02 - Desconfie do que vê
Sabe quando você sente a sua vida passar bem diante dos seus olhos? A sensação que eu estava naquele momento foi a mesma. Um medo grande, quase tão aterrorizante do que quando fiquei presa no mundo dos espíritos. Olhei ao redor à procura de Kurogiri, mas ele não estava por perto. Eu nem senti a presença dele.
— Akira Hatori, do colégio Hokusei, precisamos conversar.
— Eu não tenho nada para falar com você! E como sabe meu nome? — Estava virando rotina, essas coisas estranhas acontecendo o tempo todo.
— Nós recebemos um relato de que algumas coisas estranhas têm acontecido por aqui e me mandaram investigar.
— Eu não sei de nada!
— Então por que fugiu?
— Eu fiquei com medo! Eu... não falo com desconhecidos.
— Satoru Gojo, pronto. Me apresentei. Agora, se não se importar, precisamos conversar com certa urgência. Eu não tenho muito tempo sobrando e...
Eu nem esperei ele terminar e sai correndo. Talvez desse tempo de chegar em algum táxi antes dele, ou sei lá! Eu só queria ir para o mais longe que eu pudesse. Cadê o Kurogiri quando a gente precisa dele? Dobrei a esquina do colégio e corri o mais rápido que pude na direção da minha casa, era relativamente perto, talvez desse tempo. Quando avistei a minha casa senti o alívio tomar conta de mim. Olhei para trás, nem sinal dele. Depois eu explicava o que aconteceu para minha mãe. Ela ia entender. Assim esperava.
Eu chego na porta de casa lutando para recuperar o fôlego. Eu era bem mais atleta há dois anos atrás. Escuto a voz da minha mãe conversando com um homem. Uma voz que eu já tinha ouvido. Abri a porta, tirei os sapatos e entrei dentro de casa.
— Akira! Filha! Ligaram da escola que você tinha fugido. E esse moço gentil se ofereceu para vir te buscar. Por que fugiu da escola, minha filha? — A minha mãe apontou para o homem de antes sentado no sofá da minha casa. Como ele tinha chegado ali tão rápido nem era o que me assustava mais. Mas sim ver minha mãe receber um completo desconhecido com tanta gentileza. Ele estava sentado de pernas cruzadas com as mãos sobre as pernas, usando óculos dessa vez. O sorriso debochado ainda marcado em seu rosto.
— Mãe! Se afaste dele!
— Minha filha! Onde estão seus modos?
— Mãe, eu... — Tentei argumentar, mas eu nem sabia o que dizer.
— Filha, ele só quer conversar com você. Tá?
— Vai ser rápido. Como eu te disse, sou um homem muito ocupado.
Talvez fosse melhor ceder. A vida da minha família pode estar em risco. Eu acenei com a cabeça e minha mãe tocou meu braço para que eu me sentasse diante dele. Eu fiquei olhando para baixo, minhas mãos estavam geladas.
— Eu vou deixar vocês aqui. Tô aqui do lado, tá bom minha filha? — Minha mãe parecia sempre tensa e preocupada. Isso acabava comigo.
Eu vi ela sair e depois voltei meu olhar para o chão. Eu tinha de olhar para ele e ver alguma coisa tão pavorosa quanto a velha costurada. Eu belisquei a perna repetidas vezes, ainda sentia dor. Então era real. Ou será que não?
— Akira Hatori, 19 anos. — Ele começou a dizer e vi uma pasta sobre seu colo. Era uma ficha? — Há cerca de dois anos você dormiu e simplesmente não acordou. Ficou conhecida na cidade como a bela adormecida. Aqui diz que os médicos disseram se tratar da doença do sono. Isso mesmo?
— Sim... — Respondi com a voz fraca.
— A Doença do Sono, também conhecida como Tripanossomíase Humana Africana, pode levar o paciente a entrar em coma. Esta doença é uma inflamação do sistema nervoso central, causada por protozoários transmitidos pela picada da mosca tsé-tsé. Afeta apenas a África equatorial. Você esteve na África?
— Nunca saí do Japão.
— Que interessante, não é mesmo? Aki? — Ele perguntou levando o indicador e o polegar ao queixo, nesse momento eu tive que olhar para ele. Quando eu dei intimidade para ele me chamar de Aki?
— Você é médico por acaso?
— Não. — Ele fez uma pausa e esperei ele me explicar, mas ele parou por aí mesmo.
— É da imprensa por acaso?
— Também não.
— E o que você quer?
— Já ouviu falar em projeção astral?
— É algum tipo de equipamento novo?
— Não. A projeção astral, é um estado em que o espírito de uma pessoa se separa do corpo físico durante um período de tempo, sem que a pessoa perca a consciência. Ou seja, quando você dorme involuntariamente sua alma sai do seu corpo para dar um rolê por aí.
Eu dei uma risada de nervoso. Eu nunca disse para ninguém sobre a experiência estranha que tive durante o coma. Ninguém iria acreditar em mim. — Fala sério! Você é um guru ou alguma coisa assim?
— Feiticeiro Jujutsu. Ou shaman se preferir.
Eu senti a garganta secar e aquela era a primeira vez que olhei seu rosto direito. Ele não esboçou nenhuma reação ao dizer uma coisa para mim que era absurda. Ele não parecia mentir, ou mentia bem demais.
— Olha, senhor. Eu passei por uma experiência muito difícil. Estou voltando agora a tentar viver normalmente. Não estou com tempo para tamanha bobagem.
— Onde esteve durante o coma? Mundo espiritual? Provavelmente você se perdeu em determinado momento e não soube como voltar. Você ficou presa.
— Não foi nada disso! — Eu me belisquei de novo. Talvez eu estivesse dormindo. Bati a perna direita freneticamente enquanto isso.
— Não adianta mentir para mim, Aki. Esteve no Reikai, não esteve?
— Eu não sei do que está falando! — Menti na esperança que ele acreditasse. Falar sobre isso era o mesmo que voltar lá outra vez. Eu belisquei a perna de novo, belisquei até ficar vermelha. — Não é real! É só um sonho ruim e logo eu vou acordar.
Eu senti as lágrimas escorrerem no rosto, eu acho que em determinado momento eu parei de distinguir o sonho da realidade. Eu queria que Kurogiri estivesse ali. Talvez ele me reconfortasse.
— Se acalma. — Os dedos longos do homem se fecharam no meu braço de forma firme, mas sem me machucar. Eu olhei para ele ainda trêmula e vi seus olhos azuis por cima dos óculos, tudo nele me dava medo e ao mesmo tempo, fascínio. — Se você não se acalmar, podemos ter problemas.
Seu olhar se direcionou para a janela, eu olhei na mesma direção e vi uma criatura imensa com vários olhos esparramados pelo corpo. Não era comum eu ver aquelas coisas na minha casa. Kurogiri sempre se certificou disso, mas naquele momento, aquele gato folgado não estava em casa.
— Você pode ver, né? — A voz dele era firme, não a ponto de ser mandona como a do meu irmão, mas era uma voz firme e intimidadora, confiante. Ele exalava confiança.
— Eu... vejo sim. Você também vê? — Meus lábios tremeram. Eu nem sabia porque estava emocionada. Passei os últimos meses achando que estava ficando louca.
— Eu vejo.
— Eu não sei mais o que é real. Eu to sonhando?
— Não. E respondendo a sua pergunta tudo é real. — Ele soltou meu braço e se endireitou no sofá.
— O que exatamente você quer?
— Eu quero ajudar. Também faz parte do meu trabalho. O acidente com a jovem Shizune...
— Eu não tive culpa. — Disse de forma antecipada, já temendo o que ele ia dizer.
— Não disse que tem. Mas precisamos investigar mais a fundo sobre isso.
— Ela tropeçou e caiu. A polícia disse isso.
— Foi mesmo? Você viu, por acaso?
— Não... mas onde eu entro nessa história?
Ele soltou um suspiro de tédio e ajeitou os óculos e depois disse de uma forma bem didática. — Quando você voltou a vida normal, as coisas começaram a acontecer no bairro onde você vive e onde você estuda.
— São coincidências. Coisas acontecem todos os dias.
— Vamos lá então. — Ele pegou a pasta novamente e folheou devagar. — Aqui. Dia dois de abril por volta das 15:00 horas um grupo de trabalhadores morreu após a construção de um prédio desabar sobre eles. Depois, no fim do dia, a senhorita Shizune cai da escada sem mais nem menos. Depois, a senhorita Kirishima entra em coma misteriosamente.
— A... Kirishima... em coma?
— Pelo visto você a conhece também.
— Isso não quer dizer que eu fiz alguma coisa! — Disse franzindo as sobrancelhas.
— Você discutiu com a Shizune, a Kirishima você encontrou com ela e discutiu com ela também e os trabalhadores você passava em frente à construção todos os dias.
— Como sabe de tudo isso? Você estava... me espionando?
— Espionar é uma palavra forte. Eu diria, investigando. Quando eventos fora do comum acontecem temos que investigar. Como uma adolescente entrar em sono profundo sem mais e nem menos e acordar do nada, mais de um ano depois.
Era estranho mesmo. Mas Kurogiri me explicou que eu acordei porque ele me ajudou, se não eu estaria lá ainda. E as coisas que estavam acontecendo? Ah, onde estava aquele gato folgado? Eu precisava dele e ele simplesmente desapareceu.
— Eu não entendo. Nada disso faz sentido.
— Vai fazer em algum momento. Eu só preciso fazer algumas perguntas.
— Pode perguntar, mas não garanto nada.
— Encontrou algum ser diferenciado enquanto esteve lá?
Ele era bem objetivo. Foi direto na pergunta que eu não queria responder. Eu não ia falar sobre o Kurogiri. Não depois dele me alertar contra esse homem.
— Não.
— Como encontrou a saída?
— Eu... caminhei sozinha... e aí encontrei. — Encolhi um pouco os ombros e desviei o olhar discretamente dele. Mentir nunca foi meu forte.
— Hum. O que fez antes de dormir na noite de 15 de maio de 2016?
— Eu fiz o que sempre fazia! Eu escovei os dentes, vesti o pijama e me deitei para dormir. — Era só isso que vinha na minha mente. Nada antes disso, nem o que jantei, ou como foi o dia até ali.
— Participou de algum teste de coragem, ou alguma brincadeira envolvendo espíritos?
— Não!
Ele ficou em silêncio por um longo tempo sem esboçar reação alguma. Ficou apenas me encarando. — Quero ver o seu quarto.
— Que? Qual é? Mãe! — Gritei a minha mãe no outro cômodo e ela veio pouco depois enxugando as mãos no avental.
— Oi, Aki?
— Esse pervertido quer ver o meu quarto!
— Minha filha, não complica as coisas. Só acompanha ele e deixa ele fazer o trabalho dele.
— Mas...
Ela virou as costas e me deixou sozinha com o estranho de novo. Sem muitas alternativas eu me levantei do sofá e caminhei de forma preguiçosa até a escada e segui para o meu quarto. Eu abri a porta e dei passagem a ele. Mal dava para ouvir seus passos. Era como se ele nem tocasse o chão. Ele entrou devagar e tirou os óculos e olhou atentamente em cada lugar. Ele não tocou em nada, ficou apenas olhando em silêncio em cada canto daquele quarto.
Ele deu meia volta, caminhou lentamente e passou por mim ainda em silêncio, em seguida ele seguiu o caminho de volta para a sala. Eu fiquei ali um tempo sem entender nada e depois eu segui para lá também e me sento de volta no sofá. Ele ficou em pé na porta da sala e chamou minha mãe e disse alguma coisa para ela que eu não conseguia ouvir direito. Minha mãe balançou a cabeça negativamente e depois olhou para mim com cara de pesar.
Vi ela passar por ele e sentar-se ao meu lado, ela tocou meu ombro de forma doce e me puxou para um abraço. — Vai ficar tudo bem, tá?
Eu não respondi, pois não estou entendendo mais nada. Ela se levantou e ficou de pé na minha frente, parecia procurar uma forma de me dizer alguma coisa.
— Mãe?
— Arruma suas coisas, Aki. Você vai com ele.
— Quê? — Soltei um riso pelo nariz meio incrédula e meu sorriso sumiu do meu rosto quando vi que ela estava falando sério. — Mãe?
— Você vai para Tokyo junto com ele.
— Mãe, esse charlatão te convenceu a isso? Fala sério mãe!
— Vai me obedecer minha filha, eu já decidi sobre isso. O senhor Gojo só veio aqui hoje para ter certeza.
— Você e meu pai conversaram sobre isso? Ele sabe? O que está acontecendo?
Minha mãe desviou o olhar e depois evitou me encarar. Depois ela soltou um suspiro pesado e olhou para mim. — Depois do incidente, um senhor franzino de óculos veio aqui perguntando sobre você. A princípio eu achei ser mentira, mas ele me mostrou registros do governo e tudo mais. Eles têm um trabalho muito sério. Ele disse que ia pedir a alguém para averiguar tudo de perto. Pouco tempo depois, aconteceu o incidente com a sua colega de classe. Nunca nos conformamos com o diagnóstico do médico.
— Mandou me espionarem? É isso! — Eu me levantei do sofá bruscamente com os punhos cerrados.
— Você não está agindo normalmente!
— Vocês me tratam como criança!
— Então pare de agir como uma!
— E vai fazer o que? Me vender para esse homem? O que ele vai fazer comigo? Você nem o conhece! E eu que sou sua filha você me trata dessa maneira!
— Akira! — Ela gritou furiosa na tentativa de me fazer calar. — Ele vai te explicar melhor. Agora por favor, mantenha o respeito! Eu ainda sou sua mãe!
Eu me calei. Mesmo que por dentro eu eativesse prestes a explodir. Eu olhei para o homem de soslaio, ele mantinha a mesma pose arrogante de sempre. Depois ele se aproximou devagar e ajeitaou os óculos escuros.
— Você vai para uma escola de jujutsu. A nossa intenção não é que você vire uma feiticeira, mas sim ficarmos de olho em você. A fim de evitar que mais problemas aconteçam e mais pessoas se machuquem.
— Então eu acabei de receber minha carta de Hogwarts? Achei que quem trouxesse eram as corujas. — Digo erguendo os ombros de forma irônica.
— Pense como quiser, é um fato. Seus pais aceitaram, só falta você concordar e daremos andamento na sua transferência.
— Não vou a lugar nenhum! — Dei de ombros e virei as costas.
— Fique aí mesmo, Akira! — A voz da minha mãe estava mais brava do que de costume. Eu me virei para ela e vi suas sobrancelhas franzidas formando um V. — Você vai subir para o seu quarto e fazer suas malas e você vai com ele! Eu não vou correr o risco de te perder de novo! Eu passei dia e noite do seu lado naquele hospital na esperança de que você acordasse! Não vou correr o risco de novo.
— Mãe...
— Você voltou estranha, triste, não tinha aquela luz que você tinha! Ficava horas olhando para o tempo como se estivesse vendo alguma coisa! Você não dorme! Vejo você se beliscando o tempo todo, está sempre cansada e... você fala sozinha!
— Mãe! Qual é? Eu passei dois anos longe de tudo, como espera que eu reaja?
— Você pede ração para o gato!
— E o Kurogiri vai comer o quê?
— Não tem gato nenhum, Akira!
Eu olhei para minha mãe sem entender nada. Eu saí do hospital com ele nos braços. Mostrei ele para minha mãe, comprei coleira. Compramos a ração. Como não tinha gato?
— Mãe, era o Kurogiri. O gato preto que está aqui todos os dias! Na janela, na varanda, na sala.
— Eu vi você falando sozinha, me mostrando as mãos vazias. Não tem gato nenhum, Akira. Você saiu do hospital sozinha.
— Eu vi, mãe. Ele... — Eu não consegui formular a frase. Devia haver uma explicação para isso. Eu sei o que eu vi, era meu Familiar. Eu precisava encontrar ele e esclarecer tudo isso. Devia ser um engano. Tinha que ser.
— Você foi amaldiçoada. — O homem disse finalmente de forma despretensiosa. — Maldição desconhecida e de nível especial. Inteligente, astuto e muito bom em se esconder. Eu só sinto os vestígios de energia dele.
— Isso é mentira.
— O gato que você vê, onde ele está? — Ele perguntou com uma expressão séria.
— Kurogiri jamais me faria mal.
— Onde o gato está, Akira?
— Não tem gato nenhum, não foi o que minha mãe disse?
Ele tirou as mãos do bolso e me encarou mais uma vez. — Eu queria que as coisas fossem numa boa, mas você não quer colaborar. Eu tinha prometido a sua mãe que não te obrigaria a nada, mas não posso permitir que você fique à solta com uma maldição imensa rondando você.
— O que você... — Foi rápido, a única coisa que vi foi ele bem perto de mim, tocando minha testa. Depois disso ficou tudo escuro.
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