Prólogo
Nunca pensei que o pior dia da minha vida, seria também o de maior sorte.
A manhã começou como outra qualquer, com o sol quente entrando pela janela para iluminar o meu quarto. Tive que levantar cedo para trabalhar, apesar do enorme desejo de dormir mais um pouco. Não deveria ter cedido à pressão das amigas e saído na noite de sexta, se haveria expediente cedo no sábado. Quase não bebi na balada, mas a baixa resistência ao álcool fez a minha cabeça latejar. Por vontade própria, minhas pálpebras se fecharam, implorando por mais cinco minutos.
Só um pouquinho não faria mal...
— Ainda está dormindo? — Fui sacudida sem delicadeza alguma. — Acorda, vai se atrasar!
Mamãe colocou em meu braço um pequeno ser que era mais eficiente em me fazer levantar do que o despertador. "Corda, corda, corda!", repetiu o periquito ao meu ouvido e bicou o lençol. Verde, amarelo e com pintas pretas, o Louro José — minha mãe era uma fã da Ana Maria Braga — me encarou bem no fundo dos olhos e berrou com sua voz estridente de ave: "acooooooooooooooooorda!"
— Está bem!
Acariciei sua penugem e o coloquei na mesinha de cabeceira. Era um drama e um estresse, só tirei um cochilo de um minuto! Não precisava exagerar, ainda eram... Ah, merda!
— Estou muito atrasada!
Como isso aconteceu? Fazia um segundo que tinha fechado as pálpebras!
"Atrasada! Atrasada! Atrasada!", aquele periquito só podia ser um sádico que adorava me ver correr de um lado para o outro no quarto. Ele não parou de repetir enquanto eu saltava de um lado ao outro, tentando colocar ordem nos meus cachos revoltos por ter passado a noite rolando na cama, vestir a roupa e juntar minhas coisas.
O pior? Era o primeiro dia em um novo emprego. Não o meu oficial, com carteira assinada, plano de saúde e vale transporte. Um bico que uma grande amiga me indicara. Débora era um anjo, a estabilidade financeira que eu vinha conquistando nos últimos meses, devia a ela.
Sem tempo para uma refeição decente, bebi um gole do café de minha mãe, devolvi sua ave antes que ele fizesse cocô por todo meu quarto e fugi, mas não antes de parar e fazer um cafuné no topo da cabeça do meu irmão, que brincava com uma pequena bola azul no sofá, balançando o seu corpo inteiro para fazê-la girar na palma de sua mão. Ele me olhou feio por um segundo, não gostava de ser tocado, porém eu não conseguia sair sem me despedir. Até porque sua expressão relaxou quando viu que era eu. Já na porta, soltei um beijo no ar e ele me correspondeu, fazendo a mesma coisa.
Amava esse garoto!
Um momento com ele nunca era tempo perdido, no entanto, os segundos que passaram me fizeram falta quando cheguei na parada do ônibus bem a tempo de ver a sua traseira se afastar. Nada bom! Não tive sorte com a condução seguinte e me aproximei do meio-fio, ponderando se deveria ou não investir em um táxi, quando um carro passou em alta velocidade por uma poça, espirrando um jato de lama em minhas roupas claras e...
Droga! Parei de escrever minha fanfic em um grupo do Whatsapp que só tinha eu como membro. Como poderia ter uma poça de lama se o dia estava ensolarado? Rolei o texto para cima e acrescentei uma chuva na noite anterior, quando a personagem saiu com as amigas. Enviado. Coloquei em negrito uma observação: "descrever as roupas quando está se arrumando no quarto".
Não era a primeira que eu escrevia, mas era a única a se passar no Brasil e não em Seul, a capital da Coréia do Sul. Na verdade, aquela seria praticamente autobiográfica. Era eu naquele papel, pois parte de mim sonhava que se tornaria real. Na história, a protagonista teria um dia terrível, chegaria ao emprego suja e atrasada, o namorado terminaria com ela para ficar com outra e ainda perderia a vaga ofertada.
Desamparada, ela sairia chorando do prédio sem saber o que fazer, quando trombaria de frente com Jeon J-Suga, o vocalista principal da boyband TDS — a melhor, maior, mais linda banda de k-pop e o hit mundial do momento —, derrubando uma papelada. Ambos agachariam para pegar a bagunça e quando os dedos se tocassem, uma pequena corrente de eletricidade percorreria entre os dois, arrepiando a pele da garota. Então, começaria a chover e ao se olharem, algo dentro deles se conectaria.
Impossível de resistir, o beijo aconteceria sob a garoa fina, sem se importar que estariam molhando a si ou aos documentos importantes...
Suspirei, apaixonada.
Caso a minha mãe lesse aquilo, apontaria que era um dos motivos para eu ser virgem aos vinte e um anos. O que eu podia fazer se o homem do meu sonho estava a uma distância de dezessete mil, quatrocentos e oito quilômetros de mim? Com minha condição financeira de assalariada, achei que o mais perto que chegaria dele era lendo e escrevendo histórias nas quais mulheres sortudas o encontravam por acaso e se apaixonavam perdidamente, enquanto caminhavam aleatoriamente em uma rua qualquer.
Por isso que amava os livros! Embarcava nas tramas e sentia como se estivesse vivenciando-as também.
Era culpa minha se os caras reais não tinham papo interessante e só queriam sexo fácil sem compromisso? Até tentava, mas havia uma extrema escassez de homem decente no mundo!
No entanto, Deus ouviu as minhas preces e iluminou o meu caminho. Assim como os outros personagens do livro novo, Débora realmente existia e tinha conseguido para mim o trabalho dos sonhos. Bom... de fato, duas vezes. Eu era apenas uma estagiária da equipe de marketing na empresa de seu noivo, a Merlin, quando fui incentivada por ela a ter uma participação mais ativa no desenvolvimento da nova identidade visual deles, o que resultou em minha efetivação assim que recebi o diploma.
O meu primeiro emprego era aquele que muitos da minha área almejavam ter e eu estava ciente da sorte que tinha. Entretanto, a prova de que havia "nascido com a bunda virada para a lua" — como meu pai costumava chamar os sortudos — veio quando Deb me indicou para fazer parte de uma campanha publicitária de uma grande importadora cujo dono era seu amigo.
E o que eles iam "importar" que precisava de atenção especial? Bom... Era apenas o sonho molhado de todos os amantes de k-pop. Mal podia crer que eu iria AJUDAR A CRIAR A CAMPANHA DE DIVULGAÇÃO DO PRIMEIRO SHOW DO TDS NO BRASIL! Sim, estava gritando, surtando, pirando e enlouquecendo. Eram sinônimos? Não importava! Encontrava-me empolgada demais para ficar calma.
Trabalhando com a empresa que iria trazê-los, daria um jeito de ter acesso aos bastidores e falar com eles. Ou, ao menos, tentar, porque havia uma barreira linguística. Resolveria isso, com certeza! J-Suga olharia para mim e me reconheceria como sua alma gêmea, sentiria em seu âmago que estive me guardando toda a vida para ser apenas dele, em todos os sentidos. Ele me levaria para Seul, a gente se casaria e teríamos filhos misturados: olhos puxados com os meus cabelos cacheados. Assim, viveríamos felizes para sempre.
— Senhorita Caldera, pode entrar. — A recepcionista, uma linda ruiva uns quatro anos mais velha do que eu, indicou a porta de seu chefe.
A Choi Imports era uma empresa grande, localizada em um edifício próximo à Merlin, onde eu era funcionária em tempo integral. Teria que fazer hora extra e trabalhar nos finais de semana para dar conta de tudo. Conheci brevemente o CEO na primeira vez que saí com Débora, meses atrás, na famigerada boate Mundo, um clube secreto de ricaços que tinha Deus sabe o quê nos andares acima dos níveis de restaurante e boate.
Naquela noite, achei que Leonardo Choi não passara de um baladeiro conquistador com uma boa pegada, mas estava enganada. Se tratava de um homem ambicioso que desejava ampliar suas ramificações.
Ao abrir a porta, me deparei com o CEO em um terno preto bem cortado com gravata de mesma cor. Ele estava sentado em sua mesa larga, com as mãos descansando de forma solene em cima de alguns papéis e a silhueta emoldurada pela vista panorâmica do centro da cidade. Sabia que era alto porque tinha dançado com ele algumas músicas. Enquanto J-Suga, meu objeto de desejo, era pálido e magro, o meu novo chefe tinha mais músculos e um saudável bronzeado, que eu não tinha certeza se vinha do lado brasileiro de sua família ou por passar horas sob o sol.
Ele daria um bom material para uma fanfic.
A memória de seus lábios sussurrando propostas obscenas contra o meu ouvido assaltaram minha mente. Foi por pouco que não caí em tentação naquela noite e, assim que saí da boate e entrei em um Uber para casa, me arrependi de não ter dado mais do que apenas um beijo no coreano gostoso made in Brasil. Foi o meu anjo da guarda que me impediu de cair em tentação. Seria estranho trabalhar para ele se tivesse feito algo a mais do que me esfregar em seu corpo quente, como uma gata no cio.
Pensando bem, era um tanto constrangedor! Estava tão focada em conquistar o meu astro do k-pop que nem pensei muito em como seriam os meses que antecederiam sua chegada ao país.
— Pode entrar, Thaís, eu não mordo. — O canto de sua boca se levantou com uma piada que só ele conhecia.
Com o prêmio de ser a futura senhora Jeon J-Suga em mente, deixei os pensamentos sobre a beleza de Leonardo Choi de lado e entrei em seu escritório.
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Finalmente demos partida!!!!!
O que acham que vai acontecer?
Estava doida para começar a postar o Leo e a Thaís para vocês!
Beijinhos,
Aretha.
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