2.
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Era uma manhã de segunda-feira, e o vento gélido de dezembro soprava suavemente contra as janelas de Hogwarts. A essa hora, Harry deveria estar mergulhado na aula de História da Magia, mas o aconchego de sua cama o mantinha preso em uma bolha de calor e preguiça. Afinal, com a chegada da semana de inverno, a escola não exigia que os alunos madrugassem para o café da manhã — o que lhe dava até as onze para se levantar.
Ainda assim, sabendo que tinha tarefas a cumprir para garantir o resto das férias em paz e sossego, Harry, por fim, se obrigou a sair da cama. Espreguiçando-se sob as cobertas, ele foi em busca do uniforme padrão, não por qualquer necessidade de seguir as regras, mas porque a capa da escola oferecia o calor necessário para enfrentar o frio fora da comunal da Grifinória.
Depois de uma rápida escapada dos colegas que tentaram puxá-lo para uma conversa quando ele finalmente se sentou para o café, Harry seguiu para a biblioteca. Ele ainda precisava verificar o horário; afinal, não tinha combinado com Malfoy a que horas se encontrariam para o trabalho. Mas a sorte parecia estar ao seu lado. Do outro lado da sala de leitura, junto às enormes janelas que permitiam a entrada da luz invernal, estava a figura inconfundível de Draco Malfoy, com seus cabelos loiros platinados brilhando à luz suave. Ele estava sentado sozinho, afastado dos outros alunos, absorto em um livro.
Harry hesitou por um momento, percebendo que não havia trazido nenhum livro consigo, e rapidamente se esgueirou entre as estantes, apressando o olhar por entre as lombadas até escolher três volumes de ficção bruxa. Com os livros em mãos, retomou seu passo em direção ao loiro.
"Bom dia" cumprimentou, com um nervosismo inesperado que escapou na voz ao se aproximar.
Malfoy ergueu o rosto, seus olhos claros se encontrando com os de Harry por um instante antes de assentir levemente em reconhecimento e voltar a atenção para o livro. Harry ficou por um momento, em silêncio, tentando encontrar algo mais a dizer, mas, para sua surpresa, não foi necessário.
"Estou lendo um livro de história bruxa, você trouxe algo para analisarmos?" Malfoy perguntou, a voz fria e objetiva como de costume, sem desviar os olhos das páginas.
"Ah, sim... eu trouxe!" respondeu Harry um pouco apressado, levantando os livros que havia pegado sem realmente olhar para eles.
Draco ergueu ligeiramente a sobrancelha, ainda sem tirar os olhos do livro, e assentiu.
"Certo... sente-se, já te entrego esse aqui."
Harry sabia que havia uma poltrona não muito longe, e seria o suficiente para que ambos pudessem continuar a conversa sem problemas. Mas, sem pensar duas vezes e movido por uma impulsividade estranha, ele se sentou ao lado de Draco na namoradeira estreita, ocupando o único espaço disponível ao lado do loiro. Seus ombros acabaram se tocando levemente, o calor dos corpos contrastando com o frio que entrava pelas janelas.
Draco lhe lançou um olhar de soslaio, os lábios franzidos em uma linha fina, como se ponderasse o que estava acontecendo. Mas, em vez de protestar, respirou fundo, voltando a virar calmamente a página do livro.
Harry, por sua vez, sentiu um arrepio percorrer sua espinha, mas não era por causa do frio.
Ele afastou o pensamento e abriu um dos livros que trouxera consigo. Nenhum dos dois iniciou qualquer conversa pelos vinte minutos que se seguiram. A respiração tranquila de Malfoy fazia Harry perder o foco entre as palavras das páginas, mas ele rapidamente retomava a leitura a cada distração. Esse ciclo de idas e vindas fez com que ele lesse apenas quatro páginas durante esse tempo, enquanto Malfoy, com sua típica concentração, já havia terminado um capítulo inteiro.
"Esse conto aqui é sobre três bruxos que viveram há duzentos anos," disse Malfoy, quebrando o silêncio com sua voz rouca. "Não acho a história deles tão interessante, pra ser honesto, mas dá pra trabalhar com isso." Harry, ainda absorto em seus devaneios, virou o rosto para ver o perfil de Malfoy, que agora se inclinava para deixar o livro na poltrona ao seu lado e finalmente dirigia o olhar para Harry.
"Certo... Esse aqui, pelo que estou entendendo, é sobre uma bruxa que ainda está viva. Pela sinopse, ela trabalhava com a quebra de maldições, e parece que algum feito relacionado a isso deu início à história," explicou Harry, tentando resumir o que segurava em mãos. Malfoy assentiu em compreensão, mantendo a postura séria e polida, e, num gesto suave, puxou o livro das mãos de Harry para examinar as páginas com atenção.
Harry, ao invés de se concentrar em outro livro, ficou em silêncio, observando. Notou como uma mecha teimosa dos cabelos loiros de Malfoy caía sobre sua testa, como seus olhos se estreitavam levemente ao se deparar com uma palavra difícil, e como seu peito subia devagar a cada respiração. Harry teria continuado a observar por mais tempo, se não fosse surpreendido pelos olhos frios e tempestuosos de Malfoy voltados diretamente para ele.
Constrangido, Harry tossiu levemente e desviou o olhar rapidamente, fingindo interesse na estante de livros próxima.
"É bom, mas não é complexo o suficiente pra tirarmos uma nota alta," comentou Malfoy, aparentemente alheio ao fato de ter sido observado. Ele inclinou-se para colocar o livro sobre o anterior e, antes que Harry pudesse reagir, puxou mais um dos livros que ele carregava no colo. "Se você puder adiantar a leitura deste, teremos mais tempo para procurar novos contos na sessão."
"Contos? Eu peguei esses na sessão de ficção bruxa," explicou Harry, atraindo a atenção séria de Malfoy, que ergueu uma sobrancelha em um misto de desapontamento e curiosidade.
"Certo... você prestou atenção na explicação do professor Binns?" Malfoy perguntou, com o olhar fixo em Harry, como se tentasse sondar sua mente.
Harry o encarou por alguns segundos, tentando puxar da memória o momento em que Cuthbert Binns explicara sobre o trabalho. Mas desde que as duplas haviam sido formadas, ele mal conseguira se concentrar, ainda atordoado pelo fato de ter sido emparelhado com Malfoy.
A falta de resposta de Harry fez Malfoy soltar um suspiro longo e rodar os olhos em desgosto, uma breve lembrança do Malfoy arrogante e impaciente que Harry conhecia de outros tempos. Estranhamente, isso quase fez Potter sorrir.
"Nosso trabalho tem que ser uma releitura de alguma obra," esclareceu Malfoy, com a voz mais controlada.
"Bom... nunca fizemos trabalhos de releitura antes. Quantas páginas de pergaminho precisam ser?" perguntou Harry, ainda mais interessado na parte prática do que no conceito.
"Potter..." Malfoy fechou os olhos por um breve segundo, visivelmente tentando conter a frustração. Respirou fundo antes de continuar, seu tom carregado de paciência forçada. "Um trabalho de releitura em história consiste em reinterpretar ou analisar novamente um tema, um evento ou uma obra histórica sob uma nova perspectiva. Ele envolve revisitar fontes, textos, documentos ou representações históricas e oferecer uma visão crítica, atualizada ou diferenciada do que já foi estudado ou produzido."
"Certo..." respondeu Harry, ainda não totalmente convencido de que entendia a linha de raciocínio da conversa. Ele sabia, de forma básica, o que Malfoy estava dizendo, mas a conexão entre isso e o trabalho específico que precisavam fazer ainda lhe escapava. "Mas como isso se aplica ao que a gente tem que fazer juntos?"
Malfoy suspirou novamente, mas dessa vez com uma ponta de exasperação. "A gente precisa escolher uma obra histórica, reavaliá-la e, a partir dela, criar uma análise crítica. O que você pegou na sessão de ficção bruxa não vai nos ajudar, Potter."
Harry piscou devagar, desviando o olhar enquanto organizava seus pensamentos. A tarefa era bem mais complexa do que ele havia imaginado, e parecia que tomaria boa parte das suas férias. Mas ele sabia que precisava concluir esse trabalho com sucesso. Era o último ano, a última chance, e ele não podia se dar ao luxo de reprovar ou terminar a matéria com uma nota baixa.
"Neste caso... nós podemos tirar o dia de hoje para escolher alguns contos e passar amanhã lendo quais deles podemos trabalhar. Na quarta e quinta, já começamos a fazer as pesquisas sobre o conto escolhido. Assim, a gente reserva sexta e sábado para começar a escrever o roteiro. No domingo, podemos descansar, e na próxima segunda-feira começamos a estruturar nossas partes. Na terça, ensaiamos as falas, e ainda teremos quatro dias das férias se precisarmos ajustar alguma coisa de última hora."
Harry falou com uma naturalidade surpreendente, enquanto seus olhos vagavam pela biblioteca, focando nos objetos à sua volta para evitar encarar Malfoy diretamente. O que ele não percebeu foi a mudança sutil na expressão do loiro. O semblante de Malfoy se tensionou levemente, e seus olhos pareceram brilhar, como se estivesse surpreso e, talvez, até impressionado com o plano organizado de Harry.
Quando Harry finalmente reuniu coragem para encará-lo de frente, ele sorriu, tentando passar confiança. Para sua surpresa, Malfoy não o interrompeu. Em vez disso, ficou em silêncio por alguns segundos, como se estivesse processando o que acabara de ouvir.
"O que acha?" Harry perguntou, observando Malfoy atentamente. O loiro ficou um instante com os lábios entreabertos, como se Harry tivesse acabado de sugerir algo surpreendente. Ele limpou a garganta e ajeitou a postura, tentando esconder qualquer traço de admiração.
"Perfeitamente bom," respondeu Malfoy, mantendo o tom polido. Em seguida, desviou o olhar para os livros na poltrona. "Vou descartar todos esses e procurar alguns outros. Nos vemos amanhã, depois do almoço, aqui no mesmo lugar."
"Tudo bem," respondeu Harry, ainda com um sorriso no rosto.
Malfoy o encarou por breves segundos, sua expressão séria e indecifrável, antes de franzir o cenho em um gesto de leve desgosto. Levantou-se com elegância, ajeitando a capa de seu uniforme, que era feito de um tecido nitidamente mais fino e de melhor qualidade que o de Harry. O preto profundo da vestimenta de Malfoy contrastava visivelmente com o tom desbotado das roupas de Potter, algo que o moreno não pôde deixar de notar.
Harry observou Malfoy sair sem olhar para trás, o que lhe deu um estranho alívio misturado com curiosidade. Quando o loiro desapareceu de vista, ele se levantou para guardar os livros no lugar certo, garantindo que não irritaria Madame Pince. Afinal, Harry sabia bem que a bibliotecária gostava mais de livros do que de pessoas, e um sermão dela poderia ser mais duradouro que qualquer conversa com Malfoy.
Assim, Harry passou por uma das estantes de contos e selecionou cerca de cinco livros, tomando o cuidado de escolher títulos que poderiam ser úteis para o trabalho. Ele não avistou Malfoy após a saída do loiro da sala de leitura, e supôs que, enquanto ele estava guardando os livros, Malfoy já devia ter aproveitado o tempo para pegar os que precisaria ler naquela tarde.
Pensativo, Harry seguiu de volta para a comunal, carregando os livros contra o peito. Ao chegar, escolheu um canto mais afastado, perto de uma das lareiras menos frequentadas. O calor reconfortante do fogo ajudava a aquietar a mente enquanto ele se acomodava em uma poltrona macia. Harry sabia que tinha muito trabalho pela frente, mas naquele momento, sentiu uma calma inesperada. Afinal, ele e Malfoy, apesar de suas diferenças, pareciam estar se entendendo – ou, pelo menos, conseguindo trabalhar juntos.
Com esse pensamento, ele abriu um dos livros e começou a leitura, o crepitar da lareira servindo como trilha sonora para aquela tarde tranquila.
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