│4│centaurus
A bolinha branca rola pelo carpete devagar, indo mais para a esquerda e quase passando reto por mim. Me sinto exausto e entediado, mas continuo a bater palmas e comemorar como se esse fosse o jogo mais divertido do mundo, justamente porque Blake acha esse o jogo mais divertido do mundo.
Ele está sentado em posição de lótus, balançando o corpinho rechonchudo de um lado para o outro, a camisa escura do Barcelona dando um maior destaque para os olhos azuis e ele se encontra descabelado por simples preguiça da minha parte.
Ainda era cedo. Muito cedo.
Quando ele acordou, chorando sem parar eu apenas me arrastei até o quarto e o trouxe para sala, nós tomamos café da manhã e nos esparramamos no tapete jogando bola um para o outro, foi legal no começo, contudo, já me torrou a paciência. Esse era o único problema do meu filho, ele nunca enjoava, de nada.
Poderia fazer a mesma coisa pelo resto da vida, sem cansar ou desanimar. Às vezes me pego imaginando que tipo de homem ele será.
Provavelmente do tipo que todos detestarão, porque ao invés de reclamar e agir sem pensar, ele saberá bem o que faz. Blake não será um idiota, como o pai dele.
Eu podia ser descrito como a personificação da impulsividade, um dia eu era preto, no outro branco, quente e frio, sim e não. Não haviam meios termos pra mim, num dia eu tinha certeza de que fiz as melhores escolhas pra minha vida e no outro é como se tivesse preso no meu pior pesadelo. Não era à toa que meu psicólogo suspeitava que houvesse algo de bipolar em mim, haviam personalidades demais coexistindo num mesmo homem e isso era perigoso, sempre é perigoso.
Afinal, ninguém quer dividir os holofotes, uma hora ou outra alguém vai querer se destacar e tenha certeza de que a mais ambiciosa tende a ser a mais cruel.
— Feliz? — Blake perguntou de repente. Uma carinha amassada e uma mordida de pernilongo no queixo.
— Sim, filho, eu estou feliz. — Sorrio, devolvendo a bolinha — Ficar perto de você me deixa feliz, amigão.
— Amigão. — Repete, afim de tentar imitar minha voz. Ele está se saindo bem. Os dois sempre foram muito espertos e determinados, era uma pena que tivessem ficado um pouco atrasados quando ainda entorpecido pelo luto meu marido assumiu uma postura super protetora, no nível mais assustador da palavra. Naquela época nenhum de nós podia chegar perto dos meninos, tudo o que eu ouvia eram suas vozes fracas e pequenas do outro lado da porta sem poder me aproximar, pois quando o fazia era pra ter de lidar com um surto violento de Harry. Nesta mesma época ele começou a demonstrar uma agressividade nunca antes vista, eu jamais imaginaria que alguém dócil como ele pudesse arrombar uma porta com tamanha facilidade como ele fez no dia em que levei os gêmeos para o trabalho, apenas para que meus colegas os conhecessem. Foi tão animalesco e apavorante a forma como ele invadiu o lugar, me repeliu e os tomou como se fossem seus, somente seus.
Foi daí que todos na agência passaram a acreditar que eu era casado com um lunático.
Liam, por ser um amigo de longa data era o único que sabia que Harry não era daquele jeito. Então me ajudou a remediar a situação, o levando até a academia onde treinávamos box, o esporte poderia ajudá-lo a extravasar toda aquela raiva contida e realmente ajudou.
Ele começou a melhorar.
Voltou a ser gentil e amável, o próprio procurou por um psicólogo, o qual nós dois frequentávamos e fazia muito bem ao nosso casamento, poder colocar para fora todos os nossos sentimentos. E foi assim que ele naturalmente deixou que nos aproximássemos de Blake e Spencer, Anne não tardou em se agarrar a eles como uma âncora, uma vez que Evangeline foi o seu ser humano predileto em todo o mundo, o mesmo aconteceu com Gemma, Lottie e todo o restante das minhas irmãs. Minha mãe sendo a menos obsessiva.
O problema é que o tempo em que Harry criou aquela concha dura e impermeável ao redor deles, houve pouquíssimo estímulo para que eles se desenvolvessem. Com um ano eles nem sequer engatinhavam, ainda comiam papinha e precisavam ser ninados, o que era uma grande nuance se comparada a nossa primogênita que nesta idade já estava no ballet.
Mas eles vinham melhorando com rapidez. Uma vez que podiam ter contato com o mundo e outras crianças – a creche sendo uma exigência minha, porque, embora Harry pudesse ficar com eles em casa, eu preferia que não. Às vezes sinto como se todo esse grude fizesse mal para eles, os sufoca. A obsessão de Spencer por meu marido ainda sendo um problema considerável.
Já passou da hora de cortar o cordão umbilical.
Alguma coisa peluda e pesada salta nas minhas costas com uma língua molhada sendo esfregada na minha nuca.
— Não me lamba, eu nem sei por onde essa língua passou. — Resmungo, virando para agarrar Sonny e o jogar no chão, o são bernardo caindo de costas balançando as patas no ar — O Sonny tem sido um cão muito mau, acho que alguém precisa de uma lição, não acha, amigão? — Observei o sorriso no rosto do menino crescer e assentir rapidamente pulando no cão na mesma hora que eu, enchendo seu estômago de cócegas.
Nós brincamos com Sonny, tendo as gargalhadas escandalosas de Blake ecoando pelos cômodos até chegar aos ouvidos do irmão, pela babá eletrônica pude ouvir o choro histérico de Spencer. O cachorro correu a nossa frente, meu filho me estendeu uma mão e manteve a outra na parede enquanto subia com passinhos receosos um degrau após o outro.
Assim que empurrei a porta, Blake pulou para consolar o outro, enfiando o braço por entre as grades fazendo carinho nos fios úmidos.
— Papa Hairy, cadê meu papa? — Era o que ele balbuciava entre o pranto quando me aproximei.
— Vamos trocar essa fralda e depois vamos fazer um café bem gostoso pra ele, okay? — O peguei no meu colo, alisando sua bochecha.
— Okae. — Fungou com um pequeno sorriso.
Alguns minutos mais tarde estávamos quase que a família completa, caminhando pelo carpete do corredor do segundo andar, os gêmeos riam baixinho segurando uma torrada cada, porque queriam me ajudar com a bandeja. O cachorro e os gatos se estranhavam ao nosso redor e até o cágado – Ray, como foi batizado pelos meninos – se juntara a nós para surpreender Harry. Segui na ponta dos pés, empurrando a porta com cuidado com os ombros por minhas mãos estarem ocupadas equilibrando uma das bandejas do conjunto de prataria que ganhamos no casamento e nunca usamos. Nela haviam ovos, bacon, panquecas, frutas, seu chá predileto e até uma rosa vermelha para dar um ar mais romântico.
Tudo o que eu mais queria era ficar em paz. Principalmente com o amor da minha vida.
Mas assim que a abri por completo me deparei com o quarto vazio, apenas a luz escassa dos primeiros raios solares atravessando a cortina, uma leve camada de poeira sendo levantada pela brisa matutina e tudo no lugar em que eu deixei, exceto por Harry que desaparecera, deixando para trás lençóis amarrotados e um imenso vácuo.
No fim fui eu quem recebi a surpresa.
— Ué! Cadê papai? — Blake cutucou minha perna e eu me fazia a mesma pergunta.
Sabendo exatamente como me deixar louco Harry sumiu sem levar celular, não havia um post-it sequer dizendo a onde ele iria e após inúmeras ligações não concluídas para Anne ela resolveu me retornar.
— Louis, amor, como tem passado? — Inquiriu com o tom alegre, característico dela.
— Bem, Anne, muito bem. Você não apareceu mais. — Comento dobrando e desdobrando um pano de prato avulso na pia — E você?
— Estou bem, querido, sabe como é a correria no restaurante. É uma pena que o trabalho me força a ficar longe da família às vezes, mas tem esse novo gerente que tem me ajudado bastante e... — Minha sogra desatou a falar nos mínimos detalhes sobre o andamento de seus negócios e mais um trilhão de coisas que eu francamente não me importo, mas jamais me atreveria a dizer porque eu estou casado com Harry e nós temos filhos e isso automaticamente me prende a sua família... Tipo, pra sempre.
— Anne, na verdade eu queria saber sobre o Harry...
— Oh, Harry, é claro! Imagino que ele esteja uma pilha de nervos, quer que eu o leve aquele SPA mais uma vez? Se bem que duvido que ele irá arredar os pés da galeria em sua grande noite. — Grande noite? Ora, mas... — Estou torcendo tanto para que essa exposição seja um sucesso, ele tem trabalho tanto por isso.
Oh meu Deus, a exposição dele é hoje e eu não fazia ideia.
