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│27│serpens


Um mês. É o tempo que eu chuto ter passado, não é como se fossem me dar a resposta assim tão facilmente, nada nesse lugar é fácil ou acessível, por exemplo, não há calendários e ninguém responde caso você pergunte o dia. Não que a maioria aqui sequer esteja lúcida para fazer algo além de babar e balbuciar suas maluquices.

Estar entre os loucos, te torna louco.

Sei bem disso, a TV só serve para exibir filmes antigos, perdi as contas de quantas vezes vi e revi Casablanca, O ladrão de casacas, A felicidade não se compra, até mesmo meu filme predileto, Um corpo que cai começou a me dar nos nervos depois deste looping infinito. Estranhamente, o único filme que tinha vontade de ver nunca foi exibido, talvez porque eu estivesse nele agora, era o que era no momento: Um estranho no ninho.

Uma pessoa lúcida rodeada de insanos.

Não importava o que dizia o meu diagnóstico, eu não estava nem perto de parecer com aquela gente.

O Sanatório W. Lincoln não era o que eu esperava, pelo que via em filmes e séries tinha certeza que encontraria um casarão fantasmagórico, paredes cheias de lodo, o ar carregado pelo odor de putrefação, portas de ferro onde atrás ecoariam os gemidos agonizantes dos internos torturados, um ou outro espírito se esgueirando para dilacerar gargantas e nada além do terror absoluto, mas não era nada assim. Ao começar por ser um lugar estranhamente agradável, exatamente. Era uma estrutura moderna, arquitetônica, a fachada branca e aconchegante como a de um SPA, era como se dissesse: ei você que perdeu a completa razão, venha conosco e seja livre para comer grama e fingir ser um babuíno, você não será julgado!

As paredes internas tinham tons pastéis e quadros de flores, paisagens campestres, na recepção tocava sons da natureza. A música de um córrego flutuava pelos corredores quando fui trazido para esse lugar, em uma camisa de força, com jornalistas em meu encalço, gritando e empurrando os microfones contra meu rosto. Eu era uma celebridade, uma celebridade assassina.

Os internos enfiaram os rostos na janelinha para enxergar seu mais novo hóspede, alguns me reconheceram.

Gritaram e guincharam, riram e começaram a imitar sons de correntes – era o que eu acreditava, porque pra mim eram só ruídos irritantes – , se pudesse mover minhas mãos teria torcido os punhos.

Meu novo lar era um cubículo, a porra de uma caixa de sardinha, um banheirinho ridículo sem porta – porque um louco condenado precisaria de dignidade, não é mesmo? – uma cama dois palmos acima do chão com um colchão tão fino quanto um lençol, mas eles prometiam uma experiência mágica nos banners de entrada, talvez fosse pretensão de mais para um instituição psiquiátrica judiciária, afinal, aqui só estavam criminosos. A nata da escória da sociedade e eu fazia parte disso.

Como cheguei tarde, fiquei no meu cárcere durante toda a noite, rolando na minha caminha vagabunda, pensando na minha cama de verdade, na minha casa, em tudo o que era meu e não mais me pertencia. Eu fui destituído de tudo. Não tinha sequer uma porta no meu banheiro.

Testei os lençóis, mais por curiosidade do que qualquer coisa, eles não serviam como forca. Ou seja, ali um cidadão não tinha a menor chance de se suicidar. Isso sim é passar dos limites para mim. No dia seguinte, disse olá a minha nova vida.

Matthew, era o nome do fedelho sorridente de aparelho que vinha me liberar do meu calabouço todas as manhãs. Ele perguntava sobre como eu estava me sentindo, como havia sido minha noite de sono, se tive sonhos e o que gostava de fazer e por um tempo, até que respondi e tentei ser civilizado, uma semana depois eu só o mandava para o inferno, mas isso não impedia Matthew de continuar bancando o boa praça. O meu carcereiro me liberava para a nossa enfermaria. O Sanatório era imenso e é óbvio que não estaríamos todos interagindo e correndo livres por toda a propriedade, então, éramos divididos em Enfermarias, não sabia ao certo quantas seriam ao todo, exceto que a minha era a Enfermaria 6 e todos tínhamos sangue nas mãos, porém, pouco lúcidos para reconhecer. Na minha ala, éramos nove e quem chefiava era a Dra. Turner, desconfiava que ela não fosse a única doutora por ali, mas os demais se auto intitulavam como "enfermeiros", provavelmente porque soava menos amedrontador, por algum motivo os malucos tinham horror a médicos. Eu detestava todos, igualmente.

A primeira ordem da enfermaria era a medicação. Formamos uma fila diante do posto e recebemos dois copinhos, um com comprimidos e outro com água. Alguns tomavam alegremente o que lhes era dado, outros surtavam. Nunca fiz caso de nada, apenas engolia, podia reconhecer aquelas pílulas, tomei elas por pouquíssimo tempo na infância. Onde eu estaria se nunca tivesse parado? Talvez não aqui.

Após isso o meu terror começava, pois tínhamos de fazer tudo em grupo. Na hora da higiene matinal, tal como a hora da escovação em uma escola de educação infantil, era um caos. Homens adultos que não sabiam o que fazer com uma escova de dentes e todo o tipo coisa podia acontecer, costumava observar encostado em uma pilastra, escovando tranquilamente enquanto assistia os enfermeiros tentando evitar que Jim e Max – os malucos nível dez enfiassem as escovas nos ouvidos ou comessem toda a pasta. Era sempre divertido. Depois era a hora do café da manhã, outra tortura coletiva e como se o fato de detestar estar em grupo já não me irritasse o bastante, vinha o agravante deles tentando colocar a mão no meu prato, Jim não sentava mais ao meu lado depois que torci seu pulso por fazer isso. Ao menos o almoço e jantar eram nos quartos.

Então, vinha a hora da recreação. Outro momento vergonhoso em que meus colegas de hospício não sabiam o que fazer com uma bola de basquete e ficavam atrás das formigas. Provavelmente estava me sentindo muito superior ao constatar que não estávamos na mesma página. Eu não entendia exatamente porque fui considerado insano, quer dizer, sim, eu tenho algumas questões, mas estou completamente lúcido. Certo?

Errado.

Errado, segundo a doutora Turner quando nos reunimos para a pior parte do dia. A terapia que chamavam de roda de conversa, ninguém estava conversando porra nenhuma, não tinha nada de casual e só eu notava isso.

Só descobri que dia era hoje quando colocamos nossas cadeiras lado a lado formando um círculo ao redor da doutora e recebemos pequenos embrulhos e um "feliz dia dos namorados" em uníssono da equipe. Se hoje é dia dos namorados, significa que o Harry já fez aniversário.

Desde que entrei aqui não soube nada sobre ele. Quando Niall casualmente vinha me ver, ele só dizia que Harry estava se recuperando, ou seja, raso demais para se ter uma noção de como Allicent estaria – uma vez que ela havia dominado Harry – , meu coração apertava com o pensamento, mas ela era uma ameaça e tinha perdido o que mais queria. Eu sou carta fora do baralho, então, o que ela poderia estar planejando agora? E contra quem?

De repente um clarão atingiu diretamente meu olho esquerdo, a ardência automaticamente me fazendo fechar a cara em aborrecimento.

— Bravo, bravo, ele bravo! — Phil, o estúpido idiota e cabeça oca que tinha a mania insuportável de seguir os outros cantarolava, rindo, enquanto mirava a luz de sua lanterninha na minha cara.

— Para com isso. — Disse entredentes.

Ele achou engraçado e gargalhou, apertando o botão.

— Liga. Desliga. Liga. Desliga. — Continuou, me deixando tonto e cego, tanto de raiva quanto literalmente.

— Olha aqui seu- — Comecei, porém a doutora me chamou.

— Louis, abra o seu. — Ela sorriu, mas eu não enxergava nada de amigável em seus olhos verdes distantes ou no sorriso mecânico. Sentia como se ela estivesse estudando minuciosamente tudo o que eu fazia e dizia.

Puxei a fita dourada e me deparei com duas bolinhas anti-stress coloridas. Nem meus filhos tinham isso.

— Você só pode estar me zoando.

— Claro que não, acho que vai te ajudar bastante. Você se irrita com muita facilidade e vive com os punhos cerrados ou batendo em algo ou... — Ela deu uma olhada no grupo — em alguém. Vai ajudar, Louis.

Assenti a contragosto.

— Já recebi presentes bem melhores.

— Não tenho dúvidas quanto a isso.

A data comemorativa abre brecha para o início da conversa do dia, as memórias associadas a namorados. Doug fala sobre sua namorada imaginaria que todos estão cansados de saber que só existe na cabeça dele e mesmo assim ele insiste descrevendo uma mulher que é a Shailene Woodley, mas ele garante ser uma tal de Joan. Gavin fala das garotas que ele perseguia e matava, acho que ele não sabe o que é uma namorada. Bruce – o mais velho do grupo e talvez do sanatório inteiro – tagarela sobre a esposa e dos anos felizes que tiveram juntos até o dia em que ele surtou e fez um ensopado com ela.

Os outros nunca se relacionaram com ninguém.

Eu era o único que não matei o cônjuge.

— Louis, por que não nos fala de como você e o Harry comemoravam essa data.

Respirei fundo, não querendo falar sobre nada, principalmente Harry.

— Harry? — Phil guincha — A namorada dele é menino!

— Phil, o Louis está falando, vamos respeitar a vez de cada um, está bem? — A doutora interveio com seu timbre firme.

— Eu não quero falar sobre o Harry.

— Por que?

— Porque eu não quero. — Digo simplesmente, apesar de saber que essa não vai colar.

A doutora Turner não era do tipo que aceitava uma resposta meia boca, ainda mais quando vinha de alguém que nunca colabora.

— Tem alguma relação com você achar que ele te colocou aqui?

Achar? Eu não acho. Eu sei.

— Você pode não acreditar, mas sei do que estou falando. Ele armou para mim, com a ajuda de outros agentes do FBI, eu caí na sua armadilha.

Ela balança a cabeça, os dedos se movendo conforme ele escreve com a caneta em sua prancheta.

— Sabe que a ideia de conspirações e perseguição contra você integram a sua condição, não é?

— Isso não é coisa da minha cabeça.

— É normal que se volte contra a pessoa mais próxima de você...

— Eu não estou me voltando contra ninguém. Eles é que se voltaram contra mim!

— Quando você diz "eles" se refere?

— As outras personalidades. — Respondo sentindo minha cabeça doendo com toda aquela conversa. Ela nunca me dá ouvidos. Nunca acredita em mim, acha que sou como esses idiotas.

— O TDI, você se lembra de quando teve contato com ele?

Franzo as sobrancelhas, não entendendo ao que ela se refere.

— O quê?

— Conversei com a sua mãe recentemente e ela falou sobre um colega seu, da infância, Jack, se lembra dele?

O nome não me é estranho.

— Bem, ele costumava ser um grande amigo seu, porém ele tinha transtorno dissociativo de identidade e possuía dois outros alters e você tinha muita dificuldade para lidar com isso.

— Eu não...

Ela deixa a expressão suavizar e a voz é menos altiva quando ela torna a falar:

— Não consigo imaginar o quão difícil era pra você, sendo apenas uma criança que não recebia o tratamento adequado e tinha que lidar com delírios e sem saber o que era real ou não, você não conseguia entender, não é? Jack era mesmo daquele jeito ou era só você vendo e ouvindo coisas que não existiam. Te assustava não reconhecer o seu amigo.

Quero dizer o quanto ela está errada e que é péssima no seu trabalho, mas uma parte de mim parece se identificar com o que ela diz.

Não existem memórias vividas na minha cabeça, porém o sentimento de me sentir perdido, de não entender, de não saber com quem eu estava falando, de não reconhecer o meu melhor amigo, é um sentimento pavoroso, como se... Como se eu tivesse medo disso.

— Não acha que seria coincidência demais se o seu amigo de infância e o seu marido possuíssem o mesmo transtorno?

Ouço em silêncio.

— E se eles não sofressem? E se você projetou um medo seu, no Harry e se convenceu de que ele é o inimigo.

Esquece, ela é um lixo em tudo isso. Não lhe dou uma resposta, apenas jogo as bolinhas no chão e me sento no sofá diante da televisão desligada, esperando a hora em que Casablanca passará pela milésima vez.

E assim os dias se repetem.

O mundo exterior parece não existir além daquelas paredes. No pátio, durante o horário da recreação começo a andar pelo perímetro, dedilhar a cerca e observar o outro lado, as ruas desertas, o beco mais escuro que foge ao campo de visão, pelo menos aqui posso tomar sol e pensar. Nunca em coisas boas, é claro.

Sempre penso em Gemma e como ela acabou nessa bagunça.

Mas logo começo a pensar no que a Dra. Turner insinuou, sobre projetar algo em Harry, se esse fosse o caso, isso significaria que ele era inocente, o que automaticamente faria de mim o culpado. Essa é uma história com apenas dois lados possíveis. Eu ou ele.

