2. Tudo Tem Seu Preço (p.4)
Marina apertou os braços contra o corpo. O ar-condicionado no escritório de Jack exibia 18°C, e enquanto ela tentava se proteger do frio, ele digitava alguma coisa em seu notebook.
— Aqui — disse ele, virando o aparelho em sua direção. Ele deu duas batidinhas com a ponta do dedo sobre a tela, onde havia um formulário, apontando a parte ocupada pela foto de uma mulher. — Elisabete Costa Ribeiro, meio elfa e meio silfo... Ah — ele acrescentou. — Você tem conhecimento sobre as criaturas?
— Um pouco — respondeu ela. — Silfos são criaturas elementais do ar, e elfos são incapazes de mentir, além de muito ligados à natureza. Arthur me deu um livro há um tempo atrás que falava sobre essas coisas.
Jack balançou a cabeça.
— Uma descrição bem superficial, mas é por aí. Posso te ensinar muito mais — disse ele, então prosseguiu com seu relato. — Voltando à nossa amiga Elisabete, ela trabalha pra mim dentro da polícia de Várzea Grande, no Mato Grosso.
— Por que eu deveria saber disso? — questionou Marina, observando a mulher aparentemente normal.
— Quando não está disfarçada, ela tem uma pele cor-de-rosa, e os cabelos verdes. Um homem a encontrou, ainda bebê, e tentou alimentar dois cachorros com ela.
— Que horror!
— Por sorte uma vizinha ouviu os barulhos na casa do homem e chamou a polícia. Foi um milagre haver outro híbrido, meio Guardião da Fauna e meio fada, junto com a equipe que socorreu. Hoje ela trabalha disfarçada de humana.
Jack se levantou, puxando sua cadeira. As rodinhas rolaram em um som suave sobre o chão liso, ate pararem ao lado de Marina, onde ele se sentou. Com alguns cliques, exibiu um segundo formulário.
— Santiago Castillo — disse ele, enquanto Marina observava a foto do homem de longos cabelos louros e com dois chifres negros sobre a cabeça. — Diretor do projeto de educação para híbridos na Argentina. Também encontrado por humanos. Pensaram se tratar do anticristo, o amarraram pelos pés e ele foi arrastado até a igreja mais próxima, onde um padre tentou exorcizá-lo. Logicamente, não resultou em nada, já que ele não era um demônio, mas como a história se espalhou rápido, outros híbridos conseguiram resgatar Santiago antes que algo pior acontecesse.
Marina fixou seu olhar em Jack. Embora ela estivesse horrorizada, ele ainda permanecia tranquilo.
— São só alguns casos dos quais eu me lembro. Muitos escapam por pouco, e você não faz ideia de quantos não tem a mesma sorte. Você sequer pode imaginar quantos relatórios eu recebo toda semana com os números de híbridos mortos, principalmente crianças. E a maioria dos que sobrevive até a idade adulta, tem no mínimo uma história horrível pra contar.
— E sobre você? — indagou ela. — Qual a sua história?
Jack se recostou na cadeira e esticou as pernas compridas para frente, cruzando-as. Os dedos buscaram girar uma das argolas prateadas em sua orelha.
— Minha mãe era uma feiticeira, e meu pai um Anjo de Terra. Por mais improvável que possa parecer, se encontraram fora de Alexandria, e obviamente não contaram um para o outro o que eram. — Ele usou ambas as mãos para indicar a si mesmo. — Foi daí que eu vim. Não cheguei a conhecer meu pai, mas fiquei com minha mãe até os oito anos. Ela não parava em lugar nenhum, e me arrastava para todo lado, como um fardo. Até o dia que ela cansou... Uma mulher ofereceu dinheiro por mim, e ela aceitou... Bom — ele coçou a cabeça, um pouco desconfortável —, essa é a parte que eu não gosto de entrar em detalhes, mas eu fugi, quatro anos depois. Tentei ir embora pro mais longe possível, vivi um tempo na rua, que também prefiro não descrever, até ser resgatado por um híbrido.
— Foi então que resolveu se envolver com a causa? — perguntou Marina.
Ele fez uma careta.
— Sim e não. Eu pude escolher um novo nome, e decidir quem eu queria ser dali pra frente. Comecei a seguir certos ideais que na época faziam todo sentido pra mim, mas que hoje eu vejo que era só o ódio inflamado por tudo o que eu tinha passado. Eu achava que precisava destruir tudo o que me atingia. Hoje minha luta é pelo direito dos híbridos de ocuparem Alexandria, de poderem viver longe dos humanos e da crueldade deles.
Marina não respondeu, apenas estalou os ossos de dois dedos, nervosamente. Sabia onde ele estava querendo chegar.
— É por isso que precisamos de você — disse ele. — Pra salvar tanto os híbridos que sobreviveram, como os que ainda vão nascer.
— Eu tenho uma curiosidade — disse ela, tentando ser evasiva.
