Capítulo Oito
Victor Decker:
Na noite seguinte, Puck e eu finalmente alcançamos a fronteira da wyldwood, a região mais misteriosa e sombria que havíamos ousado adentrar.
— Não falta muito agora, meu amigo. Logo encontraremos um trod. — Puck declarou, lançando-me um sorriso confiante.
Apenas algumas passadas adiante, a neve e o gelo, que até então haviam sido nossa trilha, simplesmente desapareceram. À nossa frente, estendia-se a wyldwood, um emaranhado de árvores sombrias, entrelaçadas, presas em um eterno crepúsculo.
— Uma vez que cruzemos a wyldwood, poderemos discutir o que fazer a respeito do cetro. — Puck murmurou, embora eu soubesse que ele já havia desistido de me persuadir a abandonar a busca.
— Mal posso esperar para sentir a água quente de um chuveiro novamente. — Ri, tentando aliviar a tensão que nos envolvia.
Puck e eu continuamos nossa jornada solitária, deixando para trás o cavalo de sombras que nos trouxera até ali. Enquanto o sol se punha lentamente no céu, as sombras ao nosso redor pareciam ganhar vida própria, tornando-se mais intensas e enigmáticas.
À medida que nos aproximávamos das trevas profundas da wyldwood, algo se movimentou nas sombras à nossa esquerda. Puck girou com uma agilidade surpreendente, sacando sua adaga, enquanto uma figura giratória tropeçou pelas árvores e caiu a poucos passos de nós. Era uma garota, sua aparência esguia e graciosa evocava a imagem de uma dríade, com uma pele verde-musgo e cabelos que lembravam vinhas secas.
A dríade tremia e sufocava, como se alguém a estivesse estrangulando. Me aproximei, observando sua expressão de desespero. Puck se ajoelhou ao lado dela.
— Ajude-me. — Ela conseguiu arfar, seus olhos marrons ampliados de terror. — Minha árvore...
— O que aconteceu com sua árvore? — Puck indagou, amparando-a enquanto ela fraquejava. Ela se inclinou contra ele, sua cabeça pendendo em seus ombros. — Ei. — Ele insistiu, dando-lhe leves sacudidas. — Fique comigo. Onde está sua árvore? Quem a derrubou?
A dríade conseguiu articular com dificuldade:
— A roubaram da terra e cortaram suas raízes. — Sussurrou, enquanto minhas mãos cobriam as suas. Assisti impotente quando ela parou de lutar, seus olhos viraram para cima e seu corpo se transformou em madeira em seus braços, com o som triste de galhos quebrando. A vida da feérica se desvaneceu diante de nós.
Ouvindo as sombras zombeteiras ao nosso redor, percebemos como a vida podia ser frágil.
Puck suspirou, curvando a cabeça com pesar, e recolheu o corpo inerte da dríade em seus braços. Agora, ela estava tão frágil quanto vidro quebrado, mas nenhum galho sequer se partiu enquanto ele a carregava para longe. Com todo o cuidado, ele depositou o corpo ao pé de uma árvore colossal, murmurando palavras sombrias.
Por um momento, nada aconteceu. Então, grandes raízes emergiram do solo, envolvendo a dríade e a puxando para dentro da terra. Em questão de segundos, ela havia desaparecido. Ficamos em silêncio, relutantes em quebrar a aura sombria que nos envolvia.
— Por que alguém roubaria a árvore de uma dríade? — Finalmente rompi o silêncio com minha pergunta.
Puck balançou a cabeça, exibindo um sorriso desprovido de humor.
— Vamos descobrir. — Ele disse, determinado.
********************
Não precisamos percorrer um longo caminho em busca do que procurávamos. Apenas alguns minutos adentrando a impenetrável Wyldwood, as árvores começaram a se agitar à distância, indicando que estávamos nos aproximando do local certo. Logo nos deparamos com uma cena de devastação: uma árvore gigante arrancada à força do coração da floresta. Era como se um pedaço inteiro da floresta tivesse sido arrancado, deixando um rastro de árvores derrubadas e queimadas em seu rastro.
Estendi minha mão hesitante e, no momento em que toquei uma das árvores caídas, o mundo ao meu redor pareceu congelar em sua agonia. Uma sensação avassaladora me envolveu, revelando o que havia acontecido e desvelando a terrível cena diante dos meus olhos.
Cavaleiros imponentes, vestindo armaduras carmesim, emergiram das sombras da floresta. Com golpes precisos, eles derrubaram cada árvore, enquanto as dríades locais, valentes guardiãs do lugar, tentavam resistir em vão e eram derrotadas em questão de instantes. Meu coração disparou quando um dos cavaleiros virou sua atenção em minha direção, como se sentisse minha presença intrusa. Ele se ajoelhou em reverência perante as árvores desoladas e sussurrou palavras misteriosas, como uma invocação sombria.
Foi nesse momento que uma onda de dor varreu minha mente, e eu compartilhei a angústia das árvores que, lenta e inexoravelmente, estavam morrendo sob o toque impiedoso daqueles cavaleiros cruéis.
******************
Quando, enfim, recuperei a consciência, Puck me sacudia freneticamente, seus olhos cheios de preocupação.
— Victor, o que aconteceu? — Ele indagou, a mão gentilmente tocando meu rosto enquanto seu olhar percorria meu corpo em busca de respostas. — De repente você parou no lugar e depois começou a tremer violentamente
Suspirei, o peso do que havia testemunhado pesando sobre mim. Afastei-me do tronco caído e comecei a explicar, com tristeza na voz.
— Eu vi o que aconteceu aqui. Eram os mesmos tipos que invadiram o Palácio Winter e roubaram uma parte do cetro.
Puck franziu o cenho, suas feições carregadas de preocupação.
— Seja quem forem, estão planejando algo grandioso com as árvores que levaram daqui e com a parte do cetro.
Minha mente estava repleta de dúvidas.
— O que acontecerá se Winter ou Summer perderem o cetro? Quão poderoso ele é? As consequências disso se espalharão pelo mundo humano, não é?
Puck coçou a nuca, parecendo incerto.
— Bem... talvez. Agora que o cetro foi quebrado, não tenho certeza do que pode acontecer.
Fiquei incrédulo com sua hesitação.
— Talvez? Como assim?
Ele deu de ombros, mantendo sua calma irritante.
— Você já quis esquiar em um deserto?
Aquela resposta vaga me deixou ainda mais frustrado.
— Ainda está pensando que devemos abandonar essa busca?
Ergui uma sobrancelha em descrença quando ele se mostrou tão indiferente. Voltei-me para o ponto fraco que eu sabia que existia em sua determinação.
— Você simplesmente está com medo, não é? Tem receio desses novos feéricos e não quer se envolver. Nunca imaginei que você fosse tão covarde.
A explosão de Puck veio de forma repentina, seus olhos brilhando com intensidade enquanto ele rodopiava ao meu redor. Sua voz ecoou com uma fúria fervorosa quando respondeu.
— Estou tentando mantê-lo seguro! Não é fácil, Victor! Você já carrega um fardo imenso, e dói ver o brilho em seus olhos, que eu vi quando nos conhecemos, desvanecendo aos poucos.
Aquilo me atingiu em cheio. Embora soubesse que deveria sentir medo, havia mudado tanto e estava cansado de ser visto como alguém fraco.
— Não sou indefeso, Puck! — Retruquei, minha voz firme. — Não sou mais um garoto que precisa ser protegido como uma criança. Já tenho sangue nas mãos. Matei o Rei das Sombras, enfrentei criaturas monstruosas! E farei isso novamente, se necessário!
Puck reconheceu minha determinação, jogando suas mãos para o alto. — Eu sei disso. Sei que você arriscaria tudo para nos proteger, e é isso que me preocupa. Cansei de fingir ser um ser benevolente que permitiria a pessoa que amo ser destruída por este mundo. Deixei meu egoísmo de lado por você, com o desejo de tirá-lo deste lugar e mostrar o quanto o amo.
Fui pego de surpresa por sua confissão e pela expressão desesperada em seu rosto. Ele parecia vulnerável e destruído. Sem pensar, aproximei-me e o abracei com delicadeza. Não precisávamos de palavras naquele momento, apenas a compreensão mútua.
Mas então, algo invisível nos arrancou dos pés, e meus gritos ecoaram pelo ar. Puck tentou agarrar-me, mas acabei saltando para longe involuntariamente.
— O que está acontecendo? — Gritei enquanto aquela força misteriosa me puxava implacavelmente em direção às árvores. — Não consigo parar! O que diabos está acontecendo?
Puck agarrou meu braço, tentando me segurar, mas a dor que percorreu meu corpo foi excruciante. Gritei novamente e ele me soltou, seu rosto pálido de choque.
— É uma Convocação — , ele explicou, correndo atrás de mim enquanto eu caminhava de maneira involuntária. — Algo está chamando por você. Você deu recentemente algo pessoal como um presente ou barganha? Cabelo, sangue, uma peça de roupa?
— Não! — gritei, agarrando uma vinha na tentativa de parar meu avanço. A dor atingiu meus braços, e soltei um gemido. — Já sei quem pode estar fazendo isso! Como podemos parar isso?
— Você não pode — Puck respondeu, trotando ao meu lado com um olhar preocupado e intenso. Ele não fez nenhum movimento para me tocar. — Se algo está Convocando, você precisa ir. Resisitir só torna a dor pior. Não se preocupe, estarei logo atrás de você.
— Não se preocupe? — Tentei fazer uma careta enquanto caminhava à força. — Vou matar aquele gato!
Puck olhou para mim, perplexo.
— Que gato? Grimalkin?
Eu gritei uma confirmação, sabendo que estávamos prestes a enfrentar algo muito maior do que poderíamos imaginar.
********************
Avancei rapidamente pela densa floresta, cada passo era um desafio. Escalava rochas e árvores caídas com impetuosidade, mergulhava de cabeça em ravinas profundas e abria caminho através de espinheiros e sarças que rasgavam minha pele e minhas roupas, arrancando-me arfares dolorosos. Puck seguia-me de perto, seu olhar preocupado queimando minhas costas com ansiedade.
As pernas queimavam, minha respiração vinha em arfares entrecortados, e meus braços sangravam profusamente devido aos cortes e arranhões que acumulava, mas eu não podia me dar ao luxo de parar. Continuamos nossa corrida frenética pela floresta, afastando-nos cada vez mais de Tir Na Nog e adentrando território completamente desconhecido.
A noite começou a cair quando, finalmente, o estranho encantamento que nos havia impulsionado desapareceu. Meus pés pararam subitamente, e eu fui arremessado para a frente, rolando na sujeira antes de me estabilizar. Puck estava ao meu lado instantaneamente, ajudando-me a levantar, suas palavras preocupadas ecoando em meus ouvidos. No entanto, no momento, eu era incapaz de responder. Minhas pernas ardiam, e eu só conseguia puxar o ar com força para dentro dos meus pulmões famintos, agradecendo que finalmente retomara o controle sobre meu próprio corpo.
— Onde estamos? — Consegui ofegar assim que minha visão clareou o suficiente para eu perceber a vila de duendes à nossa frente, já destruída e repleta de ossos de animais espalhados.
— Não tenho certeza, mas parece que era uma vila — murmurou Puck, enquanto eu me apoiava nele, ainda ofegante. Ele lançou um olhar divertido para mim, sua expressão se iluminando com um sorriso. — Onde está aquele seu senso de aventura?
— Juro que vou acabar com você. — Declarei, esfregando o suor dos meus olhos e cambaleando até uma tora próxima, desabando sobre ela com um gemido. — Apareça, seu maldito gato.
— Aqui estou eu. — Uma voz sem forma emergiu de algum lugar nas sombras à beira das árvores. — Você está atrasado. Estava preocupado que tivesse se perdido ou se tornado comida de alguma criatura. Mas, suponho que, como sempre, é apenas um humano se atrasando.
Olhei ansiosamente ao redor, mas, é claro, não consegui ver nada, até que Puck agarrou meu braço e apontou na direção da borda da floresta. Uma antiga tora de madeira repousava nas sombras, exatamente fora dos limites da vila, banhada pela luz da lua. Num momento, estava vazia. Magicamente, um enorme gato cinza se materializou ali, seu rabo curvado elegantemente em torno de suas patas, observando-me com olhos dourados preguiçosos.
— Grimalkin! — Rosnei entre dentes.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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