Capítulo Catorze
Victor Decker:
Do topo da elevação que passamos eu observei o vale abaixo, onde os exércitos de Summer, Winter, Ferro e até os habitantes do País das Maravilhas estavam acampados. A cena era uma mistura de caos e organização, com tendas espalhadas de maneira livre e aleatória, formando uma pequena cidade de tecido colorido e ruas de lama. Ocasionalmente, as bandeiras de diferentes cortes tremulavam ao vento, delineando as facções ali reunidas. Mesmo à distância, as diferenças entre os Seelie, Unseelie, Ferro e os habitantes das Maravilhas eram evidentes.
As tendas dos Seelie, com suas cores claras e vivas, pareciam respirar a essência do verão — tons de marrom, verde e amarelo, refletindo a vitalidade da estação. Em contraste, o acampamento Unseelie estava marcado por cores mais escuras e sombrias, matizes de preto, azul profundo e vermelho escuro, como se o próprio crepúsculo tivesse se aninhado ali. Já o Reino do Ferro optara por misturas simples, mas impactantes, que lembravam tons de ferrugem e aço, suas tendas refletindo a natureza fria e prática da corte.
E, por fim, os habitantes do País das Maravilhas estavam acampados em tendas brancas impecáveis, com detalhes em vermelho vibrante, como se o próprio espírito de sua terra estranha e imprevisível estivesse presente até em seu abrigo.
Mesmo estando todos do mesmo lado, unidos por um inimigo comum, era evidente que as cortes e facções não se misturavam. Os Seelie e Unseelie mantinham distância, preferindo suas próprias áreas separadas, e nem o Reino do Ferro nem os habitantes das Maravilhas compartilhavam o mesmo espaço. Havia uma divisão clara no vale, como uma linha invisível que ninguém ousava cruzar.
No centro do acampamento, porém, havia uma exceção. Uma grande estrutura erguia-se no ar, como um pilar de esperança frágil. Bandeiras das diversas cortes tremulavam lado a lado, Seelie, Unseelie, Ferro e Maravilhas, todas reunidas, ao menos ali, naquele pequeno ponto de convergência. Era um sinal de que, apesar das diferenças, estavam tentando se unir, tentando conversar.
Mas até mesmo daquele ponto de observação, eu podia sentir a tensão pairando no ar, uma frágil aliança construída em terreno instável. O destino de Nevernever, e talvez de todos os reinos, estava suspenso por um fio. E tudo dependia do que aconteceria nas negociações que estavam prestes a começar.
Puxei o ar frio da manhã, sentindo o peso da responsabilidade que recairia sobre todos nós em breve.
Além dos campos, uma visão inquietante se desenrolava. Uma floresta espiralada de sombras surgia no horizonte, seus galhos torcidos parecendo esticar-se para frente, como dedos esqueléticos tentando agarrar o que restava de Nevernever. Mas o que chamou minha atenção foi o imenso portal que se formava no centro dessa escuridão crescente. Parecia uma enorme janela de vidro, translúcida e etérea, flutuando entre duas partes da floresta. A última vez que eu tinha visto o Reino das Sombras, ele existia como um mundo à parte, envolto e escondido dentro da própria escuridão. Mas agora, tudo havia mudado. O Reino das Sombras estava se expandindo de dentro para fora, forçando seu caminho para fora das trevas e consumindo Nevernever como um câncer que se espalha implacavelmente.
— Tivemos que recuar muitas vezes — Ash disse ao meu lado, sua voz baixa e pesada, carregada com o cansaço de batalhas perdidas e a frustração de uma guerra sem fim.
Olhei para o vasto campo à nossa frente, onde os exércitos de todas as cortes estavam reunidos. O campo inteiro parecia estar à beira de uma ação iminente, como se esperasse apenas uma palavra para se erguer e marchar. A tensão era palpável, e eu me perguntei o quão rápido o Reino das Sombras estava se expandindo. Se continuasse assim, não demoraria muito até que tudo fosse devorado.
— O campo inteiro parece pronto para se levantar e se mover a uma palavra — murmurei, mais para mim mesmo. — Pergunto-me quão rápido o Reino das Sombras está crescendo...
Ash não respondeu, mas a linha tensa de sua mandíbula revelava que ele sabia exatamente o quanto estávamos perdendo.
Descemos em direção ao acampamento, e quando chegamos ao solo, pulei para fora de Puck, que prontamente reassumiu sua forma humana ao meu lado. Começamos a caminhar pela cidade de tendas, e de perto, o acampamento parecia ainda mais vasto e disperso. Um desconforto familiar começou a crescer em mim. Andar entre tantos feéricos, com seus olhos inumanos brilhando em curiosidade e desconfiança, fez meu estômago revirar. Cada movimento meu era seguido por olhares atentos, como se eu fosse uma aberração entre eles.
Felizmente, nossa rota nos levava apenas pelo campo Seelie, o que era uma pequena benção. Puck se manteve perto de mim, um raro sinal de sua própria cautela, enquanto navegávamos pelas estreitas ruas de lama entre as tendas. Cavaleiros Summer, vestidos com suas armaduras extravagantes, estilizadas para parecerem como milhares de folhas sobrepostas, passavam apressadamente, suas asas de libélulas afiadas roçando-se umas nas outras. Eles nos lançavam olhares breves e desconfiados, mas não diziam nada, apenas se apressavam a sair do caminho.
Cada passo nos aproximava da grande tenda no centro, onde as negociações estariam prestes a começar. Mas o peso da escuridão que se expandia à distância permanecia sobre nós, uma constante lembrança de que estávamos correndo contra o tempo, e que as alianças frágeis e temporárias que estavam se formando talvez não fossem o suficiente para deter o que estava por vir.
— Isso não parece bom — Puck murmurou, seus olhos estreitados enquanto observava os cavaleiros ao redor.
— Nunca parece — respondi, sentindo a pressão aumentar a cada momento. Sabíamos que estávamos à beira de algo grande, e que a luta que se aproximava exigiria mais de nós do que jamais poderíamos imaginar.
Nós nos aproximamos da larga tenda, movendo-nos rapidamente entre as aletas de tecido enquanto os guardas as puxavam para o lado. Entramos em uma clareira de floresta envolta em sombras densas, como se o próprio ar estivesse impregnado pela presença do Reino das Sombras. As árvores gigantes acima de nós estendiam seus galhos como mãos imponentes, com minúsculos feixes de luz atravessando a folhagem densa. Fogos fátuos, pequenas chamas mágicas, dançavam ao nosso redor, rindo com uma leveza desconcertante. Tentei afastá-los com um gesto irritado, e eles se dispersaram, rindo ainda mais alto enquanto se dissipavam.
No centro da clareira, cinco figuras estavam reunidas ao redor de um enorme mapa que flutuava no ar, projetado por magia. Quatro rainhas e um rei observavam atentamente, suas expressões sombrias. A tensão no ar era palpável.
Oberon, o Rei Seelie, estava vestido para a batalha. Sua armadura brilhava em tons de esmeralda e dourado sob a luz das estrelas ilusórias que tremulavam no ar. Uma capa ondulada, feita de algum tecido etéreo, drapejava atrás dele, dando-lhe um ar majestoso e ameaçador ao mesmo tempo. Sua coroa, feita de galhos retorcidos, lançava sombras distorcidas no chão da floresta. Alto, esguio e elegante, com seus longos cabelos prateados trançados descendo pelas costas, ele parecia cada vez mais uma força inabalável da natureza. Ao seu lado, uma espada cintilava com um brilho frio. Seus olhos verdes nos observaram enquanto nos aproximávamos, mas sua expressão permaneceu indecifrável, indiferente. Mesmo quando seus olhos passaram por Puck, parados atrás de mim, ele os afastou rapidamente, como se estivesse olhando para algo inconveniente.
Ao lado de Oberon, Titânia, a Rainha Seelie, era uma visão de puro desprezo. Sua expressão irradiava ódio, um ressentimento antigo que parecia ferver logo abaixo da superfície. Seus olhos se estreitaram ao pousar em mim, e a intensidade de sua raiva me atingiu como uma onda fria. Ela lançou um olhar igualmente desdenhoso para Puck, mas o peso de seu ódio estava claramente direcionado a mim. Quando nossos olhares se encontraram, um sorriso sórdido curvou os lábios dela, como se ela estivesse satisfeita em me ver ali, vulnerável diante de tantos inimigos. Era um sorriso que falava de vingança não concretizada, mas que ela desejava ver realizada.
Mab, a Rainha do Inverno, não parecia estar muito atrás em termos de hostilidade. Seu olhar gelado me perfurou como uma lâmina de gelo, e por um momento, tive a sensação de que ela poderia me atacar ali mesmo, sem hesitação. Seu ódio era palpável, e o ar ao seu redor parecia esfriar com sua presença.
As únicas que demonstravam algum tipo de tranquilidade eram Meghan, a Rainha do Ferro, e a Rainha Branca, a enigmática governante do País das Maravilhas. Meghan me observava com uma expressão serena, talvez um pouco preocupada, mas sem a hostilidade flagrante dos outros. Já a Rainha Branca sorria de forma enigmática, como se soubesse algo que todos os outros ainda não sabiam.
Oberon foi o primeiro a falar, sua voz reverberando pelo ar e fazendo o chão sob nossos pés tremer levemente.
— Você veio — disse ele, suas palavras carregadas com o peso de séculos de poder e autoridade.
A tensão na clareira aumentou, como se cada palavra dita pudesse desencadear algo muito maior. Eu sabia que estava no centro de algo perigoso e imprevisível, onde alianças frágeis e ressentimentos antigos colidiam.
O peso das palavras de Oberon pairou no ar por um momento, reverberando pela clareira. O chão sob nossos pés ainda vibrava levemente, como se a própria terra estivesse reagindo à sua presença. Senti todos os olhares se voltarem para mim, uma mistura de expectativa, hostilidade e, em alguns casos, algo mais difícil de decifrar. Respirei fundo, ciente de que cada palavra a partir de agora seria crucial.
— Sim, eu vim — respondi, tentando manter minha voz firme, apesar da tensão que aumentava a cada segundo. — Mas não estou aqui por qualquer um de vocês. Estou aqui porque se nada for feito, Nevernever será consumido pelas sombras. E todos nós seremos destruídos.
Oberon inclinou a cabeça levemente, seus olhos verdes ainda me observando com uma frieza calculada. Ele não mostrou nenhuma emoção, mas eu sabia que ele estava ponderando minhas palavras com cuidado.
— O Reino das Sombras não é uma ameaça que possamos ignorar — continuou Oberon, sua voz tão firme quanto o aço. — É por isso que estamos todos aqui, pela primeira vez em séculos, unidos. Mas a questão é... você está preparado para fazer o que for necessário? Porque, como você bem sabe, barganhas com as cortes nunca vêm sem um preço.
Eu sabia que aquilo estava vindo. Nenhum favor dos feéricos era dado sem um custo. E ali, diante das figuras mais poderosas de Nevernever, eu me sentia como um peão em um jogo muito maior do que eu poderia controlar.
Antes que eu pudesse responder, Titânia deu um passo à frente, sua expressão de ódio se tornando ainda mais intensa.
— Você fala como se tivesse algum direito de estar aqui — ela disse, sua voz cortante como uma lâmina. — Lembre-se, Victor Decker, você e Robin Goodfellow foram banidos dessas terras por crimes que não foram esquecidos. O perdão é uma dádiva que poucos receberiam, e mesmo assim, você ousa exigir algo em troca?
Ela deu um passo mais perto, seus olhos ardendo de desprezo.
— O Reino das Sombras está se expandindo, sim. Mas por que deveríamos confiar em você para nos ajudar a detê-lo? Por que não deveria eu mesma acabar com sua existência aqui e agora?
Senti o gelo subir pela espinha, mas antes que eu pudesse responder, Puck, que até então havia permanecido em silêncio, deu um passo à frente, colocando-se entre mim e Titânia.
— Fácil, Vossa Majestade — disse ele, sua voz carregada com a mesma leveza irônica de sempre, mas com um toque de seriedade subjacente. — Sei que estamos todos um pouco nervosos com o apocalipse iminente, mas isso não é hora de acertos de contas antigos, não acha?
Os olhos de Titânia cintilaram de fúria, mas ela permaneceu onde estava, claramente contida pela presença dos outros monarcas. Foi então que Meghan, a Rainha do Ferro, deu um passo à frente, interrompendo a tensão crescente.
— O perdão foi oferecido porque precisamos de todos os aliados possíveis — disse Meghan, sua voz calma, mas firme. — A ameaça é maior do que qualquer ressentimento passado. Precisamos de você, Victor, assim como precisamos de Robin. Não podemos nos dar ao luxo de deixar o orgulho ou a vingança nos cegarem agora.
Ela olhou diretamente para Oberon, Titânia e Mab, desafiando-os silenciosamente a discordar.
Oberon finalmente quebrou o silêncio, erguendo uma mão para interromper qualquer outro comentário.
— O que importa agora é que você está aqui — disse ele, olhando de mim para os outros. — Mas saiba disto: se falhar, se trair nossa confiança, não haverá mais perdão. Não haverá mais retorno. Tudo está em jogo, e isso inclui sua própria vida.
As palavras dele eram uma advertência clara, mas também uma aceitação da minha presença. Eu sabia que não tinha escolha. Se não ajudasse, Nevernever, o Reino das Sombras e o mundo mortal cairiam juntos.
— Estou ciente dos riscos — respondi, minha voz firme. — E farei o que for necessário para impedir Ambres e o Reino das Sombras de destruir tudo o que existe.
Oberon deu um leve aceno de cabeça, como se estivesse satisfeito com a resposta.
— Então que assim seja — disse ele. — A batalha final está se aproximando. Prepare-se.
Com isso, a reunião parecia chegar a uma conclusão silenciosa. As rainhas e o rei voltaram sua atenção para o mapa no centro da clareira, discutindo estratégias e planos de defesa. Eu sabia que a verdadeira luta ainda estava por vir, e que as sombras de Ambres estavam se aproximando rapidamente.
Enquanto Puck e eu nos afastávamos, o peso do que estava por vir pressionava meus ombros. A batalha pela sobrevivência de Nevernever estava prestes a começar, e eu sabia que não havia mais espaço para falhas.
Era tudo ou nada.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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