajando a negócios. - ela respondeu, parecendo pouco à vontade com a menção do nome do pai de Gilbert.
-Vocês estão bem?- Anne perguntou, pois sabia muito pouco do relacionamento da mãe com o Blythe mais velho, pois Bertha não costumava falar sobre isso. Ela compreendia e respeitava esse lado de sua mãe que ainda estava resistente à ideia de uma nova relação depois da morte do pai.
-Estamos sim. John é um ótimo amigo e excelente companhia.- Bertha sorriu, e Anne entendeu que aquilo era tudo o que ela diria sobre o assunto.
Assim, ela terminou seu café e foi para o quarto se arrumar para o trabalho e quando desceu novamente, ela encontrou Bertha na sala com o álbum de casamento nas mãos, e levantou o olhar dele apenas para dizer:
-Tenha um ótimo dia de trabalho, querida.
-Obrigada. - Anne respondeu, franzindo o cenho ao beijar o rosto da mãe para se despedir e percebeu que ela tinha chorado. Uma certa apreensão tomou conta de seu coração, pois após meses de uma recuperação incrível, Bertha parecia estar retrocedendo de novo para a tristeza do seu coração. No entanto, Anne resolveu permanecer otimista. Não queria acreditar que estavam de novo na vibração de meses atrás antes de John aparecer na vida dela. Talvez fosse apenas um fato isolado, e não devesse se preocupar tanto. A médica de Bertha já a havia alertado para a possibilidade de sua mãe ter algumas recaídas, pois isso também fazia parte de sua recuperação, portanto altos e baixos eram normais naquele processo todo.
Deste modo, Anne foi para o trabalho tentando não deixar que seus pensamentos pessimistas influenciassem em seu humor. Acabou chegando antes de Cole e Diana e foi direto para o escritório, pois precisava verificar as contas daquela semana, e comparar com as vendas do ano anterior naquele mesmo período para que pudesse ter uma visão realista de como seus negócios estavam sendo conduzidos
Um cenário nada animador a esperava em seu livro caixa, e embora estivesse preocupada com a queda contínua das vendas, Anne ainda acreditava em uma reviravolta nos próximos meses. Já tinham enfrentado períodos difíceis antes, e sempre conseguiram dar a volta por cima, por isso ela se recusava a perder o ânimo ou as esperanças.
O horário do almoço chegou, mas ela decidiu terminar seus trabalhos pendentes. Gilbert não tinha ligado, mas ela imaginava que ele estaria ocupado com o escritório e com sua mãe, por isso ela decidiu não mandar nenhuma mensagem para não dar a impressão de que estava marcando território enquanto a sua maior rival que curiosamente não era uma outra garota, e sim a ex- Sra. Blythe, estava tomando toda a atenção do rapaz para si.
Ela estava sentindo falta de uma boa conversa, mas tanto Cole quanto Diana estavam extremamente ocupados com tarefas da livraria, por isso ela não os interrompeu, e pediu que viessem ao seu escritório para jogarem conversa fora e relaxar. Em vez disso, ela ligou para a mãe que lhe garantiu que estava ótima, e que ela não precisava se preocupar. Dessa forma, Anne passou o resto do dia trabalhando e totalmente concentrada na contabilidade da loja.
Assim como Anne, Gilbert se mantinha extremamente ocupado naquele dia, e depois de uma longa e estressante reunião com novos fornecedores e clientes, ele conseguiu sair do escritório para se encontrar com a mãe que já o esperava na recepção da livraria, e parecia totalmente impaciente pela maneira como mexia as pernas e passava as mãos nos cabelos.
-Desculpe a demora, mamãe. Podemos sair para almoçar imediatamente se quiser. - o rapaz disse, beijando-a no rosto.
-Você já está uma cópia fiel do seu pai. Respirando trabalho vinte quatro horas por dia.- Olga disse, de sua maneira ácida a qual Gilbert já estava acostumado, pois lidara com isso a vida inteira.
