Capítulo Um
Victor Decker:
Tenho estado cativo no Palácio dos Feéricos Winter por um tempo que, neste sombrio canto do Nevernever, parece impossível de ser contado em dias. Enquanto o tempo aqui se desdobra de maneira tortuosa, o mundo lá fora, o mundo dos mortais, continua avançando implacavelmente. Se eu conseguir escapar deste lugar, quando voltar para casa, é possível que descubra que cem anos se passaram enquanto eu estava aprisionado. As pessoas que eram importantes para mim há muito tempo teriam perecido.
Tudo o que me resta é um pequeno caderno e uma caneta que os feéricos de Cambridge gentilmente me forneceram.
Neste momento, minha mente fervilha com planos, estratégias para uma fuga que não permita que os guardas me capturem. Meu quarto fica no último andar do palácio, e da janela posso vislumbrar a cidade cintilando com um esplendor gélido. Formas sombrias dançam e se contorcem nas sombras, revelando garras intermitentes, dentes afiados e asas ameaçadoras. Abaixo do palácio, meu quarto, como sempre, permanece gelado e impiedoso, com uma única janela, quatro paredes que se fecham ao meu redor, e apenas treze metros quadrados de espaço. A lareira em chamas oferece uma frágil resistência contra o frio incessante. As paredes e o teto, todos feitos de um gelo opaco e fumegante, conferem ao ambiente um ar sombrio e fantasmagórico. Mesmo o lustre cintilante, decorado com milhares de pingentes de gelo, não consegue afastar a sensação de frio penetrante. Estou vestindo um moletom, luvas, um agasalho espesso e um chapéu de lã, mas essas camadas não são suficientes para afastar o frio que me assola, principalmente agora que a Rainha Mab bloqueou meus poderes de Verão, que costumavam me aquecer.
Olho para o alto, observando o teto cavernoso que se perde na escuridão infinita. Milhares de pequenas luzes, que parecem ser fadas ou pequenos fogos faéricos, cintilam como um manto estelar.
Subitamente, uma batida ressoa em minha porta. Rápido, guardo o caderno e a caneta na mochila, que se dissolve misteriosamente, uma medida padrão para evitar que meus inimigos descubram sua existência.
Não convido ninguém a entrar, afinal, este é o domínio da Corte Unseelie, onde as regras são rígidas. Entretanto, não posso evitá-los por completo, mas os feéricos respeitam as formalidades. Sigo para a porta, minha respiração visível no ar congelante, e quebro um pedaço de gelo que a obstrui para abri-la. Do outro lado, uma jovem feérica desliza para dentro, sem emitir uma única palavra, sua aparência nívea como a neve e seus trajes adornados com jóias.
Meus poderes sombrios retorcem-se de inquietação, e uma aura de magia estranha e desconhecida emana dela. Suspiro fundo, mantendo meu olhar fixo nela.
— Quem é você? E o que deseja? — Pergunto com cautela.
A feérica me analisa com um ar de desprezo sutil.
— Sou sua prima. E está claro que você não está preparado. — Sua voz sibilante serpenteia pelo ar enquanto ela estuda minha expressão. — Apresse-se e troque de roupa. Temos que partir, agora. — Sua língua percorre os dentes num gesto ameaçador.
Franzo a testa, desconfiado.
— Para onde estamos indo? — Indago, recebendo risinhos em resposta.
— A rainha exige sua presença imediatamente. — Ela responde, como se fosse algo óbvio. — Agora, mova-se.
Quando finalmente chego ao salão principal, a Rainha Mab me recebe com um sorriso predatório e me dispensa com a promessa de que logo me chamaria. No reino das fadas, — logo— é um conceito relativo, e eu permaneço tenso e ansioso, aguardando o momento em que Mab revelará seu propósito.
Nesse momento, a imagem de Caleb surge em minha mente, trazendo à tona a fúria e a mágoa que ele me causou ao me trair. Se eu o encontrar novamente, é possível que minha raiva me consuma e me impulsione a buscar vingança.
A feérica ao meu lado fica impaciente, batendo no meu ombro e me empurrando em direção ao guarda-roupa com impaciência.
— Não perca tempo com devaneios! A Rainha não gosta de esperar. — Ela rosna, irritada, ao mesmo tempo em que acerta minha mão com raiva.
Controlando minha raiva, solicito:
— Um momento de privacidade, por favor?
Com um revirar de olhos, ela se vira e deixa o quarto. Aproveito para fechar a porta com a ajuda das sombras que se escondem debaixo da cama, ignorando seus sussurros zombeteiros. Em seguida, abro o guarda-roupa e escolho cuidadosamente o melhor traje que tenho. Por fim, observo meu reflexo no espelho, que aparece levemente distorcido devido às rachaduras no gelo. Naquele momento, mal reconheço o garoto que era quando cheguei aqui, e afasto esses pensamentos enquanto escolho roupas dignas de um encontro com uma rainha, optando por uma calça jeans e uma jaqueta escura.
Quando saio do quarto, a feérica me examina com um olhar crítico antes de se afastar.
— Siga-me. — Ela sibila, recuando pelo corredor gelado. — A Rainha está esperando.
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Adentrávamos os corredores escuros e sinuosos com passos cautelosos, enquanto eu mantinha meu olhar fixo à minha frente. Contudo, nos cantos periféricos de minha visão, captava relances dos habitantes sombrios da Corte Unseelie. Um espantalho raquítico e grotesco se encolhia atrás de uma porta, reminiscente de uma aranha gigante, com seu rosto pálido e macilento me observando através de uma estreita fresta.
Nosso fiel companheiro, um imenso cão de caça negro, com olhos brilhantes, nos seguia em silêncio pelos corredores, sua presença reconfortante. Afaguei sua cabeça, o animal de bom grado respondendo ao gesto de carinho, uma criatura que eu vinha cuidando desde minha chegada, agraciando-o com guloseimas retiradas de minha mochila.
Em um canto sombrio, dois duendes e um barrete vermelho com dentes de tubarão se apertavam, engajados em um jogo de dados confeccionados com dentes e minúsculos ossos. Enquanto eu passava, uma discussão explosiva irrompeu, os duendes acusando o barrete vermelho de trapaça. Então, um grito angustiado ecoou atrás de mim, seguido do perturbador som de ossos se quebrando.
A feérica conduziu-me em torno de uma curva no corredor, que se abriu em uma vasta sala. Delicados pingentes de gelo pendiam do teto, cintilando como lustres fractais sobre as paredes e o chão. O solo estava coberto de gelo e névoa, e minha respiração se condensava no ar gélido ao adentrarmos. Colunas de gelo sustentavam o teto, irradiando uma luminosidade confusa e deslumbrante, como cristais translúcidos, lançando um caleidoscópio de cores pela câmara.
Uma música primitiva e lúgubre reverberava por todo o recinto, interpretada por um grupo de humanos em um palco lateral. Os músicos, cadavéricos e emaciados, executavam suas melodias com instrumentos desgastados, seus cabelos compridos e desgrenhados caindo sobre seus rostos como se não tivessem sido cortados em anos. No entanto, pareciam completamente alheios à sua audiência feérica, tocando com fervor quase zumbi.
Dezenas de feéricos Unseelie circulavam na câmara, compreendendo ogros, barretes vermelhos, duendes, spriggans, kobolds, phoukas, hobs e outras criaturas cujo nome eu desconhecia. Moviam-se, dançavam e se divertiam com uma energia própria.
No extremo oposto da sala, um trono de gelo flutuava, irradiando um brilho gélido e inquietante. Sentada com majestade naquele trono, como se fosse uma extensão de uma grande geleira, estava Mab, a Rainha da Corte Unseelie. Ela estava deslumbrante em sua simplicidade, vestindo um terno branco imaculado, unhas opalescentes e sapatos de salto alto marfim. Seu cabelo negro estava elegantemente penteado para trás, destacando seus olhos negros profundos, que agora se erguiam para me observar. Seus lábios pálidos se curvaram em um sorriso lento e intrigante.
Os feéricos raramente se preocupavam com mortais; para eles, os humanos eram meros brinquedos, utilizados e descartados conforme a conveniência. Esta era uma verdade aceita por todas as cortes feéricas.
A feérica conduziu-me com determinação através das multidões de feéricos Unseelie, que, em grande parte, não davam atenção a sua presença. No entanto, seus olhares famintos, sorrisos impacientes e a sensação constante de ser observado permaneciam, e eu lutava para manter meus poderes das sombras sob controle. Os faeries eram atraídos pelo medo, afinal. Quando meu olhar se cruzou com o de um nobre sidhe, cujo rosto era todo ângulos afiados, parte de seu glamour se desfez, revelando uma expressão de agonia enquanto ele caía para trás, um pé sangrando como se tivesse sido perfurado.
O frio na presença da Rainha Winter aumentou de forma insuportável à medida que nos aproximávamos. Era como se a temperatura se desprendesse de forma tão cruel que cada respiração era um suplício. A feérica, por fim, alcançou a base do trono e inclinou-se reverentemente. Eu fiz o mesmo, embora o tremor em meu corpo fosse evidente, causado pelo frio intenso. Os feéricos Unseelie se aglomeraram atrás de nós, suas respirações e murmúrios criando uma atmosfera de expectativa enquanto presenciavam a chegada de um novo "brinquedo"
— Victor Decker — proferiu a rainha em uma voz áspera, acima de toda a assembleia. — Que prazer tê-lo conosco.
Respondi com calma, embora minha resposta carregasse um toque de gelidez:
— É uma honra estar aqui, minha senhora.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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