Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

│16│lupus


Você me destrói assim
Eu vou parar, não quero mais você
Eu não consigo mais fazer isso, que merda
Por favor, não me peça mais desculpas

Você não pode fazer isso comigo
Cada palavra sua é como um tapa-olho
Escondendo a verdade e rasgando-me
Me corta, me faz louco, eu odeio tudo
Leve tudo embora agora, eu te odeio

Mas, você é o meu tudo
I Need U - BTS

— Quer dizer que os últimos meses foram agitados. — Adam observa, apoiando o queixo sobre a mão e me lançando aquele seu olhar provocador "diga-me mais" — Como diria que está a paternidade?

Suspiro desviando os olhos do quadro pavoroso próximo a janela para lhe encarar propriamente. Deixei que minha vagasse até a última vez que encontrei Mia, ao acaso quando ela saia da escola. Zayn está com problemas, com o recente tempo livre, o FBI vinha dando uma forcinha a narcóticos na busca pelos traficantes de renome e Malik estava no topo da lista.

— Bem, eu diria... — Me ajeito na cadeira, pensando em como soar mais emocionado e convincente — Agora eu sei que eles precisam ser estimulados o tempo todo, o celular não é legal e eles são até que bons no futebol.

— Isso é ótimo, Louis. Então vocês tem passado algum tempo juntos?

— Na verdade eu tenho passado muito tempo com eles. Estou meio que na geladeira por agora.

— Como assim?

— Você sabe. Aqueles... — Farsantes de merda — criminosos apontados como Andrômeda estão prestes a irem para julgamento e milagrosamente a taxa de homicídios nessa cidade tem diminuído. Tenho lidado mais com a parte burocrática. A última vez que vi sangue foi quando a temperatura subiu demais e o nariz do Blake sangrou, isso já deve ter mais um de um mês.

Adam parece surpreso e anota algo em sua prancheta.

— E o bebê, Leslie, certo?

Me mexo mais uma vez na poltrona, inquieto.

— Por enquanto sim, é um nome sujeito a mudanças. Mas o bebê vai bem, decidimos que dessa vez não queremos saber o sexo, ter alguma surpresa. Tem sido divertido, eu sempre fui um pouco ausente durante as gestações anteriores, mas nessa eu estou totalmente presente. Decorei as datas de todos os pré-natais do Harry, sei a hora de cada vitamina, esses dias eu calculei o tempo de gravidez em minutos. — Digo, esperando que ele esteja orgulhoso do quão dedicado sou.

— Você parece estar tentando demais. — Ele diz justamente o que eu não esperava ouvir.

— Pensei que era isso que você me disse para fazer. — Retruco contrariado.

— Sim, mas de uma maneira natural, agradável para você. Ambos sabemos que você tem um problema, um vício com o trabalho, adrenalina e simplesmente sentar e estar com a sua família em um ambiente calmo e pacífico não é fácil para você, mas precisa, de fato, estar presente. Atento.

Atento? Reviro os olhos furiosamente, levantando da poltrona e andando ao redor da sala estreita.

— Eu não sei se você sabe ao certo como é a minha família, mas não tem nada acontecendo, hora nenhuma. Eu os amo com toda a minha vida, porém, existe um limite para o quanto suporto ver Harry cochilando e acordando e os meninos fazendo a mesma brincadeira por semanas. Não sou caseiro e não consigo me limitar as inexistentes emoções domésticas, não serve pra mim.

Por um momento penso que meu psicólogo irá retrucar, apontar o quão ingrato e insensível eu sou, invés disso, ele vira a página e começa um assunto "novo".

— E Harry? Os resultados dos exames saíram? — Pergunta atenciosamente e isso me traz de volta.

Vagueio um pouco mais, admirando o porta retratos sobre a estante, perdido entre os livros empoeirados. Adam, sua esposa e filhos. Uma família feliz. Me lembro da foto que tiramos semana passada no parque, um lindo dia de sol. Harry, eu e os gêmeos, talvez eu emoldure e leve para o escritório. Ficaria bem.

— Sabe, assim que eu voltei para casa e ele me apareceu naquele estado, não tive dúvidas de que havia algo de muito errado com ele. Os lapsos de memória, só estavam se agravando, parecia meio óbvio. O avô dele e uma tia já haviam sido diagnosticados com Alzheimer precoce, no fundo, eu sabia que era isso. Mas com os exames descobri que estava errado, o seu cérebro está bem, assim como a memória, ele lembra de absolutamente tudo na maior parte do tempo. Pensei que pudesse ser outra coisa, por isso insisti que ele fizesse um check-up completo, todos os exames possíveis e hoje de manhã, quando fomos ao hospital, eu esperava ao menos um positivo, mas todos foram negativos. Não existem amostras laboratoriais de que Harry esteja doente.

— Porque talvez ele não esteja.

— Ele está, eu sei que está. — Minha voz sai quase como um rosnado. Tento me conter, passo a mão no rosto e vou até a janela, observando as árvores imponentes, os troncos úmidos das garoas gradativas e as folhas abundantes cobrindo seus galhos, colorindo a paisagem em tons de verde, laranja e vermelho. As nuvens acinzentadas, carregam o céu em anúncio a chegada de uma nova tempestade, o café recém aberto traz no ar o perfume aconchegante de um chá borbulhante. Fecho os olhos sorvendo o perfume, sorvendo a estação. O outono chegou — Você não o viu, isso não é de hoje. Desde aquela vez que ele cortou os pulsos.

— Foi um caso isolado, Louis. Ele nunca quis tocar no assunto, vocês tiveram um dia ruim e ele cometeu um equívoco. Posso afirmar categoricamente que Harry não tem tendências suicidas.

— Será? — Toco a janela, o desenho da minha mão se projeta sobre o vidro — Tem momentos em que eu não o reconheço, ele parece outra pessoa.

— Muito cônjuges se sentem desta forma, Louis.

— Não, eu digo como se ele... Ele não estivesse presente. Eu acho que é Borderline, talvez um transtorno maníaco-depressivo, ou na pior das causas esquizofrenia. Ele tem visto um psiquiatra.

— Sim, nós entramos em contato. O Dr. Olson não identificou nenhuma das suas suspeitas, ao seu ver o único problema de Harry é estar um pouco deprimido, o que é bastante normal dada a sua perda irreparável e as variações de humor e memória pouco precisa são comuns durante a gravidez.

— Mas eu sei que tem algo sério... — Insisto teimoso.

— Louis! — Adam chama a minha atenção, sua expressão endurecida por sobre os óculos de grau — Parece que está projetando novamente suas angústias sobre o Harry. Talvez fosse melhor que você passasse por esse check up.

— Eu estou bem! — Afirmo, voltando a me sentar. Cruzo e descruzo as pernas — Isso pode ser coisa da minha cabeça, não é? O Harry tá legal, eu sou só ansioso demais e fico vendo coisas onde não tem. Se houvesse algo de errado, errado de verdade mais alguém saberia, certo? Você saberia.

— Eu saberia, Louis. Fique tranquilo, as coisas, enfim, estão se ajeitando. Precisa relaxar, por que não me fala sobre os planos para a ação de graças?

— Planos? Certo. — Forço um sorriso que se assemelha bem mais a uma careta.

Xx

Os meus planos para a ação de graças eram exatamente estes: permanecer deitado nessa mesma posição no sofá, assistindo a reprise do jogo e reagindo como se não soubesse cada lance de cor. Ao menos, Blake soltava um ou outro gritinho surpreso, o que me fazia sentir um bom pai por estar vendo futebol com meu filho. Onde está a People pra me dar um prêmio por isso?

Spencer estava atarefado indo e vindo até seu fogãozinho de brinquedo, ele achava que ninguém via enquanto ele "disfarçadamente" roubava a ração da tigela de Sonny e saia depositando em suas panelinhas, naturalmente o cachorro ia em seu encalço e surrupiava de volta e assim se seguia no ciclo em que Spencer tentava encher sua panelinha sem sucesso. Me lembrava o meu drama de economizar para comprar um barco, enquanto Harry vivia sacando o dinheiro sem dizer nada.

Por falar em Harry ele nunca esteve tão onipresente.

Depois da minha consulta com Adam foi como se algo tivesse se acendido nele e de repente estava cheio de energia. Os primeiros dias após o meu retorno para casa foram estranhos, ele agia como um animal ferido em território estranho, me seguia pela casa e vivia pendurado à manga da minha camisa, não dormia a menos que tivesse todos os membros enrolados nos meus, conforme os dias foram passando ele foi se soltando e voltando a rotina normal, embora dormisse demais e passasse muito tempo quieto ou isolado. O ateliê era seu point.

Ele havia feito muitos quadros, uma coleção completamente nova e já começava a tagarelar sobre a possibilidade de uma exposição. Não me aprofundei no assunto porque não queria que o nome de Aaron Johnson fosse mencionado, mas certo dia quando a campainha tocou, lá estava ele.

Sua aparência era péssima. Ouvi algo sobre ele ter estado no Tibet, mas pelo que vi era presumivel que ele tivesse retornado na caminhada mesmo. Seus olhos vidrados me capturaram no momento em que abri a porta.

— Louis! — Disse num sopro de voz.

Não fazia ideia do que ele poderia ter para me dizer. Será que eu seria processado por conta do celular? Mas não tinha nada. Merda.

— Sim? — Respondi sem ânimo.

— Eu preciso te co... — A frase pendeu incompleta no ar ao que ouvi sons de passos as minhas costas e o rosto de Aaron empalidecer ao que Harry surgiu entre nós.

— Aaron, você voltou! — O cacheado soltou em êxtase, se atirando aos braços do outro em um abraço apertado. Fingi não estar possesso por Harry ter saído só de camiseta e cueca e mantive o sorriso amarelo.

— Harry? — Aaron inquiriu num chiado. Harry se afastou, o rosto corado e ainda amassado pelo sono, mas um sorriso radiante presente.

— Claro, quem mais séria? Ou já se esqueceu de mim? — Riu bem humorado, colocando o cabelo atrás da orelha e tocando os ombros de Aaron — Senti sua falta, eu liguei na sua casa, mas disseram que você ficaria mais um mês. Voltei a pintar e acho que tem alguns com ótimo potencial, você precisa ver... — Ele o puxou, porém o homem não moveu um único músculo — Você não quer ver? — Senti a mágoa de Harry e lancei um olhar raivoso ao outro. Eu não suporto esse cara, mas ele vai mesmo desprezar o trabalho do Harry? Oh não.

— Vamos, Aaron. Está fantástico. — Disse amigável, passando o braço pelo ombro dele e o forçando a entrar, embora continuasse estático — Você vai adorar.

Ele me olhou, um olhar estranho e perplexo. Quase desesperado.

Sei que tive momentos de descontrole diante dele, mas eu estava sem meus remédios e sei da sua condição de dependente. Não o vejo como uma ameaça e se Harry o vê como amigo, não me oporei a essa amizade. Adentramos ao ateliê, as paredes forradas por novas telas, as pinturas mais recentes eram em tons suaves, rosa e lilás em peso. Ele nunca esboçou imagens tão delicadas, Aaron não parecia prestar muita atenção enquanto Harry ia falando de cada uma, orgulhosamente.

— E então? Acha que eu conseguiria uma nova exposição? Que conseguiríamos reunir aqueles mesmos compradores em potencial? Sabe, a Prudence me ligou esses dias e... — Ia falando ao mesmo tempo que gesticulava e fazia caras e bocas.

— Que porra é você?! — Aaron gritou de repente, calando Harry — Como tem coragem de sair desenhando a porra de um jardim florido depois de... — Ele me olha e se cala, lágrimas gordas vindo aos seus olhos.

Harry parece em estado de choque. As mãos caídas ao lado do corpo e um vinco entre as sobrancelhas.

— Quem vo- — Começo quando meu marido levanta a mão.

— Lou, pode nos dar um segundo? — Pede suave. Não tenho muita certeza, mas ele tem um sorriso tranquilizador e assim me retiro.

Poucos minutos depois, enquanto estou na sala lendo um livro vejo Aaron passar cambaleante, Harry vem logo atrás e lhe dá um abraço antes que ele parta.

— Tudo resolvido? — Pergunto, deixando o livro de lado para recebê-lo no meu colo.

— Sim, é só que... — Suspira, desenhando espirais sobre a tatuagem na coxa — depois do incidente em frente a galeria as coisas não tem ido bem. Ele perdeu muitos patrocinadores, seus pais estão fazendo pressão e o vício parece ter piorado, acho que ele me culpa por isso.

Franzo o cenho, passando os braços ao redor de sua cintura.

— Te culpa?

— É, eu tenho fortes suspeitas de que ele acabou se apaixonando por mim e como eu não correspondi, passou a me odiar. — Diz num murmurio, beliscando o lábio inferior e se inclinando contra mim.

— Sendo assim, é melhor manter distância. Você não precisa dele, pode fazer muito sucesso por si só.

— Você acha?

— Eu tenho certeza.

