Capítulo 5
12 de junho de 2020.
Eu estava inquieta naquela noite. Havia dado um jeito de fixar o tabuleiro Ouija na parede com fita dupla-face, agora podia vê-lo em cima da minha escrivaninha. Eu achava que era um item decorativo legal, na maioria das vezes curtia essa decoração esotérica, mas agora parecia inquietante. Ficava lembrando dos sussurros, do toque e do tabuleiro Ouija. Sabia que não havia imaginado aquilo, havia alguém sussurrando e me tocando.
Era Laura? Essa era sua forma de vingança? Me assustar e ficar me assombrando? Bom, se fosse, estava funcionando. Eu havia deixado a porta do quarto aberta para a luz do corredor entrar, não conseguia dormir no escuro — as silhuetas da cortina e dos móveis me assustavam o tempo inteiro.
Fechei os olhos e respirei fundo. O quarto tinha um cheiro reconfortante de incenso e lençol limpo. Eu não tinha nada para me preocupar, repeti para mim mesma, não havia nenhum fantasma me assombrando. Além disso, se fosse Laura, eu sabia que ela nunca me machucaria.
❥
Acordei assustada com um pesadelo. Era um pesadelo em que eu caía na escuridão, milhares de mãos me tocavam, me puxavam para baixo, agarravam meus braços com um toque duro e frio. Eu gritava de agonia.
Quando acordei, minha blusa estava molhada e grudada na pele suada, eu havia me debatido tanto que a coberta havia caído no chão. Suspirei pesadamente, pegando o cobertor e me enrolando nele, ignorando a pele quente. Queria tomar um banho, trocar a roupa suada, mas não tinha coragem de sair da cama depois daquele pesadelo. E se tivesse alguém no banheiro? E se eu pisasse no chão e alguém puxasse meu tornozelo?
Decidi que, por questões de segurança pessoal, ficaria na cama e tentaria dormir, tomaria banho e trocaria os lençóis na manhã seguinte. Não estava a fim de pegar meu celular para me distrair, então só enrolei meus pés no cobertor e fiquei encarando o teto, esperando que o sono voltasse. É claro que não voltou.
Laura, os sussurros e o Ouija ficavam girando na minha mente. Para piorar, eu tinha certeza de que estava vendo coisas, porque uma ou duas vezes vi um vulto na escuridão, ouvi um sussurro distante. Era tudo muito estranho, nada sólido o suficiente para me fazer sair dali, mas o suficiente para me assustar.
Foi às cinco da manhã que eu senti. Estava de olhos fechados, escolhida e abraçada num travesseiro extra, quando algo se entrelaçou no meu tornozelo, por cima da coberta. Abri os olhos na hora, muda, em pânico. Só vi uma silhueta, era literalmente só isso. Uma sombra escura.
Pulei no colchão, encolhendo as pernas e contendo um grito. Se eu gritasse, minha mãe ouviria e viria correndo, ela acharia que eu estava louca porque não conseguiria ver o fantasma.
A sombra se moveu na escuridão, eu não conseguia discernir muito bem porque o quarto estava um breu completo, só sabia que a criatura se aproximava. Antes que ela pudesse me tocar novamente, algo aconteceu, uma luz brilhou no canto do quarto.
— Vá embora! — uma voz furiosa gritou, impaciente. Pisquei, mal conseguindo acreditar. Foi questão de segundos: A menina luminosa avançou, a sombra recuou até sumir em algum ponto escuro.
Não perdi tempo, saltei da cama e me joguei no interruptor. A luz invadiu meus olhos de maneira dolorosa, pisquei várias vezes até conseguir enxergá-la. Laura estava parada no meio do quarto, aos pés da minha cama.
— O que diabos você fez? — perguntou, irritada. Seus olhos estavam escuros e tempestuosos, os cabelos loiros chicoteavam ao seu redor de uma maneira que eu não sabia que era possível.
— Eu só queria falar com você. — Eu tentava acalmar meu peito, mas minha voz saía rouca e entrecortada porque estava sem fôlego. Laura revirou os olhos.
— Jogando o Ouija? Se colocando em risco?
— Era a única maneira de fazer você me ouvir. Você me ouviu? — Eu estava tensa. Se ela tivesse me ouvido, já sabia de tudo, tudo sobre meus sentimentos por ela, o tanto que senti sua falta. Lentamente, Laura assentiu. — Eu sou assexual, percebi isso faz pouco tempo, e então, quando comecei a pensar na gente...
— Eu meio que já tinha presumido essa parte. — Laura sorriu de leve, e eu senti meu estômago despencar por causa do nervosismo. Era fácil me declarar quando ela não estava aqui, falar para o ar, mas era tão difícil quando ela estava olhando nos meus olhos, bem na minha frente!
— Você não me deve nada, sabe disso, não sabe? Eu só queria que você soubesse, só isso — falei rapidamente, as palavras se embolando por causa do nervosismo. Laura me encarava com uma expressão estranha, um misto de tristeza e ansiedade. Deus, eu só queria abraçá-la e nunca mais largá-la.
— Mesmo que fosse recíproco, isso não daria certo, Alice. — A voz dela foi baixa, mas me acertou como um tapa na cara. Pisquei algumas vezes, a respiração acelerada, sem conseguir processar tudo aquilo.
— Então não é recíproco? — Minha garganta estava trancada, tive de fazer esforço para falar.
— É, é sim, mas eu não posso ficar — disse, e eu desabei na cama. Laura e eu éramos amigas há tanto tempo que nunca pensei que isso acabaria, que uma hora ela iria embora. Na minha mente, Laura ficaria ao meu lado até eu ficar muito velhinha, então, quando eu morresse, seríamos duas fantasmas nos divertindo juntas pelo mundo.
— Como assim? — Minha voz saiu como uma súplica, eu a encarava com os olhos cheios de lágrimas. Laura suspirou pesadamente, mesmo que não precisasse respirar, e sentou-se ao seu lado na cama.
— Eu fui ver minha mãe. — Aquilo me fez congelar. Laura me disse que nunca mais viu a mãe depois de morrer, não aguentaria a própria culpa se ela estivesse mal. As duas eram muito apegadas, Laura era tudo o que a mãe tinha, e então Laura se foi. Ela estava com muito medo da mãe não ter se recuperado disso. — Ela está bem. Se casou novamente, teve outro bebê. Minha mãe está feliz, Ali.
— Isso é ótimo. — Eu sorri com sinceridade, deixando as lágrimas escorrerem. Quase conseguia sentir o alívio dela, porque foram muitas as vezes que escutei desabafos de Laura sobre a mãe. Laura sorriu para mim e assentiu.
— Eu fiquei brava com você, mas depois só me afastei porque estava passando um tempo com ela — confessou timidamente, colocando a mão sobre a minha. Entrelacei os dedos nos dela, sentindo o toque frio e elétrico, exatamente como segurar uma nuvem, eu imaginava. — Agora que sei que ela está bem, não há nada que me prenda aqui. Ainda que eu ficasse, e eu ficaria por você, Ali, eu nunca seria o tipo de pessoa que você precisa, nunca estaria presente de verdade. — Não consegui responder, sabia que ela tinha razão. Eu nunca poderia apresentá-la aos meus amigos, assumir um relacionamento público, sair para jantar e ter um encontro romântico na praça. Não sem que me achassem louca por estar falando com o ar.
Ainda assim... Eu preferia ela ao meu lado, preferia abrir mão disso do que não ter absolutamente nada.
— Eu não me importo, não me importo mesmo. Se você ficasse, eu daria um jeito, juro. — Minhas palavras soavam tão desesperadas que até eu mesma me espantei. Laura olhou para o chão, depois para minha estante, evitou meu olhar por alguns segundos.
— Eu ficaria por você, juro que ficaria, mas preciso fazer isso por mim. — Mais lágrimas molharam minhas bochechas, eu só baixei meu olhar e fiquei em silêncio. Eu entendia, é claro que entendia, mas não tornava mais fácil. — Ei, está tudo bem. Você vai amar outra pessoa um dia, e vai ser incrível. Você merece uma vida incrível, Lice, você vai conhecer muita gente, se apaixonar, ter uma família. — Aquilo me fez soluçar baixinho, então me joguei nos braços dela, abraçando-a com força. Laura retribuiu o abraço com cuidado, ignorei o frio de seu toque. Ficamos assim por um tempo, permaneci agarrada com ela até conseguir me acalmar.
Abri meus olhos úmidos lentamente, então avistei as folhas de papel em cima da mesa do computador. Me afastei de Laura com cuidado, abrindo um sorriso fraco quando levantei.
— Olha, imprimi para você. — Entreguei as folhas para ela, deixei que ela lesse os prints que eu havia escolhido. Laura podia tocar e mover coisas mais leves, como folhas de papel, só não era aconselhável porque tudo que os outros veriam seria o objeto flutuando no ar. — Já retirei da internet, mas achei que você gostaria de ver. Recebi uma mensagem perguntando se eu iria repostar e se você tinha um perfil na plataforma com histórias próprias.
— Isso é lindo, muito obrigada. — Ouvi o tom embargado dela, os lábios pressionados como se estivesse tentando conter o choro. Sorri, feliz porque ela estava feliz.
— Você merece — falei, colocando a mão sobre a dela. Seus olhos, até então fixados na folha, levantaram-se para mim, brilhantes e emocionados.
— Se quiser respostar o conto, você pode — sugeriu ela, baixinho. Segundos depois, já estava distraída com os comentários de novo. Não eram muitos, mas todas as reações que ela arrancara das pessoas, todos os elogios...
— Acho que vou manter isso entre a gente — murmurei com um sorriso, apertando minha mão na dela. Laura apenas sorriu abertamente, aquele sorriso lindo e cheio de raios de luz do sol, e assentiu.
— Você vai ficar bem? — Ela realmente parecia preocupada, então concordei calmamente com a cabeça. Apertei a mão dela, pressionando nossos dedos.
— Vou, prometo. Obrigada por tudo, por ter estado aqui todo esse tempo. — A sinceridade doía no peito, mas eu ficava feliz com a despedida, feliz com o final decente. Pelo menos ela não havia sumido para sempre. — Você pode ficar mais essa noite? Fica comigo até eu dormir, então... — Laura não precisou de mais nada, apenas assentiu e deixou as folhas de lado, subindo na cama enquanto eu apagava a luz. Em segundos, estávamos ali, deitadas lado a lado, olhando nos olhos uma da outra.
Adormeci lentamente, foi tudo muito suave. O toque elétrico dela, o cobertor nos envolvendo em um mundo próprio, o brilho fantasmagórico e esbranquiçado ao seu redor.
Quando acordei, estava sozinha na cama.
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