│5│cassiopeia
Harry estava nervoso.
Eu estava nervoso.
Até mesmo os gêmeos estavam nervosos. Tanto Spencer quanto Blake usavam calças e camisas sociais, suspensórios e gravatas borboletas que pareciam pomposas demais para crianças que não tinham nem um metro de altura, seus cabelos estavam escovados para o lado e os olhos mais azuis que o normal eram coçados com frequência pela ausência da soneca no meio da tarde, uma vez que eles preferiram assistir desenhos animados do que dormir.
Mesmo assim eles aguentavam firme e forte sentados lado a lado no sofá, sem se mexer como Harry tinha mandado, eu também estava imóvel como Harry ordenou porque no fim éramos três e não duas crianças e ele sendo o único adulto é que mandava em tudo por ali. Eu me concentrava em encarar um vaso chinês de girassóis na entrada do corredor que Gemma havia nos presenteado, para tentar não pensar no sapato de bico fino apertando meu dedão, mas não estava funcionando muito bem, coisas como um sapato apertado são difíceis de ignorar e agora estava mais do que arrependido de não ter deixado Harry pegar um novo como ele sugeriu.
Já está tarde e eu me fudi bonito. Ótimo!
Vejo as horas passar em silêncio até finalmente escutar os cliques dos sapatos caros contra o assoalho de madeira e o próprio Harry parando em frente ao espelho acima da cômoda no canto da sala para checar o cabelo, ele estava relativamente básico - é o que se diria de alguém que gosta de estampas excêntricas em tudo o que compra - para esta noite escolheu um terno preto e justo, bastante acinturado que só me dá vontade de agarra-lo por aquela cinturinha fofa e fazer coisas depravadas, a calça escura surge como uma segunda pele de tão colada em suas coxas firmes e bunda empinada, oh deus. Por baixo do blazer é possível ver uma camisa social azul e os cabelos longos caem pela lateral de seu rosto.
E há as botas, bem, eu deveria ter comprado botas, ele também não usa gravata, assim como eu, que preferi vestir um blazer apenas e fingir que estou com um traje a rigor, mesmo sem a camisa social porque a única que eu tinha está suja de sangue de um tiro de raspão que levei mês passado.
Uma dica crucial, nunca vá com suas roupas legais para o trabalho.
— Como eu estou? Acha que eu deveria colocar uma gravata? Acho que uma gravata seria melhor. Porra eu não tenho gravata, Louis, me empresta uma? — Ele gira nos calcanhares, batendo o salto da bota no piso, inquieto.
— Toma, papa. — Spencer oferece, tentando desfazer o nó da sua.
Harry pula para o seu lado, segurando suas mãos.
— Não, babe, não precisa e por favorzinho, deixe a sua gravata quietinha. O papa sofreu pra fazer esse nó perfeito, então não mexe, tá bom? — A criança tenta ao máximo compreender o que Harry diz, ele toca em sua gravata, a ajeitando e procura pela aprovação do pai.
— Deixar a borboletinha quieta, né? — Harry concorda — Posso brincar com o seu cabelo, papa?
— Talvez mais tarde, filho. Agora, vamos, os três de pé, preciso ver se a minha família está bonita. — Fica em pé e bate as mãos, nos mandando levantar, eu e os garotos ficamos lado a lado e Harry examina cada um de nós, usando um lenço para limpar uma manchinha de chocolate no queixo de Blake que eu não sei onde ele arranjou, amarra os cardaços de Spencer que eu também não imagino quem possa ter esquecido de fazê-lo e por fim me diz pra fechar o zíper que eu também fiz o favor de esquecer.
Eu prefiro a coisa de ser atento a todos os detalhes apenas no trabalho, fora dele sou uma bagunça como qualquer ser humano normal.
Ele para na minha frente e se propõe a arrumar minha franja, jogando de um lado, o que não funciona e voltando ao lado de sempre, mas teimando com algumas pontas mais curtas.
— Gatinho, acho que já está bom. — Comento e ele caga pra mim, continuando a mexer sem parar. Reviro os olhos e seguro sua cintura — Harry, está bom. É melhor irmos, nós já estamos atrasados.
— Você tem razão, é melhor nós irmos. — Suspira um pouco mais leve, acariciando minhas mãos — Alguém quer ir no banheiro?
— Eles estão de fralda, amor.
— Oh, é mesmo. Você quer ir ao banheiro?
— Eu estou bem.
— Legal. — Morde os lábios e balança a cabeça.
— Hum, você quer ir ao banheiro?
— Boa ideia, eu vou dar um pulinho lá. — Dito isso, Tomlinson ignora o banheiro daqui de baixo e sobe para a nossa suíte. Encaro os rostos confusos a minha volta e eles dão de ombros sem entender nada.
Durante o tempo em que Harry gasta no banheiro, coloco água e comida para os animais e checo mais vezes que o necessário as bolsas dos garotos. As deixo para que Harry as leve e carrego Spencer e Blake para que eles consigam se ver no espelho.