E o prêmio de pior marido do ano vai para: Louis Tomlinson! Este é o meu sétimo consecutivo.
Engulo em seco, forçando a não transparecer o meu constrangimento em ter me esquecido de um dos eventos mais importantes da vida dele.
— Yeah, ele tem estado bem entusiasmado e ansioso quanto a isso, mas ele vai se sair bem. Então, eu liguei para...hm, saber se... se você vai querer uma carona?
— Uma carona? — Anne parece surpresa, mas logo sua risada suave é audível — Que gentileza, Louis, não se incomode, querido. Gemma está fazendo questão de vir de Chicago apenas para prestigiar o irmão, já faz algum tempo que eles não se veem, será ótimo, iremos juntas.
— Certo, isso vai ser ótimo. Incrível, bem era só isso, está uma loucura aqui, então eu acho que é melhor eu desligar. Tchauzinho, até mais tarde. — Digo meio às pressas já procurando pelas minhas chaves e não encontrando.
Harry levou o carro? Não qualquer carro, mas o carro do FBI? Ele nem ao menos dirige!
Depois de me despedir dela, migro para a porta da vizinha, sendo um grande filho da puta que irá receber uma conta da jardinagem do próximo mês por estar esmagando os lírios e pequenas mudas do jardim da Bleta, que como sempre não esboça um pingo de contentamento em me ver quando abre a porta usando sua roupa de ginástica em tons de rosa chiclete e roxo, o cabelo recém platinado preso para o alto e uma camada de suor brilhando por toda a parte exposta de sua pele.
Bochechas rosas e tudo, que gracinha.
— Olá, vizinha. — Arrisco um sorriso charmoso, o que não surte grande efeito depois de quase dez anos, Bebe se tornou imune a minha beleza.
— Não. — Responde virando sua garrafa de whey protein.
— Você nem sabe o que eu ia pedir.
— Não sei? — Bebe arqueia uma sobrancelha indicando os dois garotos no meu colo, as bolsas escapando dos meus ombros estreitos demais e um cachorro roçando na minha perna porque obviamente ele precisa de uma namorada. Se Sonny pelo menos fosse como Shae e Mona e desgrudasse um pouco viria bem a calhar, eu só espero que toda essa superproteção conosco sirva para alguma coisa algum dia.
— Okay, eu preciso que você olhe eles por alguns minutinhos, coisa rápida, prometo!
— Você é mentiroso, Louis. Vive dizendo a mesma coisa e só aparece no final do dia, cadê seu marido?
— Bom, eu preciso me encontrar com ele agora.
— Leva as suas crias então, quem mandou viverem como dois coelhos e ainda resolveram adotar todos os bichos que encontram pelo caminho.
Reviro os olhos a encarando cruzar os braços abaixo do busto e apoiar o ombro na soleira da porta.
— Vamos, Bebe, a Stacy adora os garotos. — Insisto, começando a tombar um pouco com todo o peso.
— Não sei não...
— E se eu ficasse com ela na sexta? Você me disse que tem aquele negócio, como era o nome mesmo?
— Papanicolau.
— Beleza, informação desnecessária, pensei que você diria algo como dentista, mas tudo bem.
— Vai ficar mesmo?
— Claro. — Ela estreita as sobrancelhas, formando um pequeno bico enquanto pondera minha proposta e então abre a porta. Sonny é o primeiro a correr sem cerimônias, coloco os gêmeos no chão e depois de me dar um beijo Blake some, ficando apenas Spencer choramingando ainda querendo Harry — Spen, o papai precisa ir agora, eu já volto. Fique com a tia Bebe, daqui a pouco a Stay chega da escola e vocês vão poder brincar.
Nada. Ele continuou chorando e se agarrando a minha camisa. Bleta, apenas examinando a situação bufou e agachou.
— Ei, rapazinho, por que não brincamos de Barbie, hein? Podemos montar uma casinha e você pode ser a mamãe.
— Eu v-vou ter bebezinho pra eu? — Spencer soluçou, limpando o nariz escorrendo com as costas da mão.
— Sim, você vai ter quantos bebês quiser, amor.
— Tá bom. — Acabou concordando. Spencer deu um tchau rápido e entrou com Bebe.
Assim que eles estavam seguros com ela, caminhei a garagem, vesti meu capacete e subi na moto. Fazia algum tempo desde que eu banquei o motociclista, mas não era de todo o ruim, acelerei e em questão de segundos era como se estivesse voando pela pista, sentindo o sol nos meus braços e o vento batendo contra meu pescoço, até estacionar em frente a galeria. Havia um grande cartaz anunciando a exposição de hoje a noite.
" Um de nós, por Harry Tomlinson. "
Era o que dizia o impresso. Não entendia bem o conceito, mas segundo o que ele havia me explicado em fragmentos era algo sobre as inúmeras naturezas do ser humano, suas formas e fases durante a vida, encontros e mudanças e como você podia ser pessoas diferentes durante cada transformação que sofre. Era estranho, contudo eu o apoiava mesmo sem entender nada.
Meus passos ecoaram pelo piso de porcelana, liso e branco, assim como as paredes e o teto com partes envidraçadas. Chique e elegante. Aquele lugar combinava com Harry, era imenso e ainda não ostentava todas as suas pinturas magníficas, apenas algumas esculturas rebuscadas que ele vinha trabalhando nos últimos meses. Ele tinha grandes referências gregas e por isso preferia esculpir pessoas em todas as suas riquezas de detalhes.
Harry e seu fascínio pelo ser humano.
Estava me distraindo entre aqueles monumentos engessados quando escutei uma risada esganiçada e tão familiar para mim. Meu amor.
Caminhei instintivamente em direção ao som e não posso dizer que fiquei exatamente feliz com o que me deparei.
Harry estava sentado em uma escada não muito alta, mas que era um perigo para alguém nos primeiros estágios da gravidez como ele, seu coque se desmanchava no topo da cabeça e mesmo com o rosto abatido ele se encontrava lindo em seu moletom cinza de Harvard, suficientemente largo para ficar totalmente confortável. Estaria tudo perfeito, não fosse o homem que subia o primeiro degrau, rindo de algo que não me interessa, cabelos castanhos armados e cacheados, uma barba bem aparada e camisa sem mangas para expor seus braços sarados. A porra de um rato de academia, só pode. Uma pessoa com uma vida não tem como ter braços daquele tamanho.
Não conheço.
Nunca o vi na vida.
E mesmo assim ele está com as mãos nos quadris do meu marido.
Ah não.
— Você não ousaria. — Harry o desafiou, inclinando-se pra frente.
— Ora, não me provoque, baby.
Baby? Eu vou vomitar. Esqueci minha arma, porra!
— Espero não estar atrapalhando. — Elevo a voz quando me sinto seguro o bastante para não encher o cara de porrada, não é nada demais, estou apenas exagerando e sendo ciumento. Não seja idiota, Tomlinson. Seja normal.
Suas risadas morrem e ambos olham em minha direção.
Dois pares de olhos verdes um tanto esbugalhados e constrangidos. Interessante.
— Amor, oi. — Harry suspira, descendo da escada numa agilidade impressionante e caminha até mim — Tudo bem? — Abraça meus ombros deixando um beijo em minha bochecha.
— Uhum. — Murmuro, arranhando a barra da minha camisa, sentindo um pequeno formigamento na boca do estômago.
— Ah, bom, isso é muito bom. Lou, esse é o dono da galeria, Aaron Johnson, eu falei do Aaron pra você, não falei?
Olho diretamente em seus olhos captando toda sua hesitação e nervosismo.
— Não, não falou, querido. — Respondo com tranquilidade.
Harry pisca e olha para todas as direções possíveis parecendo atordoado.
— Bom, em compensação ele me falou muito sobre você. — O homem, Aaron, se aproxima, estendendo a mão em minha direção, há pulseiras por todo o seu pulso e colares estranhos no pescoço, ele é hipster e simpático e ainda por cima tem um belo sorriso. Alguém bonito demais para ficar a sós com o marido alheio.
Aperto sua mão de volta e ele sorri mais.
— É um grande prazer conhecê-lo, senhor Tomlinson.
— Igualmente, senhor Johnson. — Me esforço para soar simpático — Então, tudo certo para a grande noite?
Aaron coloca as mãos nos quadris e assente mais vezes que o necessário. Ele é animado demais. Beirando ao frenético, pode-se dizer.
— Yeah, minha equipe já está chegando para colocar os quadros. Vai ser uma grande noite, estamos todos muito animados e o Haz nem se fala. Depois de hoje as galerias de todo mundo estarão se matando para expor algo dele e os compradores farão fila na sua porta.
— E você está me iludindo, de novo. — Harry diz.