Desde então a ideia da exposição era recorrente e ele acabou fechando com uma galeria ainda maior que a de Aaron. Os bons ventos pareciam soprar e eu gostaria de poder me manter na calmaria nas semanas que antecediam ao circo dos horrores que seria o julgamento da Andrômeda do Wallmart.

Eu jurei a mim mesmo que não me intrometeria mais no caso, ao começar por não ver a declaração do FBI a imprensa, o que foi rapidamente refutado quando Harry adormeceu e procurei pelo Youtube até encontrar a figura morena e a loira diante de uma coletiva de impressa se vangloriando pelo excelente trabalho e que após uma árdua caçada a justiça seria feita. Os repórteres fizeram ótimas perguntas que foram vagamente respondidas, Michael foi o único que soou verdadeiro em suas palavras, ele esperava que tivessem pegado os verdadeiros culpados, mas não cometeria o equívoco de afirmar a vitória antes da hora.

Embora soubesse que eles não estavam nem perto.

Harry se revirou na cama, o braço caindo sobre o meu estômago quando se esticou, apesar de não conseguir ver seu rosto sob o cabelo longo ouvi seu resmungo incisivo:

— Espero que isso seja pornô e não a coletiva.

Agi rapidamente colocando em algum pornô para disfarçar porcamente, quando ele ouviu os gemidos exagerados começou a rir e imitar.

— Por que você sempre faz isso?

— O quê? — Grunhiu, me abraçando depois que desliguei o notebook.

— Imita todo som que você ouve.

— Eu faço isso?

— Uhum. — Baguncei ainda mais seu cabelo.

— Pare de prestar tanta atenção em mim, seu psicopata.

— Acho que você está me transformando em um. — Sussurrei, começando a piscar sonolento.

— Que medo. — Foi a última coisa que disse antes de adormecer e sim, eu também vinha me assustando com o quão empenhado eu podia ser quando quisesse.

Dois meses e meio após a minha decisão de ter meu marido como meu mais absoluto objeto de foco, aprendi muito sobre ele. Harry era bagunceiro – isso eu já sabia – mas seu problema era fortemente agravado pelo tanto de coisas que ele tinha e na maior parte do tempo não usava ou sequer lembrava, ele comprava demais e comprava mal porque não combinava com ele. Sem falar que errava feio nos tamanhos, era tudo pequeno demais, parecia o armário de uma adolescente. Notei que ele era muito musical, fazia tudo com uma trilha de fundo, normalmente uma playlist aleatória encontrada nos confins do Spotify e ele nunca sabia quem estava cantando. Quando a música era lenta em demasia, parava o que estava fazendo e olhava o vazio.

Um dia cheguei do trabalho e ele estava estático diante de um de seus quadros, um cover de No Air ecoava ao fundo, flutuando como a nuvem de poeira que vinha das janelas abertas, o pôr do sol caía sobre a pele de alabastro de Harry, clareando as manchas de tinta sobre sua camiseta e então, sem que eu fizesse qualquer som, ele me notou. Sentiu minha presença e retornou, dobrou o pescoço, me olhou e sorriu com covinhas e correu para os meus braços. Então fui eu quem perdeu o ar.

No momento não percebi, mas agora conseguia me lembrar de como me senti, verdadeiramente feliz. Amado. Eu estava com meu amor, o que mais poderia querer?

Ele também era um excelente pai. Disso eu sempre soube, porém, era bom poder vê-lo embarcando em todas as brincadeiras que os gêmeos inventavam e ele dava tudo de si. Se era uma princesa, era a mais dócil e encantada possível, se era um cavaleiro, era o mais corajoso e bravo já visto e se era um monstro, era o mais temeroso e horripilante que já vagou por estas terras. Spencer e Blake vinham saltando, correndo, tropeçando, caindo e levantando enquanto gritavam histericamente com o terrível monstro as suas costas. E Harry era tão maligno que os obrigava a receberem uma enxurrada de beijos por terem sido capturados. Que terrível! Mas também havia o lado menos animado e meigo, aquele que o afligia quando achava que ninguém estava vendo, que o fazia desviar do caminho usual e parar na porta de Evangeline, de soprar seu nome baixinho como se ela pudesse responder e ao cair da noite ele ficava quieto e distante. Perdido em algum lugar sombrio que eu não podia alcança-lo por mais que tentasse.

Uma parte dele se foi para sempre.

Assim como uma minha.

Ela as levou.

— Lou... — O timbre rouco de Harry surgiu sobre a voz do narrador. Não respondi entretido demais na partida — Louis... — Continuou, soando menos manhoso, quando a resposta não veio, ele largou de fazer charminho — Louis Tomlinson, está surdo?

— Quê? Oi? — Pisquei quando ele se colocou na frente da TV — Ah, Harry, não! Qual é? Vai pro lado, minha vida.

— Não! Eu estou te chamando e você me ignorando. — Declarou rígido, cruzando os braços diante do peito e jogando o quadril para o lado, cobrindo a fresta da TV.

— Que saco! — Suspirei aborrecido.

— Saco! — Blake repetiu, jogando os braços dramaticamente como eu e Harry me olhou daquele jeito.

— Ei, o que é isso? Você pode falar desse jeito? — Assumi o modo pai, cutucando sua perna para que ele me olhasse.

— Não posso.

— Então por que está repetindo? Virou um papagaio ou o quê?

Harry pigarreou.

— Quer dizer, querido, o papai está errado em falar desse jeito, não é educado e eu não quero você copiando meus maus custumes, okay? Isso deixa eu e o papai muito tristes.

Blake ergueu o rosto, os olhos grandes nos encarando cheio de arrependimento.

— Desculpa, papas. — Disse baixinho, me abraçando e pulando do sofá para abraçar as pernas de Harry que lhe sorriu derretido e bagunçou os cabelos castanhos — Posso brincar?

— Pode, leve o Spen pra tomar um ar no jardim dos fundos. — Ele assentiu e correu gritando para Spencer e os dois saíram para os fundos, seguidos por Sonny latindo. Shae e Mona se esticaram no tapete, aproveitando de terem a sala só pra elas.

— Então...? — Perguntei depois de desligar a TV, me dando por vencido.

— Oh, agora você está interessado no que eu tenho a dizer?

— Eu sempre estou interessado.... — Levantei um dedo, indicando minha pausa pra terminar minha cerveja — no que você diz, baby.

— Baby? — Soltou um riso, voltando a sua postura austera — Eu tenho mais de trinta, não tenho nada de bebê.

— Claro que tem. — Resmungo, olhando sobre as costas do sofá para além da porta da cozinha aberta, ouço os garotos, mas eles estão fora de vista — Você tem esses olhinhos meigos. — Escorrego os joelhos pelo carpete e me apoio nas mãos. Meu marido arqueia uma sobrancelha — Um rostinho angelical, bochechinhas rosadas, a boquinha mais doce e aveludada que eu já provei... — Engatinho até aproximar o rosto de suas pernas, esfrego a bochecha pelo jeans escuro — praticamente um nenê.

— Você só está sendo gentil, eu estou virando uma milf.

— Milf? — Digo estridente.

— É... Por que essa empolgação de repente?

— Hum, bem, eu-eu tinha um crush na mãe de alguém quando era adolescente. — Digo aquilo sentindo minhas bochechas esquentarem.

— Não brinca! Seu pervertido.

— Pervertido? A culpa não era minha se o Stan tinha uma mãe gostosa.

— A mãe do Stan? — Repete e sei que pela pequena pausa está se recordando da figura da mulher e então explode em uma gargalhada — Louis, não! Ela tem bigodes.

— Sim e foi um forte indicador de que eu era gay. — O acompanhei na risada, deixando que meu lado pervertido se demorasse um pouco mais ao subir as mãos por suas pernas, serpenteando pelos quadris arredondados — Meu Deus, as crianças irão sofrer tanto por culpa do pai gostoso deles. Você consegue imaginar a dúzia de garotos que vão viver enfiados aqui só por sua causa? Você vai ser a mãe do Stifler de toda uma geração.

Ele respira fundo, secando as lágrimas que escaparam e se encolhe quando deixo minhas mãos caírem por sua bunda, fincando os dedos sobre sua carne macia.

— Os meninos...

— Tudo bem, faz parte do ciclo ser traumatizado por seus pais transando, eu não quero tirar isso deles.

— Eu não vou transar com você. — Declara, empurrando meus ombros.

— Por favor, Sr. Tomlinson, eu prometo que o seu marido nunca saberá. — Enceno uma voz juvenil, piscando meus olhos da maneira mais inocente que posso — Te foder contra as janelas é o sonho da minha vida.

— Que horror! Não me toque, seu nojento. — O assisto se afastar e cair no sofá dobrando uma perna e balançando a outra, vestindo um dos dedos com a meia que Blake deixou para trás — Vem cá, Tommo. — Diz com a meia, simulando um fantoche.

— Que é? — Digo sem empolgação, sentando no tapete, deixando Shae se enroscar em mim.

— Mamãe ligou. Ela está péssima.

— O que houve?

— Ela ligou para a sua mãe.

Oh.

— Eu já disse que isso não é uma boa.

— Ela só queria socializar.

— Amor, a minha mãe detesta que pessoas que ela detesta tentem fazer com que ela deixe de detestá-las.

— Mas, Louis, nós temos filhos!

— Sim e ela os ama com todo o seu coração.

— Sim e me odeia e odeia toda a minha família, você não acha que isso os afeta? Os meninos estranham como ela fica me alfinetando sem parar e perguntam porque as vovós deles não são amigas. — Diz num sussurro — Até o bebê sente essa negatividade toda. — Ele toca a pequena barriga, como se pudesse tapar os ouvidos do bebê em seu útero.

— Eu sinto muito, ela sempre foi uma pessoa difícil, a minha família no geral é difícil, por isso eu prefiro a sua.

— Mas amor...

— Shiu. — Vou até ele, pressionando o dedo contra seus lábios gordinhos e ele faz questão de fazer um bico maior, tocando minhas laterais com os joelhos, querendo que eu me aproxime e fique entre suas pernas — Não devia usar essas calças se não quer que eu pense em te comer o tempo todo.

Ele me olha inocente, quase em choque. Afasto o dedo com um sorriso sínico se formando.

— Fui explícito demais para você?

Harry permanece calado.

— Ei, gatinho. — Dou um apertão em sua bochecha, o cacheado solta um suspiro afetado.

— Louis Tomlinson. — Fala ofegante, como se estivesse surpreso em me ver.

— Sim, sou eu, Harry Tomlinson.

— Harry... — Repete, baixando os olhos para o próprio corpo, as orbes crescendo ao contemplar a elevação no abdômen — certo.

— Meu Deus, você está corando, Harry. Numa hora você é uma perfeita milf e na outra um bebê envergonhado. — Me pressiono mais contra ele, sentindo seu membro dando sinais contra meu estômago — Ah, Haz. — Suspiro apertando suas coxas, lhe arrancando um gemido baixo e ao que seus lábios se rompem, eu o beijo.

E por algum motivo desconhecido ele não o faz de volta. Sinto sua boca macia contra a minha, mas sem qualquer indício da sua língua envolvendo a minha, de suas mãos nos meus cabelos ou seu corpo se atrelando ao meu. Simplesmente não há nada.

Recuo alguns centímetros, o observo sob os cílios. Harry está paralisado, os olhos bem abertos e assustados. Olho sobre o ombro, conferindo se Andrômeda não está as minhas costas com uma serra. Não.

— Você... Não está afim de me beijar?

— E-eu, não, quer dizer sim, eu só, não estava pronto.

— Não estava pronto? É só um beijo, você sabe muito bem fazer isso. Na verdade, você sabe fazer coisas bem mais complicadas do que isso. — Dou uma piscadela, esperando que ele pegue no ar minha insinuação, mas não acontece — Você subitamente desaprendeu a beijar, Harry?

Ele não me encara, sobe as mangas e começa a esfregar os pulsos, sobre as marcas quase invisíveis dos cortes de outrora.

Harry mudou, posso ver isso. Os cortes foram feitos por esse Harry.

Frágil. Nervoso. Ansioso. Depressivo.

Quase o Harry de sempre, com excessão dessa áurea inexperiente, confusa, adolescente?

— Não, claro que não, eu sou um homem adulto, eu sei fazer essa coisas muito bem, o senh- você, você sabe bem disso, Louis, amor... Querido?

— Sei, querido.

— Sabe, me deu uma vontade de dar um volta por aí, acho que vou fazer isso, andar um pouco.

— Mesmo? Pensei que tivesse algo importante para dizer, você me fez perder o jogo.

Sua expressão é confusa.

— Ah, é, bom, não era nada não.

— Tem certeza?

— Tenho sim. — Assegura apressado, se levantando e praticamente correndo para a porta — Até daqui a pouco, meu bem.

Quando a porta bate desfaço o sorriso falso.

— Meu bem? Céus, você não é meu marido.

Quando Harry volta, eu testo minha teoria de que há algo fora do normal com ele e ela é muito bem sucedida. Faço hora no banheiro até o momento em que escuto a porta do quarto se abrindo e faço minha entrada triunfal, bem diante de seus olhos. Eu não sou nenhum exibicionista, mas sei que não faço feio ao surgir completamente nu.

Bom, um homem adulto e que faz coisas de adulto, não deveria ofegar e cair para trás daquele jeito ao ver seu marido pelado, mas é justamente o que acontece. As mãos de Harry estão tremendo sobre os lençóis quando me aproximo com as mãos nos quadris.

— Até parece que nunca viu. — Zombo, imaginando qual pode ser sua resposta.

Um ato de fúria, irritação, se a minha teoria de uma possível bipolaridade estiver correta...

De início ele apenas me encara, e então, hesitante estende a mão, os dedos pendem a uma curta distância da minha pele, prestes a tocar e puxa novamente, cobrindo o rosto com as mãos.

— Não, não...

— Harry, você não-

— Eu não o quê? — Diz de repente, olhando para mim. Quase salto pela subita mudança, sua voz, seu rosto, tudo nele mudou rápido demais — Pelo amor de deus, Louis, use uma toalha, está molhando tudo. As crianças já estão dormindo? É muito cedo, como elas vão dormir direto a noite? Hum, isso me lembra, Anne nos quer no campo durante a ação de graças, toda a família reunida, será uma linda comemoração. Precisa levar o carro para uma manutenção, não queremos ter nenhum contratempo, eu tomei as vitaminas hoje? Acredito que sim, céus, preciso dar um jeito nessas cutículas. — Ao fim de seu monólogo está concentrado nas unhas e eis que ele muda novamente, mais jovial, mais sedutor e estridente — Bebê, cadê o seu cartão? Preciso de uma manicure de emergência.

Apenas aponto para a carteira na poltrona. Harry pega, dá um tchauzinho e sai.

Certo, eu nunca vi nada assim. Isso é inédito ou é só a primeira vez que eu presto atenção?

Xx

Seja lá o que estivesse acontecendo era incerto, nenhum dos médicos deu um diagnóstico a respeito da situação de Harry mesmo após meses de exames. Logo, era provável que eu só estivesse sendo neurótico, voltar a minha medicação facilitou um pouco a organização dos meus pensamentos e agora, sendo mais racional tudo parecia tão exagerado. Ele não tinha mudado tanto assim e afinal, todos somos inconstantes, mudando de supetão, cheio de facetas, não era motivo para tanta preocupação.

Dois dias após seu anúncio, estávamos caindo na estrada. A primeira hora foi empolgante, Spencer e Blake eram os mais novos fãs de kpop e insistiam em ouvir a mesma música agitada e eles tinham o talento de cantarem uma única parte da maneira mais incompreensível possível, riamos toda vez e Harry estava relaxado ao meu lado, ele não tinha amanhecido muito bem, estava se sentindo mal, enjoado. Menos de dez minutos dentro do carro, já tinha se desfeito dos sapatos e se encolhido no banco, no entanto, ao longo do caminho sua inquietude foi aumentando e a janela abaixada e os remédios para enjôo não estavam ajudando em nada.

A primeira parada veio a exatamente uma hora de viagem.

A segunda parada foi quarenta minutos depois.

A terceira veio em vinte. Os meninos olhavam preocupados pela janela, Harry tomou uma longa respiração, deitando a cabeça sobre os braços, se mantendo apoiado no carro. Quando ele praticamente saltou pela porta assim que estacionei, tinha a certeza de que ele iria vomitar alí mesmo, mas no lugar disso apenas tomou o ar fresco, enquanto estava obviamente suando frio.

Vê-lo desse jeito me deixava tão agoniado. Eu sentia dor solidária por ele.

— Você já tem cinco meses, isso não deveria ter passado? — Digo angustiado, massageando suas costas, de mãos atadas.

— Pra mim sempre vai até o segundo trimestre. — O vento sopra forte, levantando a bainha de sua camisa branca de linho — Hum, eu quero cachorro quente.

— Você me pediu um na parada anterior e vomitou.

— Não vou mais vomitar.

— Não sei se você consegue controlar isso.

— Ah, seu filho está tentando me matar. — Choraminga, estremecendo.

Estou prestes a propor que voltemos para casa, quando uma mulher surge em nossa direção, a saia de tafetá verde arrastando no chão e as pulseiras tilintando em seus pulsos. Essa não.

— Uma cigana. — Sussurro para ele, na esperança de que entre no carro e possamos fugir a tempo.

— Onde? — Harry se vira a procura da mulher.

— O quê? Você não vai querer falar com ela, vai?

— Claro que vou! — Garante, sorrindo quando a cigana chega — Olá, aqui. — Lhe estende a mão.

A mulher dá uma largo sorriso satisfeito. É sempre bom encontrar um cliente crédulo, suas mãos ossudas tomaram a mão delicada de Harry, a ponta do dígito traçando as linhas de sua palma.

— Hum, vejo que tem uma criança a caminho. — Fala com seu tom místico artificial.

— Uau! Que novidade. — Reviro os olhos.

Harry me encara irritado.

— Um bebê forte e saudável.

— Isso é muito bom, sabe me dizer se ele vai ser do tipo que dá muito trabalho?

— Ele... Ah, meu Deus. — Ela toca o peito, consternada.

— O que houve?!

— Está perdido, seus caminhos não se cruzam. Você nunca verá o seu filho.

— Como assim? — A voz dele se eleva.

— Eu vejo a perda.

— Louis... — Harry diz com os olhos lacrimejantes.

— É por isso que eu não gosto de ciganas, são mentirosas. — Rosno aborrecido, puxando Harry pelo braço, no entanto, ela segura sua mão.

— Os seus pecados são irreparáveis. — Sussurra com horror, então solta a mão dele para tocar seu rosto — O preço será alto pela sua heresia, eu vejo os pedaços, os seus pedaços espalhados sobre o chão frio. Um rio vermelho, o seu sangue embargando tudo ao seu redor. É só uma casca, é só uma casca.

Meu marido vacila, o pânico é evidente em sua face e não perco mais do meu tempo ouvindo aquelas bobagens, empurro Harry para dentro do carro e entrego uma nota de vinte para a mulher que faz questão de agarrar mais do que a nota.

— Onde está a sua alma, rapaz? — Bufo, puxando minha mão de volta e entro no carro assistindo a mulher vaguear para longe, a procura de outros viajantes para importunar.

Tento falar com Harry, mas ele esta totalmente afetado pelas palavras da cigana, deixando que lágrimas de temor rolem em silêncio por sua bochecha. Ciganas são mentirosas, sempre são.

