Capítulo 1
O último dia no emprego não estava sendo como eu esperava; parecia que estava trabalhando o dobro em comparação com as últimas semanas. Três funcionários haviam sofrido intoxicação alimentar e não estavam aptos para o trabalho. Kelly, a dona do restaurante, não estava tão amável como antes. Segundo ela, eu era a melhor funcionária que havia encontrado nos últimos anos e desejava muito que eu ficasse, mas eu não poderia realizar o seu desejo.
Tudo isso por causa do casamento da minha irmã Cassandra, que alugou o salão do andar de cima para a noite seguinte, onde ocorreria a cerimônia. Eu concordei em trabalhar duro para ajudar a reduzir o custo do aluguel para dois mil bits. Achava uma idiotice realizar um casamento, mas com a herança que o noivo recebeu e com a casa dos pais, eles podiam esbanjar.
— Ellen, leva os pratos da mesa cinco — diz, terminando a ornamentação dos pratos e indo para outros.
Infelizmente, eu estava pagando o pato pela falta dos dois garçons e a auxiliar de cozinha, o que me obrigava a fazer malabarismos entre lavar louças, cuidar da cozinha e servir como garçonete.
— Estou indo — digo, terminando de cortar condimentos para o outro chefe.
O que esses garçons comeram para passar mal ao mesmo tempo? A dúvida me divertia.
O restaurante estava parcialmente cheio, o visual do lugar ainda me encantava, por trazer um ar de nobreza que fazia qualquer um esquecer o inferno que se passava lá fora.
No fundo do salão, entreguei o pedido a um jovem casal, servindo-lhes cevapi, burek e uma jarra de suco de laranja, pratos típicos que faziam muito sucesso.
— Desculpem pela demora — digo, servindo-os.
— Excelente, além de atrasada, a garçonete ainda fede — diz a jovem loira com deboche, fazendo o rapaz rir.
— Desculpem — digo sem graça, sentindo o cheiro de comida na roupa misturado com sabão. — Eu estava na cozinha cobrindo o pessoal que faltou.
— Desculpa? É só isso que você sabe dizer? — diz a jovem sem nenhum pudor. — O atendimento daqui caiu muito de qualidade, não me lembro dessa demora e muito menos de ser atendida por uma pessoa porca desse jeito. Ao menos lavou as suas mãos imundas para tocar na minha comida? Irei fazer uma reclamação com a Kelly. — a mulher diz isso olhando nos fundos dos meus olhos sem mostrar um pingo de compaixão.
Lágrimas ameaçavam a cair, mas as controlo. Nunca havia sido tratada assim antes. O constrangimento vira raiva.
Aquela loira insuportável se achava dona do mundo. Pela cara da patricinha, nem sequer a própria cama aquela vaca arruma.
Inúmeras ofensas passam pela minha mente, mas tento manter a postura. Não posso prejudicar Kelly no meu último dia.
— Senhorita... — digo, reunindo toda a minha calma. — Isso não te dá o direito de ser mal-educada, eu já lhe pedi desculpas.
— Mal-educada? — diz esnobe. — Quem está sendo é você que não sabe o seu lugar, pobretona.
— Sei muito bem onde é o meu lugar, e graças a Deus é longe de pessoas de baixo nível como a senhorita — falo serena mesmo com uma sensação ruim no peito.
— O quê? — disse a jovem incrédula. — Sabe com quem você está falando? Samantha Williams, meu pai tem dinheiro para comprar essa cidade inteira.
— E não sobrou para comprar educação para a filhinha dele? — falo imitando a voz fina de patricinha da garota.
O jovem dá uma gargalhada intensa, saindo da omissão e nos lembrando da sua presença ali desfrutando um copo de suco.
— Você vai deixar ela falar assim comigo, Jorge? — O rapaz a encara imóvel.
— Algum problema aqui? — Diz Kelly, olhando para nós três.
— Sim, muitos problemas. A sua funcionária é uma puta fedida, sem nenhum pingo de educação, tirou ela de um puteiro, foi? — Diz Samantha raivosa.
Cansei, ninguém me trata assim.
Agarro a jarra de suco sobre a mesa e jogo com força no rosto da loira insuportável. O semblante de soberba se transforma em espanto.
— Nossa! Como sou burra! — digo sorrindo e saindo para a cozinha, enquanto a vaca chorava e dava seu show para o namorado e Kelly.
Entro para cozinha, buscando respirar profundamente para que eu pudesse me acalmar da tensão daquele momento.
Detestava esse tipo de atitude, mas Samantha passou dos limites. Não havia trabalhado e estudado a vida inteira para ser humilhada por uma herdeira qualquer.
— Ellen! — grita Kelly voltando à cozinha, estava vermelha de raiva. — O que foi isso?
— Eu não tenho saco para lidar com esse tipo de gente, ela me tratou como se eu fosse uma vagabunda.
— A família dela são clientes fiéis ao meu restaurante, eles fazem várias encomendas aqui. — Diz alterada.
— Merda. — Digo pondo as mãos na cabeça. — Eu não queria te prejudicar, é sério.
— Kelly. — Interrompe Jorge na porta da cozinha, com o prato na mão. — Vim pagar a conta e pedir para embalar meu prato para a viagem.
— Não se preocupe, querido, é por conta da casa. — Kelly vai indo pegar uma embalagem para guardar o prato.
— O QR Code, Kelly. — Diz Jorge firmemente, Kelly gera o QR Code e Jorge o paga.
— Perdão, Jorge. — Diz Kelly pesadamente. — Você poderia advogar por mim no Sr. William?
— Farei ele dar boas risadas. — Falou, voltando a sorrir.
Ela agradece sorridente, e Jorge retribui o sorriso.
E agora seu olhar se encontra com o meu, e não tinha o tom de cordialidade em seu semblante.
— Cuidado com o que faz, alguns morreram por menos.
— Foi uma ameaça?
— Você saberia se fosse. — Diz em um tom intimidador e se retira.
Kelly olha para mim com uma cara de surpresa.
— Devo me preocupar? — Pergunto já preocupada.
— Relaxa, vamos voltar ao trabalho.
O dia passa sem grandes ocorridos, a não ser as gargalhadas e piadas que gerei com a minha história com Samantha entre os funcionários da cozinha. Ao final do dia, as despedidas começam.
— Obrigada por tudo. — Diz Kelly me entregando dois pacotes. — Pra você jantar com a sua família.
— Não precisava. — Fico grata pelo gesto.
— Você é excelente na cozinha, mas nunca mais trabalhe de garçonete.
— Perdi a cabeça. — Digo, rindo de vergonha. — Tomara que não te prejudique.
— Ah, mas cá entre nós, ela merecia bem mais, eu conheço a peça. — Nós sorrimos.— Te vejo no casamento? — Digo, lembrando do casório de minha irmã.
— Claro, e já lhe aviso que vou derramar suco em muita gente, senhorita Ellen. — Após gargalhadas, nos despedimos.
A minha casa ficava a vinte minutos do restaurante, e essa caminhada era o meu momento de fuga para poder pensar na vida sem que ninguém me incomodasse.
Não tinha um sonho de ser garçonete em um restaurante grã-fino, mas me empolgava mais do que ser a babá da minha família. Suportar um adolescente desnorteado e uma cega mal-amada que me humilhava a cada momento era desanimador comparado com o futuro que eu esperava. Ainda por cima não iria mais contar com a irmã mais velha que iria para sua casa com seu marido e também teria a companhia de uma criança de cinco anos, uma das paixões que a vida me obrigou a ter.
Foi por isso que voltei, pensava sem muito entusiasmo. Tinha que me libertar do ódio que nutria da minha família desde o momento em que saí da cidade. Tenho que me curar para poder viver meu sonho.
