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01 - Cuidado com o que você deseja


Hokkaido, Dia 02 de Abril de 2018...

Passei mais uma noite em claro.

Eu até tentava, mas toda vez que eu fechava os olhos o pavor de dormir e não acordar mais me consumia. Mais de um ano em coma. Um ano e cinco meses para ser mais exata. Causas desconhecidas, eu simplesmente dormi e não acordei mais. Disseram que era a Doença do Sono, mas eu pesquisei a respeito, só seria possível se eu tivesse ido para a África. E eu nunca tinha saído do Japão até então.

Eu olhei para o relógio no criado, já eram seis da manhã. Era meu primeiro dia de aula, só de pensar nisso meu estômago revirava... Cheguei a implorar à minha mãe para concluir o Ensino Médio em casa, mas a minha psicóloga achou melhor eu não me isolar. Tentar ter uma vida normal depois de dois anos. Um ano e cinco meses de coma e mais sete meses para recuperação. Dois anos da minha vida. Era fácil para elas falarem isso.

Ergui o corpo e me sentei na cama olhando ao redor do meu quarto impecável. Minha mãe fazia questão de manter tudo arrumado, fora às vezes que ela me tratava como uma criança ou quando eu cochilava e ela ficava do meu lado o tempo todo. Eu entendia sua preocupação, só não estava muito acostumada com isso, e nem preparada para isso. Demorei um tempo para voltar a andar, a falar. Era como se tivesse nascido de novo.

Caminhei até o guarda-roupa e vi meu uniforme separado. Eu lembrava do dia em que fiquei empolgada com o Ensino Médio, depois com o segundo e terceiro ano. Eu estava no começo do ano letivo quando tudo aconteceu. Meus amigos, minha vida na escola, meus sonhos e planos. Tudo havia ido por água abaixo.

— Devia melhorar essa cara. — Kurogiri estava tomando um sol na janela de barriga para cima ao lado da sua vasilha de ração que ele se recusava a comer. Eu teria que trocar de marca de novo, além de tudo, ele era exigente. O gato folgado que não saiu de perto de mim nem por um instante. Minha mãe não conseguiu me afastar dele. Ela não conseguiria nem se quisesse. Saí com ele nos braços do hospital, minha mãe não fez uma cara muito boa, mas eu disse para ela que só voltaria para casa com ele. Ela até aceitou, mas seu olhar era estranho toda vez que falava do Kurogiri, algo que eu não entendia.

— Eu não tô afim de ir.

— Vai se acostumar. — Sua imagem de gato se transformou num homem de cabelos pretos longos, vestindo um moletom cinza e calça de moletom preta. Seus olhos de quem está sempre entediado eram de um verde um pouco mais escuro que os meus.

— Minha mãe pode aparecer a qualquer momento. — Eu o adverti olhando para a porta. A porta branca com o pôster do Metallica parecia cobrir uma rachadura. Vai ver que iriam desmanchar o quarto e se arrependeram.

— Ela está na cozinha no andar debaixo. Sua irmã está no trabalho e seu irmão ainda não se levantou. Aliás, quando ele vai para a faculdade?

— Nem me lembre disso. Meu irmão mais novo vai para a faculdade e eu... Com quase 20 anos, tô no ensino médio. — Isso era o mais vergonhoso. Ver um monte de alunos de 16 e 17 anos na mesma sala que eu. Enquanto eu devia estar na faculdade.

— Não ligue para isso. E se vista logo que sua mãe está vindo. — Ele voltou à sua forma original e deitou-se no sol mais uma vez. Às vezes eu achava que ainda estava sonhando. Já nem sabia mais o que era real.

— Hora de acordar! Bom dia, Aki.

— Bom dia, mãe.

— Pronta para o seu primeiro dia?

— É. Tem que estar. — Eu disse desanimada, não escondendo minha frustração.

— Se anime, meu amor. Agora vem se não você vai se atrasar.

— Ah. Mãe, vai ter que trocar a ração do Kurogiri. Ele não comeu de novo. — Disse revirando os olhos.

Minha mãe deu um sorriso fino sem mostrar os dentes. — Claro. Eu vou comprar.

O meu quarto ainda era do mesmo jeito de dois anos atrás. Eu sentia como se estivesse entrando em um universo paralelo. As paredes eram cobertas por pôsteres das minhas bandas de rock favoritas, como The Beatles e Nirvana, pelo menos, eram naquela época. No canto, meu violão descansava em seu suporte. Mas nem sabia se ainda conseguia tocar uma nota que fosse.

A estante de livros ao lado da janela estava cheia de romances, ficção científica e biografias de músicos. Gostava de me perder nas páginas desses livros, viajando para mundos distantes, pensando nisso hoje, chega a ser irônico.

No teto, uma luminária de galáxia projetava estrelas e nebulosas, criando uma atmosfera mágica quando as luzes se apagavam. Era como se eu estivesse flutuando no espaço, cercada por constelações. Minha cama, com lençois de estrelas.

A menina que amava aquele quarto não existia mais. O que sobrava era apenas a sombra do que fui um dia. Ajeitei o uniforme no meu corpo. Chegava a ser ridículo me vestir de colegial agora. Saia xadrez vermelha um pouco acima dos joelhos, meias pretas, camisa branca, gravata vermelha e blazer azul escuro. O Colégio Hokusei que tanto sonhei em estudar.

Olhei no espelho meu reflexo abatido. Os meus cabelos agora um pouco acima dos ombros não eram nem de longe o que eram. Na verdade, eu não era nem de longe o que eu era.

Eu era popular, os meninos me mandavam cartas, eu tinha um namorado. A número 1 nos esportes, nos clubes, Presidente do Conselho Estudantil. Tinha os cabelos longos, autoestima elevada. Quando foi que tudo isso acabou? Quando eu fiz escolhas erradas. Mesmo que eu insistisse em dizer que eu não tinha culpa de nada.

Minha mãe me olhava com pena, assim como o resto da minha família. Meu pai vivia viajando. Eu não podia culpá-los, era como se a filha deles estivesse morta em vida.

Os cabelos da minha mãe eram lisos e pretos como os meus, mas olhando ali naquele momento ela parecia ter envelhecido dez anos de uma vez. Abatida, magra, cabelos brancos.

— Minha filha, vou pedir para seu irmão te levar...

— Não precisa. — A cortei antes mesmo que terminasse. — Eu vou andando mesmo.

— Vai ser bom. — Ela disse ajeitando o avental de cabeça baixa. — Logo fará amizades de novo.

— É. — Era só o que eu conseguia responder. Explicar para ela que as coisas não funcionavam assim, que o meu namorado já estava com outra quando acordei, que nada ia ser como antes era complicado demais. E ela estava se esforçando. — Eu vou indo.

— Toma café, minha filha.

— Obrigada, mãe. Eu como no caminho.

Eu ainda lembrava das palavras da criatura da lanterna. "Consequências irreparáveis". Em todo lugar que andava, via espíritos, maldições, seres estranhos me olhando com seus olhos assustadores. No começo eu tinha medo, mas depois eu fui me acostumando.

— Você está linda. — Kurogiri disse gentil em sua forma de gato.

— Pensei que ia ficar o dia todo deitado no sol.

— E perder a chance de ver você de uniforme escolar?

— Idiota.

— Eu vou estar por perto, tá?

Kurogiri estava sempre comigo e isso me confortava. Meu familiar conseguia mudar de forma. Seja como um gato preguiçoso, um pardal que ficava me olhando de longe, ou até mesmo um mosquitinho. Ele dizia que era para certificar que eu estava realmente bem. Nossas vidas estavam ligadas afinal.

Eu sentia um sentimento único por ele. Conforto, bem estar. Ele era a única coisa boa naquele mundo caótico.

Saí de casa e senti o ar fresco de Hokkaido me envolver. O céu estava claro, com algumas nuvens brancas flutuando preguiçosamente. Caminhei pelas ruas estreitas do meu bairro, onde as casas tradicionais japonesas se misturavam com construções mais modernas.

Passei pelo pequeno parque onde crianças brincavam alegremente. O som dos risos e das folhas secas sob os pés criava uma melodia familiar. Continuei andando e logo cheguei à avenida principal, onde o movimento era mais intenso.

