Extra: A Morte de Alice
Alexandria, 2000
Em certa noite, na época em que Diana ainda se chamava Louise, ela estava esperando ansiosa por Alice em frente ao portão da casa. Fazia frio apesar do espesso casaco e das botas e luvas que havia calcado, sinal do solstício de inverno que se aproximava. Tinha medo que a pequena Marina ficasse doente, mas haviam perigos maiores para o bebê do que o risco de um resfriado. A casa que Louise havia enfeitiçado foi o suficiente para esconde-las durante a gestação de Alice e após um mês e alguns dias do nascimento do bebê, mas agora o esconderijo já não era mais um segredo e teve que correr loucamente para providenciar outros lugares para cada uma.
Sim, não haveria opção, Alice e Marina teriam que se separar.
Louise tremia dos pés a cabeça e desconfiava que não fosse só o frio. Haviam planejado essa fuga para o caso de uma emergência já havia algum tempo, e a sensação de que a hora havia chegado era esmagadora.
O plano não era difícil. Alice entregaria o bebê para ela e então, por meio de magia, Louise e o bebê se materializariam no meio de uma floresta quase do outro lado do mundo, onde Bellinda Milicent já havia se instalado, pronta para receber a neta em uma pequena casa que Louise, com a ajuda de seu amado noivo, Vicente Bacco, haviam posto tantos feitiços de proteção que nem mesmo outros feiticeiros conseguiriam se aproximar sem ter uma profunda sensação de perda e dor.
E Enquanto Louise cuidaria de esconder Marina, Alice correria ate um ponto combinado no meio da floresta para encontrar-se com Vicente, que a levaria para uma cidadezinha litorânea no interior do Rio de Janeiro, no Brasil, já que Alice recusava-se a manter-se distante do mar.
O coração de Louise quase saltou pela boca quando a porta da casa se abriu e Alice saiu por ela vestida por inteiro de preto, com uma longa e espessa trança com seus cabelos escuros balançando sobre as costas. Nos braços ela trazia Marina, ainda tão pequena, protegida do frio por um manto grosso.
— Você têm certeza que não prefere ficar junto com Marina e Bellinda? — perguntou Louise quando Alice alcançou o portão. — Mesmo uma cidade no interior pode ser perigoso, você sabe, existem anjos em todos os lugares, eles podem encontrá-la.
Mas Alice apenas balançou a cabeça decidida, o vento já começava a desprender fios de cabelo de sua trança.
— Não, não posso ficar longe do mar, você sabe disso, é parte de mim, seria como arrancar o meu braço direito. Além de que você sabe, eu nunca me acertei com minha mãe biológica por ela ter me entregado para ser criada por outra mãe, ao invés de lutar por mim. Eu sei que ela vai cuidar do meu bebê como nunca cuidou de mim, mas isso é o suficiente, não quero estar perto dela e longe do mar.
Louise assentiu derrotada e estendeu os braços para receber Marina, mas antes de entrega-la, Alice apertou o bebê em seus braços murmurando baixinho.
— Mamãe vai voltar pra você, minha pequena, quando as coisas se acalmarem e eles esquecerem de nós, ficaremos juntas para sempre.
Ela entregou a filha para Louise, seus olhos azuis brilhavam com as lágrimas acumuladas. Alice sempre havia sido tão forte, mesmo agora, ela se recusava a chorar.
Louise acomodou Marina em seus braços, o peso de sua afilhada já era confortável como se ela fosse sua própria filha. Também não sabia como conseguiria ficar longe dela.
— Nosso bebê vai ficar bem. — disse Alice a observando. Ela esticou o braço e tirou do rosto de Louise uma mecha de cabelo que o vento havia soltado, acariciando em seguida a sua bochecha, com o toque tão suave como seda. Apesar de seus dedos gelados pelo frio, o toque parecia como fogo. — Vou sentir sua falta, minha amiga.
Os dedos de Alice se espalharam por sua nuca a levando em sua direção. Alice a beijou, e seus lábios eram mais suaves do que os de qualquer homem que Louise tivesse beijado através dos séculos que estava viva.
Mas não havia tempo a perder, quando se separaram Alice correu para a floresta onde encontraria Vicente enquanto Louise desaparecia no ar levando Marina com ela.
Materializou-se em frente ao casebre, sentindo sua energia ser drenada pela longa viagem.
Atravessou as proteções e bateu à porta.
Bellinda a atendeu.
Louise a cumprimentou, mas seguiu direto para o quarto, onde pôs a menina do berço e retirou o colar de agua marinha de seu pescoço, para entregar-lhe novamente quando fosse maior.
— Eu volto logo pequena.
Louise não perdeu tempo e correu de volta para fora para transportar-se de volta para Alice e Vicente, afim de ver a amiga uma ultima vez antes que ela fosse.