A volta para Zagreb foi uma escolha difícil, de longas sessões de conversa com os meus avós, com quem morava em Budapeste. Foram os cinco anos mais felizes da minha vida, onde consegui construir uma vida, fazer amigos, me apaixonar, trabalhar com o que amava, que era dar aula de alfabetização para crianças de seis anos, e juntar dinheiro para que eu pudesse me tornar uma psicóloga.
Mas precisava perdoar minha família. Havia algo na minha vida que parecia travado, e algo me dizia que eram as minhas questões não resolvidas em casa que não me permitiam ter paz.
E o casamento de Cassandra foi uma oportunidade perfeita para passar esse tempo em casa.
O que era difícil, especialmente quando se tratava da minha mãe, que vivia uma vida presa a sua amargura, que nutria sobre si e os outros. Isso era algo que me fazia acreditar que essa era uma das principais razões para suas inúmeras doenças que ela carregava consigo.
Pelo menos consegui me acertar com minha irmã Cassandra. Ela se permitiu evoluir e se libertar das feridas que nosso pai nos fez. E agora podemos dizer finalmente que somos amigas, algo que não seria possível na adolescência.
E aqui estou eu após trabalhar um mês no restaurante, onde em cima tinha um salão de festa. Pelo menos consegui abater o preço do aluguel do salão para o casamento.
Na verdade, eu tinha dinheiro para ajuda a pagar o aluguel, mas eu sabia que se eu ficasse em casa com a minha mãe, o meu desejo de perdoá-la iria diminuir cada vez que ela abrisse a boca. Pelo menos trabalhando, eu conseguia distrair minha cabeça.
Já os irmãos mais novos, eu amava eles de maneira imensurável. Ficava feliz que o veneno da mãe e do pai não tinha atrapalhado Adam e Milena.
Durante a caminhada pude a analisar a cidade natal . Zagreb não era o pior lugar para se viver. A arquitetura europeia dava um charme ao lugar, trazendo uma sensação de estar em um conto de fadas ou em um lugar perdido no passado, onde existiam príncipes e cavaleiros, como descrito nas histórias da Disney que eu ouvia quando criança. Mas, obviamente, os resquícios que a guerra trouxe gravados em suas ruínas de edifícios desabados e prédios parcialmente destruídos faziam lembrar das atrocidades que levaram os humanos a se destruírem.
Enquanto contemplava a beleza da cidade, percebia que Zagreb era fascinante e ao mesmo tempo sufocante. Parecia que eu estava olhando para a idealização de um mundo perfeito que existiu no passado, mas essa visão era constantemente atormentada pelos resquícios da guerra que sabíamos que nunca desapareceriam
A ditadura silenciosa da Zelândia era genial e consequentemente cruel. Ela nos mantinha presos no passado da guerra. Eles nos enchiam de dinheiro, drogas e bebidas, nos deixavam alienados. Eles diziam que poderíamos progredir, mas nunca sairíamos do lugar. Éramos escravos com uma falsa sensação de liberdade. Desde os mais ricos até os viciados.
Chego às redondezas da minha casa. Ela ficava em uma boa vizinhança, com poucos incidentes, principalmente após a morte do meu pai, que era o denominador comum de toda confusão, graças ao seu maldito vício.
Infelizmente, o vício em drogas não apenas o destruiu, mas a todos ao seu redor.
Minha mãe e minha irmã caçula estavam na casa da minha irmã mais velha, se entretendo com os preparativos do casamento que ocorreria na noite seguinte.
Adam, O irmão mais novo estava em casa com a namorada Lara. Eu me surpreendia pelo fato de ele ter um relacionamento mais duradouro do que todos os meus. Já estava com a jovem há mais de um ano, o que equivalia a um casamento para adolescentes de dezesseis anos.
Passo pela sala e adentro a uma cozinha bagunçada e suja.
— Oi, Ellen. — A jovem vem me abraçar quando chego à cozinha. — Estou fazendo o jantar.
— Não precisa, querida. — Digo, colocando na mesa a comida que havia ganhado de Kelly.