Mas e se... E se eu for Andrômeda? E se eu fiz tudo isso? Há tanto que me foge a memória, tanto que se apagou e mesmo assim não deixou de ser realidade e se fui eu quem trouxe Gemma para essa bagunça? E se eu fiz aquilo de propósito? E se eu o estuprei e matei a nossa filha por querer? E se nada do que eu acredito ter ouvido aconteceu de verdade?

Não, não. Nick e Anne sabem a verdade. Eles sabem. Será que sabem? E se eu inventei isso também?

Também? Espere! Isso significa que eu acredito que estou criando uma mentira e se nada do que aconteceu até aqui tiver acontecido de verdade?

Eu sou real?

Algo aqui é real?

Sinto falta de ar e minhas mãos estão tremendo, tem lágrimas brotando em meus olhos e o surto a caminho. Preciso encontrar uma forma de me aterrar. Eu preciso.

Voltamos para dentro, foi um dia cheio e teremos meia hora de descanso nos quartos. Matthew segue na minha frente e uma das enfermeiras no posto está anotando algo quando outra a chama e ela, ela vai ao seu encontro levando o papel e deixando a caneta para trás, pego rapidamente e escondo no bolso.

No momento em que estou sozinho, portas bem trancadas, me esgueirei para onde a câmera não consegue me encarar e ajoelho no canto, pressiono o dedo sobre a ponta da caneta. Com um pouco de força consigo quebrar a parte inferior, tornando o plástico pontiagudo. É só isso, um corte pequeno basta. Vai servir.

Arrasto a ponta pela parte interna do braço, empunhando força ela começa a cortar, superficialmente, mas o bastante para poucas gotas de sangue começarem a expelir.

Era quando eu deveria ter parado.

Mas Lucian estava sentado na cama, balançando a cabeça e dizendo que não era o suficiente. Eu precisava de mais.

Então, continuei cortando. Pele e mais pele sendo cortada e sangrando. E eu não sentia nada.

Não existia alívio.

Não existia paz.

Não existia dor.

Quando Matthew voltou, meia hora mais tarde, ele vacilou brevemente e se jogou em minha direção, agarrando meus braços, e se assustando ao ver o estrago que tinha feito no meu rosto, o sangue gotejava dos meus dedos. A caneta não foi tão eficiente quanto as minhas unhas.

Xx

Passo duas noites em observação, amarrado na maca e é uma verdadeira vitória que me deixem manter as unhas, mesmo que tão rentes a carne que chegam a machucar. Apenas no final de semana, quando os pontos que precisaram ser dados estão começando a cicatrizar que sou liberado para o inferno da minha nova normalidade. Matthew me deixa encarar o espelho pela primeira vez e eu não parecia mais tão bem em comparação aos outros, estou semelhante a uma versão em carne e osso do Chucky, com a cara toda remendada. Meu declínio está vindo mais rápido do que eu imaginava.

Junto com a alta, recebo uma visita.

Niall espera por mim, sentado em uma das mesinhas brancas do pátio, um tanto espantado com os meus colegas esquisitos. Já estou acostumado com isso. Ele olha para mim e sorri num primeiro momento, até que os olhos azuis crescem e caem em horror.

— O que houve? Você foi atacado? — Diz em choque, ele sequer pisca, enquanto me sento diante dele.

— Sim, por mim mesmo.

— V-você mesmo fez isso?

— É, pareceu racional na hora. Então, as novidades?

Horan engole em seco, tentando pensar em algo para dizer.

— O país está bem satisfeito. O FBI levou uma dura.

— Naturalmente. — Concordo, passando as unhas pela superfície de pedregulhos.

— Você sabia que era...?

— Uhum, desde criança, mas isso nunca teve importância. Não me tornava louco.

— Sim, claro. — Niall escolhe bem suas palavras — Mas você foi negligente, de certa forma.

— Eu fui. E tudo bem, mas eu não entendo porque exatamente estou aqui.

Niall encolhe os ombros e entendo que ele tem algo a dizer.

— Fala.

— Hum? — Ele endireita a postura, olhando para mim — Eu li o diagnóstico, disseram que você tem poucos momentos de lucidez.

— Isso é ridículo! Poucos momentos de lucidez? — Bufo indignado — Mas o que esperar de todo aquele circo, o juiz chamando o Harry de querido, foi ridículo.

— O juiz não o chamou de querido. — Horan retruca.

— Chamou sim. — Asseguro — Devia prestar atenção.

— Eu prestei e isso não aconteceu.

Como não? Eu vi, ouvi, eu sei que aconteceu.

E apesar de não duvidar do que eu sei, pergunto:

— Ele foi avaliado?

— Claro! Você disse várias vezes que ele tinha TDI, ele foi minuciosamente avaliado pelos psiquiatras e psicólogos forense e o diagnóstico foi negativo.

— Ele foi... E não descobriram, como isso é possível? — Murmuro comigo mesmo, colocando as mãos na cabeça, meus dedos pressionando meu crânio, tentando fazê-lo funcionar corretamente.

Percebendo meu estado, Niall muda de assunto, ele fala sobre meus filhos estarem bem, ainda perguntando sobre a minha ausência, Anne tem estado com a saúde precária e Harry não tinha saído de casa desde que recebeu alta, segundo a sua informante – Cams – , ele falava pouco e ficava todo o tempo trancado no quarto.

— Ah, a Hailee te mandou isso. — Ele me entrega uma quadrinho pintado a mão, um sol nascendo sobre uma montanha.

O seguro, admirando os traços.

— É lindo! Pensei que ela já tivesse se esquecido de mim.

— Como poderia? Você salvou a vida dela.

— Vocês tem se visto? — Indago, e seu rosto automaticamente muda de cor. O vermelho destoa no rosto pálido — Oh, Horan, Horan...

— O quê?

— Não me diga que está caidinho pela garota.

— Eu não! — Diz na defensiva, nada confiante — Mas assim, se eu estivesse, acha que eu teria chance?

— Não com esse cabelo. Aceite que você é moreno, Irlanda.

— Mas-

— Sem "mas". É isso ou nada feito. — Sem escolhas, Niall assente. Sorriu satisfeito, levantando quando o horário se encerra — E diga a sua namorada que eu gostei muito do presente.

— Vou dizer. — Ele sorri como o bobalhão que é.

Quando a noite cai e olho para o quadro na minha parede, penso no sorriso idiota dele e que mesmo no fim do poço, eu tenho um amigo e isso deixa as coisas um pouco menos piores.

Xx

E como tranquilidade é coisa rara naquele lugar, a Dra. Turner entra na enfermaria com os olhos fixos em mim. Estou na mesa, jogando uma partida de xadrez comigo mesmo. Eu não sei jogar xadrez, então devo estar fazendo tudo errado, mas os outros acreditam que sou um mestre naquilo por entenderem menos do que eu.

— Se importa? — Ela pergunta, indicando a cadeira vazia.

Sim, me importo muito. Mas, ao invés disso, dou de ombros.

— À vontade.

A mulher agradece e se senta, as mãos entrelaçadas na beirada da mesa e só consigo ver a raiz vermelha de seu cabelo ruivo. Ela deve estar na casa dos quarenta, quarenta e cinco.

— Você sempre fez isso?

— Desculpe?

— Você sempre foi observador desse jeito. Dá pra notar que presta atenção demais no entorno. Não é de se surpreender que tenha se tornado um bom detetive.

— Eu não sou um bom detetive.

— Discordo!

— Que novidade. — Resmungo em baixo tom.

— O que quer dizer?

— Você discorda de tudo o que eu digo. Pra você, eu sou um mentiroso pirado. Um doido.

— Louis, isso não é verd- — Ela começa, percebendo o que fez, reformula — Desculpe, nunca foi minha intenção. Eu só quero te ajudar a entender o que aconteceu e está acontecendo com você. Por que não começamos de novo, an? Conversando casualmente enquanto te ensino a jogar.

— Pode ser.

E assim tentamos o tal recomeço. Nas horas livres, ela se senta comigo e tenta o milagre de me fazer entender e começar a jogar minimamente direito. Somos péssimos, mas acaba sendo divertido.

Surpreendente em um dia chuvoso, Jim vem cambaleando e move minhas peças, em poucas jogadas ele dá o xeque-mate. Com isso, mudamos para dama.

Nestes momentos jogamos conversa fora, ela fala sobre sua vida e eu comento algo sobre a minha. Hoje estamos falando sobre cachorros quando digo:

— Michael o chamou de Sonny por causa do Poderoso Chefão. — Sai quando estou distraído.

— Sente falta dele? — Ela pergunta, movendo sua peça.

Enrijeço ao notar a brecha que dei.

— Sim, Sonny é ótimo.

— Não é do Sonny que estou falando.

— Michael. — Como duas de suas peças e ela arregala os olhos, ela não viu aquilo chegando e sorrio — Eu sinto falta dele. É duro encarar a morte, saber que aquela pessoa não está em lugar nenhum, ela simplesmente sumiu. Abre uma ferida na gente.

— Sei como é.

Ela deixa que o silêncio caia entre nós.

— Não vai perguntar? — Pergunto.

— O que?

— Se eu o amava.

— Amava?

Faço meu próximo movimento, fiz uma dama.

— Hoje em dia, reconheço que não. Eu o usei porque estava infeliz.

— E por que estava infeliz, Louis?

Okay, é isso. Estou conversando, me abrindo. Que estranho.

— Porque meu marido não me amava mais.

— Ele disse isso?

— Não, mas... Mas um dia estávamos bem e quando eu acordei, meses haviam passado, a nossa filha estava morta e nós tínhamos gêmeos. Ele cuidava de mim, claro, porém, existia uma distância, uma repulsa e eu não conseguia me aproximar, ele não deixava, não queria. Eu passei muito tempo sozinho, deixando que aquilo me removesse, foi quando eu percebi que o Michael gostava de mim, não só isso, ele me amava. Me amava e me queria e de repente, comecei a encontrar semelhanças entre ele e o Harry e passei a vê-lo como...

É pior do que eu imaginava.

Turner também faz uma dama.

— Você pensava no Harry, o via como o seu marido. É a primeira vez que ouço algo assim. Normalmente, pensam no amante ao estarem com o marido e nunca o contrário.

— Na época, eu não pensava nisso como traição. Porque a todo momento eu só queria o Harry, mas eu estava errado, desde o começo e acabei machucando todo mundo.

— Mas você ama o seu marido. Mesmo agora, você ainda o ama. — Abaixo a cabeça, não quero que ela leia a resposta em meus olhos — Se lembra do momento exato em que começou a amá-lo?

Se eu lembro? Sim, eu lembro.

Lembro de conduzi-lo pelas escadas, tropeçando nos degraus e tentando manter as mãos sobre seus olhos apesar de seus esforços para se ver livre delas e poder enxergar para onde estávamos indo. Mas eu persistia em manter meu teatrinho, mal podia conter meu sorriso ansioso. Quase dei um gritinho quando chegamos ao que viria a ser a nossa suíte.

— Okay, no três! Um, dois... — Harry contava comigo, tão angustiado quanto eu — três! — Afastei as mãos e seus olhos dobraram de tamanho ao olhar por todo o espaço, ele deu um passo, tapando a boca quando encarou o carpete.

— Um carpete. — Gritou — E paredes! Ah meu deus. — Ele correu em direção às janelas — Olha o tamanho dessas janelas. E um banheiro! Nós temos um banheiro, dentro do quarto. Isso é... Meu Deus! Uma casa! Você comprou uma casa.

— Tcharam! — Rio de seu rosto em choque — Eu fiz uns dez empréstimos e o meu nome, o seu e o da Eve vão pra lama se eu não conseguir pagar.

— Você não precisava fazer isso.

— Precisava sim. Nós somos uma família, nós e a nossa bebezinha merecemos mais do que aquele apartamento vagabundo que eu me escondo.

— Mas eu gosto do seu apartamento vagabundo. — Harry faz beicinho, alisando a parede. Tão lisinha, ele cochichava.

— Você disse que o odiava mês passado.

— Eu ainda era um grávido mal humorado. Agora voltei ao meu estado normal. Mas não posso dizer que não adorei ter uma casa. Isso é tão incrível. Você é tão incrível, meu amor, meu marido! — Harry se lançou no meu pescoço e eu me joguei dramaticamente no carpete com ele em cima de mim — Viu só? Você me protegeu.

— Não faça caso disso, foi uma queda ridícula.

— Não importa. Você me protegeu. — Ele continuava a sorrir com suas covinhas, rolando para o lado, unindo as mãos sobre o estômago — Saudades da Eve aqui. — Murmurou, tocando a barriga ainda inchada.

— Vamos encher essa casa de pestinhas. — Apoiei a cabeça na mão — E nós não temos móveis, foi mal.

— Não preciso de móveis. Eu tenho vocês dois, é tudo o que importa pra mim.

