Capítulo 6
— Acorda pra cuspir! — minha melhor amiga me sacudiu, despertando-me do sonho profundo e sem pesadelos que eu me encontrava.
Estendi o dedo do meio para ela.
— Esqueça que eu existo... — murmurei, puxando o travesseiro sobre a cabeça. — Você não devia estar atendendo?
Minha voz saiu abafada e senti o colchão afundar ao meu lado quando ela se sentou. Espiei por entre os cílios, Thay me deu um sorriso imenso, em toda sua glória platinada. Ela sim parecia a "loira odonto" padrão, só faltava ser rica. Éramos as duas alunas mais carentes de nossa turma, o que nos uniu ainda mais. Não que fosse nós contra os outros, de modo algum, era só que ninguém podia se intrometer na nossa ligação.
Recém-formadas precisavam ralar para ter estabilidade, eu tive sorte com o concurso que pagava bem, ela, ficou obrigada a se dividir entre duas cidades.
— Faltou energia no bairro, não sentiu calor?
Levantei a cabeça, notando que ela tinha razão. De fato, o ar condicionado tinha parado e minha nuca estava empapada. Marie não estava na cama, e sim esparramada no piso frio.
— Não até você me acordar! — resmunguei, afastando as cobertas.
— Já que despertou, vamos ao shopping? Preciso de roupas novas e a gente pode almoçar sushi lá.
Ela praticamente saltitou na cama, animada. Em alguma vida passada, minha amiga devia ter sido japonesa. Nunca vi gostar tanto daquilo. Terminei de chutar o edredom e fui me arrumar para passear, mas não sem antes ligar o telefone e checar as mensagens. Sorri ao ver um "bom dia" com uma carinha feliz entre elas...
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— Ainda não entendi o que um cara rico foi fazer em um consultório de comunidade. — Thay fechou os lábios ao redor do hashi e mastigou o uramaki de salmão.
Também pensei sobre o assunto, era bem longe do endereço que ele me dera ao preencher a ficha. Bernardo me explicou que não encontrou outra opção. No entanto, como estava me empolgando com ele e, como diria o velho ditado popular, "quando a esmola é demais, o santo desconfia", o meu lado analítico — aquele que não procura fantasmas em latas de lixo e tem um pensamento racional — ficou em alerta.
No caminho para o shopping, enquanto minha amiga dirigia, liguei para dona Lúcia e pedi que ela me enviasse uma foto da ficha com dados mais pessoais, como CPF e RG. Quando chegasse em casa, tiraria um tempo para futricar as suas redes sociais, algo que já deveria ter feito. No final das contas, pretendia bisbilhotar mesmo, não se podia dar um mistério para uma perita e pedir que ela não investigasse.
Liguei para um colega policial e cobrei um favorzinho. Apenas uma checada se o garanhão com o beijo do diabo tinha uma ficha criminal ou algo que devesse me preocupar. Se eu tivesse feito isso com meu último namorado, não teria comprado gato por lebre. Foi um escroto que se aproximou de mim só para tentar me manipular e ajudar a irmã. Ela tinha dois filhos e queria a guarda das crianças sem dividir com o pai delas, pois ele a traíra.
Então, ordenou que o filho mais velho mordesse o mais novo e denunciou o ex por maus tratos, dizendo que era o culpado de agredir a criança. Ao chegarem no IML para o exame de corpo delito, moldei a ferida e só de olhar já sabia que não era compatível com a boca de um adulto. Aos prantos, a criança confessou, o que não caiu nada bem para a mãe.
No dia seguinte, "por coincidência", conheci um carinha bonito e muito atencioso. Daqueles gentis e que gostavam de saber sobre o meu dia. Fui idiota em comentar os casos mais recentes e ele sempre tinha opinião sobre cada um. Principalmente o das crianças. Ele era o tio delas e queria que eu mudasse o meu relatório para favorecer a mãe.
Depois disso, passei a desconfiar de todos que se aproximavam. Ainda mais se fossem vindos do nada, como Bernardo Tomazine.
— Ele disse que foi indicação da faxineira — expliquei.
Thaynara meneou a cabeça, ponderando.
— Faz sentido, dia de domingo seria difícil encontrar um dentista e convencê-lo a abrir o consultório.
Foi exatamente o que ele argumentou, além disso, o homem nem morava na cidade. Suspirei, preocupada por ter excedido o limite do aceitável.
— É muita paranoia ter pedido para o Bira checar os antecedentes? — Roí a unha, incerta.
Eu não gostaria que alguém invadisse a minha privacidade daquele jeito.
— Um pouco, mas acho que vou pedir para você fazer isso com meu próximo crush. — Ela levantou as sobrancelhas, rindo. — Ai, miga, todo cuidado é válido, né? Vamos esperar o Bira responder, mas acho que não deveria se fechar para a possibilidade de ter sido um feliz acaso.