-Eu sou responsável por essa livraria, então é compreensível que eu tenha mais responsabilidades que antes. - ele respondeu, se recusando a entrar na mesma vibração do mau humor da mãe.
-O que me parece é que você tem muito mais tempo para aquela ninfeta com quem você namora do que tem para sua mãe. - Gilbert contou até dez para não perder a calma. Ele detestava quando Olga incluía em seus comentários poucos apreciativos a respeito dele, pessoas que lhe eram importantes.
-Não coloque Anne nessa conversa, mamãe. Ela não tem nada a ver com o meu atraso. Se quer culpar alguém culpe a mim, mas não fale dessa maneira da minha namorada.
-Só fiz uma pequena observação do quanto do seu tempo comigo você reduziu depois que começou a namorar. Não estou atacando sua namorada diretamente, não precisa defendê-la como se eu estivesse ameaçando a integridade dela.- Olga disse extremamente aborrecida. E Gilbert resolveu mudar de assunto, pois não queria perder tempo em uma discussão com sua mãe que seria totalmente inútil.
Ele a levou ao melhor restaurante francês da cidade, e pelo menos durante a refeição puderam falar de assuntos que não envolviam sentimentos pessoais. Olga era uma mulher inteligente, bastante culta e quando não se envolvia em uma onda de autopiedade, reclamando da vida, ela se mostrava uma pessoa extremamente agradável.
Estavam quase no fim do almoço quando ela perguntou:
-Você teria tempo para dar uma volta comigo no shopping? Preciso comprar um presente para uma amiga e apreciaria muito sua companhia.
-Claro. Vou apenas fazer uma ligação rápida para o escritório e já volto. -O rapaz disse pegando o seu celular de trabalho e se afastando um pouco da mesa onde estavam sentados e onde deixou seu celular pessoal. Assim que o viu a uma distância segura, Olga colocou o celular do rapaz no silencioso e o guardou no bolso do casaco que ele deixara no encosto da cadeira. Por nada no mundo deixaria que alguma ligação da namoradinha do filho atrapalhasse seu momento com o rapaz. Olga estava disposta a tudo para fazer com que aquele namoro naufragasse. Nunca aceitaria uma Cuthbert como nora. Gilbert merecia uma garota maravilhosa, não aquela cuja mãe era outra devoradora de homens de família.
-Podemos ir. - ele disse depois de cinco minutos chamando o garçom, e pagando a conta enquanto por dentro Olga sorria, pois teria uma ótima tarde com seu filho incrível e sem a interrupção de ninguém.
O expediente de Anne terminou às cinco, e como sempre ela deixou que Cole e Diana fechassem tudo por ela. Ao invés de chamar um táxi por conta do frio, ela resolveu caminhar, pois estava precisando de exercício depois de passar o dia todo sentada para que sua circulação sanguínea das pernas voltasse a funcionar como devia.
Apesar de toda neve a caminhada foi agradável, pois andar pelo centro da cidade mesmo naquela época miserável sempre melhorava seu humor. Sua alma urbana jamais se cansaria de toda a beleza que Nova Iorque tinha a oferecer. Quando chegou em casa, estava se sentindo totalmente revigorada, e ao abrir a porta o miado de Morgana em uma casa estranhamente silenciosa a fez franzir a testa com preocupação.
Bertha parecia não estar em lugar algum, e naquela hora normalmente ela estaria na frente da televisão, vendo sua série favorita. Anne andou pela casa, chamando pela mãe, seguida de perto por Morgana que parecia compartilhar a preocupação de sua dona. E foi a felina que levou Anne até a porta do quarto de Bertha onde começou a arranhar efusivamente. A ruivinha estranhou o comportamento da gata normalmente calma e dócil, e chamou pela mãe que não lhe deu nenhuma resposta. Cada vez mais preocupada, ela girou a maçaneta da porta e para seu alívio não estava trancada.
