Capítulo 4 | Harry
Liam está recostado na cabeceira da minha cama, tocando displicentemente o meu violão, enquanto me observa arrumar a mala. Viajo em alguns dias, mas estou tão animado que resolvi já deixar o máximo possível pronto.
— Eu não acredito que a Dra. Harrison está te mandando para o Rio. Ganhar uma viagem com tudo pago pela universidade depois da maneira escrota como você tem se comportado? Ela não pode estar no seu juízo perfeito.
— Palavras de um homem com inveja.
— Claro que eu estou com inveja! Se eu fizesse metade do que você fez essas semanas no meu trabalho, seria demitido na certa. E olha que eu trabalho para o meu tio!
O tio de Liam tem uma empresa de eventos e ele é o responsável pelo departamento de marketing. Nepotismo? Claro. Mas Liam é realmente bom no que faz, ao contrário da maioria dos filhinhos de papai que são empregados sem nem saberem amarrar o próprio sapato. Por tudo que sofreu na adolescência, ele dá valor a todas as oportunidades da vida, até mesmo a um emprego tido como certo.
Continuo dobrando umas mudas de roupa, quando o súbito silêncio do violão me faz voltar a atenção para Liam.
— Estou feliz de te ver assim, Harry.
— Assim como?
— Em primeiro lugar, de banho tomado. O fedor estava realmente insuportável.
Levanto meu indicador e meu dedo médio, gesticulando um belo de um "vai à merda" para o meu amigo. Ele retruca erguendo o dedo do meio, sinalizando a mesma coisa.
— Mas sério, Harry. Você está de pé, focado em algo que não é a sua própria vida miserável. Tem um ar de esperança e propósito em volta de você. Senti falta disso.
— Eu também — digo, com sinceridade. Sei que estou longe de estar bem, contudo o fato da Dra. Harrison acreditar em mim me trouxe um entusiasmo que eu estava precisando. Não sei se vai durar, entretanto espero que sim.
— Se uma viagem a trabalho fez isso, imagina se você transar.
— Não vejo isso em um futuro próximo, então se dê por satisfeito com a viagem.
— Por que não? Você vai estar num país novo, conhecendo gente nova. Ainda mais considerando que elas vão estar em uma conferência sobre coisas que te interessam, então você já tem certeza de que vão ter muito em comum. Daí para a cama é um pulo.
— Eu queria viver no seu mundo, onde uma conferência sobre impactos ambientais dá vontade de fazer sexo. — digo, jogando nele o suéter que eu estava dobrando.
— Não estou falando para se casar com a próxima mulher que passar pelo seu caminho, só uma coisa casual para fazer você esquecer. É aquela máxima: ficar embaixo de uma pessoa para superar outra.
Ele pisca o olho para mim, e minha vontade é socar aquela cara cínica. Liam nunca teve uma noite sequer de sexo casual. Pula de uma namorada para outra, sempre ficando com elas por pelo menos um ano. É quase um namorado compulsivo. Sinceramente, em mais de vinte anos de amizade, não me lembro do Liam solteiro. Espero que dê certo com a Danny, porque ele consegue ficar pior do que eu quando termina. No entanto, dura pouco. Logo vai a uma festa, ou a um piquenique, ou até mesmo à biblioteca, e sai de lá comprometido com a mulher com quem ele acha que vai ter o seu "felizes para sempre".
Já eu demoro bem mais tempo. Beeeeem mais tempo. Fiquei em idas e vindas com a Melanie por quase um ano antes de pedir para ela ser minha namorada. Achei que estávamos em um caminho bom. Ela queria ser atriz, então eu a colocava para atuar nos clipes da banda e ela se dava bem com o pessoal. O sexo era ótimo, e ela não ficava em cima de mim toda carente como algumas mulheres ficam, sabe? Eu achava que era isso que queria, até desvendar o porquê. Ela estava me traindo. Quase desde o começo do nosso relacionamento de dois anos. Descobri que Melanie não acredita em monogamia. Talvez eu até tivesse concordado com um relacionamento aberto, mas para isso ela precisaria ter me avisado antes que estávamos começando um. Antes de eu lhe pedir para se mudar para a minha casa, antes de eu começar a buscar alianças de noivado, antes de eu ter encontrado minha namorada chupando outro cara em um carro na esquina da nossa rua.
Tento esquecer a cena e volto para minha conversa com Liam.
— Sério, Liam, depois da Melanie, acho que prefiro ficar um tempo sem ninguém. Vou focar no doutorado e na banda, e esquecer de mulher um pouco. Vai fazer bem para mim.
— Owen vai adorar te ouvir falando isso.
Respiro fundo.
— Ele anda reclamando de novo?
— De novo? Ele nunca parou. Acho que desde que você terminou e...— Liam não completa o raciocínio, mas sei que está se referindo a eu ter ficado na merda. — Ele entrou em um redemoinho de insatisfação que eu não sei como o Taylor aguenta.
— Eles são primos. O Taylor tem que aguentar porque é da família.
— Talvez. Mas eu também entendo o lado do Owen.
— É, eu também.
Owen é bem mais jovem do que a gente, tem apenas vinte e quatro anos. Ele entrou na banda faz um ano para suprir a falta de alguém que cuidasse dos solos de guitarra e me ajudasse nos vocais; seu talento é surreal. No entanto, por mais que eu quisesse que fosse diferente, nossa banda é mais para curtir e relaxar do que realmente para fazer sucesso. Ele queria viver de tocar, contudo eu tenho a universidade; Liam, sua carreira na empresa do tio; e Taylor é dono de uma oficina especializada em carros esportivos. Nosso foco nunca foi estourar do dia para noite e, agora, não temos mais fôlego para tocar em pubs, todos os fins de semana, na esperança de sermos descobertos, muito menos tempo para ensaiar com a frequência que isso demandaria.
Se antes de tudo que aconteceu com Melanie, ele já estava insatisfeito, nessas últimas semanas em que eu simplesmente desapareci, Liam me relatou que Owen estava furioso.
— Mas, quando eu contar que você quer voltar a ensaiar, tenho certeza de que consigo acalmar os ânimos. Então, nem se preocupe com isso. Viaje tranquilo e com a mente voltada para o que importa: sexo casual.
Ele ainda não se esqueceu dessa história?
— Vamos combinar uma coisa então: quando você começar a fazer sexo casual, eu também faço. Que tal?
— Eu tenho a Danny, Harry. Por que eu iria querer alguém por uma noite quando posso estar com ela para sempre? — Não comento. Ele toma meu silêncio como motivo para continuar. — Além do mais, não estamos falando de mim. Você é quem está na merda, logo, é quem precisa de um belo par de peitos. Se bem que você vai para o Brasil, né? Ouvi dizer que bundas são o destaque por lá.
De novo aquela piscada que me irrita.
— Farei o meu melhor para conseguir uma bela bunda, está bem? Fica feliz assim?
— Eu? Já tenho uma bela bunda, duas se você contar com a da Danny. — Danny não tem bunda alguma, mas prefiro não falar para ele que eu já olhei. — O que a gente quer aqui é ver você feliz. Digo mais, vamos fazer uma aposta! Se você transar com alguém no Brasil, eu te dou o meu Höfner.
Paro de me mover na mesma hora. O aparelho de barbear que estava indo para a mala cai na cama.
—O Höfner? — consigo perguntar depois de alguns segundos travado pelo choque.
— Isso.
— O Beatle bass?
— Esse mesmo.
— O contrabaixo que tem o autógrafo do Paul McCartney?
— Não lembro de ter outro Höfner.
Percebo que ainda estou meio curvado sobre a mala, preso na posição que me encontrava quando ele falou do Höfner pela primeira vez. Liam ama aquele baixo. Ele nem ao menos o toca desde que conseguiu o autógrafo do ex-Beatle. O instrumento fica numa redoma de vidro, no loft dele.
— Olivia?
— Sim, a Olivia.
O nome do Höfner foi dado em homenagem a Olivia Pope do seriado Scandal. Além da atriz que interpreta a Olivia ser gata, Liam tem uma leve tara em tudo que a Shonda Rhimes faz. Isso só corrobora que ele deve estar brincando.
— Por que você faria isso?
Para a minha surpresa, ele assume uma postura séria. Coloca meu violão de lado, cruza as pernas apoiando os cotovelos nos joelhos, entrelaça as mãos e me encara.
— Porque você ficou miserável, Harry. Não quero te ver assim de novo. Sim, eu amo a Olivia, mas eu te amo mais. Você precisa disso. Precisa esquecer. Esquecer Melanie, esquecer a vida que achava que iam ter. Ela não era para você, Harry, mas isso não quer dizer que mais ninguém vai ser. Quanto antes você superar, mais rápido vai estar aberto para a próxima. E eu te garanto, vai ter uma próxima.
Fico sem palavras com o discurso do meu amigo, do meu irmão.
— Liam, eu...
— E é uma aposta, Harry. — Liam diz, me cortando. Ele sabe que eu não lido bem com conversas melosas. — Então, eu também vou querer uma coisa se você perder e não transar com ninguém.
— O quê?
Liam batuca o queixo com um dedo, contemplando o que pedir.
— Se não transar com ninguém, quando voltar, você se muda para o meu apartamento.
— Você não desiste, né?
Não é a primeira vez que Liam fala disso comigo. Desde que Melanie se foi, ele diz que as memórias aqui na minha casa são o maior motivo para a minha fossa. No fim das contas, ele está pensando em mim até quando é para pedir algo para ele.
Esse é o Liam.
— Se eu desistisse fácil, meus relacionamentos não seriam tão longos quanto são.
Alguns talvez devessem ter sido mais curtos, ou nem ter acontecido, mas não menciono isso.
Essa aposta toda é só uma forma de ele me fazer sentir melhor. E agora que estou com um ar de propósito, graças à essa viagem, vejo que realmente faria bem eu me mudar. Não vai ser fácil acompanhar de perto ele e Danny sendo felizes e ouvir a cabeceira da cama batendo contra a parede do quarto de hóspedes, contudo não acho que consigo ficar nessa casa muito mais tempo. Além disso, poderei ver a Olivia sempre que quiser. Tocá-la não vai acontecer, mas ter aquela belezinha por perto já vai ser um bom prêmio de consolação. Não preciso transar com ninguém para isso. E não pretendo.
Consigo transar sem me relacionar? Claro, já fiz isso inúmeras vezes — não me julgue. No entanto, minha cabeça não está no lugar certo. Não quero dar chance para ninguém se aproximar.
Já pensando em que móveis vou levar para a casa do meu amigo e quais vou deixar para trás, estico a mão.
— Fechado.
Liam aperta com força e pisca para mim.
Ele e essas merdas dessas piscadas.
NOTA DA AUTORA
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Beijocas!
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