Parte I
O céu estava límpido, um azul celeste ostentava-se sem qualquer vestígio de nuvem para cobri-lo enquanto a famosa estrela amarela brilhava a todo vapor espalhando seus raios solares em mais um dia de domingo.
O dia estava perfeito para ir a praia, pensou Emilly Dantas observando através da janela escura do carro o dia ensolarado literalmente passar pelos seus olhos.
De acordo com a previsão faziam 35 graus celsius, Emilly já conseguia se imaginar deitada em uma espreguiçadeira tomando um banho de sol na praia com o seu biquíni preferido, mas um solavanco pelo quebra molas a fez retornar a realidade de estar dentro de um carro refrigerado na companhia de Olívia Lins, sua melhor amiga desde o colegial.
O carro passou pela orla lentamente, como se também apreciasse a vista,
o mar com águas tão azuis como o céu quebrava nas areias reluzentes e amarelas e retornavam arrastando os grãos de areia vagarosamente como se a chamasse para um mergulho.
Lentamente o cenário colorido de praia foi mudando para uma estrada cinzenta e cheia de carros apressados, ultrapassando aquele veículo que andava devagar.
— Ahn, Olívia? Dá para ir mais rápido? Queria ir a praia ainda hoje. — disse Emilly olhando para a amiga que pilotava tranquilamente a antiga picape azul que pertencia ao pai da jovem.
Sem tirar os olhos da estrada Olívia buscou a amiga pelo espelho do carro e automaticamente os olhos de Emilly também foram direcionados ao espelho e ela começou a ajeitar cabelo e se admirar.
Olivia respirou fundo, já acostumada com a compulsividade de Emilly por espelhos. Sua melhor amiga era extremamente vaidosa e como o Narciso do conto grego, era só avistar uma superfície refletora e ela corria para se ver, esquecendo o mundo ao seu redor, podendo ficar horas e horas ali.
— A pista tá molhada pela chuva de ontem. Somos muito novas para morrer, eu pretendo me casar ainda! — disse Olívia com as mãos seguras no volante, apesar de saber que Emilly já nem prestava mais atenção.
Ela fez uma curva e buscou uma vaga no estacionamento de um shopping, onde acontecia uma pequena feira de antiguidades.
Olívia frequentava a feira sempre. Se por um lado, Emilly era a compulsiva dos espelhos, Olívia era a compulsiva das antiguidades.
Sua amiga adorava provocar que dentro do corpinho jovem de 25 anos de Olívia, vivia uma senhorinha de 64 anos.
Olívia caminhou em direção a feira e Emilly já ia cortando caminho em direção ao shopping quando viu uma barraca de espelhos.
Espelhos de todas as formas e efeitos. Grandes, pequenos. A barraca lembrava aquela casa de espelho que tem nos parques de diversões.
Como formiguinha indo até o pote de açúcar, Emilly foi atraída até a barraca de espelhos, completamente encantada.
Olívia franziu a testa e seguiu a amiga até a barraca. — Você não ia no...
— Mudei de ideia. — disse Emilly sem dar muita atenção para a amiga, estava ocupada demais olhando o seu reflexo de corpo inteiro no espelho. — Esse espelho me deu mais bunda, não acha?
Olívia revirou os olhos e foi para outra barraca, deixando a amiga se admirar mais um pouco.
— Em que posso ajudar?
Emilly, que estava totalmente distraída, admirando o próprio reflexo ao retocar a maquiagem se assustou gritando e pulando ao ouvir aquela voz atrás de si. Era quase uma voz sussurrante, que fez todos os pêlos do seu corpo se eriçarem com a
senhora surgindo do nada.
Boa parte da feira olhava na direção das duas, assustados pelo grito que a jovem mulher soltou do nada.
A senhora pareceu não se assustar com o grito de Emilly, na verdade seu rosto enrugado não entregava muitas expressões.
Emilly olhou na sua direção, ainda ofegante forçando um sorriso sem graça pelo pequeno escândalo.
Jurava que espelho não refletiu a senhora se aproximando sorrateiramente.
Mas com o seu histórico, imaginou está distraída ou que a senhora havia se aproximado de outro ângulo.
A senhora era uma tradicional e adorável idosa, seus cabelos brancos longos, pareciam teias de aranha, tão frágeis que poderiam cair a qualquer momento. Sua pele enrugada, com pequenas manchas adquiridas pelos anos e uma ruga na região do queixo.
Ela parecia extremamente frágil, segurando a sua bengala.
— Oi... — disse Emilly lutando contra uma vontade estranha de se virar para trás e conferir se o reflexo da senhora estava sendo refletido no grande espelho atrás de si.
— Deseja algum espelho em específico, mocinha? — Perguntou a senhora de poucas expressões, seus olhos estavam grudados em Emilly e suas sobrancelhas grossas e brancas se mexeram rapidamente.
— Eu só estava olhando... — disse Emilly pegando a sua bolsa.
— Gosta de espelhos, não?
Emilly sorriu e levantou os ombros — Quem não gosta, não é?
— Gente feia. — respondeu a senhora, fazendo a jovem moça levantar a sobrancelha surpresa pela resposta que não esperava. — Eu já fui assim como você. Bonita, vaidosa e adoradora de espelhos. — a velha se aproximou de Emily que sentiu seu coração disparar por algum motivo, mas a senhora desviou da moça e parou na frente do espelho, se observando, como ela mesma fizera minutos atrás. A senhora puxou o lenço que cobria parte dos seus cabelos brancos e ralos os deixando soltos. O cabelo da senhora se revelaram tão longos que alcançavam a cintura dela e eram extremamente brancos, como neve.
Emilly olhou para o reflexo da senhora e tentou imagina-la jovem. Não conseguiu.
Era assim com os seus avós e até mesmo pais.
A senhora se virou quase em câmera lenta na direção de Emilly, deixando seus cabelos brancos voarem suavemente, minutos depois de prende-los e cobri-los com o lenço.
Tornou a caminhar lentamente e pegou um pequeno espelho na bancada.
Um espelho de bolsa, com detalhes de madeira. Os olhos de Emilly fixaram no pequeno adereço.
Percebendo o interesse da moça a senhora abriu um pequeno sorriso, franzido apenas os lábios enrugados e estendeu o braço ossudo e abriu a mão exibindo dedos longos e de pele enrugada com a unha pintada de nude e na palma da sua mão estava o pequeno adereço refletor com detalhes de madeira.
Emilly se aproximou, como se atraída pelo espelho e o pegou da frágil mão da senhora lentamente, ela foi apalpando a superfície lisa e refletora até chegar nos relevos delicados de madeira.
Foram talhados a mão com tantos detalhes precisos.
— Quanto que é? — Perguntou Emilly sem tirar os olhos do espelho.
— 30 reais. — respondeu a senhora. — É um espelho de bolsa. Que deve sempre ficar com você. Um melhor amigo.
Emilly sorriu pegando o dinheiro da bolsa — Vou compra-lo! É lindo demais.
— É sim. — disse a senhora pegando o dinheiro com um sorriso —Tenha um bom dia, querida.
A senhora deu as costas e entrou no inteiror da barraca, sumindo da vista enquanto Emilly admirava sua nova aquisição, enquanto não sabia que aquele pequeno espelho de bolsa era a porta para libertar seus próprios demônios.
×××
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro