Capitulo Vinte e Dois(final)
Victor Decker:
Ambres estava diante de mim, distante, mas sua presença era palpável, como uma sombra que se recusava a desaparecer, uma lembrança amarga do passado. Ele deveria estar morto. Eu o vi assim antes, sua vida esvaindo-se diante dos meus olhos. Mas agora, algo estava diferente. Seu rosto, sempre vinculado à dor e à morte, trazia um sorriso enigmático, como se conhecesse um segredo que escapava à minha compreensão. Ao seu lado, uma figura imponente, silenciosa, irradiava um desespero avassalador, uma presença que fez cada célula do meu corpo estremecer. Era o fim. Ele estava aqui. E estava perto demais.
— Olá, Victor Decker — a voz de Ambres cortou o silêncio com uma suavidade que me deixou em alerta. Era como o sussurro de uma tempestade iminente, cheia de segredos por trás de seu tom tranquilo. Seu sorriso permanecia intacto, uma máscara quase irreal, iluminada pelo brilho sombrio que pairava ao redor. Ao nosso redor, o mundo parecia desmoronar. Não havia chão, nem céu. Somente uma vasta e opressora escuridão líquida, uma dimensão que engolia a realidade e me deixava à deriva.
A bruma serpenteava ao meu redor, densa e gelada, como se estivesse viva, esperando o momento certo para me engolir. Cada respiração era um esforço, sufocada pela umidade que parecia vir de todas as direções, apertando meu peito. Um arrepio percorreu minha espinha ao considerar: aquilo poderia ser um teste... o último. Um limiar entre a vida e a morte, ou algo mais sombrio, oculto além do véu nebuloso que me envolvia.
— Ambres — murmurei, quase sem fôlego, inclinando levemente a cabeça em reconhecimento, tentando mascarar o turbilhão de emoções que sua presença invocava em mim. Seu vulto se movia na névoa, indistinto, como um espectro perdido no tempo. De vez em quando, a neblina se abria, revelando seus olhos: frios, distantes, mas cheios de propósito.
— O que está fazendo aqui? — Minha voz soou cansada, e uma exasperação sutil escorregou em cada palavra. Eu suspirei, sentindo o peso do momento oprimir meus ombros. — Não me diga que você agora é o guardião dos portões do paraíso — tentei ironizar, mas até eu podia sentir o amargor pingando na minha voz. — Nunca te imaginei como o tipo angelical.
Por um instante, o silêncio nos cercou, denso e esmagador, como se até as palavras temessem emergir naquele lugar onde o tempo parecia suspenso. O sorriso de Ambres, no entanto, não vacilou. Ao lado dele, a figura do fim continuava imóvel, mas havia uma pulsação, um poder tangível que emanava dela, como se aguardasse... algo. Minha pele se arrepiou com a proximidade daquela força incompreensível, uma sensação de que o destino estava prestes a ser decidido.
— Não vou levar você ao paraíso, ou seja lá o que os mortais imaginam que existe no fim de suas vidas — respondeu Ambres, com um tom sarcástico que ecoou no vazio ao nosso redor.
A figura do fim permaneceu inerte, mas sua presença era esmagadora, sufocante. Eu podia sentir o poder emanando dela, uma força inevitável, incontrolável. Ela não precisava falar; sua mera existência carregava o peso de todas as histórias já contadas, como se fosse a última página de um livro antigo. O fim de tudo.
— Então, o que é isso? — perguntei, tentando manter a compostura, mas sentindo o pavor se enroscar ao redor do meu coração. Meus olhos se moviam entre Ambres e a figura sombria, buscando alguma resposta, algum sentido. — É mais um teste? Outra escolha que tenho que fazer?
Ambres sorriu novamente, mas o brilho de humor em seus olhos desapareceu. Algo mais profundo e sombrio estava oculto por trás daquele sorriso. Ele deu um passo à frente, e com cada passo que dava, a névoa recuava de seus pés, como se até o próprio ambiente ao nosso redor o temesse. A escuridão era sua serva, e ele era o maestro de tudo aquilo que me cercava.
— Não. — Sua voz agora era um sussurro, baixo e carregado de uma verdade pesada, como se cada palavra fosse uma sentença. — Desta vez, não há testes. Não há escolhas. Você já as fez, Victor. E salvou tudo. Os mundos foram reescritos à sua imagem... e com isso, veio a sua libertação.
Meus olhos se arregalaram, o coração batendo forte no peito. Salvei tudo? Reescrevi os mundos? Uma sensação esmagadora, maior do que qualquer coisa que eu pudesse compreender, se espalhava pela minha mente. O que Ambres estava dizendo... era impossível. E, ao mesmo tempo, dentro de mim, algo sabia que era verdade.
— O que... o que você quer dizer com isso? — Minha voz estava trêmula, carregada pelo peso das palavras. Tudo o que fizera, cada sacrifício, parecia estar se encaixando em uma verdade maior.
Ambres desviou o olhar para a figura ao seu lado. Ela não se moveu, mas o peso de sua presença aumentou, como se a proximidade do fim estivesse me consumindo. O último capítulo estava sendo escrito. Eu podia sentir isso.
— Significa que o ciclo terminou — ele disse, com uma calma desconcertante. — Mas o que você fará a partir de agora... está além do destino.
Ambres riu suavemente, mas havia algo escuro e profundo em seu riso, como se ele fosse o único a entender a piada. Seus olhos brilharam com uma nova intensidade, e à medida que se aproximava, eu sentia que a verdade estava à minha frente. E ela era inevitável.
A figura do fim deu um passo à frente. Quando sua voz finalmente ecoou, era como um trovão distante, reverberando através da escuridão.
— O que você fez foi libertar os mundos, Victor. Agora, eles estão livres... livres para existir além do tempo, além das amarras que os prendiam. O ciclo de NeverNever... terminou. E com ele, sua antiga vida.
Ambres se aproximou, seus olhos agora suavizados pela admiração, um raro brilho de orgulho.
— O que resta agora — disse ele — é você escolher seu caminho. Um caminho que apenas você pode trilhar. O futuro está em suas mãos, Victor. O poder de um rei é medido por suas escolhas... e você... já fez a sua.
O mundo ao nosso redor começou a mudar.
A escuridão que nos envolvia começou a se agitar, como se o próprio tecido da realidade estivesse mudando. O vazio absoluto que antes me cercava deu lugar a um horizonte nebuloso, onde cores suaves começaram a se manifestar, misturando-se com sombras, criando formas que pareciam estar nascendo de algo novo. Cada pulsar de luz ao meu redor trazia uma sensação de alívio, como se o peso que me esmagava estivesse, aos poucos, sendo dissipado. Mas, ao mesmo tempo, uma nova responsabilidade se aproximava, crescendo com cada batida do meu coração.
Ambres permaneceu em silêncio, sua presença sólida e inabalável, observando enquanto o mundo ao nosso redor se reconstruía. Eu o encarei, ainda processando suas palavras. O fim de um ciclo. Eu havia feito isso. Mas a magnitude de tal ação parecia além de qualquer compreensão. E agora? Agora, eu estava diante do próximo passo, um caminho que parecia repleto de incertezas e, ao mesmo tempo, de uma grandiosidade esmagadora.
A figura do fim permaneceu imóvel, mas sua presença ainda irradiava poder e propósito, como se estivesse apenas esperando o momento certo para agir.
— Então, o que resta? — minha voz ecoou, mais confiante do que eu me sentia. — Eu... uni os mundos, libertei aqueles que estavam presos. Mas e agora? O que acontece comigo?
Ambres, com seu sorriso calmo, deu um passo à frente, seu olhar firme e sereno. A névoa ao redor de seus pés parecia quase dançar, recuando a cada movimento que ele fazia.
— O que resta, Victor, é que você escolhe — disse ele, sua voz carregada de uma certeza inabalável. — Os reinos que você uniu... precisam de um rei. Precisam de alguém que entenda o equilíbrio, que conheça tanto a luz quanto a escuridão. E esse alguém... é você.
— Um rei? Eu? — A incredulidade na minha voz era palpável. A ideia de me tornar um rei parecia distante, irreal. Eu passei a vida lutando, sacrificando, sobrevivendo... Mas reinar? Era uma responsabilidade que nunca imaginei carregar. — Ambres, eu não sei se estou pronto para isso. E se eu falhar?
— Todos falham, Victor. — A figura do fim finalmente falou, sua voz reverberando como o eco de uma tempestade distante. — Mas a verdadeira força não está em nunca falhar, mas em aprender com cada erro, em se erguer mais forte. Seu reinado não será fácil, mas será seu. O que você criou está além do destino, e apenas você pode decidir o que fazer a seguir.
Eu senti o peso de suas palavras se estabelecer sobre mim. As cores ao meu redor continuavam a rodopiar, como se o próprio ar estivesse vivo, esperando minha decisão. E no fundo, algo em mim despertava, uma sensação de propósito que eu nunca havia sentido antes. O futuro estava diante de mim, vasto e inexplorado.
— E se eu recusar? — perguntei, minha voz mais baixa, quase em um sussurro. — E se eu escolher outro caminho?
Ambres se aproximou, sua expressão se suavizando. Por um momento, ele parecia menos a figura imponente do passado e mais... um amigo.