Naquele momento eu parei por completo. Não havia mais um turbilhão de pensamentos tumultuados, nada sobre o empréstimo absurdo que tinha acabado de fazer ou que era oficial, eu era um marido, um pai e tinha uma casa pra sustentar. Nada disso existia naquele segundo que se estendia, nós já estávamos casados, eu já havia dito "eu te amo", mas somente naquela ocasião eu senti que o amava verdadeiramente, de corpo e alma.

— Eu te amo, Harry. — Disse porque não podia guardar aquele segredo comigo.

Harry sorriu e abriu a boca para devolver, mas pressionei o indicador contra seus lábios.

— Não, não diga nada, só... Só quero saiba disso.

Em silêncio, ele assentiu e me senti em paz.

Aquele era o Harry.

Allicent pode tentar me confundir, usar suas mentiras para me enlouquecer ainda mais, mas eu sei quem é o homem que eu amo e sei que ele esteve presente bem mais do que ela diz. Eu sei porque sempre estive feliz quando ele estava por perto.

E se estou tão dolorosamente devastado agora é porque ele não está aqui. Não está em lugar nenhum. Ele...

— Eu preciso de um tempo. — Digo, deixando-a sozinha e indo para o banheiro, ignoro o boa tarde que um dos enfermeiros me dá e bato a porta às minhas costas. Se tivessem espelhos nesse lugar, poderia ver minhas lágrimas, mas nem isso.

Lavo o rosto, apertando as têmporas, focado em inspirar e exalar.

Ouço alguém entrar.

— Liga. Desliga. — Gemo de frustração quando a luz da lanterna atinge meu olho — Liga. Desliga.

— Phil, para. — Tento me afastar.

Ele continua.

— Liga. Desliga. Liga. Desliga. — Aperta o botão com mais força, fazendo aquela merda na minha cara me deixar zonzo.

— Para com isso. Que merda.

Phil acha que estou brincando.

— Só... — Ele está saltando na minha frente quando tento sair.

Meu corpo tromba com o seu e é como daquela vez, na sala de interrogatórios, com Harry. Eu estou acordado, olhos abertos, respirando normalmente, mas eu não tenho poder sobre mim, apenas assisto o que minhas mãos fazem sem o consentimento do meu cérebro. É a fúria dominando, a selvageria que agarra o coitado pela nuca, ele não entende e geme, não gostando daquela brincadeira. "Brincadeira" essa que consiste em bater a cabeça dele na pia, dois golpes fortes antes que a porta seja arrebentada.

Phil cai no chão, chorando, a testa aberta e o sangue caindo por todo seu rosto. Deslizo ao seu lado, os enfermeiros me seguram sem que eu reaja.

Me desculpa, desculpa, desculpa. Quero dizer, mas não consigo falar ou me mover.

Permaneço parado.

E continuo assim por mais tempo do que sou capaz de calcular.

Vejo a roupa diferente que uso, as fivelas me apertando e mantendo meus braços pressionados ao peito.

— Catatônico? — É a voz de Harry. Do outro lado da porta.

— Sim, ele tem estado assim desde ontem.

— E vocês acham que eletrochoque é a solução?

— Sr. Tomlinson, não usamos esse termo. O correto é eletroconvulsoterapia, ECT. E é totalmente seguro e indolor.

— Sei, bom, façam como preferir.

Pouco depois disso, estava numa cadeira de rodas, sendo empurrada por uma parte do hospital que eu não conhecia. Olhei para o rosto do enfermeiro e era o mesmo de Lucian.

— E lá vamos nós torrar o seu cérebro.

— Não é isso. — Balbucio.

— Talvez eles façam uma lobotomia. Podem estudar essa sua cabeça de psicopata, entender porque você é tão mal.

— Ninguém vai fazer isso.

— Você vai estar inconsciente, eles podem fazer o que quiserem. Quem vai se importar com você, Louis? Você nunca mais vai sair daqui.

Me tiram da cadeira e me deitam em uma maca, prendem meus braços e pernas, tento me mexer, mas continuo imóvel. Uma picada no meu braço, seguida de outra. Lucian surge colocando uma máscara de oxigênio em mim e acaricia o meu rosto.

— Vai estar aqui quando eu acordar? — Digo dentro da minha cabeça. Ele vai escutar, espero que escute.

— Só se você quiser.

Eu quero.

Eu não quero ficar sozinho.

Eu... adormeci.

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