— Graças a Deus, a comida da Lara é horrível. — Diz Adam nos encontrando na cozinha.
— Mas você não disse que vai ficar o resto da vida comendo minha comida? — Diz a namorada desligando a panela.
— Eu estava brincando, amor. — Ele diz indo até ela e lhe beijando. Ele dá uma piscadela para mim quando ela não vê.
Eram um casal bonito. Adam tinha cabelos cacheados e um corpo desnutrido que piorava em suas roupas largas, era bonito como toda a família, tinha pele morena e era um pouco maior que os meus um metro e sessenta e cinco.
Lara era branca, dos cabelos lisos e vestia um top e shorts preto. Que os filhos saíssem como Adam. Pensei, lembrando dos traços dos Sandler sendo uma cópia escarrada um do outro, com os traços latinos.
— Não vou ficar de vela para adolescente não. — Digo desembalando a comida para comer.
— Sua hora vai chegar, daqui a pouco você arruma outro soldado. — Diz Adam sorrindo, mas além do sorriso, vejo algo diferente em seu rosto.
— O que é isso na sua cara? — Vou até ele e toco no inchaço nos lábios.
— Nada. — Ele diz afastando minha mão do seu rosto. — Trombei a boca na parede, meu dente ficou até bambo. — Diz balançando um dente da frente.
— Foi hilário. — Lara diz sorrindo.
— Toma cuidado, lerdo. — Digo organizando a mesa para o jantar. — Por que vocês não arrumaram a casa? — Olho ao redor da cozinha. Incrédula.
— É que nós estávamos ocupados. — Diz Adam com um sorriso malicioso, vindo para o meu lado, e roubando um pedaço da comida.
— Não me interessa, eu quero essa casa arrumada. — Falo, servindo a mesa e não sabendo lidar com o nervosismo do dia.
— Meu pai deixou eu dormir aqui, amanhã eu arrumo tudo. — Diz Lara me ajudando.
— A casa não é sua, Lara. Ele tem que aprender. — Digo ríspida.
— Tá bom, general, eu arrumo tudo amanhã bem cedinho. — Adam sorri, cedendo. — Mas não acha que você anda muito estressada? Está precisando transar.
— Uau. — Digo surpresa com a ousadia do moleque. — Você tem razão, eu preciso extravasar. — Então acerto um soco no seu braço.
— Aí, doeu. — Diz esfregando aonde eu o esmurrei.
— Fica esperto ou senão te acerto outro.
— Você não consegue. Você que me pegou desprevenido... — Lhe acerto outro soco na barriga.
— O quê? Desculpa, eu não ouvi direito? — Adam me empurra.
— Você quer brigar, né? Já vou avisando que vou te quebrar inteira. — Diz com cara de bravo, eu começo a rir.
— Vou arrancar o resto dos seus dentes. — Aponto uma colher para ele.
— E eu vou te deixar careca. — Fala ele com nojo.
— Vou chutar o seu saco e fazer as suas bolas saírem pela boca.
— Vocês vão brigar ou só vão ficar se xingando? — Se intromete Lara do outro lado da mesa, colocando fogo na fogueira.
— Xingando? — Me viro para Adam, fazendo-me de desentendida.
— A gente estava se declarando um para o outro. — Diz Adam inconformado. — E você atrapalhou tudo.
— Acho que ela tem que pagar por isso. — Digo me arrastando entre um dos lados da mesa.
—vamos acabar com ela.— diz adam a cercando do outro lado da mesa.
— Vocês nunca vão me pegar- ela diz engrossando a voz, e correndo na direção da sala. nos fazendo ir atrás dela.
Assim passamos aquela noite, nos divertindo desenfreadamente. Foi o último dia normal da minha vida, o último momento de felicidades ao lado do meu irmão. A última noite feliz daquele casal.
Pois o destino trabalha cruelmente. E o que ele havia reservado para nós três ninguém merecia viver. Mas vivemos e tivemos um final trágico.
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