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│10│fornax


São flashes e mais flashes.

Sirenes zumbindo em meus ouvidos.

Tenho a sensação de estar voando quando me movo e meus pés não tocam o chão.

Com os olhos fechados apenas uma singela dúvida prevalece; paraíso ou inferno? Qual o veredito?

Quando se é um agente federal, não são raras as vezes em que essa sentença ilustra seus piores pesadelos. Não foram poucos os momentos em que eu parei de frente a um espelho e me fiz esse questionamento repetidas vezes, encarando meus olhos como se cada gota de sangue que eu respinguei fosse uma mancha em minha alma, como se cada cicatriz em meu corpo fosse capaz de sussurrar meus pecados. Por vezes, enquanto fitava meus próprios demônios tatuados à sangue em minha pele, eu sentia as balas queimando de novo, como se fosse um sinal: não há paraíso para alguém como Louis Tomlinson.

A constatação de que talvez eu ainda não tenha encontrado o fim do meu caminho surge com uma nova onda de luzes esbranquiçadas e sendo refletida diretamente em minhas pupilas. Solto um resmungo fraco, que consegue uma reação daquele que testa meus reflexos. A pessoa toma uma pequena distância, guardando o objeto e então sou capaz de abrir os olhos propriamente e encarar o que há a minha frente.

A enfermeira, não passando da casa dos vinte com seu sorriso metálico, rabo de cavalo e mãos suando em nervosismo sorri fraquinho fazendo menção de me tocar e parando de repente. Questiono seu gesto e então de canto de olho encontro o motivo para tal.

Um homem que eu nunca vi na vida está de prontidão em frente a porta, uniformizado, com colete a prova de balas, coturnos lustrosos, cara fechada e uma bela arma de cano longo na cintura. Eu tenho guarda costas agora, pelo jeito.

— D-Detetive. — Diz com sua voz miúda, sem se aproximar — Como se sente?

— Bem, eu acho. — Estranho o ruído quase mudo que sai da minha boca quando respondo em lugar da minha voz altiva e estridente.

— Certo, o médico já virá vê-lo.

Dr. Bassett vem logo em seguida com toda a jovialidade e energia que me irritam. Eu não gosto de jovens, nunca gostei. Prefiro a calmaria, frieza e bom senso. Mas ele não é de todo ruim, me informa sobre o estado crítico no qual fui resgatado – ele não se aprofunda, porém deixa subentendido que Hailee recuperou meu celular e encontrou sinal naquele inferno subterrâneo. Não foi uma descoberta muito agradável saber que minha estadia na casa feliz do canibal promíscuo durou seis dias.

O que me rendeu o dobro de tempo internado com uma profunda desidratação e provavelmente oitenta por cento do meu corpo era puro soro atualmente, a ferida em minha perna passou por uma microcirurgia para restabelecer as ligações nervosas e fui submetido a uma porrada de antibióticos para combater a infecção que a falta de cuidados na ferida aberta adquiriu, fora isso me restavam apenas algumas leves escoriações, um pulso luchado que eu sabia bem como havia conseguido, e é claro, um dedo a menos.

Não havia o que fazer.

Não era como se eu estivesse em um bar com amigos e acidentalmente decepasse o dedo em uma briga besta, onde chegaria aqui cercado de caras idiotas com um contêiner de gelo e um membro para ser reposto, longe disso, meu dedo jaz no estômago de um maldito defunto esquartejado.

Mas isso não é importante.

Eu daria quantos dedos, braços, o que fosse necessário para ter o prazer de deslizar a lâmina mais uma vez por sua carne, ouvi-la rasgar lentamente enquanto se abre, ver o sangue escuro jorrar, aumentando o fluxo conforme a lâmina afunda seu trajeto mortal, assistir lentamente a mesma se desprendendo de seus ossos... E não! Isso não aconteceu! Nunca aconteceu! Seja lá o que for, está esquecido. Não sou um assassino, sou um homem de bem que fez o que devia fazer e eles jamais entenderiam. Jamais.

Encaro as ataduras que envolvem minha mão, brancas feito neve, destoando da feiura que me cercou dentro daquele cativeiro. Dr. Bassett está finalizando seu extenso monólogo, assimilo pouquíssimas coisas, uma destas sendo "[...] seu psicólogo está a caminho..." E "[...] Problemas com a família..."

A última sendo capaz de chamar minha atenção.

— O que tem minha família? — Inquiro rouco, porém decidido.

Bassett sorri com seus dentes de comercial de pasta de dente, a pele morena reluz feito cobre polido e os cabelos negros e armados são dignos de um doutor bem sucedido como ele, parece estar tendo o seu momento quando enfim lhe dirijo a palavra desde o meu despertar.

— Bem, Sr. Tomlinson, com esses longos dias desde seu desaparecimento muita coisa pareceu sumir ao controle de seus familiares. Eu entendo a pressão, deve ser terrível descobrir que alguém amado simplesmente desapareceu. Seu marido foi o mais afetado com tudo isso.

Meu marido.

Meu peito se aperta quando penso em Harry.

— Ele-ele está esperando um bebê. — Murmuro fraco — Ele perdeu o bebê?

Dr. Bassett pisca confuso, o que me leva a pensar que ele não se referia a isso. Alívio transborda em minhas veias.

— Não. Ele está bem. Fora uma ou outra queda de pressão, está tudo okay. Me refiro mais a relação tórrida entre ele e sua...

De repente a porta foi aberta, duas enfermeiras falando sem parar e uma figura bem familiar entre elas revirando os olhos e jogando seu longo cabelo castanho enquanto ajeita a bolsa da Gucci no ombro.

— Senhora Tomlinson... — Mamãe lhe lançou um olhar mortal antes que ela continuasse.

— Senhora Tomlinson é aquela prostituta arrogante que meu filho chama de marido, eu sou a Sra. Deakin.

Não é preciso dizer com quem Harry estava em pé de guerra. Eles se estranhavam desde sempre.

O que era bem estranho na minha opinião, Jay gostava de todo mundo e todo mundo gostava de Harry. Simplesmente não se encaixava toda essa situação.

— Doutor, dissemos que ela deveria aguardar, mas ela foi entrando.

— Senhora Deakin, ainda não está no horário de visitas e–

O agente de vigia tremeu a mão sobre sua arma quando minha mãe se jogou em cima de mim, lhe lancei um olhar de reprovação e ele baixou a cabeça em submissão.

— Oh, meu bebê! Meu pobre bebezinho, eu vou pegar esse monstro que fez isso com você e vou deixá-lo em pedacinhos. — Ela sussura em meus cabelos, beijando meu rosto inteiro. Pedacinhos, bem, foi exatamente o que eu fiz.

Após diversos pedidos para que Jay se retirasse eles se deram conta de que ela não sairia enquanto não quisesse. Então apenas a orientaram para que não se demorasse e nos deixaram, o agente saindo relutante.

— Eu já liguei pro Wes em Hollywood, disse que pode fazer uma prótese em menos de uma semana. — Olho para a mulher andando de um lado para o outro, torcendo o nariz para as flores na cabeceira. Orquídeas só podem ter vindo de Anne. Johanna odeia Anne.

— Não preciso de uma prótese, foi só um dedo. Vou continuar trabalhando normalmente. — Digo indiferente, apertando o botão para fazer a cabeceira da cama levantar um pouco.

Não percebo Jay parando no mesmo lugar, repousando as mãos nos quadris.

— Não pode estar falando sério! Louis, você acaba de perder uma parte de si, assim como podia ter sido devorado por um maníaco, tudo por conta deste maldito emprego. Eu aceitei quando você era mais novo, mas não vou mais tolerar que você continue se arriscando.

— Eu tenho trinta e três anos, não é como se você pudesse controlar alguma coisa na minha vida.

Jay levou a mão ao peito, estupefata.

— Isso é jeito de tratar sua mãe? Alguém que te ama incondicionalmente e só se preocupa com seu bem estar.

Ela sabia como me sensibilizar, desviei o olhar, focando na maçaneta da porta do banheiro. Me coçando para perguntar.

— Bom, Stanley abriu um escritório no centro de Seattle, ótimo lugar e precisa de bons advogados, acredito que–

— Eu não quero ser advogado! — Disse de repente com a voz impaciente.

— Você é um advogado, querido. Todos sabem que essa coisa de polícia é passageiro, ao menos deveria ser, eu me lembro como estava propenso a sair do departamento antes de conhecer ele.

— Não comece a ataca-lo. Na verdade, me diga onde ele e as crianças estão.

— Não pode estar me perguntando sobre aquela criatura.

— Sim, eu estou. Ele é meu marido, pai dos meus filhos, que a propósito está esperando o meu bebê. Eu gostaria de ter marcado um jantar pra te contar, mas duvido que você viria. — Digo entredentes, captando a atenção dela junto a uma expressão de horror e surpresa e tudo grita uma única coisa: Ela não sabia do bebê!

— Como você pôde? — Quando se dirige a mim a voz dela sai despedaçada.

— Mamãe...

— Eu pensei que você fosse cair em si, mas não! Esses dias sem saber de você foram um inferno e tudo só piorou com aquela "pessoa" por perto. Ele tem algum problema, muda de uma hora pra outra e é péssimo com as crianças, oh, coitados daqueles meninos e pra completar tem a mamãe dele que o trata como um bebezinho. Está escancarado que ele não é bom, tampouco digno de você. — Ela desabafa de uma vez — Aquele garoto, o Clifford, aquele sim era bom. Foi o que eu disse a ele.

Engasgo com a minha saliva.

— Você viu o Michael?

— Claro, pedi que ele viesse te ver.

— Você não fez isso. — Gemi desolado.

— Fiz sim. — Garantiu com orgulho de si — E pra variar Harry surtou e foi embora. Já faz mais de um dia que aquele desnaturado não aparece. Deve estar ocupado fazendo as unhas e esquecendo de trocar as fraldas dos filhos.

Encaro o teto pensando no que eu fiz para merecer uma coisa dessas.

— Eles estão sendo desfraldados.

— Ainda? Eles já vão fazer quatro anos!

— Três, mamãe.

— Não importa, eles são tão atrasados. Só pode ser o genes do outro lá, não é a toa que ele e a irmã se fingem de artistas já que não tem capacidade para terem empregos de verdade.

— Sinceramente, você veio aqui só pra falar mal do Harry? — Levanto a cabeça do travesseiro para encontrar seu rosto contorcido em desgosto porque na sua linda cabecinha eu quem estou sendo o rude da situação. Ela prende os cabelos no alto e toma alguns segundos antes de caminhar em minha direção, sentando-se no beiral da cama e envolvendo a minha mão esquerda e intacta.

— Você é meu filho e eu te amo! Não importa se você tem dez ou cem anos, sempre me preocuparei com você. — Pela primeira vez não capto o deboche ou veneno em sua voz desde sua chegada, é claro que ela está sendo sincera — Louis, eu só quero o seu bem. Você merece ser feliz e você não é e nunca foi feliz ao lado de Harry, pode se enganar o quanto quiser, mas vocês dois juntos nunca foi uma coisa boa... Ele não é uma coisa boa.

Não resisto em bufar alto e revirar os olhos.

— Essa sua implicância...

— Não é implicância, você sabe disso!
Quando aquela desgraça aconteceu, quando você ficou meses preso no hospital eu estive aqui, esquecendo todas as desavenças pra ficar com vocês. Por estar em coma você não pode ver, mas eu sim e eu vi a indiferença com a qual ele te olhava toda vez que vinha te visitar, como se você fosse um ninguém pra ele. Harry sequer te tocava. Uma vez o peguei com a mão em seu pescoço, ele tentou disfarçar, mas eu sei o que ele queria fazer... E antes disso, quando Spencer e Blake nasceram, bem, se haviam dúvidas de que ele não valia nada estas desapareceram quando ele simplesmente soltou o Spencer no chão com apenas dois meses, foi um milagre o menino não ter morrido.

— Mãe, sobre isso você tem que entender que ele estava em um momento difícil e é normal que ele agisse assim comigo, afinal a responsabilidade pelo que a aconteceu foi minha e sobre o Spencer, Harry se culpa por isso até hoje, foi um acidente.

Sua expressão endureceu ainda mais e seus dedos foram se desvencilhando dos meus, como se não houvesse mais sentido em manter o contato.

— Ah, você se cega totalmente em relação a ele. — Suspira, porém ainda persiste em tentar me convencer — Não me surpreenderia que você criasse outro filho dele.

Não, aquela história de novo não!

Em sua mente surtada ela havia se convencido de que Evangeline não era minha filha. Ela nasceu antes dos nove meses, eu não estava presente, no laudo médico consta que ela era um bebê prematuro, pra Jay era um bebê perfeito com seus nove meses completos e nada meu, principalmente o DNA.

Era absurdo e eu não tinha cabeça pra lidar com uma coisa dessas agora, definitivamente não agora.

— Eu preciso ficar sozinho. — Peço com a voz baixa, me encolhendo entre os lençóis. Os bipes na máquina ao lado soam mais altos.

— Filho...

— Eu mandei você sair! — Grito irritado quando ela não me dá ouvidos da primeira vez.

Jay aperta seus olhos. O alerta perigo brilhando em letras garrafais, mas eu não volto atrás e nem peço desculpas. Eu só não quero aborrecimentos.

— Nos vemos mais tarde, querido. — Ela diz por fim, pegando sua bolsa e se inclinando para me dar um beijo na testa antes de sair batendo a porta as suas costas.

Não perco meu tempo encarando o quarto vazio, ou me remoendo pelos meus pecados. O meu coração não lateja de saudades pela minha família. Eu simplesmente não sinto nada, apenas encaro o teto, arranhando as ataduras em minha mão direita e revivendo a sensação de retalhar Lucian incansavelmente.

Se um sorriso brota no meu rosto ninguém precisa saber.

Xx

Os dias se arrastam preguiçosamente enquanto continuo internado. A comida é péssima, eu estou irritado e a ponto de arrancar todas aqueles fios do meu braço e voltar para o trabalho. A televisão desligada e a ausência do meu telefone só me deixam com a pulga atrás da orelha em tempo integral, tem algo acontecendo e estão escondendo de mim.

Depois de algumas dúzias de ameaças o meu então guarda costas que eu descobri se chamar, Jonah, me dá um tempo a sós, onde eu posso refletir comigo mesmo. Olhando para o nada e pensando em tudo ao mesmo tempo, no processo acabo adormecendo, mas quando acordo é como se estivesse em casa, em uma manhã de domingo. Escuto Harry e Spencer, parece distante, no entanto sei que eles estão bem aqui.

— Spencer, você já está me tirando do sério! — A voz grave de Harry pesou em meus ouvidos junto a um sotaque leve e esquisito. Era evidente que ele estava bravo, nem de longe aquele era seu tom natural.

Ouvi passinhos apressados, o lençol que envolvia minha cintura sendo puxado e então passos bem mais pesados.

Spencer gritou.

— Não! Solta! Solta! — Eu nunca tinha ouvido meu filho berrar daquele jeito. Ele parecia apavorado.

Me forcei a abrir os olhos, mas até minhas pálpebras pesavam naquele momento.

— Me solta, eu quero o papai. — Soluçou.

— Spencer, eu sou seu papai. — Harry disse com a voz mais branda.

— Não, não é.

Então ele deve ter sido capaz de escapulir dos braços do pai para correr até minha cama novamente. Ouvi os passos de meu marido, mas antes que ele o alcançasse, envolvi o pulso fino agarrado ao meu cobertor. Meus olhos se abriram, embora que pouco, para encontrar o oceano cristalino nos olhos de Spencer.

O puxei para cima e ele se agarrou ao meu pescoço.

— Papai, papaizinho. — Murmurava contra meu ombro, choramingando. Com a minha mão não imóvel acariciei suas costas e o apertei com mais afinco. Eu mal podia acreditar que depois de mergulhar tão fundo no inferno estava de volta a superfície, tendo um anjo em meus braços.

Beijei seus revoltos cabelos castanhos e ele suspirou manhoso.

— Tudo bem, filho, eu voltei e não vou a lugar algum.

Spencer afastou o rosto para me encarar.

— Fica pra sempre? — Uma lágrima deslizou por sua bochecha. A sequei com o polegar.

— Pra sempre.

Então ele, enfim, sorriu.

Quando meu filho parecia mais calmo e dócil em meus braços ergui os olhos para Harry que tinha os braços cruzados sobre o peito, calça e casacos da Adidas preto e um coque com uma faixinha vermelha e talvez fosse todo o tempo longe, ou sei lá o que, mas em toda a minha vida eu nunca me senti tão apaixonado por ele quanto naquele momento apreciando seu rosto tão repleto de traços harmoniosos, em seus grandes olhos esverdeados varrendo cada pequeno canto do quarto como se tudo ali fosse deveras interessante, em sua boca carnuda se movendo levemente em seus diálogos mentais e em seu cenho se crispando por consequência das ondas de pensamento que dominavam sua linda cabecinha. E se me faltavam motivos ou haviam dívidas, agora eu sabia, sabia que não matei e esquartejei, sobrevivi e lutei até o limiar das minhas forças não para vingar Jesse, ou para salvar a mim e Hailee, eu fiz tudo o que fiz pra voltar pra ele.

Por ele.

Só havia um lugar no qual eu me permitiria morrer e este lugar era em seus braços.

Eu só morreria quando ele me desse sua absolvição.

Eu era dele, de qualquer forma.

— Como se sente? — Harry foi o primeiro a iniciar o diálogo.

— Bem, na verdade, ótimo. — Respondi sincero. Minha pele formigava em anseio pela sua. Por mais lindo que ele estivesse de moletom e todo embrulhadinho, eu o queria nu, não para fins sexuais, mas para me certificar de que Lucian não o tocou, de que ninguém o tocou e ele continuava exatamente como eu deixei. Também queria poder ver sua barriga, toca-la, beija-la e perguntar a Leslie se estava tudo bem lá dentro. Eu queria tanto... No entanto Harry deveria estar há uns três metros de mim, evitando me encarar e sem qualquer demonstração de emoção.

Ele não estava feliz?

Ele não me queria de volta?

Ele não me ama mais?

Eu poderia enlouquecer com qualquer uma destas possibilidades.

— E você?

Harry piscou, surpreso por eu perguntar.

— Foram dias difíceis, mas nós estamos bem. — Diz com um sorriso no rosto, tocando seu ventre e eu derreto por completo.

— Eu posso...?

Automaticamente suas sobrancelhas se franzem como se eu tivesse pedido metade de seu doce preferido e não para tocar o nosso filho. Ele ponderou por longos instantes até começar a caminhar em direção a minha cama parecendo subitamente incomodado com isso, a carranca aumentando ao vislumbrar Spencer tão a vontade no meu colo, brincando com a gola da camisola hospitalar.

Quando o tive perto o bastante fiz menção de colocar a mão por debaixo do moletom, afinal todo aquele tecido não era o que eu queria sentir, porém ele firmou os dedos na barra do casaco me obrigando a tocar superficialmente mesmo.

— Você está chateado. — É a única explicação para seu comportamento arisco. Acaricio sua barriga por cima da roupa e olho para seu rosto, esperando por um sorrisinho talvez, algo como: que bom que você está vivo, imbecil. Mas não. Ele não me encara, na verdade se mostra bastante desconfortável. Eu me sinto como um estranho e não seu marido.

— Terminou? — Pergunta quando minha mão permanece parada.

A recolho, assentindo com a cabeça.

— Onde está o Blake?

— Com a minha mãe. Ele está resfriado. Spencer não parava de chorar chamando por você, foi por isso que nós viemos.

— Então você só veio por causa dele? Ele era o único com saudades, Harold?

Ele bufou, resmungando para si mesmo.

— Dette er ikke mitt navn.— Disse em um idioma incompreensível.

— O quê?

— Está ficando tarde e Spencer também não tem passado bem. É melhor levá-lo pra casa.

Concordei. Spencer estava sonolento e a cabeça caiu em meu peito quando tentei move-lo, Harry teve a proeza de me ajudar, se inclinando para toma-lo em seus braços e foi quando a enorme muralha que parecia ter sido erguida entre nós foi ultrapassada, sua bochecha estava próxima da minha boca e o coque cutucou meu nariz, meus dedos serpenteiam pela pele exposta na base de sua coluna quando o moletom desliza para frente e o sinto se arrepiar em meus dedos.

Seus braços já estão envolvendo Spencer e retiro minha mão de seu repouso para cavar em sua nuca. Alinho nossos rostos e ele não recua, o seu cheiro me deixa ensandecido e em questão de segundos a sua boca está na minha.

Eu quero que seja intenso.

Quero que seja quente.

Que registre toda a saudade, todo o amor que eu sinto por ele. Contudo esse breve selar não é capaz de dizer nada quando Harry se desvencilha com a cabeça baixa, apenas segurando nosso filho e se afastando de mim. Ele caminha até a porta, aninhando o pequeno em seu ombro, e a abre.

— Me diga que vai voltar mais tarde. — Solto atordoado por ter de vê-los partir.

— Eu volto. — É tudo que diz, saindo.

— Eu te amo. — Grito e a porta se fecha.

Quando o entardecer chega, Harry não vem com ele.

Em seu lugar surge alguém bem parecida, Gemma chega puxando o leito vazio para fazer uma super cama enquanto coloca a trilogia do Senhor dos Anéis para passar no notebook dizendo que aquilo fará com que eu me sinta bem melhor. Indo contra as normas do hospital
ela me dá chocolate e fala sobre estar de paquera com Ashton via Skype.

Na metade das Duas Torres encontro coragem para perguntar sobre Harry.

— Os meninos estão bem ruinzinhos, mas ele mandou dizer que te ama.

— Mentirosa!

Gemma revirou os olhos, se aconchegando mais em seu travesseiro.

— Você sabe que ele ama.

Não, eu não sabia.

— E me mandou te dar isso. — Ela deixa um beijinho singelo em minha bochecha voltando a prestar atenção no filme. Porém, minha cabeça está distante.

Harry não voltou a dar as caras no hospital.

Anne apareceu certa manhã com as crianças, eles não estavam mais gripados e usavam o uniforme da escolinha.

Os dois estavam falastrões e ela tirou algumas fotos, quando estavam de saída cruzaram com Hailee que também veio me visitar, ela trouxe um buquê de rosas vermelhas e seus pais estavam presentes. Eles devem ter me agradecido umas cem vezes por salvar a filha deles, ela estava quieta, amuada...Traumatizada.

Enquanto seus pais e Anne trocavam algumas palavras ela se aproximou de mim, envolvendo minha mão esquerda.

— Você me salvou.

— Nós nos salvamos. — Apertei seus dedos.

— O que acontece agora? Precisamos contar tudo? Você vai pra cadeia?

— Apenas não se preocupe.

Naquela tarde Hailee foi interrogada.

Ela me ligou para dizer que não havia dito nada. Ela contou para Mitch que se lembrava de ter sido mantida em cativeiro, da fome e do medo, o raptor era como uma imagem disforme e num belo dia ele resolveu nos abandonar.

Talvez você se pergunte o porquê de não poder dizer que eu matei um maldito serial killer canibal. A resposta era bastante simples, o que eu fiz não foi em legítima defesa, meu pai é um soldado, eu tenho treinamento militar e também sou um federal. Eu já havia conseguido render Lucian, quando o tive preso a cadeira poderia ter escapado, chamado as autoridades e agido da maneira correta, mas ao invés disso eu matei um homem desarmado e sem motivo algum eu cortei pedaço por pedaço dele e espalhei ao longo do esgoto. Pedaços tão pequenos que são impossíveis de serem encontrados a menos que você saiba exatamente onde procurar. Então, resumidamente, eu sou um assassino.

Contar o que eu fiz me coloca automaticamente na cadeia.

Em outras palavras era totalmente possível que eu e Andrômeda dividíssemos a mesma cela durante a perpétua.

E como era de se esperar eu fui o próximo.

No lugar de Rowland, o meu psicólogo e de Harry foi quem deu as caras. O doutor Prendergast estava muito bem, sentado na poltrona ao lado da minha cama, com sua pasta preta aberta sobre o colo e a caneta girando entre seus dedos.

Me lança um olhar simpático do tipo: hoje eu consigo te fazer abrir o bico.

Não mesmo! Penso comigo mesmo.

— Como se sente, detetive? — Indaga austero e profissional como sempre. Era um dos muitos motivos pelo qual eu não conseguia me abrir com ele, se excluísse o fato de que eu não era de me abrir nem com a minha mãe, toda a sua formalidade, me dava a sensação de estar diante de um padre. Eu nunca gostei de confissões, de padres e se alguma vez pisei em uma igreja não faço questão de lembrar.

— Surpreendentemente vivo seria uma boa resposta para sua pergunta, doutor.

— Sabe que não precisa me chamar de "doutor".

— Foi você quem começou com o "detetive".

Ele sorri de lábios fechados se dando conta do erro.

— Tem razão, falha minha. Me parece bastante atento, Louis.

— Ainda estou em forma, eu acho. — Brinco com meus dedos sobre o estômago me perguntando quando enfim poderei chutar a porta deste quarto e voltar ao trabalho.

— Definitivamente. Quando você estava dormindo este quarto ficou repleto de flores com desejos de melhoras, seus colegas de trabalho ficaram muito orgulhosos de você. Imagino que esteja louco para voltar ao trabalho.

Trabalho, era por onde ele ia começar, espertinho.

— Você sabe, eu gosto do que faço.

— Eu sei. — Gira a caneta, interrompe o ato para coçar a barba escura — Embora tenha se arriscado mais do que o normal desta vez. Foi realmente assustador saber que havia entrado em um esgoto atrás de um serial killer em potencial com nada além de um revólver.

— Besteira! — Suspiro entediado.

— Como assim?

— Nem um civil cometeria a loucura de se arriscar daquele jeito contando com uma única arma. Eu levo comigo no mínimo seis.

— Seis? — Sua boca se abre em um círculo perfeito — Isso é muito. Ele foi astuto em desarma-lo completamente. — Dou de ombros — O considerou alguém inteligente? Acredita que ele soubesse o que estava fazendo?

Novamente dou de ombros.

— Eu estive a maior parte do tempo desacordado. Não sei dizer se ele era isso ou aquilo.

— Mas você estava acordado quando... — Adam usou a caneta para indicar minha mão enfaixada.

— Não, não. Ele fez quando eu estava dopado.

Adam franze as sobrancelhas, rascunhando algo em suas folhas.

— Foi misericordioso da parte dele, visto que a tortura teria sido insuportável caso o tivesse obrigado a presenciar a decepação de um membro seu.

Engulo em seco enquanto assinto.

Misericordioso, urgh, me sinto enjoado.

— Você viu o que ele fez com a garota, a Jéssica?

Apenas de ouvir seu nome eu tremo em remorso e agonia.

— N-Não. — Minha voz sai vacilante.

— Quer dizer que a interação entre vocês foi mínima? E os únicos ataques que ele lhe desferiu foram físicos quando você se encontrava inconsciente?

— Exatamente.

Adam desvia o olhar de suas anotações para me encarar diretamente, em seus olhos não há julgamento, mas a descrença em tudo o que eu venho dizendo é gritante.

— Sabe que não tem nada de errado em ser vulnerável. Admitir que alguém te machucou e assustou não o torna fraco. Onde quer que esse criminoso esteja ele não pode mais te ferir.

Meu humor esfria.

— Ninguém me feriu. — Meu tom amargo atinge Adam em cheio que fecha sua pasta e corre os dedos pelos cabelos.

Ele sabe que não vai conseguir nada.

Observo em silêncio ele recolhendo suas coisas. Se aprontando para partir.

— Você pretende conversar com o seu marido sobre o que aconteceu?

Me remexo desconfortável. Eu só quero que isso acabe! Vá embora, me deixe em paz.

— Poderia enfiar uma faca no peito dele. — Alguém diz.

Procuro com os olhos, mas não encontro ninguém além de nós dois.

Adam Prendergast continua a espera de uma resposta e eu simplesmente digo:

— Eu posso lidar com isso sozinho.

Não era o que ele queria ouvir.

Muito menos o que eu deveria dizer.

— Você alguma vez já parou para pensar que talvez o Harry também esteja passando por uma fase difícil, que ele tenha algum problema realmente sério que ele não pode lidar sozinho, mas se vê obrigado a fazê-lo porque é assim que você faz?

Touché.

Ele se prepara para sair, parando à porta.

— Não é verdade, o Harry está bem. — Digo mais pra mim mesmo do que pra ele.

— Claro, assim como você está bem. Estão todos bem. — Ele responde em ironia — Até mais ver, detetive.

Quando a porta bate eu me vejo no escuro, mesmo que ainda seja dia lá fora. Fecho os olhos, recostando a cabeça no travesseiro dizendo baixinho:

— Nós estamos bem.

E pode ser impressão, mas não é apenas a minha voz que ouço.

Xx

Semanas mais tarde eu recebo a notícia que mais queria ouvir.

Estou de alta!

Os dias aqui pareceram uma eternidade, ao menos não fui totalmente renegado pelo meu marido que passou a dormir e amanhecer no hospital comigo, embora tomássemos o café da manhã em silêncio e ele partisse com um "tchau" e um selinho rápido, por hora estava ótimo pra mim.

Naquela manhã de quinta feira eu praticamente saltei da cama e por isso quase precisei ser internado novamente. A ferida em minha perna estava cicatrizada e os pontos haviam sido retirados há mais de uma semana e meia, contudo precisaria de mais algumas semanas de fisioterapia e um novo adereço ao meu estilo.

— Fica bem em você, quer dizer te deixa parecido com um homem da máfia, mas caiu como uma luva. — Liam apoiou o quadril contra minha cama, os braços cruzados e um sorriso maroto no rosto.

— Eu me sinto ridículo. — Bati a bengala no chão dando mais uma volta pelo quarto.

— Claro que não, o Harry vai adorar.

— O Harry me odeia.

Ele discorda.

— Ele só está te dando um gelo, bem merecido, aliás. Se fosse comigo a Cheryl teria arrancado minhas bolas. Você só não está ganhando beijinho de boa noite, daqui a pouco ele perdoa.

Dou mais uma volta até apoiar o peso de um lado do corpo na bengala de madeira escurecida.

— Como estão as coisas no escritório?

— Tá tudo ótimo. Não é hora de pensar no trabalho, você foi incrível e merece um bom descanso antes de voltar a ser o herói.

— E Andrômeda tem descansado muito? — Arrisco tirar alguma informação sobre o caso o qual não tenho acesso há não sei quanto tempo. Payne abre a boca, mas no lugar de sua voz surge a do doutor Bassett:

— É bom que não deixe de usá-la. — Ele orienta adentrando meu quarto com o prontuário em mãos, indicando a bengala.

— Não vou. Então, estou liberado?

Liam se adianta colocando minha mala sobre o ombro e ficando ao meu lado.

— Sim, sim, claro. — Responde folheando as páginas com um olhar esquisito — Mas o quê...? Desculpe, mas o senhor é casado com um outro rapaz, certo? — Concordo — Devem ter feito alguma bagunça na hora de coletar a assinatura de um responsável, ao invés do seu esposo foi uma tal de Allicent Rose quem assinou. O nome lhe é familiar?

— Allicent Rose? — Penso por um momento — Não, definitivamente não me diz nada. Isso não vai me reter aqui, né?

— Não, tudo bem. Está livre agora, detetive.

Se eu não estivesse manco daria pulos de alegria e quem sabe um ou dois mortais, no lugar disso comemoro dando um high five com Liam. Assim que chegamos na entrada do hospital ele mal tem tempo para avistar o seu carro antes que o meu próprio carro surja com o motor rugindo diante de nós. O bairro nobre e pacífico se agita com Pour Some Sugar On
Me berrando nos alto falantes do carro, eu imagino que algum rockstar sairá de lá e meu palpite não fica muito longe quando Harry abre a porta saindo com sua jaqueta de couro cheia de fivelas, botas douradas, os cabelos molhados e jogados para trás e óculos escuros. Ele parece a porra de um rockstar.

— Obrigada, Lee. Eu cuido dele agora, querido. — Diz com sua voz macia estendendo a mão para receber minha mala.

— Okay, então, eu vou indo. Depois eu dou uma passada por lá. — Liam está tão embasbacado quanto eu.

Meio incerto eu caminho em passos lentos até a outra porta. Harry se apressa em abri-la pra mim, não sem antes me pressionar contra a lataria com seu corpo praticamente se esfregando no meu, diferente do outro dia em que foi me visitar ele não está todo coberto, na verdade a camisa tem apenas os dois últimos botões fechados e a frieza deu lugar a um fogo intenso que irradia no instante em que me toca.

Eu mal sei como reagir.

— Pensei que não quisesse dar showzinhos no meio da rua.

O canto direito de sua boca se arqueia em um sorrisinho malicioso.

— Digamos que eu mudo de ideia com muita facilidade.

Eu e o projeto de rockstar seguimos viagem. Harry pelo jeito havia reavido seu gosto pela direção embora não fosse nem de longe um bom motorista, ele corria demais, era temperamental no volante e se preocupava mais em ter uma boa música e checar seu reflexo a cada cinco minutos do que prestar atenção na estrada. Devo ter perdido a conta de quantas vezes me ofereci pra dirigir.

Em todas as respostas foram negativas.

Então não era surpresa que quando chegamos sãos e salvos em casa eu só queria colocar os joelhos no chão e agradecer pelo milagre. Mas invés disso me atentei mais ao fato de que meu marido não estava mais tão "atencioso", quando paramos em frente a nossa casa, ele desligou o carro e simplesmente saiu, caminhando como uma top model e balançando os quadris num rebolado que não era nada costumeiro ao Harry que eu conheci. Eu tive que me virar para conseguir carregar minha mala e mancar com a bengala.

Assim que pisei os pés em nosso lar não se parecia em nada com a minha casa.

Ao começar pelo jardim onde a casinha de cachorro que nunca havia sido usada agora abrigava um Sonny tristonho e encoleirado usando uma focinheira. Quem ousou por uma maldita focinheira no meu garoto? Do lado de dentro as coisas estavam ainda piores. Shae e Mona rolavam no chão em tempo de se matar, tudo estava fora do lugar, livros e papéis sobre a mesa, o sofá estava empurrado para o meio da sala onde um cercadinho havia sido colocado para também aprisionar um outro membro da família que gritava feito um condenado: Spencer. Harry o olhou como se estivesse prestes a lhe dar uma focinheira também.

A jovem Cams despontou da cozinha descabelada e transtornada, trazendo Blake em seus braços enrolado numa toalha e ensopado, pela cara dos dois era difícil saber se ele havia recebido um banho ou sido derrubado na privada. A opção um pelo amor de Deus.

— Vocês chegaram, que bom! — A menina suspira aliviada, quando Harry se aproxima Blake estende os bracinhos querendo seu colo, mas ele passa reto parando diante do espelho do corredor sem prestar atenção em nada além dele mesmo.

— Cams! — Grita estridente, afastando a jaqueta enquanto analisa o estômago — Você acha que já dá pra notar o pequeno allien aqui dentro?

— Hum, não, não, senhor. — Diz apressada quando Blake se irrita e começa a puxar seus cabelos cor de rosa.

Seu tom não é do agrado do cacheado que além de fechar a cara grita novamente para a menina, bem mais agressivo.

— Essa camisa não está boa. Pegue a minha de leopardo.

— Acho que está na lavanderia.

— Então vá até lá.

— Mas tinha me mandado arrumar seu closet.

— Sim, você pode continuar fazendo isso depois de buscar minha camisa. Anda, garota, eu não tenho todo o tempo do mundo.

Suspira derrotada, ela nada mais é do que um retrato distorcido e exausto da menina que eu sempre vira pedalando pela vizinhança com seus grandes fones de ouvido e offline para o mundo real.

— Tudo bem. Eu vou lá. — Cams conclui parando ao lado de Harry com Blake completamente enfurecido. Ele olha para ambos como se não entendesse o que ela queria ali — C-como eu vou na lavanderia...

— Ah, você quer empurrar ele pra mim, deus, Camila, onde está o seu profissionalismo? Você é babá deles. Eu tenho dez mil coisas pra fazer e não posso parar a minha vida só porque você não é capaz de andar alguns quarteirões com um bebê no colo. Seus pais devem se envergonhar da jovem preguiçosa que você está se tornando.

Harry disse aquilo sem um pingo de hesitação, remorso ou seja lá o que as pessoas normais demonstram quando estão sendo cruéis gratuitamente com outras. Vi quando os olhos dela se encheram de água. Eu estava ali há menos de dez minutos e depois de tudo a minha mente não estava funcionando tão bem quanto normalmente, mas aquilo foi o suficiente pra mim.

— Cams. — A chamei com um manejo de cabeça e ela veio pra mim.

Entreguei pra ela tudo o que encontrei no meu bolso que era quatro vezes mais do que tínhamos combinado de pagar. Aproveitei para pegar Blake que automaticamente se acalmara no meu colo, eu não podia verbalizar a minha felicidade em vê-lo de novo.

— Vai pra casa agora, querida. E desculpe pela grosseria do meu marido, eu juro que isso nunca mais vai se repetir.

A garota assentiu e se despediu com um aceno rápido para os meninos, escutei a porta bater as minhas costas e caminhei até o cercadinho onde Spencer gritava. Precisei sentar no sofá para equilibrar os dois no colo que pouco a pouco foram se acalmando completamente.

Spencer chegava estar ofegante.

— Por que você deixou ele chorando desse jeito?

— Porque ele é mimado e precisa deixar de ser. — Diz enfezado se afastando do espelho.

— Tudo parece tão... — Olho por toda a parte, parando nele — diferente.

Ele dá de ombros.

— Você ficou um bom tempo fora. As coisas mudam.

— Sabe que não foi culpa minha.

Harry solta um riso irônico.

— Não, a culpa foi minha. Não é absurdo como você sempre é vítima do acaso, amor?

Os gêmeos pararam de chorar e agora nos encaram com olhos arregalados.

— Podemos continuar isso em outra hora?

— Isso vai depender da hora que eu chegar.

— Você vai sair? — Pergunto confuso, o vendo atravessar o corredor. Spencer choraminga só de olhar pra ele.

— Eu disse que tinha dez mil coisas pra fazer e agora que você resolveu dispensar a babá adivinhe quem vai dar um jeito em tudo. Tchauzinho, meu bem. — Harry manda um beijo da porta e sai sem mais.

Que porra foi essa?

— O papai anda estranho assim mesmo? — Pergunto para os meninos.

Blake faz bico, mas Spencer agarra minha camisa.

— Estranho sim.

— Obrigada, Spen. Eu vou dar um jeito nisso.

Harry só retorna tarde da noite, com o celular enganchado entre o ombro e a bochecha carregando meia dúzia de sacolas e falando alto. Eu e nossos filhos o assistimos do sofá onde nos distraímos com suas pecinhas de lego. Numa tentativa de amenizar o clima tenso entre nós eu deixei a casa em ordem, dentro das possibilidades para alguém mancando e com uma mão relativamente imóvel, mas o resultado foi muito bom. Também fiz o jantar que não era dos melhores, mas haviam velas e vinho sem álcool, Spencer e Blake dormiram mais cedo depois que eu os cansei com tantas brincadeiras e então era só nós dois.

Esperei pacientemente até que meu marido resolvesse descer e quando meia hora se passou e ele não o fez achei melhor ir atrás dele. Encontro Harry na nossa cama, deitado de cabeça pra baixo, os cabelos cascateiam em direção ao chão e ele tem uma mão dentro do decote da camisa.

— Sabe que não é assim que funciona. As coisas são do jeito que eu quero. Oh, vamos, não banque o teimoso, nós sabemos que tudo o que você quer é me agradar. — Ronrona para o telefone, alheio a minha presença tímida na porta — Uma nova exposição seria ótima. Não, claro que não, bem, talvez se você for um bom menino eu posso pensar no seu caso...

Surjo em seu campo de visão antes que ele continue. Sua expressão se azeda.

— Eu preciso desligar. — Encerra a ligação, sentando-se na cama.

— O que foi isso?

— Nada. — Responde inflexível.

— Tem certeza? — Incito apertando minha bengala entre os dedos — Eu tinha quase certeza de que havia alguém do outro lado da linha, alguém que quer te agradar.

Harry apenas me encara, quase raivoso.

— Você falou sobre outra exposição, era o Aaron?

Um cacho desliza por seu ombro, mas ele não tem nada de adorável com suas sobrancelhas franzidas.

— Talvez.

Arqueio uma sobrancelha em direção a ele, e sinto meu semblante endurecer.

— E por que ele deveria te agradar? — Caminho vagarosamente para dentro, a bengala soa ameaçadora a cada passo que eu dou, e Harry parece muito autoconsciente dela, uma vez que engole em seco e arregala levemente os olhos.

Uma expressão presunçosa surge em seu rosto tão rápido que nem parecia uma criatura intimidada, ele arqueia a sobrancelha de volta, e empina o queixo, a mandíbula marcada quando seus olhos ferinos fazem contato com os meus.

— Porque... — Ele crispa os lábios, apoiando o peso em suas palmas e inclinando-se para trás, a camisa expondo seu torso tatuado, o tecido caro deslizando sobre um de seus mamilos rubros, delicada como o toque de um amante, deixando em evidência o quão sensível ele é, lambo os lábios em reflexo, e Harry percebe. — Eu sou inalcançável

Harry levanta, com a camisa pendendo em um de seus ombros, ainda fitando-me com aquele olhar que só ele tem, esfomeado, e caminha até mim, repousando uma de suas mãos sobre a minha, segurando o cabo da bengala. Permaneço rígido, deixando que ele faça seu teatrinho, achando que está me vencendo, ou melhor, me humilhando.

— Para alguns imbecis... — Ele continua, lento, com ar quente escapando entre as almofadas de seus lábios direto para as minhas narinas, cheira a menta e eu sei que ele não bebeu. Não hesito em nosso contato visual, continuo encrando-o — Me ter soa como um prêmio, porque eu sou bonita demais para qualquer um deles, eu sou o que eles vêem quando fecham os olhos e fodem as bucetas largas das esposas deles — Harry sorri com escárnio, os lábios cruéis curvando-se — É a minha voz que eles querem escutar, é a minha pele que eles querem marcar quando fodem.

Não seguro uma risadinha desdenhosa.

Ele aperta a mão mais forte sobre a minha, os metais de seus anéis queimam minha pele, meu sorriso morre, mas continuo rindo dele com os olhos, sei que isso o irrita.

— Então, Louis, o Aaron me agrada porque sabe que eu sou demais para ele, que sussurros e olhares é o máximo que ele vai conseguir de mim, e mesmo essa migalha de atenção que eu dou, é mais do que ele poderia receber de qualquer mulher, porque eu estou acima de todas elas. — Seus olhos me medem de baixo para cima, e os cílios cheios movimentam-se sutilmente.

Harry arregala os olhos quando movimento o braço que segura a bengala, e com agilidade giro seu corpo de forma que ele fique de costas para mim, meu antebraço cruza seu abdome, e adentra o tecido de sua camisa, então prendo sua cintura com a mão boa, esquentando a carne com um aperto dolorido. Meu nariz roça seus cachos, e sinto sua respiração presa a julgar pelas costelas tensas em meus dígitos.

Jogo aquela bengala fodida sobre a cama, e uso a mão livre para afastar o cabelo da região que pretendo tocar – sua respiração permanece dificultosa e irregular, e ele engasga quando a fecho em sua nuca, prendendo seu cabelo em um rabo desajeitado e puxando sem delicadeza para fazê-lo inclinar para trás, deitando a cabeça em meu ombro, de forma que meu nariz toca sua mandíbula, bem perto da pequena orelha.

— Você já parou para pensar por que esses imbecis não são capazes de te ter, doce? — Sussurro contra o lóbulo de sua orelha, capturando-o entre os dentes, e Harry rosna pela posição em que se encontra, com o cenho franzido e os lábios crispados, como se as pernas não estivessem gelatinosas e nem sua nuca arrepiada. Ele joga como uma vadia.

— Porque eu sou muito — Respondeu, olhando-me pelo canto dos olhos, uma vez que eu tinha sua cabeça imobilizada.

— Resposta errada — Aperto sua cintura, prendendo seu corpo contra o meu com mais firmeza, beijando a curva de sua mandíbula e puxando um pouco de pele com os dentes. Ele grunhe, e suas pernas desequilibram por um momento, sua testa, no entanto, parece franzir mais.

— E qual seria a resposta, seu merdinha? — É o que sua boca ácida responde, ansioso por me tirar o controle. Dessa vez eu não sou um cara cheio de hormônios querendo meter meu pau em sua entrada apertada, é como se fosse outra versão de mim, aquela que quer provar que tem o mundo na mão direita e um cigarro na esquerda, aquela que não é assombrada pelo sussurro de suas monstruosidades.

Puxo seu cabelo com mais força, de modo que seus olhos encontrem os meus, Harry está esfomeado, e um de seus ofegos necessitados escapa por entre os lábios macios. Eu aproximo meu rosto, mordendo seu lábio inferior com força, e puxando-o entre os dentes para dentro de minha boca, onde sou capaz de tortura-lo com a mordida dolorosa ao mesmo tempo em que estimulo a região com a língua. Harry rosna, tentando se mover no meu aperto, ao mesmo tempo em que empurra a cintura contra minha palma, porque gosta da dor, mesmo que mínima.

Caminho com ele até a beira da cama, Harry dá passos desengonçados tentando me acompanhar, e consegue, de alguma forma, virar e juntar nossos peitorais – faz isso porque sua camisa está aberta, e assim ele consegue roçar os mamilos contra mim para obter prazer. Recuo meu corpo, e Harry me fita com os olhos enevoados, a mesma sobrancelha franzida e postura irreverente, o tronco inteiro exposto, e eu seria capaz de dedilhar o local correto de cada uma de suas tatuagens mesmo que fosse cego, conheço todos os traços de sua pele.

— E qual é a resposta certa, Louis? — Ele me pressiona a responder. Vejo seu peito subir e descer em colapso, e uma gotícula de suor descendo de sua nuca em direção a gola da camisa.

Quero dizê-lo que as pessoas o cobiçam por mais do que a beleza divina que ele ostenta, esses caras cobiçam o jogo dele, as coisas sutis que ele faz – como quando deita a cabeça na minha palma para receber carinho, e murmura manhoso com os beijinhos que eu deixo em seus lábios, ou como ele empina o queixo e cerra os olhos para avaliar se as coisas o agradam ou não, franzindo as sobrancelhas porque é meticuloso demais. Harry é um conjunto de um milhão de coisas excêntricas e o dobro disso de particularidades em relação ao sexo e ao sensual, ele realmente é demais para qualquer um, até eu.

É quando meus olhos vagam pelo cômodo e encontram um espelho, nele eu posso contemplar nossos corpos, e a imagem libidinosa de Harry quase curvado, quase cedendo ao poder que imponho, a pele leitosa iluminada pela luz amarelada pendurada no teto, a camisa à um fio de deslizar pelos seus braços em direção ao chão. Beijo seu ombro exposto, arranhando a pele com os dentes, e deixo que a resposta morra, desconectando nossos corpos. Harry me olha indignado, pronto para me puxar pelo ombro, seja para gritar de novo ou para despejar as ofensas que ele guarda sobre mim, mas algo na forma como eu o encaro deixa claro que o momento não é favorável.

Meus olhos passam através dele, para uma imagem no canto do quarto: Lucian, com seus olhos endiabrados, com seus dentes alinhados em um sorriso que me faz arrepiar da cabeça aos pés, tenho certeza de que estou pálido, vejo ele levantar uma mão, tocar o próprio abdômen, e depois fingir ninar uma criança em seus braços envelopados de látex preto. Viro para Harry, que se encontra abotoando a camisa, me ignorando deliberadamente, como se eu não estivesse ali, ele resmunga baixinho e com um sotaque esquisito, cantarolando irritado.

Lucian me encara, sem sinal de sorriso, e eu chacoalho minha cabeça, sei que ele está morto, eu mesmo fiz questão de garantir isso, sei que é apenas um delírio, não tem como ser outra coisa. De repente, a imagem limpa que a figura de Lucian ostenta começa a mudar, seus olhos ficam vermelhos, e as mãos enluvadas parecem criar garras, encontro-me preso ao chão enquanto observo a metamorfose. Então ele some, e por instinto volto meu olhar para Harry, que permanece na mesma.

— Toque meu pescoço, que eu tocarei o seu.

Ouço aquela mesma voz que me perseguiu no bueiro, que decepou meu dedo, que matou e comeu uma pessoa em minha frente, eu sei que posso estar enlouquecendo, mas seguro o braço de Harry e o coloco atrás de mim. Ele não entende nada, e belisca minha costela, sobre um hematoma, com tanta força que quase penso que ele está deliciado em me proporcionar dor, seus olhos são sombrios me encarando, e um sentimento de ódio parece emanar dele em ondas.

— Tomlinson, sai da minha frente.

Não lhe dou ouvidos, na verdade mando que cale a boca, aquele verme está me perseguindo. Meu marido crispa os lábios, e torce mais os dedos em meu hematoma, mas não consigo concentrar-me na dor, apenas nos sussurros de Lucian, que se distanciam para a parede do quarto. Estranho que Lucian não venha em direção a mim, me atormentar como eu tive certeza de que ele faria assim que tivesse a oportunidade.

Olho em direção ao corredor, com a visão meio turva, e o encontro parado lá, com chifres em sua testa, grandes e curvados, não como os do alce, um pouco mais assustadores. Evangeline está ao seu lado, e meu coração aperta, porque ele segura o pescoço dela por trás de seus cabelos, as unhas podres parecem à um fio de rasgar a carne. Ele sorri novamente, e presas brancas e afiadas tomam o lugar de seus caninos. Dou um passo em sua direção, mas ele acena negativamente com a cabeça, maneando para o pescoço de Eve.

— Já conheceu seus irmãos, querida? — Ele indaga, atraindo sua atenção

— O papai Lou nunca me deixou vê-los. — Ela responde, e eu sinto o tom de acusação queimando o inferno em minhas veias.

Eles viram as costas para mim, e escuto o atrito dos sapatos contra a madeira do piso. A presença de Harry é um vácuo atrás de mim, mas não consigo me concentrar em buscá-lo agora. Querem levar meus filhos embora, matar meus filhos.

— Eles podem morar conosco, Eve.

— Podem?

— Como você quiser, criança. Basta tocá-los no pescoço.

Disparo em direção ao quarto dos gêmeos, seguindo os sussurros, mas não encontro nada lá, apenas as crianças dormindo tranquilamente.

Sento em frente ao berço de Spencer, e faço carinho na mão consideravelmente menor que a minha. Um vento gélido invade o cômodo, perturbando minha sanidade junto com os sussurros que ecoam nas paredes, junto com a silhueta de Lucian e Evangeline parados à porta. Olho para meu filho, e espero que a serenidade de seu sono imaculado seja capaz de matar meus demônios.

— Então agora você corre de mim? — Torço o pescoço em direção a porta e agora é Harry quem ocupa o lugar dos fantasmas.

Com o coração ainda disparado desvio o olhar.

— É melhor ir pra cama.

— Okay. — Diz sem fazer questão da minha presença.

Em minha primeira noite de volta pra casa eu passo no quarto dos gêmeos, zelando por seu sono.

Nada vem atrás deles.

Mas em compensação passo a ser constantemente perseguido por meu marido. Infelizmente algumas míseras semelhanças físicas me levam a associa-lo com Lucian, toda vez que eu o toco mais intimamente me vem a sensação de suas mãos frias e ensanguentadas me tocando, em outras surge a relembrança daquele beijo maldito com gosto de morte.

Harry não tem nada a ver com aquele monstro, ele é puro e inocente e me procura porque me deseja, porque precisa de mim e eu o quero ardentemente. Só que fica difícil de acreditar nisso quando, em uma de suas investidas em cedo, tudo começa no quarto dos meninos durante uma simples arrumação em suas prateleiras de pelúcia quando de repente estou sendo prensado contra a mesma, vamos caminhando as cegas, matando a saudade do corpo um do outro, nos beijando e esfregando como se estivéssemos de volta a puberdade. Harry cai na cama e eu fico por cima, infiltrando minha mão pela barra de seu shorts para agarrar sua bunda enquanto mordo seu pescoço.

Até aí tudo seguia gostoso e natural, e como sendo algo natural não deveria haver problema algum nele tirando a camisa, mas é neste exato momento quando meus olhos queimam em desejo por cada pedacinho dele ao que contemplo a borboleta em seu estômago que ele surge. O mesmo rasgo produzido pelas minhas mãos no estômago de Lucian se projeta em Harry, eu vejo de perto suas costelas, seus órgãos e sangue, ah, um maldito rio de sangue vermelho transbordando pela cama e eu não consigo falar, só a bile sobe pela minha garganta e eu corro aos tropeços para o banheiro, despejando todo o meu nojo com a lembrança daquilo que eu causei. Com Lucian foi uma coisa, mas com Harry era outra totalmente diferente.

Estou dando descarga naquilo quando Harry para ao lado da pia, vestido novamente e sua expressão entrega: fodeu tudo!

— Espero que goste do sofá.

Sou banido para o sofá, apesar de ser divertido ver tevê o quanto eu quiser, sinto sua falta. Ele é meu ursinho gigante e longe dele passo noites mal dormidas pensando demais e vendo mais ainda. Durante o dia o nosso contato é limitado, a nossa conversa de dias atrás não me revelou o que Aaron e Harry estavam tramando, mas era óbvio que eles estavam passando bastante tempo juntos e com ele me ignorando era difícil dar qualquer tipo de opinião sobre o assunto. Ele jamais me trairia, porém seu distanciamento me feria da mesma forma.

Cams era o nosso pombo correio – ela continuava vindo porque tinha resolvido ir no Coachella no próximo ano – passando recados rápidos. Na maioria das vezes ela era usada para lhe dizer que eu queria que jantássemos juntos. Aliás, foi em um desses jantares silenciosos que eu notei algo.

— O Ray está na sua mãe? — Perguntei dando falta do cágado.

Harry enrolava lentamente seu espaguete.

— Ele ficou doente e morreu.

Engasguei.

— Morreu? Como? Por que não me disse?

— Porque eu sou o único que devo satisfações aqui? — Devolveu me alfinetando bem naquilo que Adam ressaltou, a minha falta diálogo para com ele. Eu apenas me calei.

Na tarde seguinte me encontrava inquieto pela casa. Os meninos estavam na creche, não tinha nada de interessante na televisão e eu queria estar investigando algo e não abrindo e fechando a geladeira só pra checar se a lâmpada continuaria acessa. Eu detestava minhas férias forçadas e detestava não conseguir tocar em Harry.

Foi sentado no sofá lançando uma bolinha no ar que decidi fazer uma proposta irrecusável: ir ao shopping fazer compras!

Corri na hora pro segundo andar adentrando nosso quarto com cuidado, mas diferente do que eu esperava ele não estava na cama, ouvi um som vindo do banheiro e me aproximei da porta. Aquilo parecia uma conversa, entretanto só havia a voz dele.

— Nós tínhamos um acordo, você não pode simplesmente jogar isso pra cima de mim e esperar que eu aceite numa boa. — Ele disse alto e raivoso, um tom californiano pigmentando sua fala.

Ao que ele mesmo respondeu.

— Eu não espero que você aceite nada. As coisas são assim. Eu estou no controle agora. — É a mesma voz, claro, mas bem mais baixa e impassível, como a de um pai que repreende o filho.

Controle de que?

Há uma barulheira, coisas caindo e então um rosnado:

— Pode fazer o que quiser, mas eu não sou como eles. Não vou comer na sua mão, vadia! Entre no meu caminho de novo e dê adeus ao seu bebezinho.

Adeus ao bebezinho?

Estou meio atônito quando a porta se abre com tudo. Harry tem os cabelos armados e um olhar distante, a mão apertando a maçaneta ao se dirigir a mim.

— O que faz aí? Me espionando, por acaso?

— Que merda foi essa? Você estava falando com quem? — Tento olhar para o banheiro através de seu corpo que esconde boa parte. O telefone está sobre a pia, indicando uma ligação encerrada. Mas...

— Nada, Louis, não foi nada.

Encaro seus olhos frios.

— Você quer fazer um aborto?

Harry não se choca ou nega de imediato como eu pensei que faria.

— Talvez eu queira e faça. — Responde com tranquilidade passando por mim, agarro seu pulso o puxando de volta — Ei, não me toque.

— Porra, não! Você não vai fazer aborto nenhum, esse é o nosso bebê, nos planejamos para isso, nós queremos esse filho.

— Nós? Tem certeza que você quer ter um filho? De verdade?

— É claro. — Digo o óbvio.

— Se você quer tanto um bebê por que pulou num maldito bueiro ao invés de vir pra casa? Por que se arriscou tanto, sabendo que podia morrer se você se importa com ele?

— É o meu trabalho! — Exclamo e ele cansa de ficar cativo e me empurra com o ombro me obrigando a solta-lo para não perder o equilíbrio.

Meu marido gargalha alto me dando as costas e saindo do quarto, persigo sua trilha.

— Engraçado que o Liam, o Mitch, Luke, todos eles têm o mesmo trabalho que você, mas você é o único que fica bancando o Batman por aí. Não tinha porque você se meter numa merda dessa, chamasse por reforços, fizesse o que for, mas não entrasse naquela porra! — De súbito ele se vira no meio da escada apontando o dedo pra mim — Mas você não consegue ficar sem salvar o dia, não é mesmo? O seu ego é maior do que qualquer amor que você diz ter pela nossa família...

Merda, eu não quero discutir sobre isso. Não quero discutir sobre nada, podemos voltar para a parte em que não nos falávamos?

— É melhor você ir descansar. — Contorno seu corpo para descer o restante dos degraus. Shae passa por mim indo se enroscar nas pernas de Harry que começa a espirrar as minhas costas.

Fecho os olhos por um momento e de repente um miado choroso soa alto. Shae está no fim das escadas com as patinhas no ar.

— Meu deus, o que você fez? Harry, você chutou ela?

Harry coloca a mão na cabeça, olhando tudo um pouco confuso.

— Não, eu não fiz nada, me deixa em paz! — Grita indo em direção a porta. Shae parece bem, ronronando depois que a coloquei no colo e acariciei seus pelos macios. A deixo voltar a caminhar e vou até ele que por algum motivo parou diante da porta aberta.

— O que há de errado?

— Tudo. Tudo está errado. — Seus ombros tremem.

— Fale comigo, me deixe ajudar. — Peço com a voz macia.

— Falar? Esse casamento não é constituído a base de diálogo. Nós não falamos. Ignoramos o problema até esquecer dele.

— Isso não é verdade.

Ele se vira, colando as costas na soleira da porta. Os olhos vermelhos por lágrimas contidas.

— Então por que não falamos sobre o que aconteceu naquele dia do atentado? Por que não falamos do que te fez acabar tendo um caso com meu melhor amigo? Por que não falamos sobre a sua mãe me odiar? E principalmente, por que não falamos sobre o que aconteceu naquele cativeiro. Por que eu não tenho o direito de saber o que houve nestes seis dias em que eu estive aqui rezando pelo milagre de que você voltasse vivo?

Minha boca está seca e a perna mais trêmula que o normal, preciso firmar o aperto na bengala para me sentir estável.

— Bem, eu voltei vivo.

— Não. — A aspereza em sua voz me irrita — Não completamente, tem algo morto em você.

— Ah, se ele soubesse. — Alguém sussurra em meu ouvido, e não contente desliza as garras duras sobre meu peito.

— Vai embora. — Ordeno ao oculto, mas é Harry quem responde.

— Eu acho que você deveria ir.

Me concentro nele.

— Não, eu amo você, não vou te deixar.

— Não tenha certeza se você sabe o que é amor.

— Mostre um pouco do nosso amor pra ele, filho de Afrodite. — Então as garras então rompendo minha pele, rasgando até se infiltrar dentro do meu peito e puxando meu coração. Alucinação ou não, dói como o inferno, tento afastar seja lá o que for aquilo com a bengala, mas ela acaba por atingir algo mais concreto.

Eu vejo Harry caído na frente da nossa porta, apoiado nos antebraços com a mão no peito, resfolegando. Foi ele quem eu acertei. Porra.

— Meu amor, eu sinto muito. — Faço menção de abaixar para ajudá-lo a levantar.

Ele ignora minha mão, mantendo toda a sua atenção no meu rosto.

— Você tem que ir embora agora.

— Não seja idiota, eu não vou a lugar algum.

— Se não for você vai morrer.

— Harry...

— Se você não for agora eu vou começar a gritar e atrair a atenção dos vizinhos. A polícia vai vir e eu direi a eles que você é violento e uma ameaça não só pra mim, mas para as crianças também e eu não vou parar até conseguir uma medida restritiva ou você pode sumir da minha frente agora.

Eu não sei o que é isso, nem de onde veio.

Ele tem direito de estar com raiva, mas isso é ridículo. Bebe está estacionando do outro lado quando olha em direção a nossa casa e se assusta com o que vê. É claro. Para incrementar o seu papel de vítima ele coloca a mão na barriga.

— Então, o que vai ser?

Meu sangue ferve com seu tom cínico. Se eu fosse dar ouvidos aos meus desejos o arrastaria para dentro e ele aprenderia uma lição, mas não. Essa é uma luta perdida, ao menos por hoje.

Ele tem um sorrisinho malicioso que vacila quando empunho minha bengala contra seu peito.

— Você não vai querer comprar uma briga comigo.

— Eu não tenho medo de você.

— Mas devia. — É tudo o que digo, passando por ele com minha bengala martelando no caminho de pedra até a Rand Rover do FBI. Viro a chave e saio em disparada, captando de relance a pobre "vítima" sendo socorrida por Bleta.

Eu estou com ódio.

Muito ódio.

Não sei da onde isso vem, mas é intenso.

Dirijo por horas a fio sem um destino certo até parar em um bar qualquer quando o céu noturno está sendo poluído por nuvens densas e escuras denunciando a tempestade que está a caminho. O pub é escuro, cheio de gente mal encarada e há uma banda cover de Greta Van Fleet.

Black Smoke Rising é uma boa música de fundo para os treze shots que eu viro sem remorso.

O barman está meio receoso de me dar a garrafa de uísque que eu pedi há mais de quinze minutos.

— Vamos, Bill.

— Eu não sei, você não parece muito bem.

— Eu estou... — Quase caio do banco — Ótimo.

— Dá pra ver. — Uma voz familiar zomba ao meu lado.

Bato palmas quando vejo Michael Clifford.

— Mikeyyy! Que saudades de você! Eu já disse que te amo?

O loiro ri se acomodando no banco à minha direita.

— Já sim, mas isso tem tempo.

— Ah, que saudade daquela época. — Suspiro coçando a nuca — Foi o melhor sexo de toda a minha vida.

— O quanto ele já bebeu? — Michael me ignora para perguntar.

— Muito.

— Certo, o que aconteceu entre você e o Harry?

— Harry pra cá, Harry pra lá, por que todo mundo só fala desse chato? — Reclamo completamente embriagado.

— Vocês brigaram?

— É, tipo isso. — Fungo, começando a chorar de repente. Enterro as mãos nos cabelos — Eu amo ele, amo de verdade, mas eu não consigo...

— Não consegue o que?

— Confiar. — Digo num sussurro — Tem algo nele que me deixa sempre receoso, ele é imprevisível. Eu não sei lidar com ele, ao mesmo tempo que o quero comigo, eu também quero fugir pra bem longe e esquecer que ele existe. Eu não faço a menor ideia do que fazer.

Mike empurra um copo de soda para mim.

— Um brinde a quem não sabe o que fazer! — E brindamos a isso.

— O que está fazendo aqui?

— Você sabe, eu reli todos os livros das Crônicas de gelo e fogo e fiquei deprimido por não ter mais. — Diz cabisbaixo como se fosse algo terrível.

Gargalho alto.

— Você continua o mesmo nerd de sempre.

— E você continua com as suas crises matrimoniais.

Assinto bebendo um pouco mais.

— Algumas coisas nunca mudam. — Mike murmura.

— Era essa a música que estava tocando quando nos beijamos pela primeira vez. — Indico a banda que está cantando o refrão de You're The One.

Olhamos a banda, em silêncio, apenas ouvindo a música e sendo arrebatados pelas lembranças que vinham com ela.

— É, era essa. — Concorda sem se aprofundar.

Depois de mais um tempo o olhando calado tento me levantar, falhando miseravelmente.

— Harry vai te matar quando chegar assim.

— Não, ele me expulsou de casa. Preciso achar um hotel.

Ele termina sua bebida também se levantando. Passa meu braço por seus ombros, após pagar a conta, ele diz:

— Se você vomitar no meu carpete eu te jogo na sarjeta.

Eu me lembro de rir na hora, mas foi questão de minutos até que eu caísse apagado em seus braços.

Talvez o veredito tenha sido o purgatório, que não era nada mau.

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