Às vezes, eu via espíritos assustadores à espreita nas sombras. Kurogiri sempre me avisava para não encará-los. "Se você os encarar, eles podem vir até você". Então, mantinha meus olhos fixos no chão ou no horizonte, ignorando as presenças sombrias que tentavam me distrair.

Dobrei à esquerda e segui em direção ao rio. A água cristalina refletia o brilho do sol, e vi alguns pescadores já em ação. Atravessei a ponte e senti a brisa suave no rosto. Do outro lado, entrei em uma rua mais tranquila, ladeada por cerejeiras que, na primavera, ficavam cobertas de flores.

Passei em frente a uma construção e escutei alguns homens mexendo comigo. Homens sendo homens, afinal. Eu tentei ignorar, evitar as piadinhas. Parece que nunca tinham visto uma menina de uniforme? Bom, teoricamente eu já não era mais uma menina. Dois anos fizeram muito mais diferença do que eu gostaria. Eu dei uma olhada para eles de soslaio, cerca de oito trabalhadores, era uma construção de um prédio.

Seria ruim da minha parte eu desejar que todos eles morressem?

Finalmente, avistei o portão do colégio. As bandeiras do Japão e de Hokkaido tremulavam ao vento. Voltar para a escola depois de dois anos afastada era como entrar em um território desconhecido. Cada passo que dei em direção ao portão parecia mais pesado que o anterior. Meu coração batia acelerado, e senti um nó se formando no estômago. As memórias do meu coma ainda eram frescas, e sabia que para muitos, eu era apenas "a Bela Adormecida". Eu tinha ficado famosa, mas não do jeito que eu queria.

Ao atravessar o portão, os cochichos começaram. Eu podia sentir os olhares curiosos e, às vezes, até de pena. Tentei ignorar, mas era difícil. Mantive a cabeça baixa, focando no chão, contando os passos até a sala de aula. Cada risada que eu ouvia parecia ser sobre mim, cada sussurro parecia carregar meu nome.

Dentro da sala, a tensão era palpável. Meus colegas me observavam, alguns com curiosidade, outros com desconforto. A sensação de ser diferente, de ser observada, era esmagadora. Respirei fundo, tentando acalmar a ansiedade que ameaçava me dominar.

Eu só queria sair correndo. Voltar para minha casa e não sair nunca mais. Minha respiração estava descompassada. Parecia que eu tinha esquecido como se respirava. Olhei para a janela e vi um pardal pousado. Escolhi o lado da parede já pensando nisso. Acostumei tanto com a presença de Kurogiri que seria estranho ficar sem ele.

O primeiro dia de aula após dois anos afastada. Meu coração batia tão forte que eu podia ouvi-lo nos meus ouvidos. Senti todos os olhares se voltarem para mim, eu sem querer fiquei muito conhecida. O caso da bela adormecida saiu até nos jornais. A menina que dormiu e não acordou mais.

O burburinho começou constante. "É ela", ouvi alguém sussurrar. "A Bela Adormecida." Minhas mãos tremiam enquanto segurava a barra da saia com força, batendo o pé no chão freneticamente.

O professor do primeiro horário era o senhor Sakamoto, de matemática. Ele se apresentou para a turma e pediu que um a um se apresentasse. E cada momento que minha vez se aproximava, meu coração batia mais acelerado.

— Hatori!

Os olhares se voltaram para mim. Respirei fundo, tentando acalmar a tempestade de ansiedade que rugia dentro de mim. Caminhei até a frente da sala, sentindo cada par de olhos me seguir. O professor me deu um sorriso encorajador, mas isso pouco ajudou a acalmar meus nervos.

— E-Eu... — comecei, minha voz soando mais fraca do que eu gostaria. — Meu nome é Akira Hatori...

— A bela adormecida! — Ouvi alguém gritar do fundo da sala, mas tentei ignorar.

Houve um silêncio pesado na sala. Eu podia sentir a curiosidade e a compaixão misturadas nos olhares dos meus colegas.

— Parem com isso! — Sakamoto sensei repreendeu seja lá quem fosse. Não ia resolver, na verdade, ia ficar muito pior. — Pode se sentar, Hatori.

Eu voltei rapidamente para meu lugar rezando para que as pessoas me ignorassem. A aula durou bem mais do que eu desejava. Eu olhei para o ponteiro do relógio rodando lentamente. Ouvi o sinal e saí rápido. Queria sair dali o mais rápido possível. Estava já na saída, e senti alguém atrás de mim.

— Já vai tão cedo, Bela Adormecida? — A voz feminina debochada de Shizune me chamou a atenção. Antes do coma ela estava no primeiro ano, era uma garota tímida de cabelos esverdeados. Agora parecia uma versão minha de antes. Ouvi dizer que ela era tão popular quanto eu era. — Nem veio cumprimentar os amigos. Sabia que a gente tá na mesma sala?

— Sim. — Disse com a voz fraca.

— Vai ser um ano bem longo, então é melhor se acostumar. Aliás, soube que o Masimichi tá namorando com a Kirishima. Deve ter sido um choque para você descobrir que seu namorado e sua melhor amiga estão juntos.

Tinha isso também, como se tudo já não fosse ruim o bastante. Mori Kirishima era minha melhor amiga, quando entrei em coma ela e o Izumi viraram um casal. Um mês depois para ser mais exata. Aqueles dois cretinos.

Eu precisei saber pelo meu irmão que eles eram um casal. Eles mesmo nunca vieram.

Eu não respondi mais nada, sai andando a passadas largas, vi Kurogiri de relance na forma de um gato e continuei andando. Shizune ainda continua falando. A voz dela me irritava, eu só queria que ela calasse a boca! Se ela soubesse como era ficar em coma ela não diria aquelas merdas! Desci as escadas apressada. Ela ainda falava sem parar. Seria muito pedir que ela calasse a boca?

— Shizune!

Eu virei rapidamente ao ouvir a comoção e a correria. A garota estava caindo da escada, rolando degrau abaixo e caiu de barriga para cima com a perna virada para fora, sangue escorrendo da cabeça dela. As pessoas correram até ela vendo, testando seu pulso, chamando seu nome.

E... Eu... não consegui sair do lugar.

Tudo parecia acontecer rápido ao meu redor. A ambulância chegou, a polícia, eu sendo levada pelo meu irmão da escola. Tudo tão rápido e tão devagar ao mesmo tempo. Meu irmão estava no volante do carro, eu vi que ele disse alguma coisa, mas eu não ouvi nada. Ele parecia bravo.

— AKIRA! — Eu olhei para ele tentando focar, mesmo minha mente estando tão longe. — Você está me ouvindo, Aki?

— Desculpa... eu não ouvi nada.

— Como isso foi acontecer? Você viu ela cair? Alguém empurrou ela?

— Eu não vi nada.

— A escola ligou, disse que você estava discutindo com ela.

— Eu, discutindo com ela? Ela estava me hostilizando! Me chamando de Bela Adormecida!

— Aki... — Ele deu um suspiro e parou o carro a alguns metros da nossa casa. — Se você fez alguma coisa...

Eu nem esperei ele terminar. Desci do carro e segui andando para casa. Era absurdo demais ele achar que eu tinha feito alguma coisa, quando a hostilizada tinha sido eu.

— Aki!

— Me deixe em paz, Kyo!

Eu entrei em casa apressada e joguei os sapatos no hall e subi as escadas correndo. Acho que ouvi minha mãe dizer alguma coisa, mas entrei no quarto e bati a porta. Me joguei na cama e levei as mãos à cabeça soltando o ar em meus pulmões tentando me acalmar.

— Você está bem? — Kurogiri se aproximou de mim e deitou sobre a minha barriga.

— Não. Você viu alguma coisa?

— Eu não vi nada.

— Droga! Meu primeiro dia de aula e uma garota morre!

— Talvez ela não tenha morrido.

— Você viu todo aquele sangue!

— Se acalme e relaxe. Vai dar tudo certo.

— Como relaxar? Parece que as coisas só acontecem comigo!

— Deita e tenta dormir um pouco.

Eu virei para o canto e tentei dormir. Sabe quando você fecha o olho e parece que não dormiu mas se passou algumas horas? Era exatamente assim que acontecia comigo. Eu não descansava. Acordei com minha mãe esmurrando a porta desesperada. Levantei com o corpo pesado e abri a porta de forma brusca. Minha mãe estava do lado de fora desesperada.

