Capítulo 1
— Como foi o primeiro dia com o Leo? — Débora, minha melhor amiga na Merlin, empresa onde ambas trabalhávamos, se esticou para trás em sua cadeira, espreguiçando-se, e passou a mão sobre a barriga saliente. Era impressionante como ficou ainda mais linda com a gravidez. Minha amiga era bela por dentro e por fora, devia muito a ela e quando me tornasse a esposa do J-Suga, iria dar um jeito de retribuir tudo que fez por mim. Deb soltou um longo bocejo e bisbilhotou os meus esboços em cima da mesa. — Foi tão difícil assim que nem consegue me responder?
Díficil não era a palavra ideal. Ou, talvez fosse. Leonardo Choi era complicado! Não que se mostrasse um chefe muito turrão, Deus sabe que não tinha medo disso. Julian Velásquez, noivo de Débora, havia me preparado para suportar todas as facetas de um homem que comandava com punho de ferro. Não que tenha sido grosseiro comigo, mas todos sabiam de sua reputação de casca grossa, que melhorou consideravelmente depois que se apaixonou.
Débora era a pessoa mais bem-quista daquele prédio, os funcionários só faltavam canonizá-la por ter amansado a fera.
O senhor Choi, por outro lado, era cheio de sorrisos e lábia. Exigia um trabalho bem feito, claro, nenhum homem alcançaria o status que ele tinha sendo um bon vivant que levava a vida na moleza. Entretanto, algo me dizia que seria tranquilo trabalhar ao lado dele.
— Ele é de boas.
Ela deu uma risadinha.
— Isso eu já sabia! — Meneou a cabeça, ainda achando graça. — Quero saber como é no ambiente de trabalho. Leo é tão divertido, tecnológico e moderno, fico imaginando que o escritório dele seja cheio de pufes coloridos e videogames na sala de descanso.
— Até onde eu vi, é um prédio normal com paredes brancas, mesas sem graça e uma ou outra planta decorativa.
Leonardo Choi parecia maior e mais poderoso em seu terno caro, foi profissional e me informou um pouco do trabalho antes que eu passasse no Recursos Humanos para assinar o contrato. Como eu tinha ido durante o horário de almoço para a conversa inicial, precisaria voltar após o expediente na Merlin, para que me inteirasse dos pormenores do serviço.
— Sinto desapontar — brinquei ao iniciar o Corel Draw para finalizar um projeto.
Ela deu de ombros e me mandou um beijinho no ar:
— Bom, tenho que ir! Preciso trabalhar, nosso chefe é muito exigente.
Deb estava certa, mas duvidava que Julian reclamasse de qualquer coisa quando se tratava da noiva.
******
As horas passaram voando, tanto que me atrasei para bater o ponto na Merlin. Precisei correr para alcançar a Choi imports antes que a noite caísse. Ainda bem que o edifício ficava próximo o suficiente para que eu não tivesse que pegar um transporte. O lado ruim? Cheguei ao prédio sem fôlego e um tanto desalinhada.
Um minuto a mais, um a menos de atraso não faria diferença, certo? Após ter a minha entrada liberada, escondi-me no banheiro para me refrescar. Joguei um pouco de água no pescoço e sequei com um lenço de papel. Os cabelos estavam quase intactos, dei uma umedecida para dar uma modelada nos cachos. Tinha cortado na altura dos ombros os meus longos cabelos que antes iam até a cintura, sentia um pouco de falta deles, mas gostava do novo visual, combinava com meu rosto fino e dava menos trabalho. Era bem melhor do que o alisado que cheguei a fazer quando pequena.
Anos atrás, minha mãe ainda fazia parte das pessoas que achavam que cabelos crespos ou cacheados precisavam de química. Não a culpava, ela era negra de pele clara e achava que precisava disso para ser mais aceita na sociedade, e não estava completamente errada, mas ainda bem que as coisas andaram mudando. Eu passei pela transição capilar para me livrar da selagem que os alisava. Não foi fácil! Teve um período intermediário que ele ficou bem estranho, mas agora podia usar meus cachos com orgulho. Passei um batom e pisquei um olho para o meu reflexo no espelho.
Vai lá e arrasa, garota! Você tem um astro do k-pop a conquistar.
A recepcionista não estava em sua mesa. De fato, o andar onde ficava o escritório de Leonardo Choi estava vazio e com algumas luzes apagadas. Porcaria, um minuto tinha sim, feito a diferença.
— Olá? — perguntei só para ter certeza que alguém responderia. Pé ante pé, me aproximei de sua porta, questionando-me se deveria invadir a sala.
— Achei que tinha se perdido!
A exclamação veio de trás de mim e eu me senti como a Ju Eun-Tak na série coreana Goblin, se assustando com fantasmas. Virei-me de frente e me deparei com meu novo chefe. Porra, ele parecia com o protagonista dela.
Engoli em seco, recuperando minha voz:
— Peço desculpas pelo atraso.
— Sem problemas. — Ele pôs as mãos no bolso da calça. Perto assim, foi impossível não notar o seu perfume. Estiquei o pescoço para trás e as lembranças daqueles lábios contra o meu ouvido me fizeram distrair. Leonardo perguntou alguma coisa? A boca que eu estava admirando se esticou em um sorriso discreto, de canto de boca, daqueles que tem uma piada oculta que só ele entenderia: — Entre, por favor.
Leonardo indicou a porta à minha frente e era estúpido me sentir ansiosa por ficar sozinha com ele, mas era o mesmo que adentrar na toca do leão. Ele não me tocava, apesar de estar muito próximo, sua presença atrás de mim era uma força que não podia ser ignorada.
Com algumas luzes apagadas do corredor, me senti de volta na semipenumbra do Mundo, quando fui envolvida por seus experientes braços e o calor daquele corpo penetrou o curto vestido que eu usava. A sensação de seus lábios salpicando uma trilha de beijos pelo meu pescoço enquanto a gente dançava juntinho, era um toque fantasma em minha pele. Respirei fundo, espantando essas lembranças.
Como tinha feito na hora do almoço, sentei-me em uma das cadeiras que ficavam em frente à sua poltrona presidencial. Fiquei tranquila, sabendo que haveria uma mesa nos mantendo separados, mas o alívio foi curto. Ao invés de se acomodar em seu lugar, ele se sentou na ponta da mesa, perto de mim e com os braços cruzados. Dois palmos me separavam de seu joelho.
Era difícil me concentrar em suas palavras naquela situação.
— Já definimos o quanto você ama o TDS, mas o que me interessa é o quanto as outras fãs deles amam você.
Franzi a testa e feito uma idiota abri e fechei a boca, sem ter certeza do que ele queria dizer. Fiquei admirando-o tanto que me distraí demais e perdi parte de seu discurso?
— Desculpa, não entendi.
— Preciso saber se tem influência de verdade no fandom, quantas pessoas são e se elas te escutam de verdade — explicou de novo, mas continuava sem sentido.
Qual era a relevância da minha influência com as outras garotas? Sabia que minha contratação não foi motivada apenas pelo meu currículo, Débora me avisou que contou a ele que era a minha banda favorita e que, inclusive, eu fazia parte do fã-clube. Logo quando começaram, eu tive um cargo importante na administração dele, mas fazia muito tempo, antes de eu abdicar da minha posição por causa da falta de tempo por conta do TCC e do estágio. Mas, nunca pensei que iria efetivamente usar isso.
— Por quê? — Dei de ombros. — Os ingressos de um show desse porte praticamente se venderão sozinhos.
Um show como aquele geraria filas na bilheteria e se esgotaria em pouquíssimas horas, se não em minutos, no site. Se eles fizessem mil apresentações, elas ainda se esgotariam.
— E quem disse que estou preocupado com isso?
Pelo menos, Leo estava ciente do poder da banda, por um momento cheguei a pensar que pudesse ter enlouquecido. Afinal, ele não os contrataria para vir ao Brasil se não tivesse noção da grandeza do TDS.
— Em que está interessado, então?
Minha pergunta era simples, porém Leo me deu um olhar intenso, repleto de coisas não ditas. Aquele sorriso sacana voltou ao canto de sua boca, e eu não sabia se queria ser incluída na piada secreta que se passava em sua cabeça.
— Meus interesses são bem variados, Thaís — revelou com a intensidade que ele carregou a noite inteira. — No momento, quero que você deseje algo que não precisa de verdade, mas que não conseguirá viver sem.
Mais uma vez, fiquei perdida. Lambi os lábios, sentindo-os secos de repente, e o seu olhar se demorou em minha boca. O escritório ficou mais quente ou era impressão minha? Meu Deus do céu! O silêncio se prolongou por alguns segundos e Leonardo Choi era um expert em me fazer questionar o que se passava em sua mente.
— Ainda estamos falando do show, certo?
Ele não me respondeu, apenas levantou uma sobrancelha.
— Feche os olhos, Thaís. — Claro que não atendi de imediato o seu pedido e ele estalou a língua no alto de sua boca. — Não me pergunte o motivo. — Curiosa com o seu propósito, cerrei as pálpebras e agarrei os braços da cadeira, forçando-me a ficar parada. Apesar da ansiedade que me incitava a espiar, permaneci quieta. Se estávamos perto antes, ele havia se aproximado mais. Leo afastou os cachos do meu pescoço, deixando-o exposto. Presa em seu encanto, inclinei a cabeça para lhe dar mais acesso. Senti sua respiração rente a mim, me arrepiando e aguardei o contato que não veio. — O que você sente?
Uma vontade imensa de beijá-lo.
— Confusão mental — respondi.
Um riso de escárnio arrepiou o meu ombro, porque escolhi uma blusa de alça fina? Deveria ter colocado uma de mangas ou um terninho, seria uma proteção muito mais eficaz contra a sua voz sedutora.
— Vou te dizer o que eu sinto: gostaria de encurtar a distância, de ter o que me foi negado meses atrás. — Minha nossa senhora! Podia senti-lo se movimentando ao meu redor, bastaria eu me esticar um pouco e alcançaria os seus lábios, mas ele fazia questão de se manter perto e longe ao mesmo tempo. Memórias do seu beijo me acertaram em cheio e eu precisava correr dali antes que fizesse a idiotice de atacar o meu chefe. — O que você sente? — insistiu.
— A necessidade de fugir dessa cadeira.
Ele fez um som de muxoxo e com a mesma intensidade que eu queria escapar do escritório de Leonardo, adoraria que o pequeno espaço entre nós deixasse de existir.
— Você não está sendo sincera comigo.
Pronto, agora só o que faltava era ele ser capaz de ler meus pensamentos impuros! Engoli em seco, forçando-me a relaxar e ignorar o quão tentador era estar perto dele. Meu propósito ali era ganhar dinheiro para comprar o meu próprio carro e me casar com J-Suga, não ficar me enroscando com o coreano made in Brasil.
— Há um propósito nesse exercício?
— Não.
Abri os olhos de supetão e Leonardo estava muito próximo, aquilo era algum tipo de piada? Ele se afastou e deu a volta na mesa, finalmente se acomodando na poltrona presidencial, como deveria ter feito desde o princípio. Mantive os meus olhos do pescoço para cima, assim evitaria os ombros largos que preenchiam com perfeição o terno preto com gravata bordô. Era uma pena que não fizesse tanta diferença, meus olhos continuaram a mirar na distração que era a sua boca.
— O que foi isso?
— Estou brincando, claro que há um motivo. — Cruzou as mãos por cima da mesa, inclinando-se para frente. — Pretendo vender mais do que ingressos, iremos explorar toda a marca que o TDS representa com produtos exclusivos. O que as fãs gostariam de ter, nós forneceremos. Copos, canecas, funkos, camisetas, colecionáveis, vibradores com o rosto deles...
Uou! Quase saltei da cadeira com a menção do último item.
— Isso existe?
— Ficou interessada?
Ele pendeu a cabeça para o lado e os olhos se tornaram dois risquinhos, enquanto me observava com atenção. Foi um erro tê-lo interrompido efusivamente. Eu precisava parar de ver coisa onde não existia. Sério mesmo, não era porque a gente tinha dançado junto uma vez e o cara me deu um beijo quando estava bêbado que isso se aplicaria ao momento atual. Fora que seria esquisito caso o J-Suga descobrisse que eu estava me engraçando por outro antes de chegar a ele.
— Curiosa.
Aquele sorriso deveria ser tatuado em seu rosto, uma vez que não costumava abandoná-lo por muito tempo ou, talvez, eu fosse uma grande piada para o CEO.
— Bom, não tem, mas podemos pensar em algo do tipo. — Abriu uma gaveta, de lá tirou uma pasta de couro e entregou para mim. — Aqui está uma lista de ideias que minha irmã deu, acrescentei mais algumas minhas. Mantenha sua mente aberta para a criatividade, o produto pode ser igual ao vibrador que já tem ao lado de sua mesinha de cabeceira, mas de alguma forma iremos associar ao TDS para que venda mais, mesmo que você não precise de outro.
Sem dúvidas, era a conversa mais surreal que tive em toda minha carreira, qual era a extensão da Choi Imports? Trariam qualquer coisa da Coreia para cá? Considerando que até bandas seriam importadas, a resposta era um grande sim. Leo ainda aguardava que eu dissesse alguma coisa.