— Apenas expondo os fatos. — Aaron ri e há aquele brilho em seus olhos quando ele olha para Harry que tem as bochechas coradas e eu não quero começar a criar teorias estúpidas nas quais meu marido possa estar transando com outra pessoa. Eu já carregava o título vergonhoso de adúltero, não tinha interesse em dividir este fardo com ninguém — Então, acho que é melhor eu ir checar os preparativos, nos vemos mais tarde, pessoal.
O homem se afastou decidido sumindo em uma porta lateral e nos deixando sozinhos. Harry não tardou em abraçar meu pescoço e beijar o mesmo, embora meu cenho tivesse franzido e minhas mãos cruzadas atrás das costas.
— É sério que vai ficar fazendo pose de policial invés de me abraçar?
— Não estou fazendo pose de policial. — Falo meio aéreo ainda com os olhos presos na direção de onde Aaron sumiu.
— Está sim.
Desvio minha atenção para mirar seus olhos intensos que me olham tão diretamente, como se tentassem ler algo por detrás da espessa armadura que cobre minha alma corroída e que não está a vista de ninguém, nem mesmo dele.
— Me assustei quando não te encontrei em casa pela manhã.
— Eu acabei madrugando e pensei em dar uma passadinha aqui, queria voltar antes de vocês acordarem. Deixou as crianças com a Bleta?
— Sim, eu disse cinco minutinhos e pra variar estou bem atrasado. — Checo o relógio e acabo me rendendo a vontade de toca-lo, minha mão repousa na base de sua coluna e um sorrisinho satisfeito começa a se formar em seus lábios — Deveria ter imaginado que você estava aqui. Não deveria ficar indo atrás de você, eu preciso te dar espaço.
— Não, tudo bem, você sabe que eu entendo, de verdade. — Harry se apressa em dizer, segurando meu rosto entre as mãos e deixando um selinho demorado em meus lábios — Eu estou tão nervoso e empolgado, acho que não resisto até o fim do dia.
— Mas não devia, você vai ser um sucesso e além disso nem é a sua primeira exposição.
— De certa forma é sim, sabe, todas as outras foram com ela.
— Falando nisso sua mãe disse que ela está vindo de Chicago apenas para te ver. — Digo aquilo acreditando que Harry ficaria um pouco mais seguro, mas surte o efeito contrário e seu rosto perde a cor, ele se afasta e eu seguro sua mão para não perdê-lo.
— Não, eu evitei enviar o convite e mesmo assim ela vai vir. Droga, qual é o problema da minha mãe?! — A voz rouca e grave retumba feito um trovão pelo lugar, me arrancando um calafrio.
— Harold, ela é sua irmã, ela só quer ajudar.
— Se ela quisesse ajudar ficaria longe. Tudo só piora quando a Gemma está aqui, ela nem deveria estar mais aqui, mas resiste só pra me infernizar.
Dou um passo adiante, firmando o aperto em seus dedos.
— Eu realmente não sei se você está sendo mimado ou cruel agora, mas eu peço que pare.
Minha seriedade o leva a estreitar os olhos, ele parece avaliar a mim e a situação, como se tramasse algo, mas antes que possa agir o abraço.
— A Gemma só quer o seu bem, como todos nós. Apenas queremos que você seja feliz. — Sussurro contra seus cabelos, massageando suas costas e o sentindo suavizar em meus braços, abaixando todas as suas resistências.
— Às vezes eu me sinto tão confuso.
— Como assim?
— Eu não sei direito, é como se repente eu me visse em um quarto escuro, não há janelas, apenas uma porta. Por ela eu escuto vozes, muitas vezes a sua voz e eu tento tento falar, mas você não pode me ouvir. Eu grito e ninguém escuta e a porta não pode ser aberta, o quarto só vai ficando menor e me esmagando, não tem como respirar e as vozes só vão ficando mais altas, elas me atormentam e me sufocam.
Ele se aperta em mim com mais força e desespero e eu beijo sua têmpora, tentando acalma-lo.
— Você falou com o Adam sobre isso?
— Não, tenho medo que ele diga que estou ficando maluco.
— Você não está ficando maluco, amor, apenas está assustado. É normal depois de tudo o que passamos, mas não pode se concentrar nisso, precisa se lembrar de que hoje é um dia importante. Sua primeira exposição solo, estamos todos orgulhosos de você, essa será a melhor noite de nossas vidas.
Harry funga baixinho, apoiando a testa no meu ombro.
— Você promete?
— Prometo. Venha, vamos dar uma volta.
Ele concorda e me segue quando o puxo pela mão em direção a saída, próximo a porta avisto um dos únicos quadros já expostos. É a pintura de uma garota, apenas do nariz para baixo fora retratado, a riqueza de detalhes e expressão da boca, pele e o pequeno ramo de flores por entre os lábios cheios chega a ser impressionante.
— Gostou dessa? — Harry abraça meu braço, sussurrado em meu ouvido.
— Ela é bastante atraente, qual foi a sua inspiração? — Inquiro sem desviar os olhos da obra.
— Não sei ao certo, é só mais uma das muitas figuras que surgem a minha mente em momentos aleatórios, está em especial está comigo há algum tempo, eu a chamo de Sugar, ela é uma garota fria e devassa, que gosta de provocar e ferir os homens, como uma sereia ela se mostra doce e inofensiva enquanto os seduz e arrasta para o fundo do mar onde poderá devorar-los em paz.
Dou alguns passos em direção ao quadro, mas ele me impede.
— Não se aproxime demais.
— Teme que ela me devore?
— Não, mas é melhor não arriscar. — Ele sorri e eu acompanho.
Meu carro está no estacionamento e Harry diz algo sobre não gostar de dirigir não significava que ele não sabia dirigir. Estranho, sempre pensei que ele realmente não sabia. Harry e suas habilidades desconhecidas.
Acabamos por deixá-lo por lá mesmo e fomos até o Central Park de moto, meu marido não parava de reclamar que eu estava indo muito rápido e só pra provocar eu acelerava, grunhido com os beliscões que ele ia deixando na minha cintura. Quando o sol do meio dia estava estridente no alto do céu nos deitamos na grama, embaixo de uma árvore, Harry comendo algodão doce cor de rosa e fazendo uma grande bagunça.
— Você prefere que Leslie seja um menino ou uma menina? — Pergunta de repente.
— Eu não sei. — Batuco os dedos no estômago.
— Eu também não. Só espero que ele ou ela nasça com muita saúde e que nada de ruim lhe aconteça, nunca.
— Hey, Harry, você... Você ainda pensa nela?
Isso estava entalado na minha garganta há tanto tempo, eu só precisava saber. Eu ansiava por isso. O olhei por canto de olho, tentando decifrar qual seria a sua resposta, mas assim como uma nuvem quando olhada por diferentes perspectivas, Harry não revelava nada. Ele continuava a comer vagarosamente olhando para o céu.
— O tempo todo. — Foi tudo o que disse pelo resto da manhã.
Quando retornamos já no início da tarde, Harry estava um tanto animado, falando sem parar do evento e de quais pessoas importantes eu deveria puxar o saco para que ele começasse a ter sucesso no mundo das artes plásticas. O deixei em casa para ir até a vizinha buscar os garotos, os encontrei saltitando ao som de alguma música da Miley Cyrus com a pequena Stacy em seu tutu de ballet. Ela tinha a idade de Evangeline, olhar para ela era como ter a visão de como minha filha estaria agora se estivesse viva e eu realmente não deveria pensar sobre isso e me martirizar em um dia como hoje.
Após muito choro e um ou dois gritos Spencer pode correr pelo jardim, saltitando feliz da vida por ter conseguido emprestado a Barbie predileta de Stacy, mas ao invés de correr atrás de Harry como normalmente faria ele parou na porta da cozinha, Blake e eu o seguimos para encontrar Harry fazendo lasanha, que era o prato predileto de todos nós, seu cabelo preso e um shortinho amarelo engraçado dançando em suas pernas esguias enquanto ele remexia os quadris no ritmo de Psycho Killer que gritava pelas caixas de som, um dos meus CD's antigos que ele vivia revirando.
— Feliz? — Blake levantou o rosto para mim.
Baguncei seu cabelo, ajoelhando para ficar na altura dos dois que se divertiam com a performance do pai.
— Muito. — Sorri, puxando ambos pela cintura e os abraçando, antes de instruí-los a ajudar Harry na cozinha. Spencer deixou a Barbie comigo e eles bateram os pezinhos acelerados em direção as pernas de Harry, cada um agarrando uma. Ele guinchou assustado e logo estava os carregando e dançando com eles.
Permaneci distante, fazendo carinho em Sony e sorrindo feito um idiota.
Se eu soubesse o que sei agora, se eu não me esforçasse tanto para me manter cego eu teria visto que aquele era o começo... O começo do fim e que daqui há alguns meses nenhuma dessas quatro pessoas se veria novamente. Em pouco tempo esse frágil castelo de vidro se partiria em mil pedaços e muito deles acabariam cravados no meu coração.
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