— Aí meu deus, vocês estão tão lindos. — O timbre rouco interrompe o monólogo cômico de Spencer sobre o meu narizinho parecer com o seu narizinho, viramos para ver Harry parado nos últimos degraus da escada, as mãos unidas em frente a boca e olhos molhados.
— Papa! Papa! — Spencer o chama, inclinando o corpo e esticando os braços pra ele. Harry vem e o toma dos meus braços, parando ao nosso lado.
Nós quatro acabamos por encarar nossos reflexos refletidos no espelho.
— Os Tomlinson nunca estiveram tão elegantes.
— Quem sabe se você usasse mais blazers no lugar dos moletons. — Harry retruca com um sorriso.
— Nah, essas coisas incomodam.
— Tem muito menino aqui, precisa de menina também. — Blake diz do nada, arranhando a nuca. Um sentimento ruim me abate e Harry apenas olha para ele em silêncio.
A ausência de um retrato de Evangeline que ficava justamente nesta cômoda é sentido mais do que nunca. Eles ainda não sabiam que tinham uma irmã ou que ela havia morrido, o que me levou a lembrar que eles também não sabiam que um novo bebê estava a caminho. Harry também pareceu se recordar.
— Sabe, se vocês forem bonzinhos e se comportarem terão uma grande surpresa em breve.
— Sério? O quê? É de comer?
— Não, Blay, é algo muito especial, mas precisam ser bons meninos, okay?
— Sim! — Disseram em uníssono.
— Ótimo, agora vamos ver os quadros do papai.
Xx
A escola em si é uma merda. Pode-se dizer que é a mais traumática e insuportável fase da vida de um ser humano que todos tem de passar, o porquê eu não faço ideia, mas quando nós crescemos e chegamos a idade adulta acabamos por reconhecer que ela teve sim os seus benefícios.
A maior contribuição que a escola pode dar alguém é a consciência das experiências e descobertas, veja bem, foi durante a aula de educação física que eu me vi olhando para as bundas e as coxas dos meus colegas de classe em seus shorts esportivos, na cantina soube que tinha alergia a amendoim, nos corredores aconteceram as minhas primeiras brigas e foi justamente dentro das salas de aula que eu soube que não tinha talento para muita coisa.
Em humanas eu era um lixo, não prestava para escrever mais do que meu próprio nome.
Matemática era tão infernal que nem a tabuada ficou na minha cabeça e durante as provas preferia escrever letras de músicas do que me arriscar a por um número ali.
Ciências da natureza era outra desgraça e quando a época de escolher uma universidade chegou eu sabia que não tinha para onde ir. Mas por sorte já havia me descoberto como alguém com talentos pouco valorizados, eu não entendia nada de cateto ou hipotenusa, porém era atento e ágil, as palavras eram um grande enigma para mim, entretanto conseguia encontrar pistas onde quer que fosse. Minha visão aguçada, o raciocínio rápido e o faro para a investigação me levaram para o departamento de polícia local e quando isso não foi o suficiente parti para Quântico, Virgínia onde ingressei na Academia do FBI, me tornei um agente especial, um detetive da mais poderosa e competente agência de polícia e segurança nacional dos Estados Unidos e porque não dizer do mundo e depois de trinta e poucos anos bem vividos podia levantar meus aprendizados escolares e do mundo para dizer com convicção que eu não entendia porra nenhuma de arte.
Esse sim é um bicho de sete cabeças para mim.
Não tem como!
Harry e eu estamos juntos há mais de uma década e mesmo assim não consegui aprender nada que me levasse a entender pelo menos um pouco dos seus conceitos e do olhar artístico, tudo é muito bonito e bem iluminado, posso dizer isso com toda a certeza depois de entrar em uma sala com luzes azuis e roxas, com Winter Bird como música de fundo e pinturas do que deveriam ser pássaros expostas, as pessoas falavam e falavam e eu não entendia nada. Era lamentável.
Quando Harry desistiu de tentar me ensinar algo, ele me deu um conselho valioso de apenas manter uma taça de vinho tinto na mão e assentir para tudo o que viessem me falar, comentários como "é impressionante como a obra parece falar com você" e "eu amo este artista, ele é simplesmente excepcional" eram as únicas coisas as quais eu estava autorizado a falar. Até que eu vinha me saindo bem.
Umas oito pessoas pararam ao meu lado e desataram a falar e mesmo com essas duas frases liberadas eles pareceram satisfeitos com o diálogo. Embora parecesse distante e indiferente, por dentro eu estava eufórico e louco para soltar fogos de artifício pelo número de pessoas que apareceram, excedendo as expectativas de Harry. A maioria vestia-se com esmero e todos pareciam ter os bolsos cheios, ele conhecia gente demais pelas suas outras exposições em parceria com Gemma que tinha um nome forte no mundo da arte e agora Harry queria ter o mesmo ou até ultrapassar o reconhecimento da irmã mais velha. Muitos críticos e pessoas entendidas da área circulavam pela Expression, com olhos atentos e anotando coisas em caderninhos de capas de couro.
Foi quando o garçom passou por mim me oferecendo a quinta taça de champanhe da noite que me dei conta de que estava há quase meia hora parado no mesmo ponto, eu precisava dar uma circulada e fingir que estava entendo algo.
Esbarrei em algumas pessoas, Aaron sendo uma delas que me abraçou e gritou um monte de palavras que eu não pude discernir devido ao falatório e a música ao fundo. Parecia uma discoteca ou qualquer coisa nessa vibe.
Bati no ombro de alguém, provavelmente uma mulher pelo seu grunhido fino e a pele suave entre meus dedos quando a toquei ao pedir desculpas.
— Eu sinto muitíssimo. — Dizia me preparando para seguir meu caminho.
— Hey, Tommo, não me reconhece mais? — A moça perguntou e então me virei para olha-la. Gemma ostentava um largo e divertido sorriso de covinhas e uau, ela não havia economizado para o dia de hoje, ela usava um vestido longo e dourado, brilhante e de corte fino e eu podia apostar que Harry tinha algum terno daquela mesma cor e graças ao bom Deus ele não resolveu usa-lo hoje.
Um dos maiores mistérios que rondava esta família, após a morte do pai que ninguém falava absolutamente nada independente de quantas vezes você perguntasse, era a relação de Gemma e Harry. A única fotografia dos dois durante a infância era preta e branca, onde Harry beijava a bochecha da irmã, mas está estava rasgada e grudada com durex em uma mesinha de canto na sala de jantar da casa de Anne.
Eles se falavam pouco e pra variar escolheram a mesma profissão, quer dizer, Gemma acabou mudando sua profissão que de bióloga virou artista plástica como ele, era inegável que ambos tinham talento nato para a coisa e por seis anos trabalharam juntos criando quadros complexos que só eles sabiam explicar, mas havia algo neles que te colocava em uma espécie de transe. Os dois estavam em um alto patamar quando nossa filha morreu e Harry parou com tudo, Gemma, por outro lado, continuou a trabalhar e se deu muito bem na carreira solo, nem mesmo um acidente violento que lhe levou uma perna e a deixou em coma por meses foi capaz de pará-la. Eu sempre gostei dela, talvez por encontrar toda a descontração e vivacidade que faltava em Harry. Eles meio que se completavam e eu gostava da combinação.
— Gem, que prazer te ver. — A abracei apertado, sentindo seu rabo de cavalo roçando em meu rosto, alguns tons mais escuros do que a última vez que nos vimos. As argolas de ouro branco que eu a dei no natal também estavam presentes — Você está linda!
Gemma sorriu passando a mão pela vestido, era notável que aquele acidente tirara um pouco de sua confiança e era triste pensar que todos os pontos e as cicatrizes profundas em sua barriga e costas a deixaram menos atraente para possíveis companheiros. Ao meu ver ela sempre seria avassaladoramente linda.
— Obrigada. Não sabia que a exposição seria com modelos vivos, uma obra de arte como você andando sem escolta é perigoso.
Não consegui segurar o riso.
— Tem tipo menos de cinco minutos e você já está flertando comigo.
— Me dê um desconto eu volto para Chicago amanhã, preciso aproveitar. — Diz simplesmente, segurando meu braço para que possamos caminhar juntos.
— Ainda está fazendo fisioterapia?
— Sim, é necessário se eu quiser parar de andar como o Robocop. — Ela ri.
— Algum namorado novo?
— Nah, nem novo, nem antigo. Sabe, quando eu dizia os caras já fugiam durante o próprio encontro, então eu resolvi adotar o elemento surpresa, e pode apostar que os caras realmente ficam surpresos do tipo: "olha só, você não tem uma perna, que coisa não?" Quando não se assustam, tipo: "oh, meu deus, o quê é isso? Onde está a sua perna?" A minha vontade é de falar que está no fundo do mar, mas não seria verdade, acharam nas ferragens depois que tiraram o carro da água, eu pensei em colocar em um vidro com água e deixar na sala, mas mudei de ideia.
— Foi melhor assim. E além disso você não deveria se misturar com esses idiotas, uma mulher fenomenal como você merece alguém a sua altura.
— Ashton me ligou semana passada.
— Não, o Ashton não, por favor. — Paramos em uma área bem iluminada do salão, com garçons passando o tempo inteiro, pego duas novas taças para nós e Gemma beberica enquanto fala:
— Quando ele era menor de idade eu até entendia a sua oposição, mas agora ele está na faculdade. — Ela retrucou com um tom irritadiço.
— Isso não muda o fato de que ele é seu primo.
— Tenho certeza que ele não vê isso como um impedimento para ter um crush no Harry. — Disse, me limitei a beber minha bebida e dar de ombros — Por que os melhores homens querem sempre o meu irmão? Eu deveria me tornar lésbica e acabar com isso de uma vez.
— Você não tentou isso uma vez? — Arqueio uma sobrancelha em dúvida.
— Sim. — Gemma bufa — Só que não consegui ir até o fim. Será que é tão difícil encontrar uma garota que só queira andar de mãos dadas e dar selinhos?
— Sim, porque ela não vai querer isso, muito menos você.
— Loueh, você tem razão eu não quero andar de mãos dadas, eu quero sexo, selvagem e quente daqueles que me deixe marcada por dias, eu quero alguém que puxe meu cabelo e rasgue a minha calcinha com os dentes e não um babaca que faça cara feia pra minha perna mecânica. Porque uma mulher deficiente não é merecedora de um orgasmo decente? Você não faz ideia de quantos séculos faz que eu não transo. Se você fosse um bom amigo me ajudaria nesse problema.
Gemma dizia aquilo com tanta angústia e sofreguidão, mas não deixava de ser engraçado ela desabafando daquele jeito em um lugar onde todos podiam ouvi-la claramente, tapei a boca para que a minha risada não soasse tão alta, contudo, precisei engoli-la de imediato quando uma figura alta surgiu as costas dela.
Fodeu? Pode apostar!
— Esse é o tipo de conversa que eu gostaria de nunca ouvir. — Harry murmura com uma expressão azeda.
— Quem sabe se você não ignorasse todas as minhas ligações eu poderia estar falando sobre a minha vida sexual inativa com você. — Gemma não se deixou abater e virou para puxa-lo pela gola do blazer e deixar um beijo em sua bochecha, Harry retribuiu de má vontade e sua cara só piorou depois que a irmã bagunçou seus cabelos — Onde estão os meus filhos?
— Provavelmente em uma clínica de fertilização in vitro. — Ele cruza os braços — Mesmo que eu duvide que algo poderia sobreviver dentro de você depois de tanto álcool e antidepressivos.
— É impressão minha ou você engordou? — Ela eleva a voz.
— É o tipo de coisa que acontece quando se engravida, mas não é como se você soubesse disso. — Harry diz mais alto.
— Cuidado com a cadela raivosa!
— Hey, pessoal! Não vamos nos exaltar. — Fico entre eles — Harry, sua irmã veio para te prestigiar, seja educado, por favor.
— Claro, me desculpe por isso. — Seu tom se suaviza e ele descruza os braços — Quer que eu te mostre?
— Eu adoraria. — Gemma cede e eu os sigo enquanto os dois entram naquele dialeto que um leigo como eu é incapaz de compreender sem a ajuda de um intérprete.
Após algumas voltas e muita conversa incompreensível paramos diante de uma das últimas pinturas que Harry finalizou, eram manchas de tintas sem um molde fixo, ainda era possível ver com clareza um homem agarrando-se a uma mulher que afagava seus cabelos, tudo isso em tons de laranja e vermelho com nuances de branco que davam a forma correta.
— Essa aqui é mais viva e expressiva que as outras. — Minha cunhada comenta passando os olhos por cada detalhe.
— Uma das minhas prediletas. — Harry olha por cima do ombro e pisca para mim.
— Interessante o quão bem você trabalhou com cores tão limitadas. Esse vermelho em especial... — Inconscientemente o rosto dela foi se aproximando da pintura, assim como uma mão ameaçou tocar, mas sendo impedida no ar por Harry que a enlaçou pelo pulso — , isso é sangue?
— Sim, sacrifiquei seis carneiros para concluir meu quadro. Por deus, Gemma, não seja idiota e nada de tocar. A tinta ainda está fresca. — Ele a puxa pelo braço e ela cambaleia sem muita firmeza, fazendo cara feia para a atitude do irmão.
— Faça o favor de manter suas mãos para si. — Resmunga e as orbes verdes se fixam mais uma vez na obra — Isso me faz lembrar de um antigo escultor italiano que querendo dar uma textura verdadeira a sua obra usou a pele da própria esposa.
Um arrepio atravessa minha espinha.
— Ao que parece todos os artistas tem um quê de louco. — Comento, pensando ser só pra mim, mas tanto Harry quanto Gemma escutam e trocam um sorrisinho cúmplice.
— Queridos, venham, precisamos tirar uma foto em família! — Anne nos chama do outro lado do salão, sentada em um sofá longo na companhia dos meus filhos que sorriem para a máquina fotográfica que nem está ligada ainda.
Xx
Quando Harry se torna o grande centro das atenções eu me coloco como um simples observador distante, o álcool aquece minhas veias e mantém a névoa tediosa que tanto me ameaça um pouco mais distante. Essa não é a minha praia, no entanto preciso ficar aqui e me comportar, porque é isso o que casais fazem, eles se apoiam e participam, mesmo quando sua real vontade é ficar em casa de cueca jogando FIFA.
Gemma que era minha única companhia deu bola para o primeiro que apareceu e me deixou ao léu, jogado num canto como um brinquedo velho e quebrado. É um pouco deprimente para quem me vê aqui, sozinho na parte mais escura, checando o nível das minhas cutículas com as mangas do paletó arregaçadas sentindo meu estômago roncar por esses aperitivos não serem o suficiente para aplacar a fome de um homem faminto como eu.
— Não parece estar se divertindo muito. — Salto assustado com a voz repentina que surge as minhas costas. Aaron não se abala e um caminho de dentes brancos e alinhados se apresenta com lentidão para mim conforme seu sorriso se abre — Não foi minha atenção assusta-lo.