— Sim?
— Por que “Jack White”?
— Ah, era o final dos anos oitenta. — Ele riu. — Todo mundo queria parecer um pouco norte-americano.
***
Os pés de Zac encontraram o chão firme assim que ele atravessou o vácuo junto com Diana e Chloé.
Ele olhou ao redor. Estavam no que parecia se tratar de uma mansão de paredes claras e com um teto muito alto. O centro da sala de estar era demarcado por uma larga escada, coberta por um tapete vermelho, que dava acesso ao segundo andar.
— Que droga estamos fazendo aqui? — questionou Chloé carrancuda.
Ela já não estava com uma cara boa desde que Zac a encontrara novamente, ao final da festa. Enquanto ele estava saltitante e praticamente subindo pelas paredes depois da notícia de que ele poderia sair do País das Fadas com Diana, alguma coisa parecia ter acontecido com Chloé que a deixou extremamente irritada.
— Onde estamos? — ele perguntou.
— Em Alexandria — respondeu Diana, enquanto ia se jogar em um enorme sofá cor-de-creme. — Essa é a minha casa, Zac. Seja bem vindo.
— O quê?! — espantou-se ele.
— Você não respondeu a porcaria da minha pergunta. — disse Chloé, irritada. Algumas manchas vermelhas se espalhavam sobre seu rosto, e os cachos arrepiados que haviam escapado de seu coque rodeavam sua cabeça, apontando para todos os lados.
— Tenho assuntos pra tratar aqui — respondeu a feiticeira. — Não vamos demorar, é seguro.
— Tão seguro quanto mandar meu irmão pra um encontro com Morselk?
Diana se levantou, chegando tão perto de Chloé, que Zac temeu que ela pudesse fazer alguma coisa ruim contra a garota, mas ela apenas disse:
— Eu não mandei ele fazer nada.
Zac pôde ver a expressão dela mudar um pouco. Parte da raiva parecia ter dado espaço à dor.
— Por que você não foi junto — Chloé perguntou. Embora sua voz tenha soado terrivelmente brava, estava ficando embargada. Seus olhos haviam se enchido de lágrimas, e ela as esfregou com as costas da mão. — Por que ninguém me disse nada?
Chloé desviou o rosto na direção de Zac.
— Você também sabia, não é?
— Arthur não queria que você soubesse — ele se apressou em dizer. — Ele só não queria te deixar preocupada. Passamos um bom tempo arrancando os cabelos e tentando achar a melhor opção possível.
Ela não disse nada, apenas comprimiu os lábios e fechou os olhos duramente. Estava chorando. Zac não se lembrava de ter visto Chloé chorar desde que a conhecera.
Enquanto Diana se afastava, ele se aproximou de Chloé, tocando seu ombro gentilmente. Seu polegar esfregou com firmeza o tecido da camisa que ela usava, sentindo-a tremer sob o tecido. Como a garota não rejeitou o contato, tal como certamente teria feito em outra ocasião, ele a abraçou, e ela também prendeu os braços ao redor dele.
Chloé soluçou e o apertou mais, enquanto Zac usou uma das mãos para deslizar os dedos entre os cabelos de sua nuca.
— Vai ficar tudo bem — disse ele. — Vamos encontrar eles e descobrir o que aconteceu.
Espiando sobre os ombros da garota, Zac viu Diana aproximar-se da enorme porta de madeira escura que era a entrada principal da casa. Ela se abaixou para pregar alguma coisa no chão, que a princípio, ele não conseguiu identificar do que se tratava.
— Você poderia ligar pra Narcisa — disse Chloé, se desvencilhando bruscamente dele para virar-se para Diana.
— Só um momento — pediu a feiticeira, com um dedo erguido no ar.
Zac finalmente identificou o que Diana pegara no chão. Tratava-se de um pedaço de papel no qual ela aparentemente estava lendo algo importante.
— Pronto — disse a feiticeira, dobrando o papel ao meio. — O que disse?
— Eu disse que você poderia ligar pra Narcisa — repetiu Chloé.
Diana negou com a cabeça.
— Duvido muito que ela esteja com celular, mas vou tentar alguma outra forma de contato com ela.
— E o que é isso? — perguntou Zac, apontando para o papel ainda sendo firmemente segurado entre os dedos de Diana.
— Um convite — ela respondeu. — O líder dos feiticeiros foi assassinado, haverá uma reunião e eu estou convidada.
— Espera... — Zac se deu conta de algo importante. — Quanto tempo exatamente se passou desde que entramos no País das Fadas.
Diana balançou uma das mãos no ar, e um relógio de pulso surgiu entre seus dedos.
— Esse relógio marca data — explicou ela. — Aqui diz dezesseis de março. — ela consultou o convite em sua outra mão. — A reunião é essa noite.
Zac conteve um sorriso quase involuntário.
— Amanhã é meu aniversário.
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