— Não tenho um vibrador.
Minha declaração surpreendeu a nós dois, levei a mão à boca, como se pudesse me impedir de falar besteira. Preferia que o meu chefe não soubesse da minha vida sexual, até porque eu não possuía uma.
— Deveria — afirmou com naturalidade.
Nunca fui o tipo de pessoa que ficava vermelha com facilidade, ainda bem! De outro modo, estaria imitando um imenso pimentão. Pigarreei para deixar de lado aquela conversa tola sobre o que eu tinha ou não. Em definitivo, era a reunião mais ridícula que já presenciei, e olha que cheguei a participar daquela em que o escroto do meu antigo gerente de marketing tentou justificar para Julian Velasquez porque seguiu as ordens de Patrícia, ex do chefe, na inauguração da nova logomarca da Merlin.
Tive um pouco de pena quando ele chorou pelo emprego, apesar de todos saberem que Julian se mostrara irredutível e implacável quando se tratava do bem-estar de Débora, que foi abalado na tal inauguração por causa de um vídeo adulterado.
De volta ao presente, abri a pasta de couro e encontrei uma infinidade de itens com variações, sugestões de preços e uma marcação se já estava disponível no mercado ou não. Alguns, inclusive, tinha em minha coleção pessoal. Compras caras que paguei parcelado no impulso ou que ganhei de aniversário.
— Resumindo, você quer que eu explore essas pessoas.
— Nada disso! — defendeu-se com veemência. — Quero que você ajude o coraçãozinho acumulador delas a ser preenchido com a singela felicidade de ter uma coleção completa.
Passei as páginas, eram muitas e o valor ia aumentando exponencialmente.
— A maioria não tem tanto dinheiro, elas não estariam felizes. — Um Funko do J-Suga montado em uma moto com a jaqueta roxa igual ao do clipe era um sonho de consumo, mas eu não tinha condições de dar trezentos e cinquenta naquilo.
Se o intuito de Leo era fazer todo o fandom comprar seus importados, teria que rever aquela tabela.
— Faremos produtos com vários preços — seu braço era comprido ao ponto de alcançar o meu lado da mesa e voltar para a primeira página —, assim alcançaremos o máximo de público.
— O "coraçãozinho acumulador" delas não estará completo se tiver itens faltando na coleção. — Fiz aspas no ar.
Ele voltou a se recostar na poltrona, os ombros se levantando com um desdém superior.
— Não podemos agradar a todos.
Uma simples frase que revelava muito sobre o homem, quando o conheci pela primeira vez, tive a impressão de que era um cara tranquilo e engraçado, namorador, porém inofensivo.
— Achei que você fosse mais legal, mas não passa de um capitalista como todos os outros.
O que não seria um problema se não fosse o seu discurso de aquecer o coração das fãs de TDS.
— Se é tão diferentona e não se importa com dinheiro, então trabalhe de graça. — Cruzou os braços, aguardando, no entanto, permaneci calada. Precisava da grana. — Foi o que pensei, não aponte a falha dos outros se você tem os mesmos defeitos. Aqui é uma empresa e eu sou o CEO, meu trabalho é gerir um negócio, não estou com os meus amigos ou me divertindo em um clube.
— Se aproximar de mim do jeito que fez é ser profissional? — Elevei a cabeça, imitando sua posição.
Esperei que Leo parecesse constrangido, entretanto, ele nem piscou por cerca de vinte segundos.
— Não, mas você é apenas uma contratada e nós já nos encontramos antes. — Relaxou um pouco, soltando um longo suspiro. — Não esqueci do seu beijo, e você? Esqueceu do meu?
Oh, Deus! Seria obrigada a mentir no primeiro dia de trabalho.
— Adoraria — a verdade escapuliu dos meus lábios sem que eu percebesse.
— Esquecer o beijo ou repeti-lo?
Pare de fazer perguntas capciosas! Implorei em silêncio. Isso! Ficar calada era o melhor caminho para lidar com Leo ou seria traída por minhas próprias palavras. Entretanto, ele esperava que eu chegasse a uma decisão.
— Não sei o que responder.
De novo, aquele sorriso de mil promessas se desenhou no canto de sua boca:
— Me avise quando descobrir.
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Quem mais gostaria de um chefe desse???
Se vocês gostam de drama, lancei uma novela dramática na Amazon que tem de bônus um conto com dois finais (um feliz e um triste):
A soma dos meus erros (link nos comentários)
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