Filme: O Preço do Amanhã
Palimpsesto cinematográfico.
O filme O Preço do Amanhã — lançado em 2011, EUA, dirigido por Andrew Niccol — tem um enredo bem interessante: no futuro, as pessoas são alteradas geneticamente para pararem de envelhecer aos 25 anos, contudo, após essa idade, o cronômetro que cada um tem no antebraço é ativado, e assim, o tempo de vida começa a ser contado.
Tudo o que importa é o tempo, dessa forma, esse passa a ser a moeda. Ou seja, as coisas são compradas ou pagas através do tempo que cada um tem: comida, serviços, impostos e assim por diante.
O problema é que uma grande concentração de tempo fica com os ricos, em suas zonas/cidades, enquanto que os pobres vivem isolados, contando as horas e os minutos; e muitas das vezes morrendo pelas ruas por não terem como adquirir mais tempo.
Mas como sem tem um herói em todos os filmes hollywoodianos, mesmo que não tradicional ou às avessas, nesse não é diferente. Will Salas (Justin Timberlake) é um trabalhador que vê a mãe morrendo a poucos centímetros dele por não ter conseguido recarregar o seu "relógio" a tempo.
Isso é o estopim para Salas se transformar em um justiceiro ao lado de Sylvia Weis (Amanda Seyfried), a filha de um milhionário, que é a pessoa com mais tempo em todo o mundo, com a possibilidade de ser um imortal.
O jovem casal vira uma espécie de Bonnie e Clyde "robinhoodiano" do futuro, pois eles assaltam barras de tempo nos bancos e distribuem aos mais pobres, aos desafortunados de tempo.
O filme é uma analogia, uma alegoria ao pensamento moderno de que tempo é dinheiro. Vivemos na era da velocidade. Todos vivem correndo contra o relógio, mas não necessariamente com medo da morte, mas sim com os olhos no sucesso profissional, no enriquecimento, em recursos para "saciar" o insaciável consumismo.
Todo o tempo possível precisa ser gasto "produtivamente" para retorno financeiro, para alimentar o capitalismo. Usam o máximo do tempo para adquirirem coisas — que essas mesmas pessoas não têm tempo para usufruir, uma vez que todo tempo que poderia ser gasto com lazer ou descanso é direcionado para adquirir mais recursos para pagar o que já compraram ou para o que ainda querem comprar — é um ciclo. É um paradoxo.
Da mesma forma, o filme também retrata um outro paradoxo. Essa nova realidade existe para que "todos" possam viver para sempre, contudo, apesar de não envelhecerem, e alguns terem muitos séculos de vida pela frente, se negam a prazeres comuns por medo de perderem a vida, uma vez que um simples banho de mar poderia ser fatal.
Pelo fato da imortalidade ou quase imortalidade ser algo real, os ricos passam a ter muito apreço por suas vidas, deixando inclusive de viver plenamente, de aproveitar os prazeres simples, contudo essenciais.
Outro aspecto relevante que dialoga com a realidade não ficcional é a questão da desigualdade social, o que gera segregação.
Para que os ricos possuam todo o tempo que almejam, os pobres são oprimidos. Para que os ricos não sejam incomodados com essa dura realidade — de que para que tenham vida em abundância, outros precisam morrer — eles vivem isolados em seus mundos "perfeitos", com uma fronteira econômica quase inacessível aos pobres, mantendo os que têm pouco tempo longe para que não precisem presenciar o infortúnio deles. Os ricos fecham os olhos para que possam continuar com suas vidas "perfeitas".
Fronteiras semelhantes existem na vida real. Quando um bairro — que normalmente tem pessoas de classe A e B — só tem lojas com produtos com preços inacessíveis a alguém que seja da classe D e E, uma fronteira é estabelecida. O filme retrata isso na cena em que o jovem justiceiro Salas vai até a zona dos que têm muito tempo e precisa pagar pedágios que custam meses e anos.
Dessa forma, esse filme, apesar de ser ficção científica, de ser um filme de ação e aventura — e em um primeiro momento parecer um mero entretenimento, bobo e simples como outro qualquer —, é na verdade uma obra que dialoga com a realidade de maneira crítica e reflexiva. Por isso, não é um filme raso, superficial, mas sim com palimpsestos. Assim, mesmo que nessa resenha algumas camadas tenham sido reveladas, de certo, ainda restam outras. Isso serve de incentivo para os que ainda não assistiram. Para os que já assistiram, assim como eu, o incentivo permanece, uma vez que pode ser uma nova caça ao tesouro, visto que novos baús podem ser encontrados, desenterrados.
(Escrito em 2016)
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro