│21│orphiuchus
Me dê um longo beijo de boa noite
E tudo vai ficar bem
Me diga que não vou sentir nada
Give Me Novacaine - Green Day
. . .
Por favor, me deixe sozinho... Eu estou com medo.
— Sr e Sra. Tomlinson, entendem a importância do que estou dizendo? Ainda está no começo, mas com o tratamento adequado... — Assistia os adultos conversando, mas não conseguia entender muita coisa do que estava sendo dito, eu sabia que era por minha coisa. Algo em mim não estava bem.
Tinha a ver com as coisas que eu fazia, da forma como me comportava.
A doutora bonita se inclinou, tocando meu ombro, apesar da fala macia pude perceber seu receio. Como se se dirigisse a um animal raivoso.
— Você vai ficar bem, Louis. — Sorri, querendo acreditar.
Mas no caminho de volta, meus pais não estavam falando sobre o tal tratamento ou tentando me tranquilizar. Eles discutiam fervorosamente. Mamãe estava no terceiro cigarro, revezando em beber sua garrafa de gim mesmo que estivesse no sétimo mês de gestação.
— A culpa é sua, viu o que a médica falou essa coisa se desenvolve na gravidez. — Meu pai rosnou ao volante, pisando no acelerador. Agarrei o cinto, assustado.
— Ela não falou isso, disse que era uma possibilidade. — Ela retrucou, dando um novo gole — Ele deve ter puxado isso de você.
— Não fode, Johanna, é claro que ele não puxou nada de mim, nem sei se o moleque é meu. Essa coisa pequena e mariquinha.
— O que é mariquinha? — Indaguei, inocentemente.
Mark virou o rosto, um sorriso zombeteiro rasgando suas bochechas e seu olhar ficando para sempre gravado em minha memória.
— Agora o de menos, porque você também é louco. A médica disse que não tem cura e pode piorar, então logo logo vamos estar te dando uma camisa de força de presente de aniversário.
— Mark, não fale isso para o menino. — Ela o repreendeu e sorriu para mim — Você está ótimo, querido.
Eu tenho muito medo.
Eles estiveram por aqui durante muito tempo, serpenteando nas sombras, me cobrindo quando eu adormecia, surrando as portas do armário, rolando debaixo da minha cama, espreitando sobre meu ombro e sussurrando ordens ou ameaças. E eu as temia e chorava, mas não tinha como se esconder, elas viviam dentro da minha cabeça.
— Cara, isso não passa nunca? — Zayn se virou para mim, vestindo a camisa, uma sobrancelha arqueada. Ele devia me achar esquisito, sempre tive medo de perder o controle perto dele.
Dei de ombros, encolhido a onde estava, no canto do quarto de onde vinha a mancha escura como a sombra de um grande morcego escalando o teto, dois grandes olhos vermelhos brilhantes me olhando de volta.
— Meus pais dizem que eu tenho muita imaginação.
— Não acho que seja isso. — Malik franziu o cenho e foi até a cadeira, tirando algo do bolso da jaqueta e se ajoelhou ao meu lado — Eu não devia te dar isso, mas... Talvez ajude um pouco. — Desviei os olhos para sua mão estendida, ele passou para mim e então pude encarar o saquinho com o pó branco.
— O que é isso?
— É um tipo de remédio.
Tenho a impressão de estar caçando remédios a vida inteira e nunca encontrar o certo. As drogas só fizeram tudo pior, o emprego onde eu poderia me deparar com coisas tão terríveis quanto as que a minha mente criava não tornaram nada menos assustador, todos os casos me deixaram mais vazio, a família surtiu um leve efeito, mas foi com Harry que eu finquei meus pés na realidade.
Ele me trouxe de volta ao mundo real.
O meu remédio.
Por tantos anos eu estive bem e sob controle ao lado dele, haviam recaídas, mas desde que estivesse ao seu lado tudo ficaria bem novamente, porém, como toda medicação que quando usada irrestritamente e sem acompanhamento causa efeitos adversos o mesmo aconteceu aqui, os efeitos adversos chegaram em peso.
Os delírios voltaram, junto com a desconfiança, mudanças de humor, irritação, violência e por fim, a perda completa da razão.
A minha cura se tornou meu veneno.