A primeira coisa que viu quando entrou no quarto foi Bertha caída na cama sobre si mesma com o retrato de seu pai nas mãos. Anne deu um grito assustada e correu para a mãe, sentindo-se desesperada. Com alívio notou que ela respirava, mas estava desacordada e Anne não conseguiu fazê-la voltar a si. Sem alternativa, ela ligou para o hospital mais próximo, e em poucas palavras explicou o que tinha acontecido, e prometeram enviar ajuda em alguns minutos.
Durante todo o tempo em que esperou pelo socorro, Anne se recusou a chorar. Ela tinha que se manter forte pelo seu bem próprio e o da mãe, embora o terror que sentia de perdê-la da mesma forma que perdera o pai fazia sua cabeça rodar de tal forma que era difícil até de raciocinar. Ela ligou várias vezes para Gilbert, mas ele não atendeu, assim ela deixou várias mensagens, mas ele não visualizou nenhuma. Então, quando a ambulância chegou, Anne estava se sentindo tão sozinha e desesperada que não conseguia parar de tremer.
Ela acompanhou a mãe até o hospital na parte de trás do veículo, onde ela fora colocada no respirador, e vê-la naquela situação a fazia se lembrar do seu pai quando ele lutara pela vida até o hospital, e morrera no caminho sem chance nenhuma de ser socorrido por um médico. Anne temia que aquilo acontecesse com Bertha, e a cada segundo, ela checava o aparelho para ver se ela continuava a respirar, e quase chorava de alívio ao perceber que nada tinha mudado desde que saíram de casa.
Quando chegaram no hospital, Bertha foi encaminhada para a emergência, enquanto Anne explicava ao médico de plantão como ela encontrara Bertha desacordada. A médica dela foi contatada, ao mesmo tempo em que Anne ligava para Cole e lhe contava com a voz trêmula o que tinha acontecido, sem deixar de checar suas mensagens para ver se Gilbert tinha visualizado as que enviara, e constatando em desalento que o namorado não tinha visto nenhuma delas.
Ela tentou encontrar uma razão para ele não ter atendido suas ligações, e mesmo sabendo que Gilbert deveria estar ocupado com o trabalho, Anne não conseguia deixar de se sentir chateada. Era como se ele não se importasse em saber porque ela tinha lhe telefonado tantas vezes em seguida. Seu desespero e sua necessidade de tê-lo a seu lado naquele momento terrível, não a deixavam pensar com coerência, fazendo-a sentir uma raiva absurda dentro de si pela suposta indiferença dele.
Cole e Diana chegaram para fazer-lhe companhia, e quando ambos a abraçaram, ela quase vacilou e se deixou consolar. Mas ela não queria chorar na frente deles. O faria quando estivesse sozinha, pois no momento sua mãe precisava que ela fosse forte, e se manteria assim até quando conseguisse suportar a pressão em seu peito, e o peso em sua nuca que parecia fazer sua cabeça implorar por descanso.
-Como ela está?- Cole perguntou, olhando preocupado para a amiga.
-Ainda não falei com o médico. Estou esperando por notícias a qualquer momento.
-Você avisou o Gilbert e John?- Diana perguntou, segurando as mãos da amiga nas suas.
-John está viajando, e Gilbert não atendeu minhas ligações. - ela disse com certo desconforto.
-Não importa. Nós estamos aqui e vamos cuidar de você. - Cole disse,abraçando-a pelo ombro, fazendo Anne agradecer mentalmente por não estar mais sozinha.
Mais alguns minutos se passaram até que fosse médica da mãe de Anne apareceu, e lhe disse:
-Anne, posso falar com você?
-Sim. - ela respondeu em um fio de voz, mortalmente preocupada com o que a médica iria lhe dizer sobre o estado de mãe.
Ela foi levada a uma sala onde poderiam ter privacidade, e então a médica lhe disse:
-Sua mãe está bem e consciente. - Anne respirou aliviada, e a médica lhe deu um minuto antes de continuar. - Eu aconselho que ela volte a fazer terapia semanalmente, pois a causa do desmaio foi excesso de remédio para ansiedade.- Anne levou a mão a boca, demonstrando nervosismo, mas antes que ela fizesse a pergunta que se formou em sua mente, a médica disse: - Não foi nada premeditado, e a dose excessiva foi totalmente acidental. Ela me contou que esses dias têm sido difíceis para ela, por conta de muitas lembranças de seu pai, principalmente por causa do aniversário de casamento de ambos, e isso aumentou sua ansiedade a ponto de a quantidade de medicação que prescrevi não ser suficiente para deixá-la bem como costuma ficar, e por isso ela aumentou a dose da medicação sem me consultar.
-Eu percebi que ela andava estranha esses dias, mas quando perguntei, ela disse que estava bem. Eu devia ter prestado mais atenção aos sinais. - Anne disse, se culpando por aquilo. Ela andara tão envolvida por seus sentimentos por Gilbert que não percebera que sua mãe precisava de ajuda. Ela deixara que seu coração ofuscasse sua razão, e sua mãe quase morrera por isso.
-Não se culpe, minha querida. Sua mãe foi irresponsável com a própria saúde mental. Ela devia ter pedido ajuda quando sentiu que não estava dando conta de suas emoções. Eu sou a médica dela, e era a mim que ela deveria procurar. - A médica disse, observando Anne com muita atenção.
-A senhora acha que devo tomar conta da medicação dela?- Anne perguntou, preocupada com a possibilidade de Bertha se automedicar novamente em outra crise.
-Não, minha querida. Sua mãe é uma mulher adulta e não precisa que ninguém lhe diga o que é certo ou errado. Eu conversei bastante com ela e expliquei os riscos dela se automedicar assim, e ela me prometeu que nunca mais fará isso.e que qualquer mudança no seu humor ou ânimo deve ser reportado diretamente a mim, e juntas decidiremos o que fazer. Ela está muito preocupada com você e envergonhada do que aconteceu.- a médica explicou e Anne perguntou:
-Posso vê-la?
-Sim, mas por poucos minutos. Vou mantê-la aqui esta noite, pois além da automedicação, ela também está fraca, pois não andou se alimentando direito. Se ela estiver bem amanhã, vou dar-lhe alta no fim da tarde.
-Obrigada, doutora, por tudo. Pode me fazer um favor?- Anne pediu e a médica respondeu:
-Claro.
-Diga aos meus dois amigos que estão na recepção que está tudo bem, e que podem ir para casa. Amanhã falo com eles.
-Fique tranquila. Eu os aviso sim. - Anne agradeceu mais uma vez, e foi direto ao quarto da mãe que a médica lhe indicou no corredor.
Ao entrar, ela se deparou com Bertha deitada na cama e olhando para o teto. Eles haviam trocado as roupas dela por uma camisola do hospital, e seu rosto parecia sereno, apesar de tudo o que havia passado. Quando viu Anne, Bertha estendeu os braços e lhe disse:
-Vem cá, querida. - Anne mergulhou naquele abraço, sentindo seu coração em pedaços. Não sabia o que seria dela se tivesse perdido a mãe naquele dia. Não estava preparada para isso e nunca estaria. Ela a amava demais, e daria tudo para que realmente voltasse a ser feliz, mas não dependia dela e isso era um fato desolador. - Perdoe-me . Não queria preocupá-la.
-Está tudo bem. Conversamos sobre isso depois. Agora você precisa descansar. - Anne disse, e Bertha assentiu, fechando os olhos em seguida, pois se sentia extremamente sonolenta.