Concordei com um menear e após o almoço, resolvemos dar uma volta antes de ir às compras. No espaço de eventos no térreo, uma feira imobiliária acontecia. Eu estava louca para dar entrada em um apartamento e sair do aluguel, por isso puxei Thay até lá. Uma olhadinha não custaria nada.
Achava lindo as maquetes com pessoinhas, carrinhos e prédios em miniatura. Sempre que perguntava o preço de um apartamento, me dava vontade de questionar por quanto venderiam aquilo também. Adoraria uma para enfeitar o meu cenário de lives.
Estava passeando de braços dados com Thay entre os estreitos corredores do Feirão de imóveis quando vi uma versão maior e em 2D do meu objeto de desejo. Mas que porra...? Cutuquei a lateral dela com o cotovelo e indiquei o banner de quase três metros de altura.
— É aquele ali! — minha voz saiu esganiçada com a surpresa. Ela me observou como se eu tivesse duas cabeças. — O cara que eu atendi, era aquele ali!
— O seu paciente é Bernardo Tomazine? — O assombro dela foi maior que o meu.
Ué, eu tinha dito o sobrenome dele para ela? Uma comoção aconteceu no stand que tinha o cartaz e muita gente amontoou ao redor de uma pessoa. Estiquei o pescoço e pude ver um homem de relance, parecia ser Bernardo.
Ele era famoso, estava bem claro, eu só não sabia o motivo.
— Como você sabe quem é ele? — Mordi o lábio, forçando minha memória para lembrar de onde eu poderia tê-lo visto e nada me veio à mente.
E por que ninguém no bar pediu autógrafo ou nos parou para falar com ele?
— Alessandra, pelo amor de Deus! Você é muito desligada, ele participou de um reality show, tipo uma mistura de irmãos à obra com Big Brother em um canal de tv à cabo e depois ficou famoso no Instagram. — Ela deu uma risadinha. — Sério que você colocou a mão na boca dele? Meu sonho é cuidar de uma celebridade. Ai, meu Deus! Você o beijou! Ele é tão gostoso!
Isso explicava muita coisa. Nunca me interessei por assinatura de televisão, sempre estudando ou lendo algum livro quando mais nova, isso meio que continuou na fase adulta. Minha tv gigante era para Youtube e serviços de streaming. Um programa televisivo de reforma e construção era muito nichado para ser conhecido pelo grande público.
Thaynara estava animada e me mostrou o perfil dele — que ela já seguia — com quatro milhões de seguidores. E o filho da puta estava desdenhando de mim, dizendo que eu era famosa por causa dos quase mil inscritos no meu canal.
Bernardo mentiu para mim, o que diabos ele queria com isso?
— Sou o gênio de sua lâmpada e realizarei seu segundo desejo no dia: vou te indicar como endodontista para ele. — Mandei um beijinho para ela por cima do ombro. Minha amiga ficou animada de imediato.
Tinha um detalhe: precisava da opinião de Thay sobre ele.
— Você é maravilhosa! Tratar uma celebridade vai me ajudar a dar um up no Instagram. — Deu-me um meio abraço apertado. — Ei, qual foi o primeiro desejo que você realizou?
— Comer sushi, ué!
Ela estalou a língua e revirou os olhos, fazendo um biquinho dramático.
— Sendo assim, quero o terceiro agora, vamos falar com o bonitão!
— De jeito nenhum. — Estanquei ali mesmo antes que ela desse outro passo.
Minha amiga só podia ter ficado louca! Não iria agir como uma perseguidora desvairada que ficava seguindo o cara depois de um encontro.
— Vamos sim.
— Vamos não! — retruquei.
Ela tentou me puxar de novo.
— Ah, vamos.
Ok, a gente estava se repetindo.
— Não...
— Olá, minha salvadora! — nossa discussão foi interrompida por uma voz masculina sexy. — Finalmente nos reencontramos. — Estendeu a mão para minha amiga. — Bernardo.
Ela retribuiu o gesto, ainda empolgada:
— Thaynara, sua próxima dentista.
— Achei que já tinha uma — encostou o ombro no meu, o mais próximo que podia chegar sem me abraçar de verdade —, mas ela não quer cuidar de mim.
Ele me encarou como se fosse um cachorrinho abandonado e eu não passasse da carrasca que o havia chutado. Revirei os olhos para o seu drama e quando notei que algumas pessoas tiraram fotos, me afastei um passo dele ao mesmo tempo em que o chamaram de volta.
Bernardo cumprimentou Thay de novo e deu um longo beijo em minha bochecha antes de retornar.
— Quem é o famoso agora, hein? — murmurei para as suas costas quando ele não podia me ouvir.
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