Mais do nunca posso sentir o quão ruim eu estou. Pisco os olhos lentamente, os cílios úmidos gotejam sobre minhas bochechas, sinto a espessura dos fios de cabelos molhados grudando em minha nuca e testa, o teto branco imóvel as minhas vistas com sua luz pálida e incandescente que queima minhas retinas e me obriga a desviar e encarar a situação na qual me encontro.
A última coisa que me lembrava era de estar no lugar onde Michael morreu, sentado nas escadas íngremes e chorar contra a perna de Harry, de seu carinho rígido e do vento zumbindo lá fora e agora, como num piscar de olhos estou em casa, de volta ao lar doce lar, dentro da banheira de nossa suíte, imerso na água morna, os sais flutuando ao meu redor e Harry contra meu peito, o coque se desmanchando e a suavidez de sua pele em contato com a minha.
— Como- o que eu? — Digo, estranhando o quão difícil é formar e emitir aquelas parcas palavras, me sinto aéreo, meio anestesiado.
Harry se mexe lentamente, virando os olhos plácidos para mim, sem vestígios do nosso encontro anterior.
— Não acredito que você cochilou. — Disse, fingindo estar chateado.
Tento administrar toda a situação, eu não acho que eu tenha cochilado. Esfrego minha cabeça, tem algo errado.
— Como voltamos pra cá?
— Nós viemos de carro, você dirigiu, amor. O que foi? Isso é alguma ressaca?
— Dirigi? Eu não me lembro de ter feito nada disso. — Suspiro, ouvindo sua risadinha.
— Lou, você tem trabalhado tanto, isso é exaustão, amor, ainda bem que conseguiu alguns dias de folga.
— Que folga?
— Eu disse ao Nick que você precisava descansar e ele concordou.
— Eu não preciso descansar. — Tento me apoiar nas laterais da banheira para levantar, mas Harry é ágil em tomar minhas mãos e colocá-las sobre a barriga.
— Shiu, está sentindo? — Pergunta, guiando minha palma sobre seu ventre levemente inchado — Bem aqui. Ela está mexendo.
Fico menos agitado, me permitindo sentir a movimentação sutil, os pequenos golpes contra a pele característicos de um chute. Eu me sinto feliz em algum lugar, mas não é um sentimento que chega até o meu coração, eu, de fato não estou sentindo nada no momento. Porém meu marido não parece dar importância, mesmo depois de todas as lembranças vivídas do nosso confronto na casa de sua mãe.
— Ela?
— Sim. — Afirma, dividindo atenção entre a barriga e meu rosto — Queria ter feito uma surpresa, mas... Você sabe, aconteceu aquele incidente.
— Aquilo foi mais do que um incidente.
— Não tem mais importância, querido. — Ele diz, empurrando minha mão para longe dele e se virando, ficando em seus joelhos, as unhas fincando em minhas bochechas ao que ele agarra meu rosto, alinhando-o ao seu. Quem é você? Desejo dizer, mas a nuvem densa paira sobre minha mente, anuviando meus pensamentos, sou incapaz de raciocinar, de expressar qualquer coisa — Eu vou cuidar de você à partir de agora.
O que quer dizer com cuidar de mim? Penso, mas não consigo dizer. Tudo escurece e sinto minha testa tocando seu ombro.
Acordo sem qualquer noção de espaço ou tempo, apenas registro que estou no quarto. As paredes azuis, o sofá amarelo no canto e os ruídos externos, sinto uma mão quente tocando minha testa. Ashton está me olhando preocupado.
— Tem razão, ele está um pouco febril.
— Eu disse. — A voz rouca de Harry retumba pelo quarto, o encontro na pia do banheiro, revirando cartelas e mais cartelas de remédios — Deve ser um resfriado.
Estreito meus olhos, que relutam em se abrir. Os comprimidos vermelhos que ele traz consigo não são para gripe. Novamente tento falar, mas não sou acompanhado por meus músculos.
— Calma, amor, prontinho. — Meu marido se senta ao meu lado.
Ashton levanta, colocando as mãos nos quadris.
— Será que não é melhor levá-lo ao médico?
— Não, Louis odeia hospitais, isso não é nada demais, já já ele estará novinho em folha, só precisa dormir um pouquinho e... — Ele me move, de maneira que consegue colocar o comprimido dentro da minha boca e virar o copo d'água quase que completamente, me obrigando a engolir — tomar todos os remédios. — Conclui, sorrindo vitorioso, deixando um beijo sobre a minha testa.
Harry se afasta e Irwin ainda parece receoso, ele dá um passo em minha direção como se quisesse me dizer algo, porém...
— Vamos? — Harry o chama e ele sai.
Nas horas seguintes enquanto sigo dormindo e acordando, sem conseguir me mexer ou falar adequadamente e com a porta trancada, começo a acreditar que estou doente, muito doente. Mesmo com as janelas abertas podia sentir o suor escorrendo pela minha pele, encharcando minha camisa, os lençóis grudando em mim.
Os dentes batendo e uma pontada ardida no estômago que ia subindo até se alojar no peito como um princípio de infarto, me encolhi confuso do porque tudo aquilo estava acontecido. Até então, eu não sentia nenhum desconforto físico, mas de repente era como se estivesse acometido por alguma doença viral.
Senti o frescor de algo frio tocando minha testa, afastando um pouco da quentura e achei Harry entre a nuvem de tremores.
— Vo-ocê. — Sibilo, agarrando sua coxa quando ele se ajeita ao meu lado, minha cabeça tombando para o lado de sua cintura.
— Vai ficar tudo bem.
— Onde você estava?
— Aqui.
— Não... Você não estava. — Garanto, piscando com lentidão. Uma sombra se formando ao pé da cama.
— Eu fiquei aqui o tempo todo.
A sombra balança a cabeça, discordando.
Xx
Ele está te drogando.
Está querendo te tirar do caminho.
Harry está fazendo algo muito ruim.
Você sabe.
Pode mentir o quanto quiser, mas você sabe.
Eu sei.
Estas frases rondam meus pensamentos a cada instante, não é como se eu pudesse evitar. Tudo o que sinto é desconfiança, eu já tive muitos resfriados, já estive doente de verdade, já levei tiros e em nenhum destes momentos estive tão debilitado como agora.
E Harry nunca me foi tão solícito.
Mesmo antes, ele era do tipo que corria para o hospital e não me deixava ter alta enquanto não fosse garantia de que eu não acabaria morrendo no meio da noite, mas desta vez, bem, desta vez, ele está bastante seguro em cuidar de mim pessoalmente. Entre os flashes de lucidez sei que ele cuida de todas as minhas necessidades, que me leva de um lugar para o outro como um boneco de pano, quando desperto ofegante com meu corpo efervescendo pela febre ele está ao meu lado, pronto para abaixar a febre, quando sinto dores fortes um novo remédio é empurrado garganta abaixo. Tão atencioso.
Porém não há sinais de celulares ou notebooks a vista, tudo o que escuto são as vozes distantes. A mais recorrente sendo a de Niall Horan. De início sua voz era mais próxima, como se estivesse do outro lado da porta, mas rapidamente ela foi se afastando, até que fossem trechos avulsos vindos do lado de fora da casa, difíceis de discernir.
— Mas que resfriado é esse? Sr. Tomlinson, eu preciso de verdade ver o Louis. — Ouvia o irlandês insistir.
— Desculpe, está fora de cogitação. Eu aviso que você esteve aqui. — Harry respondia sempre.
Ele nunca me avisou.
O motivo das vistas de Niall nunca chegaram explicitamente aos meus ouvidos, no entanto tinha uma singela suspeita ao ouvir pedaços das notícias quando Harry achava que eu estava suficientemente inconsciente e ligava a TV, em todos os canais o assunto era o mesmo: o serial killer de Nova York estava indo a caça com mais frequência do que nunca, a cidade vivia em pânico e alerta porque Andrômeda não vinha dando mais trega.
Um assassino que sai todas as noites com sede de sangue.
Sempre que pensava nisso virava na cama, estendendo o braço e sentindo o outro lado vazio.
Você sempre fez isso? Sempre escapulia entre meus dedos quando sabia que eu não estava olhando?
Haviam dias em que eu me sentia melhor, não o bastante para andar, mas o suficiente para sentar e não desmaiar em seguida.
Nesses dias era como se estivessemos de volta aos velhos tempos. Os tempos felizes.