Anne esperou que ela estivesse completamente adormecida. Deu-lhe um beijo no rosto, e foi para casa, pois a tensão daquele dia começava a pesar em seu corpo, deixando-a extremamente exausta. Assim que entrou em casa, seus movimentos foram todos mecânicos como se estivesse anestesiada por tantas emoções que a consumiram nas últimas horas. Ela tomou banho, vestiu um pijama quente e confortável e foi para a cozinha, pensando no que faria para o jantar.
A campainha tocou no momento em que ela estava descongelando a carne, e sem pensar muito em quem poderia ser, Anne foi até a porta e a abriu, sentindo-se completamente em choque ao ver que era Gilbert.
-Anne, o Jerry me avisou. Como você está?- ele se aproximou com a intenção de abraçá-la, mas ela não permitiu. Estava arrasada pelo que acontecera com sua mãe, e ainda mais por ter precisado tanto dele, e ele não estivera lá para apoiá-la.
-Eu liguei para você, mas não me atendeu. Te deixei milhares de mensagens, e você não se dignou em responder nenhuma delas - ela disse cheia de raiva. Gilbert não tinha culpa do que acontecera, mas levada pelo choque e medo que Bertha morresse como acontecera com seu pai, a única coisa que passava por sua cabeça foi que ele a deixara sozinha .
-Anne, eu sei que está brava comigo, mas eu não tive culpa. O que posso dizer em minha defesa é que meu celular estava no silencioso e não percebi. Por favor, me perdoe.
-Eu precisei de você, e você não estava lá. - ela disse, sem encará-lo, seu corpo todo começando a tremer do choque que sofrera
-Anne...- ele tentou se aproximar, e ela tentou fugir dele novamente, mas dessa vez, Gilbert a abraçou mesmo sem que ela permitisse, pois tudo o que queria era dar a ela seu apoio naquele momento, pois se sentia mal demais por tê-la desapontado.
Anne tentou fugir dele uma última vez, mas não conseguiu, e quando percebeu, estava soluçando desesperadamente, se agarrando ao rapaz como se ele pudesse desaparecer de repente, como se estivesse colocando para fora todo o seu coração magoado e sofrido.
-Eu pensei...que ia...perder minha mãe. Eu pensei...que nunca...mais a veria. - Anne disse entre lágrimas e soluços, enquanto o rapaz a abraçava forte e dizia:
-Eu sei, querida. Mas está tudo bem agora. Eu estou aqui e vou cuidar de você - e assim ele deixou que ela chorasse, ao mesmo tempo em que a pegava no colo e se sentava com ela no sofá, sentindo seu peito se apertar por vê-la naquele estado.
-Fique calma. Você não está sozinha e nunca mais vai estar. Bertha vai ficar bem e você vai ver que em poucos dias, ela voltará a ser quem era antes. - Anne balançou a cabeça concordando, fazendo-o beijá-la no rosto e nos cabelos diversas vezes. -Você já jantou?- ele perguntou quando ela já tinha se acalmado, e continuava sentada em seu colo, descansando a cabeça em seu ombro.
-Eu ia começar o jantar quando você chegou. - Anne lhe contou.
-Eu também não jantei. Vamos até a cozinha onde vou preparar algo para comermos, e depois vamos para seu quarto a fim de que você possa descansar . Vou passar a noite aqui com você, tudo bem?- Anne concordou, pois mais do que nunca precisava de Gilbert a seu lado.
Uma hora depois, Anne estava confortavelmente instalada em sua cama e com Gilbert deitado ao seu lado. Quando ele lhe deu um beijo longo, e em seguida desligou o abajur, atraindo-a para seus braços, ela soubesse que ali estava tudo o que precisava, e dormiram assim até que um novo dia nasceu no horizonte e trazendo com ele novas esperanças para recomeçar
Olá, pessoal. Mais um capítulo postado. Obrigada por acompanharem, mais essa história. Espero que me deixem seus comentários e votos se assim o desejarem. Beijos, Rosana.
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