Chegamos a casa de campo da família de Harry pouco depois das 16h e estão todos reunidos, seus primos, tios e tias, avôs. Tem crianças arteiras correndo de um lado para o outro e os meninos rapidamente se unem a bagunça. A propriedade num estilo rústico colonial é aquecida pela lareira ao centro da sala, com o entardecer a frente fria soprou no leste e eu estava mais do que ansioso por tomar um banho e me aconchegar na poltrona mais próxima.

Harry foi rapidamente cercado pelas tias, todas querendo saber sobre o bebê, cada mínimo detalhe, embora Anne já tivesse entregado todas as informações que possuía. Gemma também compareceu, os seus passos incertos na minha direção entregavam que ela já estava bêbada. O que era costumeiro, raro era vê-la sóbria.

— Acho que mais alguém não conseguiu pensar em uma desculpa pra escapar da reunião da família Addams. — Cantarolou me abraçando.

— Se essa é a família Addams tenho medo de pensar o que a minha pode ser.

— Estamos muito fodidos então, meu amigo. Oh, olha quem veio. — Gemma toma minha mão e me arrasta até o bar, onde seu avô explica detalhadamente como se abriam as garrafas de uísque durante a segunda guerra, o rapaz a quem é dedicado a preciosa lição tem uma expressão compenetrada, até demais. No entanto, assim que ouve o chamado de Gemma ergue os olhos verdes em nossa direção, os cabelos loiros e armados são contidos por uma bandana, a camisa preta de banda é larga em seu tronco magro quando ele caminha até nós e me recepciona com um forte abraço.

— Louis, quanto tempo, você não mudou nadinha. — Ele diz, sorrindo com suas covinhas despontando nas bochechas.

— Já não posso dizer o mesmo de você. Meu deus, quanto tempo eu dormi, Ashton.

Dá de ombros, rindo.

Eu poderia jurar que ano passado esse garoto era um tampinha de aparelho com a cara enfiada em um dos livros de Harry Potter. Agora me parecia compreensivo que Gemma estivesse alimentando uma paixonite por ele.

Infelizmente, Ashton também tinha uma paixonite por alguém.

— Quem é esse homem? Onde está o meu priminho?

Ashton não fez esforço para disfarçar a forma como seu corpo se acendeu ao contemplar a chegada de Harry no cômodo.

— Bom, esse sou eu agora. — Falou tímido, o rosto corando quando Harry passou os braços ao redor de seu pescoço — O que acha?

— Acho que você está lindo. — E o abraçou apertado. Ash envolveu sua cintura e afundou o rosto entre seu cabelos, particularmente emocionado.

Gemma e eu, que assistíamos a cena de fora, trocamos olhares desconfiados e ela me deu um gole de sua bebida.

— De olho na ninfeta, Tomlinson.

Xx

Nossa primeira noite foi cercada pela eufória das festas comemorativas, haviam toneladas de pratos a serem feitos em tempo recorde. Discussões sobre receitas, a quantidade de sal a se acrescentar aqui, quem tem o molho melhor e porque Cindy – uma das milhares de primas de Harry – continuava terminando e reatando com o namorado de anos.

Quando me tornei o exemplo de bom partido dei uma sorrisinho amarelo e me retirei levando minha cerveja comigo, sabendo que no minuto seguinte viria os cochichos sobre a minha traição. Ashton estava seguindo Harry como um cachorrinho, olhos brilhantes e tudo.

Eles trocavam relatos sobre o universidade e vida no campus, após dedicar atenção exclusiva ao meu marido, Irwin me notou.

— E você, Louis? Se divertiu na faculdade?

— Não, eu já era um tira, tinham medo até de falar comigo. E quando teremos o nosso psicólogo na família?

— Em breve, eu espero. — O garoto sorriu, seu acanhamento me lembrava o Harry no início do nosso relacionamento. Quando tudo tinha a doce ilusão de ser perfeito.

A conversa se estendeu por mais duas horas quando os mais velhos se juntaram a nós e depois do jantar estava louco para dormir, o chamei, mas ele disse que viria só mais tarde.

— Pode ir agora, eu já vou.

— Okay. — Bocejei, esfregando os olhos ao pé da escada — Qual o quarto mesmo?

— Primeiro a direita. Boa noite, amor. — Nos despedimos com um selinho.

Segui sua orientação, não me preocupando em acender a luz, apenas tirei a camisa e cai na cama e logo no momento do impacto senti que algo estava errado. Aquele não podia ser o meu quarto, do contrário, alguém tinha decidido me fazer companhia. Logo em seguida a porta tornou a ser aberta, a luz foi acesa, os raios da claridade me cegando por um momento até que conseguisse assimilar os olhos verdes escuro me encarando de volta, questionando o porquê de ter me jogado sobre ela, sem mais nem menos.

— O que significa isso? — Gritou a voz feminina alarmada. Era a cunhada de Anne, se não me engano.

— Só adivinha. — Gemma retrucou mal humorada, enquanto eu me arrastava para fora de sua cama, fazendo todo o possível para evitar uma nova troca de olhares.

— Eu só errei o quarto, me desculpe. — Pedi baixo, ao passar pela mulher tornei a me desculpar.

Acabei encontrando nosso quarto no final do corredor. Não fazia sentido que Harry tivesse feito uma confusão tão grande, agora eu me recordava que Gemma sempre ficava naquele mesmo quarto.

Ele gargalhou quando contei sobre o engano, mas eu não via a menor graça. No dia seguinte acordei sozinho, Harry já estava entretido com a briga de sua mãe com as demais mulheres da casa sobre qual temperatura o frango deveria ser assado. Escapuli, tentando não chamar a atenção, Gemma ocupava o lugar que eu pretendia me refugiar na varanda.

— Veja só se não é o arrombador de quartos mais gatinho da região. — Disparou assim que me viu.

— Foi um acidente. — Passei uma perna pelo peitoril da mureta, sentando como ela.

— Acidente conveniente, perdeu a chance da sua vida de ver a Styles mais bonita de camisola.

— Sim, o arrependimento já me consome. — Disse, apreciando o canto dos pássaros e o campo aberto diante de nós, a relva selvagem em seu esplendor ao amanhecer. Gemma ajeitou os óculos escuro, torcendo o nariz para o sol brilhante e meteu a mão no bolso, mantendo em segredo sob a manga até acender — Sabia que eu sou um federal?

Ela deu um longo trago e segurou o baseado entre os dedos finos.

— Você não vai me prender por causa disso. — Um novo trago, ela joga a cabeça para trás soltando a fumaça e me entrega — Tente não acabar com esse, é o meu último precioso.

— Não, obrigado, estou tentando me tornar careta. — Dispenso com dor no coração.

— Que bosta! Bom, sobra mais pra mim.

— E como tem sido a vida em Nova York?

— A mesma merda que era em Chicago, mas pelo menos eu não morava com a minha mãe. Eu me sinto uma criança. — Com a mão livre passa a batucar os dedos nervosamente sobre a coxa — Trabalhar em um agência não é tão ruim.

— Mesmo? Talvez eu devesse mudar de área. — Digo pensativo.

Gemma faz um sinal com a cabeça, indicando um homem alto e grisalho chacoalhando as mãos no ar, em busca de chamar minha atenção.

— Vamos, Louis. Deixe a tristonha aí e vamos fazer algo de homens. — Estou tentando puxar pela memória qual o nome do homem quando Gemma grita em resposta:

— Vá chupar um pau e me deixa, Joey.

Ah, Joey. Mais um tio. O tio insuportável, que eu detesto. Ele esteve no Vietnã, umas duas semanas antes da guerra acabar e por isso agia como se fizesse parte do elenco de Apocalypse Now, quando ele sequer teve um treinamento militar de verdade e mesmo assim me chamava de garoto e ficava fazendo críticas a minha mira.

Fomos à caça. Não tinha um coelho sequer pelas redondezas e seus filhos imbecis ficavam disparando contra arbustos, eu não os repreendia sobre isso desde o ano passado quando alguém acabou com uma bala no pé e felizmente esse cara não fui eu. Acabamos na quadra de tênis que um dos garotos de Joey usava como tatame.

Miles tinha o tronco fraco e depositava todas as esperanças em suas pernas, mas com pouca firmeza nos pés, se Ashton tivesse a menor consciência sobre isso não teria sido vencido com tanta facilidade. O garoto cambaleou para o meu lado envergonhado. Um outro candidato surgiu.

— É assim que um garoto deve ser, forte, bom de briga, valente. — O velho Joey discursava como se alguém se importasse com o que ele dizia — Um dos seus meninos vai ser assim, já o outro é meio estranho.

Com uma expressão de poucos amigos, o encaro.

— Estranho?

— Sim, o mais magrinho, Stan, não é?

— Spencer.

— Spencer. — Repete com uma risadinha — Ele parece uma garotinha, se preocupando em fazer comidinha e trocar o vestidinho da Barbie dele.

— Ele é uma criança e pode brincar com o que quiser e isso não é da sua conta.

Joey riu, achando graça.

— Continua o ranzinza de sempre.

— Sim e se você falar sobre as Barbies do meu filho mais uma vez, eu vou levar uma delas pra passear na sua garganta.

— Você me lembra o Styles.

— Styles? Tipo, o pai do Harry? — Assente com desdém — Você o conheceu?

— É claro que conheci. Ele casou com a minha irmã, eu a levei até o altar e é claro que sabia que aquele circo todo foi pelo dinheiro dele.

— Anne se casou por dinheiro? Não consigo imaginar isso.

Joey revira os olhos em zombaria.

— A pequena Annie nem sempre foi esse docinho, mamãe e vovó exemplar. Ela costumava ser tão perturbada quanto as crias dela.

Acabo me virando completamente para o homem, lhe dando minha absoluta atenção.

— Harry e Gemma perturbados?

— Você não faz ideia de onde se meteu. — Diz aos risos — Bom, quando eu digo perturbado não é sobre eles saírem botando fogo no gato do vizinho ou matando bebês, era só coisa de comportamento. Isso, lembro que a menina tomava muitos remédios, vivia dopada, Anne não gostava de lidar com ela, era muito agitada e bagunceira, mas o que estava por vir era ainda pior. Harry sempre foi esquisito, ele já era estranho quando o pai era vivo, mas depois que ele morreu... Eu sei lá, só faço o possível pra não ficar sozinho com ele.

— E eu devo dar ouvidos a um bêbado amargurado?

— Bom, se quiser tirar a prova do quão não-amável o seu querido esposo pode ser desdenhe da força dele, mas tem que ser com vontade, ele precisa querer arrancar a pele da sua cara.

— Está me dizendo para ter um confronto físico com o Harry? Primeiro que isso não é uma possibilidade e segundo, ele está grávido.

Joey não dá a mínima para os meus argumentos e gesticula, chamando o filho. Miles corre até nós ofegante depois de ter derrubado mais um parente.

— Lembra-se do Andrew? Aquele que caçou briga com o Harry. — Miles balançou a cabeça — O braço quebrado impediu que ele desse ao pobre garoto um traumatismo craniano?

— Não, papai.

— Viu, Louis? Você não é o único durão nesse casamento. — Me cutucou rindo de sua própria piada ao que eu ainda tentava administrar tudo o que ouvi.

Sem acesso a internet ou podendo dispor de qualquer tipo de privacidade, comecei a elaborar um mapa mental dentro da minha cabeça, elencando todas as informações que havia obtido fosse por observação ou por meio de conversas. Em doze anos, uma imagem era pintada sobre Harry, uma que eu não simplesmente criei na minha cabeça, mas uma correspondente à realidade.

Uma realidade crua e complexa.

Xx

A comemoração de ação de graças foi como manda o roteiro.

Comemos muito, bebemos muito, demos graças, houveram fogos e depois das crianças irem caindo no sono, uma a uma, alguém ficou bêbado o suficiente para resgatar a máquina de karaokê e Gemma fez a honra de iniciar, assassinando It's My Life. Em comparação com as apresentações que se seguiram não parecia mais tão ruim.

Ashton estava no grupo de primos que cantou Don't Cry.

Meu marido e eu nos apertavamos na mesma poltrona minúscula ao lado da lareira, sua cabeça deitada no meu ombro e eu o embalava feito um bebê gigante enquanto Cindy virou sua dose de bourbon antes de se colocar na frente e escolher uma música.

There Are Worse Things I Could Do foi a escolhida, talvez para nos lembrar que ela foi escalada para interpretar Rizzo no novo musical de Grease e ninguém se dispôs a ir assistir.

Gemma e Ashton começaram a dançar juntos, encenando um casalzinho apaixonado.

Eu já vi essa cena. A sensação de djavu cresce a medida que a canção segue.

Eu já estive exatamente aqui, sentado nesta poltrona, observando um casal ao som dessa mesma música.

Michael e Liam estavam dançando, os observava, sentindo a respiração suave de Harry contra meu ouvido. Ele dormiu.

Luke estava rondando, bêbado e nervoso. Michael deixou Liam e foi até o noivo, não podia ouviu-los, mas sabia. Luke estava tendo mais um de seus acessos de ciúmes e Mike estava tão cansado disso que lhe deu as costas e por mais que eu não devesse, eu fiz. Sai de perto do meu marido e fui atrás dele.

O principio do meu fim teve início bem ali.

Quando toquei sua bochecha, dizia a mim mesmo que só queria acalmá-lo quando na realidade eu almejava por aquele toque. Tão deliberadamente nos corredores daquela mesma casa. Ele cedeu, tão desesperado por aquilo, tanto quanto eu. Nossos narizes se tocando quando me inclinei para beija-lo e lá estavam os olhos embargados. Sérios e que sempre sabiam demais.

Como se atraída por meus pensamentos, Gemma me olhou.

Ela sempre soube, antes mesmo de começar.

A pior coisa que eu podia ter feito ao seu irmão e ela foi minha cúmplice.

— Próximo! — Cindy anunciou depois de ver sua brilhante pontuação.

Me esforcei 0% na minha apresentação e tirei a nota máxima e Harry cantou alguma do Elton John espalhando seu charme por toda a salão e garantindo todos os olhos fixos nele. Pouco tempo depois ele foi para o quarto, cansado demais. Continuei na sala, bebendo e fumando até ver dobrado e no instante que Elvis virou o sucesso do karaokê, decidi encerrar minha noite.

Me dirigi em passo vertiginoso até meu quarto, procurando por mais de uma vez o apoio nas paredes até alcançar a porta. Virei a maçaneta e cai para dentro, com um esforço extra arrastei meu corpo até a ponta da cama, sentando diante do espelho comprido de carvalho – que eu particularmente achava um péssimo adereço de decoração – no entanto, serviu para que eu me encarasse por um instante.

Envolto no breu, aparentando o auge da decadência, embriagado e desalinhado. Se possuísse um livro, seria o retrato fidedigno da boêmia.

Deixei a cabeça cair, exausto demais para lidar com o peso dos meus pensamentos. O colchão se moveu, me surpreendendo ao que pensava que Harry já estivesse dormindo, mas não. Ele estava bem acordado. Senti suas mãos macias subindo pelas minhas costas, ombros e descendo pelo peito, desfazendo os botões da minha camisa, o calor de seu corpo se fez presente as minhas costas, instintivamente levei as mãos para trás, tateando o tecido fino e suave cobrindo suas pernas. Sua única peça de roupa. Tornei a olhar para o espelho, onde nossos reflexos me olhavam de volta. Sob a escuridão captei a vermelhidão artificial sobre seus lábios, o cabelo caindo por sobre um lado do ombro e os olhos inebriados de malícia.

— Vamos brincar enquanto o seu marido está fora. — Soprou rente ao meu ouvido.

Quis dizer algo, mas minha cabeça estava em desacordo com minha boca que se calou e permitiu que ele me puxasse para a cama e se derramasse em luxúria sobre mim.

Xx

Despertei num átimo durante a madrugada. O relógio marcava 3h30min e Harry estava ao meu lado, dormindo profundamente com os cobertores lhe cobrindo até o pescoço. Estranhamente pudico depois de uma foda tão repleta de depravação.

Afastei as cobertas colocando os pés no chão e sentindo a pontada na cabeça, meu crânio martelando o cérebro. Precisava de uma aspirina, mas sabia que não tínhamos nenhuma, por isso me vesti e sai em busca do armário de remédios. Assim que sai no corredor encontrei Gemma parada, de roupão e bengala.

— Sem sono? — Me aproximei.

— Oh, oi, Lou. Eu só estava olhando. — Indicou a parede repleta de retratos emoldurados, mais especificamente um casal com uma garotinha e um bebê nos braços — Família de comercial de margarina.

— Como ele morreu?

— Não sei, dizem que se matou, mas isso não combinava com ele. Ele era um cara legal, sabe. — Disse nostálgica e sorriu brevemente — Allicent.

Olho para Gemma, perplexo.

— O que disse?

— Ah, era o nome preferido dele, ele era escritor e havia uma personagem com esse nome. Quando não sabiam que o Harry seria um menino, ele o chamava assim. Bom, está tarde, tenha uma boa noite, Lou.

— Boa noite! — Disse, retardando meus movimentos para examinar por mais uma última vez o retrato.

Allicent Rose.

Dei mais alguns passos em direção a cozinha quando escutei o ruído de uma conversa, ainda haviam pessoas acordadas discutindo na sala. Eu normalmente não me interessaria, até que...

— Ele tinha em torno de umas 23 personalidades, cada uma com a sua própria narrativa e identidade. — Ashton disse para Miles que tinha uma expressão cética — Você sabe, eventos traumáticos podem causar dissociação. Às vezes você não vivencia algo que é muito intenso e é como se estivesse vendo de fora? O seu corpo se move, a sua boca fala, mas não é você que controla as palavras.

— Pensava que isso fosse possessão.

— Mas é uma espécie de possessão, não uma demoníaca, mas algo criado no seu subconsciente, como um mecanismo de defesa. Elas podem emergir em situações ameaçadoras, a personalidade que melhor lida com aquelas circunstâncias vem à tona, para proteger a personalidade original, o "receptáculo" que costuma ser o mais passivo e frágil. Como o Hulk que é totalmente o oposto do Bruce Banner, ou o narrador e Tyler Durden.

— E todo mundo vê e pensa a mesma coisa ou o quê?

— Não, eles podem ou não compartilhar memórias e pensamentos, mas no caso de traumas é mais provável que esse compartilhamento não aconteça. E sempre pode haver aquela personalidade dominante, que sobrepuja até a original.

— Que sinistro, isso é verdade mesmo ou você só tá me zoando?

— Bom, é uma questão controversa. Há quem pense que é um trastorno manipulado, um tipo de esquizofrenia ou histeria, ou simplesmente mais um artifício inventado para liberar assassinos da morte. A maioria dos meus professores fala disso como se fosse uma piada.

— E você acredita nisso? — Sem que eu pense a respeito, me vejo entrando na conversa, assustando os dois garotos.

Ashton deixa o queixo cair, piscando, confuso.

— Hum, e-eu não sei, comecei o curso faz pouco tempo, não tenho nenhuma opinião formada, nem nada.

— Mas e se você passasse vinte e quatro horas por dia com alguém, vendo de perto cada sutil mudança, acha que poderia dizer se se encaixa com esse transtorno? — Ashton engole em seco e então assente, pouco confiante — E qual é o nome desse transtorno?

— Transtorno dissociativo de identidade ou TDI. Então, quem você suspeita que seja assim?

Baixo os olhos para os meus dedos, apertando minha aliança. Um único nome paira na minha mente: Harry!

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro