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Angústia e Reação: Murilo Mendes

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1. Vida e Poesia de Murilo Mendes:

Murilo Monteiro Mendes, conhecido como Murilo Mendes, foi um poeta brasileiro. Considerado por alguns como o principal representante da Poesia Surrealista, sua obra apresenta também traços da poesia social, além do novo barroco e do cristianismo. Nasceu em Juiz de Fora, em Minas Gerais, no dia 13 de maio de 1901. Murilo iniciou seus estudos na terra natal, indo em seguida para o Internato do Colégio Salesiano em Niterói, Rio de Janeiro. Em 1920, mudou-se para a capital, onde participou do Movimento Antropofágico (segundo tempo Modernista), que buscava uma vinculação com as origens do Brasil. Recebeu o Prêmio Graça Aranha com seu primeiro livro "Poemas" (lançado em 1930). Murilo Monteiro Mendes faleceu em Estoril, Portugal, no dia 13 de agosto de 1975.

2. Poema "Angústia e Reação":

O poema Angústia e Reação foi lançado no livro Tempo e Eternidade, em 1935. Essa obra foi feita em parceria com o poeta Jorge de Lima. Sendo a primeira parte do livro com quarenta e cinco poemas de Jorge de Lima e a segunda parte com quarenta e cinco poemas de Murilo Mendes. Nesse livro, os poetas explicitam suas concepções estético-teológicas. Ambos os poetas são surrealistas, sendo Murilo Mendes o expoente do surrealismo.

3. Análise do poema:

ANGÚSTIA E REAÇÃO

1 Há noites intransponíveis,
2 Há dias em que pára nosso movimento em Deus.
3 Há tardes em que qualquer vagabunda
4 Parece mais alta do que a própria musa.

5 Há instantes em que um avião
6 Nos parece mais belo que um mistério de fé,
7 Em que uma teoria política
8 Tem mais realidade que o Evangelho.

9 Em que Jesus foge de nós, foi para o Egito:
10 O tempo sobrepõe-se à idéia do eterno.
11 É necessário morrer de tristeza e de nojo
12 Por viver num mundo aparentemente abandonado por Deus,

13 E ressuscitar pela força da prece, da poesia e do amor.
14 É necessário multiplicar-se em dez, em cinco mil.
15 É necessário chicotear os que profanam as igrejas
16 É necessário caminhar sobre as ondas.

(MURILO, 2003, p. 252,253)

Angústia e Reação já no título aponta para uma dialética, algo semelhante à ação e reação; uma estrutura dual, binária. O poema tem 16 versos, sem métrica ou rimas regulares. Os que têm rima são os versos 3 e 4, com as palavras finais vagubunda e musa (rima toante, u tônico), e as palavras finais dos versos 8 e 10 Evangelho e eterno (rima toante, e tônico), respectivamente. Caso fosse um poema de estrutura tradicional (rimas regulares e métrica), a análise seria, principalmente, pautada na parte "física" da poesia, ou como menciona Antonio Candido, "a fisionomia poética." (2017, p.122). Mas como o poema que está sendo analisado não se enquadra nos moldes clássicos, a inclinação tenderá mais para o campo do significado, contudo, que fique claro que isso não significa que a etrutura não será contemplada, uma vez que a própria seleção do léxico no eixo paradgmático e a organização no eixo sintagmática constituem sentido, sendo parte constiuitiva da significação.

De acordo com essa perspectiva, os questionamentos para a análise partem do título: Qual seria a angústica? Reação a quê? A estrura binária do título espelha a estrutura do poema? O poema estaria dividido em uma estrutura de pares? Vejamos os primeiros versos:

1 Há noites intransponíveis,
2 Há dias em que pára nosso movimento em Deus.

Há uma oposição entre esse primeiro par de versos: noites / dias. A sequência subverte a lógica, uma vez que primeiro aborda sobre a noite para só depois falar do dia, como se o início fosse as densas trevas, sendo esse o ponto de partida, e só após vencer as trevas intransponíveis, viesse o dia. Contudo, essa ideia remete a um paradoxo, pois se é intransponível, como poderia então amanhecer? É como está no livro de Gênesis capítulo 1, versículos 2 ao 5:

"Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.
Disse Deus: "Haja luz", e houve luz.
Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas.
Deus chamou à luz dia, e às trevas chamou noite. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o primeiro dia."

Primeiro era tudo trevas; os companheiros das trevas eram o vazio e o abismo. São de fato obstáculos intransponíveis, mas por uma intervenção divina, houve dia. Contudo, no segundo verso de Murilo, a menção do dia não traz o desfecho previsto, pelo contrário, a tensão existente no primeiro verso por conta da aparente prisão de uma noite interminável, é reforçada no segundo verso, pois em vez do dia seguir o fluxo continuo, é dito: "Há dias que pára [...]". Há, dessa forma, uma quebra de expectativa, e essa quebra gera uma tensão. Segundo Candido, "tanto a tensão quanto a surpresa decorrem da própria natureza da linguagem figurada, tão importante na caracterização do discurso literário em geral, do poético em particular" [...] "frequentemente a poesia se forma melhor, e sobretudo se renova, por meio das estéticas do exagero, que rompem as associações normais e criam nexos inesperados." (CANDIDO, 2017, p.124, 125).





(Análise de julho de 2018)

Referências:

CANDIDO, Antonio. "Pastor Pianista". In: Na Sala de Aula. 9ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2017, p. 103-121.

MENDES, Murilo."Introdução Geral". In.: Poesia completa e prosa: volume I. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003, p. 9-52.

MENDES, Murilo. "Tempo e Eternidade". In.: Poesia completa e prosa: volume I. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 2003, p. 243-262.

- Acesso em: 22/07/18


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