Capítulo Bônus: Estaca Zero
Passado o Natal, o rei Ryan mandou chamar Ana Bonny e Yolo, o gato mágico, à sua presença. E assim se fizeram presentes diante do rei e da rainha na sala do trono.
Yolo, ao ver o rei odioso que, junto a seu pai, decretara o extermínio dos humanos que entrassem na ilha Phantera, sentiu uma raiva acender dentro de seu pequeno corpo. Seus olhos brilharam com uma fúria contida, e suas garras se estenderam instintivamente.
O rei e a rainha, sabendo do ocorrido e já tendo ouvido a história do gato sem que o mesmo lhes contasse, levantaram-se de seus tronos. Desceram os degraus lentamente, cada passo ecoando pelo salão silencioso, e se puseram diante do gato.
Yolo arrepiou os pelos, sentindo-se ameaçado, mas os reis se prostraram de rosto no chão diante dele.
— Nos perdoe! — disseram com humildade. — Como governantes deste reino, tínhamos como dever absoluto proteger nosso povo e, por consequência, o decreto de extermínio dos humanos foi assinado por meu pai, o rei Sócrates, e pelo governador e braço direito do meu pai, Sansão! Nos sentimos envergonhados por termos trazido tanto sofrimento e dor aos humanos durante todos esses anos.
Ana chocou-se ao ver o rei e a rainha daquela forma. Logo, todos os guardas do salão se prostraram tal como suas majestades.
Yolo se sentiu constrangido ao ver os reis daquela forma, mas a raiva ainda queimava em seu peito.
— Eu não sei se consigo perdoar o que vocês fizeram, miau — disse o gato — mas por respeito ao príncipe Zyan, peço que, por favor, levantem, miau! É constrangedor para mim ver suas majestades dessa forma, miau!
Assim eles fizeram e voltaram aos seus tronos, mas a tensão no ar era palpável.
— Me chamaram aqui somente para isso, miau? — perguntou o gato, sua voz carregada de desconfiança.
Ana mantinha-se calada e de cabeça baixa, com as mãos trêmulas e entrelaçadas diante do corpo. Ela já sabia do que se tratava aquela reunião e não estava preparada para participar dela.
— Na verdade, há um outro motivo para termos chamado você aqui — disse o rei seriamente. — Por favor, eu peço que contribua.
— Quer fazer um desejo mesmo depois que o seu reino quase foi destruído pelo egoísmo dos seus cidadãos, miau? — perguntou o gato incrédulo, já esperando que o rei fosse fazer um pedido.
— Eu já deixei bem claro que eu não posso ressuscitar os mortos, então não me peça algo do tipo. Não tem como reverter o passado, miau!
O rei respirou fundo, seus olhos fixos nos de Yolo.
— Não estou querendo que você ressuscite ninguém! — disse o rei.
— Não, miau?! Nossa, vocês phelídianos são mesmo egoístas, e eu aqui pensando que você queria ressuscitar todos os humanos que foram mortos por vocês, miau.
O rei suspirou.
Realmente seria ótimo poder ressuscitar os humanos, mas acontece que a maioria dos humanos que exterminamos eram piratas, e como rei, eu não posso deixar que o meu povo passe por perigo nas mãos dos piratas novamente.
Yolo bufou, com suas garras arranhando o chão de pedra.
— Entendo, miau! Então diga o que quer comigo, miau?
— Quero saber como conseguiu os poderes de realizar desejos? E se há limites para seus poderes?
Yolo hesitou, mas então começou a contar sua história, sua voz carregada de tristeza e raiva.
— A família da minha humana eram exploradores e buscavam novas formas de vida e ilhas inabitáveis, miau. A ilha Phantera é um grande mistério, já que ela não estava nos mapas. Então, o pai da minha humana decidiu atracar na ilha para explorar. Atracamos o navio próximo ao vilarejo portuário de Kotlas, miau. Estavam todos felizes para a exploração, como sempre era quando encontravam uma ilha nova. Não sabíamos que aquilo seria o nosso fim e o dia mais tenebroso de nossas vidas, miau. Os phelídianos invadiram nosso navio e mataram a sangue frio todos os humanos tripulantes. Eu consegui me esconder, mas presenciei toda aquela crueldade do lugar onde estava, miau.
A rainha Agnes limpou as lágrimas que escorreram de seus olhos ao ouvir a história do gato. Não queria deixar transparecer, mas para ela era impossível. Ela podia sentir a tristeza nas palavras pesadas de Yolo.
Então Yolo continuou:
— Eu fugi para o vilarejo de Kotlas, mas estava muito assustado com aqueles grandes felinos. Tinha medo e muito ódio pelo que fizeram, então me refugiei no vulcão de Sócrates. No vulcão, eu encontrei uma flor de cor estranha, mas que tinha um aroma delicioso. Fazia dias que eu não me alimentava, então comi a flor e acabei ganhando o dom da fala e também poderes mágicos, miau.
— E essa flor ainda existe no vulcão? — Perguntou o rei.
— Ela ainda existia, mas com a enchente que ocorreu as flores foram devastadas, miau.
— Eu lembro de termos caído em cima de umas flores estranhas, eram aquelas? — Perguntou Ana.
— Sim, eram, miau. Como vim de uma família de exploradores reconheço que aquela flor causaria algum efeito colateral em quem a consumisse, por sua cor e seu formato, mas mesmo assim eu a comi por estar faminto, e como efeito colateral ela alterou meu DNA e eu consegui falar como os humanos, miau.
— Alterou o seu DNA? — Perguntou o rei curioso.
— Sim, miau, não foi isso que ocorreu com os phelídianos? Quem garante que os cientistas não usaram essas flores para alterar o DNA de vocês, miau?
O rei Ryan alisou o queixo pensativo, vendo que o que Yolo comentara fazia sentido.
— E quais são os limites dos seus poderes mágicos Yolo? — Perguntou a rainha Agnes diante o silêncio do rei.
— Posso conceder qualquer desejo que não intervira na ordem do ciclo da vida, miau! A vida é algo que o Criador nos abençoou e modificá-la está além dos meus poderes, tanto como trazer alguém que já partiu desse mundo de volta a vida, miau. — Respondeu Yolo com sinceridade.
— Está dizendo que é impossível modificar o DNA com seus poderes mágicos?! — Perguntou o rei com chateação.
Só então Yolo percebeu onde os reis queriam chegar, arregalou os olhos incrédulo e pronunciou estupefato: — Está ficando louco, miau?! Não me diga que está querendo modificar o DNA dos phelídanos novamente, miau?!
O rei consentiu calado.
— Isso é maluquice, miau! Tem ideia de que isso significa a extinção do reino inteiro, miau?! — esbravejou o gato.
— É o preço a se pagar pela paz e ordem do mundo! — disse o rei seriamente.
Yolo bufou incrédulo.
— Que maluquice, miau! Mas infelizmente para vocês e felizmente para os phelídianos, miau, eu não posso alterar o DNA de nenhuma criatura com meus poderes, miau!
— Não tem problema, antes de você aparecer nós já estávamos nos preparando para fazer isso, certo, Ana? — disse Ryan ao olhar para a garota.
Yolo olhou para Ana, que permanecia calada com os ombros encolhidos e as mãos trêmulas, e então perguntou a ela:
— Você me disse que ama o príncipe Zyan. Está mesmo disposta a deixar que ele volte a ser um animal irracional e selvagem, miau?
Ana suspirou, pensou em tudo que vivenciou com Zyan e com seus amigos, mas também lembrou das palavras do rei, alguns dias depois da vitória contra o exército de Castiel. Visto que o rei tinha razão e bons argumentos, ainda que fosse doloroso se separar de Zyan, Ana concordou em ajudar o rei a concretizar seu desejo de fazer o reino de Phelídia voltar à estaca zero.
Com dor no peito, um choro entalado em sua garganta, segurando as lágrimas para que elas não caíssem novamente na presença de suas majestades, respondeu firme e com determinação:
— Desde que isso seja para o bem de todos em Phelídia, incluindo Zyan, eu farei o que estiver ao meu alcance para encontrar os cientistas responsáveis pela criação dos phelídianos!
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