— Filha! Não me dê esse susto! Não tranca a porta pelo amor de Deus e se você...?

— Eu tô bem, mãe!

— Eu tô te chamando há um tempão! Nós temos que conversar sobre o acontecido de hoje, a polícia veio aqui!

— Eu não fiz nada!

— Eu sei, meu amor, mas eles querem entender o que aconteceu.

— Eu não matei ninguém! — Gritei de novo, odiava que me acusassem.

— Ela não morreu, minha filha, ela está no hospital. Seu quadro é delicado. Eu liguei para a escola e achamos melhor você ficar em casa por uns dias.

— Nem queria ir naquela droga de escola mesmo!

(...)

Os dias passavam lentamente depois do acidente. Eu conversei com a polícia, com psicóloga, psiquiatra. No fim, a polícia descartou a possibilidade de tentativa de homicídio porque ninguém viu nada, ela simplesmente caiu como se tivesse tropeçado. Tive que voltar para a escola uma semana depois.

Obviamente, os olhares que já eram ruins agora ficaram piores. Sussurrando meu nome, olhares indiscretos, a bela adormecida agora também era uma bruxa ou algo do tipo. Passei a aula toda em silêncio, ninguém quis nem ao menos conversar comigo.

Pelo menos eu tinha Kurogiri. Ele estava sempre por perto. Seja em forma de abelha, pardal, gato, cachorro. Ele estava sempre lá. Era o que me dava conforto. Eu ouvia eles me chamarem de Bruxa, de amaldiçoada e de todos os nomes ruins que se possa imaginar.

O sinal do intervalo tocou para minha alegria, talvez fosse melhor mesmo ficar sozinha. Eu já era uma mulher de quase 20 anos fazendo ensino médio, além do monte de merda acontecendo ao mesmo tempo.

Cheguei perto do armário para pegar meu calçado. De longe, escutei duas meninas conversando. Na certa estavam falando de mim. Bando de ridículas.

— Vamos naquele clube mais tarde, amiga? O gatinho do Somei vai estar lá!

— Qual? Aquele perto da sua casa?

— Sim! Vamos aproveitar o solzão, vi na previsão do tempo que hoje vai ser sol o dia todo.

Tomara que chova três dias seguidos. Foi o que desejei naquele momento. Eu não era rabugenta e nem nada, mas a alegria daquela parte da minha vida tinha sido tirada de mim.

— E você viu aqueles caras da construção aqui perto do colégio?

— Fala do acidente? Eu vi. Morreram todos os trabalhadores que estavam lá no dia. A construção caiu do nada.

Eu parei de prestar atenção nelas. Será que foi daquela construção? A que eu passei por perto? Eu achei melhor passar por outro caminho. Saí da escola apressada, o coração batendo forte no peito. A notícia do acidente me deixou inquieta. Decidi pegar um atalho que raramente usava, um caminho menos movimentado, mas mais longo.

Enquanto caminhava, meus pensamentos estavam no acidente e nas pessoas que estavam lá naquele dia. Eu me sentia culpada sem nem saber porquê.

Eu continuei andando e ao virar uma esquina, dei de cara com Izumi, meu ex-namorado, e minha melhor amiga, Mori. Não, ela era a namorada dele. Eles estavam conversando animadamente, mas pararam ao me ver. Izumi me olhou com seus olhos castanhos que sempre achei tão lindos, seu cabelo escuro ondulado estava mais curto, ele estava mais alto, mais forte. A cretina da Mori estava do lado dele, com aquele cabelo azul que agora estava tão curto quanto o dele. Eu não queria odiá-los, mas era inevitável.

— Aki... — Izumi foi o primeiro a dizer alguma coisa. Por mim era melhor que eles fingissem que não me conhecem.

— Oi, Izumi... — eu disse tentando esconder a surpresa na minha voz. Eu ignorei a Mori de propósito.

Izumi deu um sorriso meio sem jeito. Mori, por outro lado, parecia mais à vontade. Estava no lugar que ela sempre desejou. Vaca.

— Você está bem? — Ele perguntou notando minha expressão, nunca foi boa em disfarçar.

— O que você acha? — Eu disse de forma ríspida e vi Mori desviar o olhar.

— Olha, eu... queria ter ido te visitar mais vezes, mas a faculdade toma bastante tempo.

Odiava aquelas desculpas esfarrapadas e sem sentido. Eles podiam simplesmente assumir que eram dois babacas e pronto. Mas, ao invés disso, me olhavam com pena. Acho que era isso que me deixava mais irritada.

— Que bom para você, achei que iam para Tokyo.

— Eu ia, mas a família da Mori achou melhor ela fazer faculdade aqui. Daí eu prestei vestibular aqui também. Para que... — Ele nem terminou a frase. Era só ele dizer: "para que a gente ficasse juntos". Dava vontade de vomitar. Eram dois cínicos.

— Que bom. Casalzinho feliz. — Eu disse de forma debochada.

— Aki, a gente não queria...

— Cala a boca, Mori! — Eu disse bem mais agressiva do que queria. Ela arregalou os olhos e depois olhou para o Izumi.

— Não precisa falar assim com ela, Aki! A gente não queria que as coisas tivessem acontecido assim. Nós nem acreditávamos que você ia acordar! Os médicos não nos deram esperança.

— E aí você foi lá e fodeu minha melhor amiga? Muito bacana, Izumi. Não precisam se justificar, só aumenta ainda mais minha raiva de vocês. Vocês dois se merecem. Aproveita, viu, Mori. Vai que você fica em coma e ele te troca por uma amiga sua.

Eu virei, passei por eles e segui para casa, tentando me controlar do quanto odiava tudo aquilo. Ser deixada para trás era a pior sensação do mundo. Quando entrei em casa minha mãe estava sentada vendo o noticiário, ela me chamou, mas eu simplesmente ignorei. Não quero ouvir mais piedade. Quando deitei na cama vi um clarão e um trovão e uma chuva torrencial começou.

Dia de clube é o caralho.

Foram três dias de chuva. Exatamente. Talvez fosse a hora de eu começar a me preocupar. Kurogiri dizia que era coisa da minha cabeça, que eram apenas coincidências. Vai ver são mesmo.

— Hatori! — Meu olhar se virou para quem estava me chamando. Uma das meninas da minha sala. Era Asano, Yosano, Yosono? Quem se importa? Sua voz estava carregada de rancor como todos ali. — Estão te chamando na diretoria.

Eu senti um frio percorrer minha espinha. Será que eles sabiam de algo que não sabia? A história da Shizune ainda não tinha esfriado, principalmente com a recusa da família em deixar eu vê-la. Não que eu quisesse. Mas a minha mãe fez questão disso. Eu arrastei a cadeira e saí devagar sendo fuzilada com o olhar por todo mundo ali. Minhas pernas pareciam trêmulas, meu coração estava disparado, talvez eu devesse correr, sair dali. Eu caminhei devagar até o corredor que dava direto na sala da diretoria, senti uma sensação estranha.

— Corre Akira! — A sombra abaixo de mim era Kurogiri disfarçado, as primeiras vezes até me assustava, mas depois me acostumei. — Vai para bem longe! Tem alguém lá que não é daqui da escola.

Eu olhei pela vidraça da porta da diretoria, estava perto o suficiente para eu ver. Um homem alto, olhos vendados, cabelos brancos e todo de preto. Ele era real? Ou era algum ser estranho? Ele virou o rosto na minha direção, será que estava me vendo?

Eu virei as costas e comecei a correr em direção à saída, eu tinha que ser rápida. Eu mal sentia meus pés tocarem o chão. Se eu fosse para casa, minha mãe iria ligar, talvez fosse melhor me esconder. Saí do lado de fora e olhei de um lado para o outro apavorada. O depósito esportivo!

Eu corri mais rápido ainda quando vi que não havia mais ninguém, eu parei e me encostei na parede longe da vista de todo mundo. Tinha que tomar um fôlego. Coloquei as duas mãos sobre os joelhos, o ar mal entrava nos pulmões.

— Você corre bem rápido.

Ele estava ali, bem diante dos meus olhos. Com as mãos nos bolsos e um sorriso debochado no rosto. Aquele sem sombra de dúvidas, não era um ser humano comum.

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