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10. Safira (p.4)

Apesar de agora saber que ela se parecia com Diana porque também era feiticeira, ainda assim era como se já tivesse visto o rosto dela em algum lugar, então disse:

— Sabe, desde que te vi, tive a impressão de que já te conhecia de algum lugar. Acha que podemos já ter nos encontrado antes?

— Essa é sua melhor cantada? — perguntou ela brincando com a azeitona da bebida.

Arthur riu pra disfarçar o embaraço.

— Tem razão, isso foi péssimo — ele admitiu. — Mas sinceramente, você parece familiar.

— Tenho certeza de que não nos conhecemos — afirmou Narcisa. — Você não se esqueceria de mim, e eu me lembraria de um rapaz tão charmoso.

Ela bebeu o que restava de seu Martini e Arthur imitou, enquanto pensava no que dizer em seguida.

— Você disse que geralmente vinha ler aqui. O que você gosta de ler?

Narcisa pareceu satisfeita com a pergunta, e baixou o rosto para procurar algo dentro da bolsa. Uma mecha de cabelo claro caiu sobre seu rosto e ela o afastou com a mão, prendendo-o atrás da orelha e logo em seguida colocando um livro sobre a mesa.

— Acho que já li de tudo na vida — disse ela. — Mas atualmente estou lendo esse. As Flores do Mal, de Charles Baudelaire. É poesia, um livro maravilhoso.

— Gostaria de ler algo pra mim? — ele sugeriu.

Ela deu de ombros e começou a folhear as páginas até que pareceu achar algo que pareceu a agradar.

“Imprudências de fauno, iras de boxeador,
Tu que de graça aureolaste os desgraçados,
Coração orgulhoso, homem fraco e sem cor,
Puget, imperador soturno dos forçados.”

Ele não fazia ideia do que isso significava, mas aparentemente, ela havia escolhido essa estrofe por citar a palavra "fauno", então mesmo sem entender, isso o agradou.

— Você sempre vem aqui ler? — perguntou Arthur. — Não seria melhor ler em um lugar mais tranquilo?

Narcisa deu um sorriso torto.

— Vinha porque estava esperando por você.

Arthur riu.

— Isso quer dizer que você sabia que eu vinha?

— Exatamente — disse ela assentindo, e Arthur achou graça.

— Eu também sempre venho aqui — disse ele. — Não para ler, é claro, não leio muito, mas quando estou com um livro prefiro lugares mais tranquilos. Apesar disso, gosto desse estabelecimento.

Narcisa olhou ao redor incrédula, mas tudo o que disse foi:

— Há lugares mais agradáveis.

Arthur sorriu, pois era obrigado a concordar. O bar não era o melhor ao qual ele já havia ido, mas a clientela dali não era de todo ruim, e ele tinha uma certa amizade com o barman há algum tempo. E além do mais, não ficava muito longe de casa, e as vezes ele simplesmente tinha preguiça de procurar outro lugar pra ir.

— Quer beber mais alguma coisa? — Arthur ofereceu, apoiando os cotovelos sobre a mesa.

— Eu adoraria — disse ela e balançou a cabeça em seguida —, mas não aqui. — Ela sorriu, erguendo apenas um canto da boca. — Que tal ir até minha casa?

Ele desejava ir, sinceramente, mas alguma coisa no fundo de sua mente dizia que não era hora pra isso, e que deveria voltar pra Alexandria e falar com Diana, ao invés de ficar bebendo com uma completa estranha.

Mas ele tentou ignorar os apelos de sua consciência e agir racionalmente.

— Outro dia talvez — respondeu ele. — Não vou demorar pra ir pra casa, só queria me distrair de alguns problemas e algumas coisas ruins que aconteceram hoje — Arthur tentou justificar —, mas vou estar na casa dos meus pais amanhã, e prefiro não estar sofrendo os efeitos de uma noite de bebedeira — brincou ele. — Sinto muito por não aceitar seu convite.

O rosto dela se distorceu por um momento em uma emoção que Arthur não conseguiu identificar, mas em seguida ela sorriu, parecendo estar tentando ser compreensiva.

— Poderíamos nos ver de novo outro dia? — Ela sugeriu. — Em um jantar na minha casa talvez.

Ele ergueu uma das sobrancelhas.

— Estou sendo convidado para um encontro?

— É, você está — ela confirmou.

— Nesse caso eu aceito. Mas por hora, acho que deveríamos continuar nossa conversa pelo que resta da noite. De preferência, sem muito álcool.

Ela lhe deu um sorriso.

— Excelente ideia.

* * *

Arthur acordou um pouco enjoado, se sentindo incomodado com a quantidade excessiva de cobertores na cama. Estava suando debaixo de tudo aquilo, e se sentindo sufocado. Ele nunca havia gostado muito de inverno, e estava consideravelmente ansioso pra voltar pra Alexandria, onde era verão.

Tomou um banho quente e se trocou, pra em seguida jogar-se novamente na cama com preguiça, puxando o cobertor sobre si com frio, mas ainda tinha alguma coisa o incomodando, a sensação de que estava esquecendo de alguma coisa. Será que havia tido algum sonho e não se lembrava?

Perdeu um minuto tentando recordar-se, mas em seguida, ignorando o incômodo, Arthur pegou o celular e o desbloqueou. Ainda estava aberto nos contatos, onde havia salvo o número do celular de Narcisa, e com um flash repentino de memória, se lembrou do que havia sonhado.

Se recordou de ter estado lendo o livro de poesia dela, e havia algo importante nele, mas o que era?

Entrou no Google e digitou o único verso da poesia do qual não havia esquecido.

"Imprudências de fauno iras de boxeador"

Mas nenhum dos resultados da pesquisa se parecia com o que ele havia lido.

Chutou o cobertor para longe novamente, irritado, e digitou um SMS para a feiticeira.

"Bom dia :) como foi sua noite?"

Não levou muito tempo para ouvir o bipe do celular, alertando sobre uma nova mensagem.

"Bom dia. Poderia ter sido melhor, mas dormi bem. E como foi a sua?"

Ele clicou sobre a caixa de texto e digitou:

"Aguardo pelo nosso jantar ;) Tb dormi bem, mas acordei tentando me lembrar do poema q vc leu ontem. Como se chamava?"

Ele aguardou ansioso, enquanto rolava na cama se embolando nos lençóis. Quase não ouviu a mensagem seguinte, pois estava com a cabeça debaixo do travesseiro quando recebeu.

"Os Faróis, de Charles Baudelaire"

Arthur imediatamente iniciou uma pesquisa pelo título. Depois de abrir alguns links mostrados como resultado, encontrou o poema e o leu.

Era um texto muito rebuscado, e mal parecia fazer sentido. Tudo o que Arthur percebeu é que parecia falar sobre uma série de pintores famosos, como Da Vinci, Michelangelo... e Delacroix!

Arthur leu novamente a estrofe onde encontrou o nome do pintor.

“Delacroix, lago onde os anjos maus banham-se em sangue,
Na orla de um bosque cujas cores não se apagam
E onde estranhas fanfarras, sob um céu exangue,
Como um sopro de Weber entre os ramos vagam;”

A partir dai, ele apenas tirou prints da tela e saltou da cama para começar a jogar todas as suas coisas dentro da mochila.

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