Nós quatro ficávamos na cama, as crianças traziam uma infinidade de brinquedos, espalhavam-nos sobre minhas pernas e depois brigavam com unhas e dentes pelo mesmo bonequinho Woody, Harry se enfiava entre eles, gritando para ninguém chegar perto demais e borrar seu esmalte até que dois segundos depois ele mesmo borrava a unha e tinha um ataque de diva que fazia as crianças rirem. Havia pipoca, trancinhas e alguém choramingando no meu ombro quando acontecia uma cena triste no filme animado e esse alguém nunca era Spencer ou Blake que não se importavam o suficiente para ficarem tristes.
O dia em específico que ficou gravado para mim entre estes emaranhados confusos foi o qual a chuva caia lá fora, uma se encerrava e outra tinha início, um dia cinza e frio, mas eu me senti em paz, como não acontecia em muito tempo. A sensação de sonolência dominando meus olhos.
Estávamos todos deitados, Blake agarrado em mim, Spencer em Harry, ambos dormindo com seus gorros idênticos, alheios ao mundo a sua volta.
Harry estava em silêncio, olhando para os meninos, o polegar acariciando o pé que perdera a meia de Blake que estava quase tocando sua barriga.
— Eu sinto muito. — Senti a necessidade de dizer.
Ele não me olhou, mas uma covinha marcou sua bochecha.
— Estragamos tudo.
— Podemos tentar consertar.
Então ele me encarou.
— É tarde demais. — Suspirou com uma única lágrima caindo, que ele se apressou em secar.
— O que está fazendo?
— Eu não sei. Eles não me dizem.
Eles. Foi a primeira vez que Harry disse algo assim. A primeira.
Engoli em seco, estava dopado demais para fazer sentido.
— Pode chamar o Harry aqui, por favor?
Sua expressão se acendeu em surpresa e indignação, os olhos crescendo. Era o garoto. Eu sei que era, ele é o mais distraído e ingênuo, eu poderia ter tirado tanto dele se... Se eu tivesse resistido só mais um pouquinho.
Depois disso esses momentos acabaram. Spencer e Blake não retornaram, assim como Harry.
Era outro que estava comigo todo o tempo e esse não gostava nenhum pouco de mim.
Sempre que eu dizia que queria meu celular, ou falar com alguém, ele agia como se não fosse nada. Uma mosca zumbindo em seu ouvido. Um nada.
O meu instinto de sobrevivência estava me deixando louco, comendo o meu juízo. Sem ter mais o apoio do meu próprio corpo tive de obrigar meu cérebro a ir ao limite e consegui lembrar de um velho celular que costumava usar para falar com Michael. Cuidadosamente estiquei o braço, tensionando tocar a gaveta.
Por entre o breu meu braço foi agarrado, o abajur acesso e a figura de meu marido iluminada. Não consegui visualizá-lo por inteiro, mas ele estava bem vestido e perfumado, aliás, era um perfume familiar.
— Precisa de algo, meu bem? — Disse gentil, mantendo o aperto firme em meu braço.
— Eu só... — Quero fugir — estava com saudades.
— Oh, Lou, eu só vou me trocar e volto para você.
E ele o fez, tão rápido que não tive a menor chance e quando voltou fez questão de tomar o lado que eu precisava. No outro dia quando consegui abrir, o celular não estava mais lá.
Eu sou como um rato preso em uma ratoeira.
Xx
O rato aqui tem seu primeiro evento social em semanas quando alguém que eu não faço ideia de quem seja está casando com uma colega de faculdade de Harry que eu também desconheço a identidade, apenas sou arrastado para o seu casamento, dentro de um terno abafado, cheio de retoques para não parecer uma alma vagante pelo salão, não que eu esteja caminhando por aí.
Comecei a me sentir melhor bem recentemente, mas não o bastante para conquistar minha liberdade. Era apenas uma marionete que andava com as próprias pernas, mas que não decidia o caminho.
Observei a azeitona afundando na taça, pequenas bolhas subindo pela superfície. Os tremores faziam o mesmo com meu corpo, borbulhando algo que me era conhecido.
A sombra passou por mim, pude sentir sua presença, o sopro rente ao meu ouvido. Um chiado baixo, como um choro vindo de algum lugar, as asas se abrindo no teto sobre nossas cabeças. Eu via isso o tempo todo quando era criança, quando pensava que teria de usar uma camisa de força.
Louco.
Tapei meus olhos por tanto tempo.
— Quer outro Martini?
Harry está se sentando diante de mim, em seu terno bem alinhado, preto com um lacinho amarelo. Notavelmente elegante, cachos castanhos caindo harmoniosamente por seus ombros, um sorriso engessado em seu rosto para parecer normal a todos seus ex-colegas de turma.
Eu sei fazer isso, parecer normal, ou sabia.
— Por que está me drogando?
— Porque tenho um plano e não quero que me atrapalhe.
Ele resolveu ser franco. É tarde demais para mentiras.
— Que tipo de plano?
— Um ótimo plano, você é a peça central dele.
Ergo o rosto, me deparando com seu sorriso sereno, a sua aliança afundando na taça de Martini. A valsa costumeira é interrompida e uma música sombria tem início.
Harry se levanta, contorna a mesa e me estende a mão.
— Dance comigo.
Não é uma pergunta. Aceito sua mão e caminho com ele até a pista onde todos dançam, abraço sua cintura e ele o meu ombro, nossas mãos se entrelaçando no caminho. A luz baixa e somos apenas nós dois.
Eu e o diabo.
Sobre seus ombros vejo os vultos, formas, os fantasmas antigos e novos. Uma criatura de chifres longos rodopiando pelo salão com suas asas espinhosas.
— Não é impressionante como duas pessoas como nós nos encontramos? Fingimos ver o mundo como eles, mas somos tão diferentes. Tão especiais. — Harry ronrona no meu ouvido, seguindo meus passos.
— Tão doentes. — Corrijo.
— Pode ser também. — Solta uma risadinha.
Uma das formas sai da escuridão, se colocando sob a luz do salão, roupas pretas, uma máscara e correntes pendendo de seus braços. Está aqui? Como...? Paro de dançar, me afastando de Harry.
— Andrômeda. — Digo descrente que ele me seguiu até aqui.
— Onde? — Harry pergunta, me olhando. Andrômeda se aproveita do ligeiro instante em que olho para o meu marido e aproveita para fugir — Está indo embora.
— Vá atrás dele, Louis. — Ele incentiva, saindo do meu caminho.
Eu preciso pegá-lo, esse é o momento. Dou um passo a frente, as sombras se aproximam, oscilando ao meu redor, fodam-se, preciso agir desta vez. Sigo seu rastro pelos sons das correntes, o ruído das botas, não posso vê-lo, mas sinto sua presença.
— Não é ele bem ali? — Harry está ao meu lado.
Olho para onde ele aponta, o estacionamento aberto, debaixo da chuva torrencial ele está tentando fugir roubando um dos carros. Não há dúvidas, se trata de Andrômeda, cada detalhe daquele dia se mantém intacto. Não se trata de um delírio.
— Você consegue ver também, certo? — Preciso checar que não estou alucinando.
É real.
Meu marido assente.
Num piscar de olhos estou distante, sentindo meus punhos formigar, no outro estou acertando-o, um golpe na garganta e ele guincha, então aproveito para acertar sua cabeça na janela do carro, o vidro trincando e uma mancha de sangue brotando da rachadura em sua testa, sento em seus quadris e meus punhos estão formigando novamente, desta vez sendo cobertos de sangue.
A música continua no salão.
A voz melodiosa soprando em meu ouvido: Mate-o!
É exatamente o que quero fazer. Um golpe seguido do outro, com seus ossos rangendo, os grunhidos perdendo a força, ele vai emudecendo, morrendo.
Estou prestes a colocar um fim em todo aquele martírio, mas quando olho para seu rosto, ele é só um homem comum, um dos padrinhos, vestindo seu terno simples e sem correntes ou máscara, apenas um rosto completamente fodido depois de tantos socos.
— Por favor... — Geme num último resquício de voz, desmaiando.
— Pensando bem, acho que não deve ser Andrômeda não. — Harry observou.
A tempestade revolta caindo sobre nós, debaixo daquela chuva ele parecia diferente também, porém idêntico ao que eu lembrava de Andrômeda.
Baixo a cabeça, encarando minhas mãos sujas com o sangue de um estranho.
— Do que você tem tanto medo? — Alguém perguntou e eu não soube responder.
Agora eu sei.
De mim mesmo.
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