* * *
Alice correu pela floresta ate o lugar marcado.
Não conseguia parar de ter calafrios com forte sensação de estar sendo observada. Ou talvez fosse o frio daquela noite, ela não sabia bem dizer.
Logo ao alcançar o local marcado, suspirou ao ver que Vicente a esperava lá, escondido atrás de uma arvore, de onde saiu assim que ela chegou.
A Lua Cheia fazia com que ela pelo menos o pudesse enxergar um pouco, mas era muito pouco para conseguir ver a expressão em seu rosto. Razão pela qual se surpreendeu quando ele falou.
— Sua vadiazinha... Enfim estamos sozinhos — sua voz parecia carregada de raiva, o que arrepiou ate os pelos de sua nuca.
— Mas o que?
— Como ousa beijar Louise? Já não basta faze-la se envolver por você e sua cria mestiça.
Então era isso, ciúmes. Pensou Alice.
— Olha, eu...
— Cale a boca, vadia — disse ele e Alice sentiu quando algo atingiu seu rosto com forca, mas Vicente continuava a cerca de dois metros de distancia. Caminhando em sua direção. Recuperou-se do golpe e puxou uma faca que havia trazido no cano da bota pro caso de necessidade. — Todo esse tempo desperdiçando energia para manter você e aquela coisinha chorona vivas. Pra que? Louise vai ficar decepcionada, eu sei, mas ela vai superar, ela ainda tem a mim.
— Então você decidiu me matar? Louise nunca vai te perdoar.
— Ela nunca vai saber que fui eu. E depois que você estiver morta, vou atrás de Arthur.
Alice não esperou mais e apenas arremessou sua faca.
Mas não adiantou, apenas com o gesto de balançar a mão como se espantasse uma mosca ele mudou o trajeto da arma, fazendo com que ela acertasse uma árvore próxima ficando presa ali.
Vicente gargalhou.
— Nem mesmo o melhor dos guerreiros poderia me matar assim. Eu sou um feiticeiro, mulher, vai precisar de muito mais do que isso.
Ele continuava se aproximando vagarosamente, notou Alice.
Em um piscar de olhos ela desprendeu um chicote do próprio cinto e o manejou fazendo-o se enrolar no pescoço do feiticeiro, mas foi como se uma forte corrente elétrica atravessasse o objeto e a atingisse, fazendo-a cambalear e cair no chão.
Vicente apenas desenrolou o chicote do pescoço e o descartou como lixo. Sua mão buscou um cabo que aparecia sobre seu ombro. Uma espada. Ele não a mataria com magia, ele não deixaria rastros. Alice foi invadida pela certeza de que era o fim para ela.
* * *
Louise se materializou no local onde os dois deveriam estar. Apoiou-se em uma arvore tentando se recuperar. Duas viagens sequenciais a esgotaram.
Ela notou que uma faca estava presa no tronco dela, perfurando sua madeira, e imediatamente ficou preocupada.
Seus olhos procuraram Vicente e Alice na escuridão, e quando os viu, quase não acreditou nos próprios olhos.
Alice estava caída no chão, apoiada nos próprios braços enquanto Vicente estava de pé em frente a ela, empunhando uma espada que estava posicionada com a ponta sobre o peito dela. Louise ouviu sua voz quando ele falou.
— Sinta-se honrada, morrerá pela mesma espada que o Rei Arthur.
A espada perfurou o coração de Alice e Louise gritou.
Vicente puxou a lâmina de volta e olhou surpreso para onde ela estava.
Ela não hesitou nenhum segundo. Não restava para ela nenhuma energia, não poderia lançar um feitiço forte o suficiente para mata-lo. Arrancou a faca da árvore e a arremessou com a precisão de centenas de anos de prática.
Vicente estava tão surpreso que não pode evitar ser atingido e a faca perfurou seu coração da mesma forma como ele havia feito com Alice momentos antes.
O corpo dele caiu sobre o de Alice e Louise correu cambaleando ate eles, jogando se no chão e empurrando enojada o corpo de Vicente enquanto puxava Alice para si.
O sangue fervia o rosto de Louise e seu coração batia como um martelo.
Não havia salvação para Alice, não tinha mais qualquer resquício de vida em seu corpo.
Louise gritou em dor, frustração, tristeza e ódio.
Não tinha mais jeito, precisava pensar em si mesma agora. Acalmou os próprios pensamentos para pensar em uma maneira de não ser responsabilizada e instantaneamente já sabia o que fazer.
Levantou-se e arrancou a faca de arremesso do peito de Vicente, guardando-a consigo.
Ajoelhou-se novamente ao lado do corpo de Alice apenas para falar-lhe uma última vez.
— Adeus, nos vemos novamente em sua próxima vida.
Beijou-a suavemente nos lábios já gelados, levantou-se e correu para casa.
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