— A escolha sempre será sua, Victor. Você é livre para ir embora, para deixar tudo isso para trás. Mas saiba que os reinos que você salvou precisam de você. Eles precisam de alguém que compreenda a escuridão e a luz, que saiba navegar entre esses mundos e equilibrar ambos. E, Victor... você é a única pessoa que pode fazer isso.
O mundo ao meu redor parecia parar, suspenso no tempo, enquanto eu refletia sobre suas palavras. Minha mente rodava com as possibilidades, com as dúvidas, mas, ao mesmo tempo, uma chama de determinação acendia dentro de mim.
Eu olhei para Ambres, depois para a figura do fim, e por fim, para o horizonte que se estendia diante de mim. Um novo mundo. Um novo começo. E, de repente, tudo pareceu claro.
— Se é isso o que precisa ser feito... então estou pronto.
As palavras saíram mais firmes do que eu esperava. Uma onda de energia passou por mim, e pela primeira vez desde que essa jornada começou, senti que estava no controle. Eu estava pronto. Pronto para aceitar o que quer que viesse a seguir.
Ambres sorriu, seus olhos brilhando com uma mistura de orgulho e algo mais profundo. Ele se inclinou levemente, uma saudação que fez o ar ao redor vibrar com uma energia antiga e poderosa.
— Então que assim seja, Victor. Que seu reinado seja longo e justo.
A figura do fim, que permanecia imóvel e silenciosa até aquele momento, deu um passo à frente. Com um gesto lento e solene, ela estendeu a mão, e de seus dedos pálidos, surgiu uma coroa. Não uma coroa comum, mas algo feito de sombras e luz, entrelaçado com a essência dos mundos que eu havia libertado.
— A coroa é sua — disse a figura, sua voz suave, mas carregada de uma gravidade que reverberou em meu peito. — Ela simboliza o equilíbrio entre a escuridão e a luz, entre os mundos que você uniu. Use-a com sabedoria.
Eu a olhei por um longo momento, sentindo o peso do momento. E então, com uma respiração profunda, dei um passo à frente e aceitei a coroa. Ao colocá-la em minha cabeça, senti uma onda de energia percorrer meu corpo, como se o próprio universo estivesse se alinhando com a minha alma. O poder que antes parecia fora de alcance agora fluía livremente por mim, como uma extensão de quem eu era.
A vastidão ao meu redor começou a se transformar novamente, desta vez de forma mais rápida e vívida. As sombras recuavam, e no horizonte, uma nova paisagem começava a se formar. Um reino que era meu, criado pelas minhas próprias mãos.
Ambres deu um passo para trás, sua figura começando a desaparecer na névoa, mas seu sorriso permanecia, carregado de orgulho e respeito.
— Este é apenas o começo, Victor. O verdadeiro teste começa agora.
E com essas palavras, ele se desfez na bruma, deixando-me sozinho com a figura do fim, e com o futuro vasto e desconhecido à minha frente.
Eu estava pronto. Meu destino começava agora.
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Ao abrir os olhos, senti o peso do momento, não apenas da coroa em minha cabeça, mas de tudo o que o novo papel representava. Estava no centro do imenso salão do Reino das Sombras, e o ar era carregado de expectativa, uma tensão palpável que parecia pulsar com a própria essência daquele lugar. Ao meu redor, os feéricos das sombras emergiam, suas formas escuras e etéreas deslizando silenciosamente, como sombras vivas, sempre à espreita, sempre misteriosas. E então, ao lado deles, os habitantes do País das Maravilhas apareceram, suas cores vibrantes e caos desafiando a serenidade sombria dos feéricos.
Minha atenção logo se fixou no grupo à minha frente. Branca, Meghan, Ash, Kierran... todos estavam ali, seus olhares cravados em mim, carregados de expectativa. Mas foi ao ver aquele sorriso travesso, aquele brilho familiar que sempre prometia algum segredo, que meu coração deu um salto. Puck estava ali também. Seus olhos, como sempre, carregavam a irreverência e a confiança que ele mantinha mesmo nos momentos mais sérios. E naquele instante, percebi que, embora fosse o centro das atenções, ele era o ponto de apoio que eu sempre soube que estaria ao meu lado.
Todos me observavam. Cada olhar, cada feérico, cada habitante do País das Maravilhas, todos presos no momento, esperando por algo. Eu podia sentir suas emoções reverberando através do salão, uma onda de energia que parecia atravessar o chão e subir pelos meus pés, fundindo-se a mim. O Reino das Sombras e o País das Maravilhas estavam ligados a mim agora, como se suas veias fossem extensões das minhas próprias. Seus corações batiam em uníssono com o meu, e o poder fluía em todos nós, criando um laço invisível e indestrutível.
Fechei os olhos por um breve momento, sentindo a profundidade da conexão. Era mais do que uma simples liderança ou poder. Era como se o próprio reino tivesse se moldado em torno de mim, adaptando-se ao que eu era, assim como eu me adaptava a ele. Eu conhecia cada pedaço daquele lugar, cada folha e raiz, como se fizessem parte de mim. E com essa nova consciência, veio a compreensão de que o equilíbrio havia sido alcançado. Não havia mais caos descontrolado, nem destruição iminente. Tudo estava em harmonia.
Quando abri os olhos, sabia o que precisava fazer. Com um gesto firme, ergui a mão, e o salão inteiro se ajoelhou, em uma reverência que reverberava com uma aceitação silenciosa. Feéricos das sombras e habitantes do País das Maravilhas, todos se curvaram diante de mim, reconhecendo o que agora eu representava. O poder não estava apenas em mim, mas em cada um deles, e juntos, formávamos algo maior, algo que nenhum reino havia experimentado antes.
— Eu sou Victor Decker, o novo rei das Sombras e do lado vermelho do País das Maravilhas! — declarei, minha voz firme, ecoando pelas paredes escuras do salão. — A fusão dos mundos está completa, e o equilíbrio entre eles foi restaurado. Agora, sob meu comando, o Reino das Sombras e o País das Maravilhas caminharão juntos, unidos em um só poder.
O silêncio que se seguiu foi pesado, mas carregado de entendimento. Eles sabiam o que minhas palavras significavam. Sabiam que uma nova era começava, e eu era o guardião de tudo aquilo. Ambres estava certo. A verdadeira força de um rei reside em suas escolhas. E eu estava pronto para fazer as minhas.
Então, através da multidão ajoelhada, Puck se moveu com a graça que só ele possuía, seus passos leves, quase como se estivesse dançando entre os feéricos. Seus olhos nunca deixaram os meus, aquele brilho travesso e familiar sempre presente, mas agora com algo mais. Uma profundidade que eu reconhecia, mas que apenas agora estava disposto a aceitar completamente.
Ele parou diante de mim, e sem hesitar, eu o puxei para perto, abraçando-o com força. O conforto e a familiaridade que senti em seus braços era algo que eu não sabia que precisava até aquele exato momento. E então, sem pensar, meus lábios encontraram os dele. O beijo foi cheio de emoção, um misto de alívio, gratidão e algo mais profundo, algo que há muito tempo estava guardado dentro de mim. Por um breve instante, o mundo ao nosso redor deixou de existir. Não havia reino, não havia responsabilidade. Apenas nós dois.
Quando nos separamos, nossos rostos ainda próximos, eu o encarei nos olhos, e naquele momento, soube que tudo estava certo. O peso da coroa, a responsabilidade de unir dois reinos, tudo parecia mais leve com Puck ao meu lado.
— Eu sempre soube que você faria isso — ele murmurou, o tom brincalhão, mas carregado de um afeto inegável.
Sorri para ele, sentindo o calor do momento ainda em meus lábios.
— E eu sempre soube que você estaria aqui, ao meu lado.
Sem aviso, ele me levantou no colo, rodopiando-me no ar com a facilidade que só ele tinha. O salão, antes solene e carregado, se encheu com o som de sua risada leve e contagiante, e por um momento, tudo parecia possível. Enquanto ele me girava, senti a leveza que há muito havia desaparecido de minha vida. O peso do mundo ainda estava lá, mas com Puck ao meu lado, estava tudo mais suportável.
Quando finalmente me colocou de volta no chão, ele me olhou com aquele brilho travesso, e eu não pude deixar de sorrir de volta. Mesmo em meio ao caos, Puck sempre encontrou uma maneira de trazer luz. Ele se inclinou, com o rosto a poucos centímetros do meu.
— Você sabe, Vick, acho que a coroa combina com você — ele disse, com aquele tom leve, mas cheio de afeto.
Ri, balançando a cabeça.
— Com você aqui, talvez eu realmente possa me acostumar com isso.
Ele sorriu, e dessa vez o sorriso carregava algo mais profundo, algo além da travessura de sempre.
— E quando foi que fizemos algo do jeito fácil, Vick?
Eu ri novamente, sentindo algo crescer dentro de mim, algo mais profundo do que qualquer responsabilidade ou título.
O futuro se estendia diante de nós, vasto e incerto. Mas com Puck ao meu lado, sabia que qualquer caminho que escolhesse, eu não enfrentaria sozinho.
— Para onde vamos a partir daqui? — perguntei, minha voz suave, mas cheia de uma nova confiança.
Puck sorriu, inclinando a cabeça levemente.
— Aonde você quiser, majestade.
E naquele momento, soube que, com ele ao meu lado, eu estava pronto para qualquer coisa.
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Gostaram?
Até o epílogo
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