Sei que meus olhos estão vidrados. Os sons ao meu redor são meros murmúrios, e tamborilo meus dedos num ritmo incessante sobre a madeira frágil. A curiosidade consome meu ser pelas bordas e me consome por completo. Enrolo uma mecha de cabelo nervosamente e encaro com desepero a folha em branco à minha frente. Maldito relatório.
Com algum esforço, posiciono a caneta entre os dedos, encarando as anotações desconexas as quais deveriam me ajudar. Volto a pensar nele... Minha respiração se descompassa ao perceber o que faço mais uma vez. Vamos lá, concentração. Escrevo no alto da folha: Relatório Gerencial.
O que mais? Ah, lá eles resolveriam o que fazer. Meus olhos agora ardem, e uma comichão conhecida me fazem espichar os olhos para o interior do armário.
Lá está ele, me esperando. Quase posso sentir sua textura e seu cheiro, a curiosidade que me desperta. Largo a caneta, me levantando da cadeira dura, e o encaro: ele parece encarar de volta, de * esguelha, suplicante por um toque em sua capa de cor ocre e toque macio. "Ler ficção só enche sua cabeça de bobagens", me disseram, e a folha em branco do relatório parece retumbar tais palavras em sua solidez imóvel. Miro sua brancura com um quê de medo e desprezo, afastando a cadeira como se pudesse fugir de sua fosforecência inquisidora e andando até a estante com os olhos fixos na obrigação a se completar como se pudesse saltar de supetão a qualquer momento, sufocando-me com sua seriedade.
Tiro o livro da estante com brusquidão. Saio do cômodo, temendo as sombras das paredes e me refugiando no sofá. "Apenas mais algumas páginas e o autor mata minha curiosidade..." – penso. Aí, enfim, e somente aí, o relatório será escrito.

***

Um fato curioso: escrevi Curiosidade Crônica em novembro de 2016, mas perdi a folha de caderno na qual estava o texto tendo passado apenas parte dele (até o asterisco). Acabei de completar, insatisfeita com o resultado, o restante. Quase publiquei assim mesmo, mas temi uma má reação :P