— Não me assustou, eu só... Não estava esperando por uma surpresa. — Pigarreio, tentando tirar a castanha que parara na minha garganta quando saltei — Veja se não é o melhor amigo do meu marido.
Aaron inclina a cabeça para o lado, cruzando os calcanhares e arqueando uma sobrancelha.
— Melhor amigo? Bem, nós temos saído para almoçar, alguns cafés da manhã e conversas fora de hora no celular, mas isso foi por causa da exposição...
— Oh, mas ele te adora, desde hoje de manhã só escuto falar do Aaron pra cá, Aaron pra lá, o tempo inteiro. Está se tornando maçante.
— E isso te incomoda.
— Seria estranho se não incomodasse. Você é um homem muito bonito.
— Você me acha muito bonito? - Seus olhos se iluminam.
— Naturalmente, assim como o Harry também é muito bonito e vocês andam próximos demais e eu sei o que acontece quando pessoas tão atraentes passam muito tempo juntos, acredite em mim, o que era uma amizade desinteressada resultou em um casamento e quatro filhos.
As bochechas do homem coram e ele começa a rir pelo tom humorístico que apliquei a história, mesmo que fosse bastante real, principalmente o aviso claro dentro dele.
Espere um momento, ele me ouviu dizer quatro e não houve nenhuma alteração em seu semblante, ele não me perguntou nada ou pareceu constrangido, ele simplesmente riu. Como se fosse algo natural para si.
Então ele sabe, como Harry deu a um estranho o direito de saber sobre a nossa filha? Bem, pode ser que ele não seja um estranho por completo.
— Eu estava aqui pensando comigo mesmo o quanto isso é injusto. — Johnson interrompe meu devaneio, abandono minha taça há muito vazia e fixo minha atenção nele.
— Ao que se refere?
— Olhe só para todas aquelas pessoas ao redor de Harry e nenhuma aqui.
Olho na direção de Harry que está sim cercado de admiradores, ele sorri e se porta como um verdadeiro príncipe e eu não poderia estar mais orgulhoso do meu bebê.
— É a grande noite dele. — Falo apaixonado.
— Mas não deixa de ser um crime que não haja um grupo de admiradores te seguindo, porque você, Sr. Tomlinson parece ter sido esculpido justamente com o propósito de ser contemplado. — Encaro Aaron a procura de um rastro de humor ou deboche, algo que denuncie a menor sagacidade em seu comentário, mas não há nada além da seriedade e dos olhos cravados em mim como se ele aplicasse aquilo que fala.
— Err... Senhor Johnson, sejamos francos, o que pretende com isso?
Aaron coça sua barba espessa e franze os lábios. Ele é bonito, isso eu não posso negar, porém não acende nenhuma fagulha de desejo em mim.
A única coisa que me causa é inquietação e desconfiança, o que para um detetive aciona todos os seus sensores e o mantém atento.
Aaron é perigoso.
Depois do que parecem horas ele me olho com hesitação e suspira profundamente.
— Eu não deveria te mostrar isto e provavelmente estou me encrencado bastante, mas eu acho que deve ver. — Despeja sobre mim e quando abro a boca para falar ele apenas me estende a mão, em um convite silencioso para aceitar me aventurar com ele seja lá para onde for.
A minha moral, embora corrompida grita para que eu não me afaste e me mantenha perto do meu marido, da minha família, que valorize a minha segunda chance e demostre fidelidade. Enquanto a minha arrogância garante que não há perigo, não sou nenhum traidor compulsivo, tenho tudo sob controle, eu me tenho sob controle. Mas algo maior e mais forte do que ambos grita e esperneia em excitação, a curiosidade que me corrói ansiando por saber o que se esconde por trás daquele chamado e eu não posso recusar, eu não quero recusar porque o orgulho ferve e a moral cede.
Seguro sua mão e ele me guia por caminhos para mim tão semelhantes, chão liso e fosco, paredes ornamentadas com obras assinadas por H.T, arranjos que perfumam o ambiente e luzes ondulando a cada nova passada até uma porta negra que é destrancada por uma pequena chave que ele mantém no bolso do casaco, quando a empurra eu sou introduzido neste mundo secreto e assim que a porta se fecha as luzes azuis expunham a negritude da sala, nela não há pinturas ou esculturas.
Pequenas luzes brancas abaixo dos quadros são ligadas, servindo para iluminar exclusivamente eles.
— O que é isso? — Sussurro, quase com medo de aumentar a voz. Aaron está perto o suficiente para soprar no meu ouvido:
— Arte da mais alta qualidade.
Suas mãos em meus ombros me impulsionam para frente e eu me ponho a caminhar. Há dúzias de fotografias de diferentes épocas, datas e circunstâncias, mas todas são de Harry registrando a mim.
Todas em preto e branco. É tão estranho ver meu rosto assim, tão ampliado e iluminado desta forma e principalmente exposto em uma galeria. Eu não sou arte, sou só um cara normal, por que alguém iria se interessar em ver um ninguém como eu levando a pior no ping pong ou fotografado de cima enquanto ria de alguma piada sem graça? Haviam aquelas em que eu estava distraído, fumando e contemplando o nada, de cara fechada e outras em que eu realmente pousava, porque na minha concepção aquilo ficaria apenas entre nós dois, bem, eu estava errado, não?
Até às fotos da época em que deixei o cabelo crescer, apenas porque Harry não se sentia confiante o bastante para deixar o seu próprio, pensei que não haviam mais registros desta fase. Isso é bizarro, há muito de mim neste cômodo. Louis demais e de uma só vez.
— Quando começamos a discutir sobre a exposição, inicialmente seriam com as fotografias, não estas. Harry já tinha as suas escolhidas, mas quando eu vi essas fiquei totalmente encantado, porque veja só, você é um modelo único, com um leque de emoções e expressões tão distintos e ao mesmo tempo sedutores. Ele não quis, disse que você ficaria aborrecido e me mandou descartar tudo, porém não quis me desfazer de nada, não antes que você pudesse ver.
— Por que acha que eu gostaria de ver um monte de fotos estúpidas minhas?
— Não sabia ao certo até te conhecer hoje de manhã, mas no instante em que o vi ficou claro para mim o tipo de homem que você é.
— E que tipo de homem eu sou?
— Um tipo que é movido pelo ego. — Ele responde com um sorrisinho — Ver isso te faz bem, porque o leva a pensar nas várias pessoas que poderiam ver e cair aos seus pés, algumas pessoas nascem com o desejo de serem adorados. Você pode ter escolhido ser um herói das ruas, mas é inegável que o fato de apenas olhar para você surte efeito em qualquer um. E algo assim, tão valioso, merece ser exposto. Naturalmente que ninguém mais o verá, apenas você.
Eu poderia contradizê-lo e ir contra tudo aquilo que o homem havia acabado de dizer, no entanto, ele tinha acertado. Cada palavra que saiu de sua boca carregava um fundo de verdade absoluta. O meu maior defeito poderia ser este, mas eu não ia contra e sim me entregava a este ego maníaco que me movia a caçar um assassino que eu não podia pegar, assim como me levava a sonhar com centenas de pessoas me amando e me admirando sem ao menos precisar me conhecer. Queria me tornar um ídolo algum dia.
Balanço a cabeça em concordância deixando meus pés deslizarem pela porcelana até parar em frente ao maior quadro, deve ser o mais antigo aqui, estou de costas, sentando em um banco usando nada além de uma bermuda justa que não atinge o joelho e há dois galhos secos que custaram a serem presos as minhas costas. Esta deveria ser a primeira foto tirada após o nosso casamento. Sua atmosfera era muito diferente das outras. As demais pareciam conversar entre si, partilhar da mesma energia, mas está estava isolada, uma imagem solo que divergia de todas.
— Está deve ser a minha preferida. — O timbre de Aaron ecoa distante quando me dou conta de que me afastei dele, me aproximo para visualizar o mesmo que ele — Vocês são um casal muito bonito!
Esta é a única na qual não estou sozinho, data de exatos onze anos atrás, umas poucas semanas antes da confirmação de que teríamos a nossa garotinha, ele andava enjoado e sonolento e naquela tarde quando foi me visitar adormeceu no meu peito meia hora depois de chegar. Os cabelos curtos e cacheados mesmo com uma bandana ainda se esparramavam pelo meu moletom, os lábios cheios formavam um biquinho e eu senti a necessidade urgente de registrar aquele momento.
Deve ter sido a única foto tirada por mim em todos estes anos.
Essa tem um valor tão especial para nós que há uma cópia ao lado da cama.
— Ela me traz boas recordações. — Suspiro me sentindo sóbrio e melancólico. Preciso de mais um drinque.
No instante que me viro, tencionando sair pela porta, as minhas costas se chocam com o retrato, posso ver o rosto adormecido do meu marido quando lábios alheios estão se pressionando com urgência nos meus.
— Aaron! — Rosno, o agarrando pelos bíceps e o afastando de mim.
Ele tem um sorriso entorpecido e cabelos caindo pelo rosto.
— Deus, você é tão sexy, senhor policial. — Ri alto, fazendo menção de me tocar, o que me leva a aumentar a pressão no meu toque sobre si — Eu não tenho conseguido te tirar da cabeça desde que vi suas fotos e tudo piorou depois que o conheci pela manhã, estava começando a me odiar por desejar o esposo de um amigo, mas então o Harry falou comigo e era bom demais pra ser verdade...
— O que o Harry disse?
— Oh, Lou, não precisa bancar o difícil comigo, eu sei qual é o seu lance. E não precisa se preocupar, garantirei que o Hazza seja muito bem sucedido nesta exposição, assim como eu espero que você me faça ver estrelas. Agora, me beije.
Tudo soa muito embaralhado, contudo é fácil compreender o que ele diz. Difícil de acreditar, doloroso, mas simples.
O largo e me afasto. Aquele santuário dedicado a minha pessoa não parece mais tão atrativo, a minha imagem me causa repulsa.
— Onde você pensa que vai? Nós temos um acordo e eu quero meu pagamento. — O homem exige atrás de mim em um tom mimado e eu uso todo o meu alto controle pra não surtar ali mesmo.
Ele não é o meu alvo.
Xx
Quando retorno ao salão principal onde a recepção está sendo realizada hologramas de flores desabrochando estão por toda a parte, as luzes mudaram para cor de rosa e o ar está impregnado de um perfume enjoativo com aroma de chiclete que me embrulha o estômago. De repente eu me sinto mal por completo.
Harry está bem no centro, rindo e gracejando para um bando de mulheres bem vestidas com diamantes nos dedos e pescoços, assim que me coloco entre eles, elas bufam e vão embora sem paciência para lidar com a minha falta de educação.
— Onde se meteu, bebê? — Sua voz retumba rouca e mais melódica do que o normal, beirando ao vulgar.
Vulgaridade é tudo o que ele emana no momento.
— Você deveria saber já que me mandou para satisfazer aos desejos carnais do seu "amigo".
— Desejos carnais? Quantos anos você tem? Por que não fala foder como uma pessoa normal? — Debocha levando uma taça quase vazia de vinho até os lábios — Soa tão mais quente.
Inflamo as narinas, respirando profundamente, porque ele está fazendo algum jogo que não me agrada nem um pouco.
— Em primeiro lugar, você está grávido, ou seja não pode beber. — Arranco a taça de sua mão com ignorância e ele guincha irritado — E em segundo, eu sou seu marido, não sei se você só está bêbado e fazendo alguma brincadeira, mas eu quero que pare! Não sou sua vadia e você não é o meu cafetão pra ficar me vendendo aos outros.
Harry passa as mãos pelos cabelos cacheados que cascateiam em espirais soltas até seus ombros, suas pupilas estão dilatadas e ele está mostrando os dentes como um felino raivoso, caso não estivesse me dando nos nervos eu me sentiria excitado. O que não é o caso.
— Filhote, eu vou levar sua camisa para lavar em casa. Gemma já terminou de por as crianças no carro, estamos indo. — Anne despeja às pressas, deixando apenas seu longo cabelo escuro no meu campo de visão ao que surge entre nós — Lou, querido, não te vi aí. O procurei por toda parte.
— Eu estava... Ocupado. — Sorrio amarelo e ela assente — Por que estão levando os meninos?
— Os pobrezinhos estão desmaiando de sono, como eu sei que vocês precisam ficar o máximo possível perguntei ao Harry se podia levá-los e ele disse que tudo bem.
— Entendo e muito obrigado. Desculpe pelo incômodo.
— Nunca é um incômodo ficar com meus netinhos. Não vejo a hora dessa gracinha vir para alegrar os meus dias. — Anne fala com um sorriso repleto de alegria ao tocar a barriga do filho, que dirige um olhar repleto de indiferença para onde a mãe toca — Bom, eu vou indo, até amanhã, meus amores.
Espero até que ela esteja suficientemente longe, então segurando os dedos de Tomlinson e o puxando para o armário de casacos próximo a saída principal, assim que bato a porta ele desfaz o único botão de seu blazer.
— Se queria transar deveria ter feito lá mesmo, eu iria adorar sentar na sua cara na frente de todas aquelas pessoas. — A malícia desliza fácil por seus lábios.
— O que você disse para o Aaron?
— Hm, você não para de falar dele, vamos, conte-me como foi?
Respiro fundo, sentindo meu sangue ferver com toda a sua dissimulação.
— Ele me beijou.
Não há o mínimo tremor na expressão de Harry, ele não fica chocado ou furioso, mas ostenta um sorrisinho entusiasmado que maridos não costumam manter quando escutam esse tipo de coisa. Eu me lembro de uma reação bem diferente quando... Esquece.
— E...?
— Você barganhou com ele para que tivesse um maior apoio profissional em troca de uma noite comigo.
— Uma noite? Só? — Tira sarro — Não banque o difícil, querido.
— Por que você faria isso?
— An, vamos analisar, Aaron conhece muita gente, ele tem contato e status, poderia me levar as pessoas certas e a minha carreira estaria consolidada sem precisar viver as sombras de ninguém, mas amizade não é uma moeda de troca tão valiosa. Eu sabia que ele estava afim de você há muito tempo e não é como se fosse impossível pra você transar com outro. Isso já foi mais do que comprovado.
Sinto as lágrimas embaçando meus olhos e um soluço vir a garganta. Errei, errei feio e não nego, mas isso é passar de todos os limites.
— Qual é a porra do seu problema? — Berro exaltado, o cacheado arqueia uma sobrancelha arrogante — Eu sei o que fiz, okay? Nós conversamos sobre isso, nos resolvemos como duas pessoas adultas. Hoje nós tivemos um ótimo dia pra agora você me vir com uma dessas. Que tipo de doença você tem para virar um babaca de uma hora pra outra?
— Aí, Louis, sério que você vai bancar a virgem Maria quando todos sabem que você não passa de uma puta? — Geme entediado, massageando as têmporas e meus neurônios não estão funcionando direito quando o prendo contra a arara, com uma das mãos segurando seu pescoço.
— Para com isso, para de provocar. — Suplico em meio a um soluço — Tudo o que eu fiz foi te apoiar, você não tinha o direito de me humilhar desse jeito.
Ele pisca bem devagar, a língua umedecendo os lábios entreabertos e os braços imóveis ao lado do corpo.
— Eu não preciso te humilhar, você faz isso sozinho todos os dias em que aquele assassino em série que você garantiu pegar na sua primeira semana continua livre, matando todos que vê pela frente. Você se humilha quando ousa fazer ceninhas de ciúmes depois de ter fodido o meu melhor amigo, na nossa cama, com seus filhos no quarto ao lado. Você se humilha a cada novo dia em que continua vivo quando o meu bebê morreu por sua culpa. O que eu te dei hoje foi uma chance de fazer algo útil, enfim, mas nem pra isso você serve, talvez eu possa fazer Aaron reconsiderar. — Harry diz tudo aquilo com uma frieza esmagadora, só esboçando um sorriso lascivo ao final quando insinua o óbvio.
— Quem é você? — Sussurro quebrado, vendo sua mão macia acariciando a minha e a forçando contra a própria garganta.
Ele engasga.
— Você sabe, não conseguia tirar os olhos de mim. — O ar carregado da minha respiração bate contra seu rosto — Deve ser tão difícil manter toda essa raiva sob controle, imagino que você esteja a ponto de bater com a cabeça na parede pra não me machucar. Você não quer me bater, mesmo que eu mereça. Eu tenho sido tão levada.
— Harry...
— Shhh, não é como se eu pudesse evitar, desde sempre eu fui uma garota má, que precisa desesperadamente ser punida.—- Conforme ele fala, sua palma quente pressiona a minha, de maneira que ele está se asfixiando. Seus ofegos mínimos vão se tornando arfadas altas e seu rosto ficando avermelhado, em parte ele parece desesperado enquanto outra está extasiada.
Fecho os olhos, encostando a testa em seu ombro e ele não mentiu sobre eu estar lidando com um desejo insano de sair quebrando e socando tudo o que eu vejo pela frente, mas ele não. Ele nunca.
Vamos, Louis, se concentre.
Não deixe que essa merda o cegue.
Pense na pessoa mais importante pra você. A pessoa que você mais ama. A pessoa que você mais quer cuidar e proteger, para sempre.
O nome.
O nome.
— Harry Edward Styles. — Digo contra sua clavícula.
Sua mão se solta. Harry grita rouco, com dor, praticamente socando meu peito para me afastar. Caio entre os amontoados de casacos.
— V-Você enlouqueceu?—- Ruge, massageando a pele marcada. Grandes olhos alarmados e assustados — O que deu em você? — Olha ao redor, perdido — Que lugar é esse? Como chegamos aqui? Onde estão os meus filhos? O que você fez com eles?
— Harry?
Que porra?!
Levanto, tentando me aproximar.
— Não! — Grita estridente, correndo em direção a porta — Não chega perto de mim, seu monstro! — Ele corre para fora e eu sigo, atordoado.
Obrigo minhas pernas a funcionarem e a trabalharem o mais rápido possível para chegar até ele. Harry só pode ter ficado tão nervoso com toda a atenção sob si que cometeu a imprudência de se embebedar, aquelas besteiras haviam sido o álcool e não ele, e agora estava tendo mais um surto. Não era nada demais. Eu o alcançaria, o envolveria em meus braços e tudo ficaria bem.
Hoje é um bom dia e não há como estraga-lo.
Sem mais nem menos ele para, tão de abrupto que chega a dar alguns tropeços. Eu quase consigo sentir na minha própria pele o suor frio que escorre por sua bochecha, a palidez tomando a epiderme, o coração acelerando ao ponto de ser difícil respirar. A voz subindo a garganta em um grito silencioso e o tremor em suas pernas.
Quando Harry desaba, eu me jogo no chão para amortecer sua queda, o apertando contra meu peito. Ele está tão frio que parece morto, massageio seu rosto, lutando para ajuda-lo a recobrar a consciência.
O que houve?
Ergo os olhos, assim como ele fez há segundos atrás. Agora tudo faz sentido. Me arrasto até ter as costas apoiadas nas portas largas do hall de entrada da galeria, os degraus longos dão de frente para a rua deserta, com postes de luz a cada um metro e em um deste uma corrente escura mantém um corpo pequeno suspenso, poderia ser o corpo de qualquer um, mas se tratava justamente daquela garota de ontem, que Harry e eu admiramos pular corda próximo ao parque.
A menina que tanto se assemelhava a Evangeline.
Esquartejada, ensanguentada, morta e exposta para que todos vissem.
Andrômeda esteve aqui.
Talvez ainda esteja.
Abraço Harry, disposto a protegê-lo deste maldito custe o que custar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro