Capítulo 3
— Vou te enviar a localização em tempo real quando chegar lá, assim, se eu for sequestrada, você já sabe onde me achar — falei para Thaynara pelo telefone.
Estávamos no viva-voz, ela era minha melhor amiga desde o colégio, inseparáveis a partir do primeiro dia, sonhávamos em morar juntas antes de casar com nossos homens lindos. Em nossas cabeças, eles pareceriam com Nick Jonas para mim e Zac Efron para ela. Não tivemos sorte até o momento e, por enquanto, dividíamos o teto apenas duas vezes por semana, quando ela vinha dar plantão em uma clínica particular perto da minha casa. No resto da semana, voltava para o interior, onde foi aprovada no concurso para trabalhar na Unidade Básica de Saúde e atendia em seu próprio consultório. Éramos inseparáveis ao ponto de fazer o mesmo curso.
— Para alguém que tem porte de arma, você é bem assustada.
— Tenho uma arma porque sou obrigada pela profissão, espero nunca ser obrigada a disparar em alguém. — Só fazia isso nos treinamentos de tiro ao alvo. E era boa de mira, de outro modo não teriam liberado o porte. Dentre outros pré-requisitos, claro.
Eu não curtia andar armada, e jamais faria isso sem saber como manusear direito ou seria um perigo para mim e para as pessoas ao meu redor.
— Não faria mal você se prevenir ao sair com um estranho, né?
Via tanta atrocidade no meu dia-a-dia como perita que tinha me tornado desconfiada e isso atrapalhava meus relacionamentos. Talvez eu estivesse me tornando uma cínica que achava que todos eram culpados até que se provasse o contrário. Por via das dúvidas, segui seu conselho e coloquei a arma na bolsa, ao lado da carteira e batom para retocar a maquiagem.
Ativei a chamada de vídeo para dar uma volta de trezentos e sessenta graus em frente à câmera. Não poderia sair sem ter o look aprovado por Thay. Combinei de encontrar Bernardo em um barzinho que não era muito conhecido pelos turistas. Ficava na orla e tinha uma plataforma de madeira que se estendia pela areia para perto do mar. Eu o levaria para um ambiente que eu conhecia, com direito a música ao vivo e os melhores crustáceos da cidade.
Optei por um short preto de tecido com uma blusa de alça fina branca e um discreto brilho, casaquinho vermelho para me proteger do vento, sandálias de salto e um maxi colar, ambos também vermelhos. Maquiagem leve com destaque nos lábios rubros. Arrumada, mas não super produzida para um ambiente descontraído, até porque não era um encontro propriamente dito. Estava mais para um agradecimento por ter ajudado em um momento de necessidade.
— Vai lá e arrasa, gata!
O Banana Boat estava lotado quando cheguei. Antes de descer do carro, enviei a localização em tempo real para Thay, com duração de oito horas. Assim, ela poderia me acompanhar caso necessário. Não que eu pretendesse ficar tanto tempo com o desconhecido misterioso.
Acenei para o cantor, que sabia o meu nome de tanto que pedia músicas quando ia para aquele bar. Os cabelos curtos e loiros estavam em um novo corte, espetados para cima. Muitas mulheres iam ali pelo rapaz de vinte e dois anos com ar sedutor, músculos do pecado e voz de anjo. Ele era um paquerador nato.
No mesmo instante em que me viu, piscou um olho verde e fez um pot-pourri da música que estava tocando com uma da Alcione, "Você me vira a cabeça (me tira do sério)". Só porque uma vez eu o desafiei a cantar algo de uma mulher que tivesse uma voz poderosa. Indo direto para o refrão: "Mas tem que me prender, tem que seduzir só pra me deixar louco por você. Só pra ter alguém que vive sempre ao seu dispor por um segundo de amor."
Rindo, segurei meu cotovelo direito com a mão esquerda, apoiei o punho fechado na testa e balancei o corpo de leve, fingindo dançar por um breve segundo com aquele clássico da roedeira. Ele deu uma risadinha, errando a nota e fez uma careta, enquanto eu dava um sorriso vitorioso. Um ponto para mim, Vinícius — ou melhor, Vinny, como era o seu nome artístico — teria que cantar a música que eu pedisse. Precisaria escolher uma difícil.
— Olá, salvadora — falaram atrás de mim.
Deus do céu, a voz dele era ainda melhor ao vivo do que eu lembrava! Ainda mais agora, que não estava marcada pela angústia. Eu me virei para dar de cara com Bernardo. Sem o semblante de dor enrugando o belo rosto, ele ficou ainda mais impressionante. Aqueles olhos profundos pareciam ler a minha alma, o silêncio se estendeu entre nós enquanto eu buscava a coisa certa a se dizer.
— Que bom que o inchaço diminuiu em um pouco mais de vinte e quatro horas, drenei bastante pus do dente inflamado.
Perfeito! Nada melhor do que secreções purulentas para quebrar o gelo de uma conversa. Minha vontade era caminhar até a praia e enfiar a cabeça na areia. O que eu faria a seguir? Discutir os estágios da putrefação durante o jantar?
— Alê, vão escolher uma mesa ou ficarão no bar? — Caio, o garçom que sempre me atendia, perguntou.
Droga! A gente estava bem na entrada, atrapalhando a chegada dos outros clientes.
— Ficaremos com uma no deck, por favor.
A parte de madeira que ficava em anexo ao bar era mais escura do que o salão principal, tendo poucas luzes espalhadas na plataforma ao ar livre, o nosso telhado era o céu aberto, repleto de estrelas e uma lua cheia. Era mais reservado, porém ainda podíamos ver o palco e ouvir a música, sem a cacofonia de vozes da clientela bebendo.
Pedimos uma porção de camarões fritos e batatas. Como estava dirigindo, optei por um coquetel sem álcool. Bernardo estava prestes a pedir uma bebida, mas eu o interrompi, lembrando-lhe que não deveria misturar aquilo com os medicamentos que eu havia prescrito, o que o fez repetir o meu pedido. Também fiz questão de avisá-lo que remédio se tomava com água, não era com suco, leite, refrigerante e, definitivamente, não com álcool.
— Peço perdão, doutora. — Ele se sentou meio de lado, para me ver mais de perto. Bernardo fazia um jeans e camisa com padrões geométricos parecer mais chique do que eram. A atitude confiante que fazia a roupa, não o contrário. — Obrigado também por ter cuidado de mim.
Ainda bem que não tinha repetido o que eu disse momentos atrás. Olhando assim de perto, havia algo de familiar em seu rosto. Como se eu devesse reconhecê-lo, porém não sabia de onde. Teríamos estudado juntos?
— Você é daqui?
— Não, nasci em Brasília. — Folheou o cardápio, analisando o que iria pedir para o jantar. — E você?
Dei de ombros, meu passado era pouco empolgante.
— Nascida e criada aqui, não tenho muito o que falar sobre mim. — Não era do tipo de criança que tinha feito grandes viagens. Minhas memórias eram preciosas e eu amava cada uma delas, mas nada que seria bom tema de uma conversa.
— Duvido, para onde você ia quando pequena?
Beleza, era um assunto melhor do que inflamação dentária. Lembrei-me de passar o dia correndo entre as árvores, brincando de esconde-esconde e pega-pega:
— Para o interior, ficar com minha família.
— E era divertido? — insistiu e ele parecia mesmo interessado na resposta.
O garçom apareceu com as bebidas e nos informou que os aperitivos estavam quase chegando.
— Sim, por trás da casa da minha avó tinha uma área com árvores e bastante verde, eu e meus primos passávamos o dia brincando lá. — A casa não estava mais na família, o que era uma pena.
— Então, você era do tipo que escalava árvores sem medo?
— Na verdade, não. — Tomei um gole de bebida para disfarçar a risada. — Eu era um desastre! Se não estivesse tropeçando em nada, ficava com medo de cair e me machucar. Só ia até os primeiros galhos, os primos grandes que chegavam nos mais altos.
Fiquei envergonhada, às vezes sofria um pouco de bullying deles, por não me arriscar. Pensando bem, eu era cautelosa desde pequenininha. Bernardo tomou um longo gole do drinque frutado:
— Está melhor do que eu, nunca subi em uma.
— Que infância triste! — brinquei.
Ele jogou a cabeça para trás e gargalhou antes de se aproximar mais, inclinando-se para perto de mim. Porra, seu olhar era intenso, queria me perder nele.
— Você pode me ensinar a subir em uma — murmurou e eu só consegui imaginar um tipo de pau que queria escalar com ele. Mordi o lábio inferior, nele, para ser mais exata. — O que está passando em sua cabeça?
Que a gente deveria pular essa baboseira e arrumar um quarto.
— Nada!
Pela sua expressão, minha tentativa de disfarçar os pensamentos sacanas de nada adiantou.
— Tem certeza? — O canto de sua boca se levantou com sarcasmo.
Fui salva pelo gongo quando o garçom trouxe a porção solicitada. Enfiei uma batata na boca, segurando a vontade de fazer daquilo um gesto obsceno.
— Então, está aqui à negócios ou visitando?
Era melhor mudar de assunto e retornar para um terreno mais seguro.
— Um pouco dos dois.
— E quanto tempo vai ficar? — Só estava aguçando mais a minha curiosidade.
Poxa, se eu não tivesse ficado tão ocupada durante a tarde, teria feito uma pesquisa sobre o passado dele.
— Um mês, talvez mais. — Pegou um dos camarões e o analisou de perto com curiosidade. — Posso comer isso com o dente inflamado?
Ah, uma pergunta comum que já tinha ouvido antes diversas vezes!
— Desde que você não tenha nenhuma alergia... Isso é mais crendice do que fato. Sim, eles são formados por moléculas complexas que podem afetar pessoas mais sensíveis. No geral, no entanto, não atrapalha.
Bernardo levantou uma sobrancelha para minha explicação rápida, não estava com vontade de dar um discurso científico longo.
— Ok, se eu morrer a culpa é sua. — Deu uma mordida e fechou os olhos, se deliciando. Suas pálpebras se abriram e fixaram em mim: — Minha vida está em suas mãos.
— Quanta responsabilidade! — desdenhei, brincando.
Ele voltou a se aproximar e era difícil não me deixar levar por seu magnetismo.
— Acho que a gente deveria selar o acordo com um beijo. — Seu tom de voz ficou mais baixo, rouco.
Engoli em seco, tentando disfarçar.
— Ah, é?
— Sem dúvidas.
Não sabia se meu falso desinteresse era convincente, mas a confiança do homem se mostrou inabalável.
— Você é sempre direto assim? — retruquei.
— Só quando vejo algo que eu quero.
Sem perceber, eu também havia me aproximado mais.
— Isso funciona? — Sim, com certeza!
Se bem, com a aparência dele, podia ser um enrolão que ainda daria certo! Bernardo elevou o queixo em desafio:
— Me diga você.
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